Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários ao livro "O desafio da Guerra". Preocupação com a possibilidade de uma nova guerra promovida pelos EUA.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Comentários ao livro "O desafio da Guerra". Preocupação com a possibilidade de uma nova guerra promovida pelos EUA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2001 - Página 22200
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, CORRELAÇÃO, CAPITALISMO, CRISE, DIVIDA PUBLICA, GUERRA, GASTOS PUBLICOS, ARMAMENTO, LUCRO, INDUSTRIA DE MATERIAL BELICO, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CRITICA, ATUAÇÃO, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ECONOMISTA, BUSCA, SOLUÇÃO, CRISE, ECONOMIA, ALTERNATIVA, GUERRA, DESTRUIÇÃO, DEFESA, PAZ.
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DIREÇÃO, GUERRA, COMBATE, OSAMA BIN LADEN, LIDER, TERRORISMO, OMISSÃO, MISERIA, DESIGUALDADE SOCIAL, MUNDO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, serei breve.

            Eu gostaria de fazer alguns comentários que calei ao ouvir os Senadores que me antecederam e que tiveram por preocupação nodal a questão da polarização violenta que divide o mundo de hoje. Eu gostaria de dizer que a maior preocupação da minha vida, aquilo que explica uma atividade dedicada a tentar compreender parte da nossa realidade, uma aventura fantástica que me fez ser apenas professor, viver única e exclusivamente para a minha família, para os meus filhos, para os meus alunos e para os meus estudos. E, obviamente, essa tentativa de entender um pouco deste complicado, deste confuso mundo capitalista me levou a dar importância muito grande a duas questões: à crise e às guerras. Trezentas e quarenta e quatro guerras ocorreram no nosso convulsionado mundo entre 1740 e 1974, de acordo com o que está escrito à pág. 16 de um livro chamado O Desafio da Guerra, editado pela Biblioteca Editora do Exército Nacional.

            Eric J. Hobsbawn, hors-concours como maior historiador de nossa era, anotou 87 guerras internacionais entre 1840 e 1940, em cem anos. De modo que o nosso mundo vive sangrando. Quando um ataque desesperado, um ataque covarde como o que ocorreu no dia 11, em Nova Iorque, acontece, realmente ficamos perplexos. E algumas pessoas nunca pensaram nesses problemas, como é o caso, por exemplo, do Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que há quatro semanas, em publicação da revista IstoÉ, afirmou o seguinte: “Eu não sabia que possuíamos tantas armas. Para que tantas?!” E ele, que disse desconhecer o poder bélico que armazenaram durante o Século 20, chegou a ir à Rússia e à China, na tentativa de encontrar desculpas para gastar entre 250 milhões e 01 trilhão de dólares no chamado escudo antimíssil, em guerra.

            É incrível que o desastre lamentável que ocorreu em Nova Iorque tenha ajudado tanto o trabalho do Sr. Bush no sentido de justificar a dissipação de US$01 trilhão, talvez, na construção do escudo antimíssil.

            Não é preciso ter bola de cristal. É preciso ler. É preciso pesquisar, com qualquer capacidade. Eu nunca fiz o QI (Teste de Inteligência). O Sr. Bush fez. Deu 91. E o do pai dele, o “Bushão”, 98. O QI fala por mim. Como entregamos os nossos destinos a pessoas de tão poucas luzes?!

            Não sabia que os Estados Unidos possuíam um imenso arsenal capaz de destruir várias vezes o mundo. Não sabia que, depois da guerra quente, veio a Guerra Fria, na qual se gastou US$15 trilhões.

            Não é preciso fazer a guerra. É preciso fornecer lucro para as atividades bélicas. É preciso criar empregos nas atividades bélicas. É preciso dinamizar a economia contraditória, impedindo que as forças voltadas para o homem, para o bem-estar do homem, meios de produção e meios de consumo se desenvolvam e, no seu lugar, se expandam e se transformem no sustentáculo do sistema e garantidores de sua reprodução os setores bélicos e espaciais, os setores que não têm nada a ver com o bem-estar humano.

            Pelo contrário, desviam recursos do consumo e da produção para a destruição e para atividades totalmente improdutivas.

            Pois bem, não é preciso ter bola de cristal.

A guerra é o principal problema da economia política, que uma metodologia ideológica afastou aparentemente do universo de análise econômica, embora Keynes jamais o tenha feito.

            A guerra é o principal problema da economia política. Não é a estabilidade, não. Não é o equilíbrio, não. Como sistema capitalista, tendemos para a guerra. E a guerra responde a todas as necessidades e contradições principais do sistema. Só que a guerra se assenta e se apóia na dívida pública. Hitler a fez crescer tanto que, no dia 21 de junho de 1948, houve o calote da dívida pública alemã. Em 1946, houve a mesma coisa com a dívida pública japonesa. A dívida pública norte-americana estava, no final da Segunda Guerra Mundial, em 119,9% do PIB norte-americano.

            Então, as contradições que a guerra resolve mudam de forma e surgem como aumento da dívida pública. E, um dia, a crise da dívida pública põe fim ao processo tortuoso, desumano de crescimento econômico que conhecemos.

            De modo que, então, não precisou de bola de cristal.

As transformações que a crise trará na estrutura da produção, da ocupação, da distribuição, do consumo e da riqueza serão, no mínimo, tão profundas quanto as acarretadas pela crise do mercantilismo e pela crise do neoliberalismo, em 1929.

A principal tarefa da economia, como ciência do homem, é a de divisar formas de superação da crise da economia keynesiana que não sejam a monótona recorrência do remédio malthusiano-keynesiano: a guerra.

            A guerra - remédio perverso, remédio oculto. Há 21 anos, quando publiquei este livro, eu esperava que nunca mais recorrêssemos à guerra como remédio dinamizador desse sistema.

           Então, alerto que a próxima crise, se for resolvida pela da guerra, essa que todos estamos vendo, que está “pintando” por aí, será uma destruição inútil, um sacrifício escatológico, em que apenas a reconstrução dos escombros abrirá nos cemitérios da humanidade oportunidade de novos investimentos.

Portanto, a principal tarefa do economista consiste, hoje, em divisar formas capazes de superar a crise da economia keynesiana sem guerra, mostrando, se necessário, se este for o convencimento individual, que a superação das relações de produção [capitalistas] pode ter-se tornado um imperativo da sobrevivência e da realização do homem.

            Escrevi isso há 21 anos.

            De modo que, tenho motivos suficientes para suspeitar que alguns males vêm para o bem e que estavam procurando desculpas para continuar o processo interrompido com a queda do muro de Berlim - processo que dinamiza, através do papel-moeda inconversível, do déficit orçamentário, da sustentação da taxa de lucro através dessas atividades bélicas inúteis.

            Lord Keynes não tinha a nossa bitola estreita. Escrevi essas palavras em 1983, por ocasião do centenário de nascimento de Keynes e da morte de Marx. Eu, com a minha bitola estreita, e muitos com apenas 91 de QI não podem compreender, não têm condições de compreender, são incapazes de compreender. A meu ver, na economia e em quase todas as ciências sociais, houve apenas um homem de bitola larga no século XX: Lord John Maynard Keynes, que ajudou a mudar um mundo caótico que não o compreendeu. Parece-me que ele entendeu. Li sua obra em 1958, quando mudei a minha vida. Ele dizia, entre outros coisas, que os homens práticos de hoje são escravos de algum teórico já morto. Foi ele quem me acordou, porque repetiu seis vezes que o capitalismo não poderia sobreviver muito tempo sem guerra, que é necessária. Por isso, houve 344 guerras, sendo 87 internacionais.

            A Guerra Fria permitiu a manutenção da estrutura, das formas monetárias e das relações entre o Executivo despótico e bélico de Hitler e o de Roosevelt. Roosevelt escreveu: “O que estou fazendo nos Estados Unidos é o mesmo que Stalin está fazendo na Rússia e que Hitler está fazendo na Alemanha”.

            Acabou a democracia há muito tempo, se é que ela existiu. “Hitler perdeu a guerra, mas ganhou a paz” - é o que Roosevelt declara num livro chamado Os mil primeiros dias, escrito pelo seu secretário.

            A moeda é fascista, nossa moeda inconversível. Ela tornou-se inconversível, papel pintado, para garantir ao Estado despótico, ao Executivo autoritário, que aumentasse o seus gastos, que reabsorvesse os 40%, por exemplo, de desemprego que a Alemanha possuía em 1934 e que a publicidade, exacerbada - no ano passado, gastamos, no Brasil, R$480 milhões nesse setor - no tempo de Hitler, anestesiasse a população, entusiasmasse o povo, fanatizado por suas idéias.

            Em 1958, li o seguinte trecho de um livro denominado A Teoria Geral, de John Maynard Keynes: “Duvido que tenhamos conhecido um auge duradouro capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra”. Em outro livro, consta: “Se os Estados Unidos se sensibilizarem com a grande dissipação decorrente da preparação das armas, aprenderão a conhecer sua força. Nem a vitória nem a derrota do New Deal nada significarão diante dessa experiência bélica de preparação da guerra”.

            Em 1938, Roosevelt decuplicou as despesas de guerra, começando a retirar a economia dos Estados Unidos da crise iniciada em outubro de 1929.

            Parece-me que o Senhor Presidente da República, aparentemente eleito nos Estados Unidos, o Sr. Bush, foi à China, foi à Rússia, para ver se conseguia, soprando as brasas da Guerra Fria, encontrar uma desculpa para realizar o escudo defensivo. Não sei se existe arma defensiva para matar só os outros, que só podem atirar para um lado. Atiram as armas para onde são apontadas.

            A Guerra Fria havia mostrado que os Estados Unidos estavam entrando em colapso, em crise, em depressão, visível em todas as partes do mundo. Essa depressão se dava num sistema globalizado e estava manifestando-se através do colapso da economia e da bolsa no Sudeste Asiático, no México, na Rússia, no Brasil e na Argentina, com metástases, portanto, na Turquia e nos quatro cantos do mundo. A dinâmica que a guerra permitiu ser mantida nos Estados Unidos, obviamente, estava dando sinais de entrar em exaustão.

            O pobre, o louco, ex-amigo, ex-irmão, Osama Bin Laden foi enriquecido, principalmente quando se tornou aliado dos Estados Unidos, para fazer um ataque à União Soviética. Naquela ocasião, ele não estava do lado do mau, não era o mau, mas o bem. Era o bem no momento em que atacava a União Soviética.

            No momento seguinte, o mesmo louco, maníaco, Osama Bin Laden passa a ser satanizado e deve ser liquidado. Não se pode, não se deveria, no século XXI, como aconteceu há pouco tempo, mover uma guerra para liquidar uma pessoa. É um absurdo total a guerra contra uma pessoa. Se não for entregue dentro de 72 horas o Sr. Osama Bin Laden, haverá um ataque, uma guerra contra o Afeganistão.

            Infelizmente, não adiantou nada. Apenas sofri antes, com receio de que essas coisas viessem a ocorrer.

            Obviamente, é impossível prever qual a forma que essa miséria imposta ao mundo vai desesperar tanto uma população, que ela seja capaz de produzir um Osama bin Laden. São diversas as formas que a tentativa de sobrevivência de grupos humanos encontram quando as situações de manutenção da vida desaparecem. O mundo está repleto realmente de ilhas de desigualdade profunda.

            Alguém já escreveu no princípio do século - esse alguém de chamava Lenin - sobre o desenvolvimento global, desigual e combinado do sistema capitalista mundial.

            A economia brasileira foi sucateada algumas vezes: em 1795, pela Inglaterra; em 1898, pelo capitalismo cêntrico. E temos sido sucateados permanentemente. A partir de certo momento, a parte do capitalismo que se afirma é o capitalismo financeiro.

            Portanto, foi muito emblemático que, naquela fumaça pestilenta que surgia do terror em Nova Iorque, no dia 11, se vislumbrasse a figura do Presidente do Banco Central. Ele estava lá porque lá é o seu lugar.

            E lá estava um outro, aquele que sustentou um exército contra a União Soviética, o maior especulador do mundo, cuja fortuna pessoal - ele foi um menino pobre, um judeu perseguido na Hungria - chega a US$24 bilhões. Esse senhor é parceiro de Cristovam Buarque, tendo fornecido US$7 milhões para a parceria que foi feita com o pretexto de sustentar a Bolsa-Escola. Mas esse que sustenta a Bolsa-Escola sustentou também exércitos armados. E todos os seus biógrafos são unânimes ao lembrar que ele - esse louco - se considera Deus. George Soros, o grande especulador, derrubou, da noite para o dia, a libra inglesa. Quando perguntado por que havia derrubado a libra inglesa, ele respondeu “Eu não gosto da Inglaterra”. Então, derrubou a libra.

            Sr. Presidente, o mundo, um dia, não produzirá seres deformados. Eu espero e confio. Infelizmente, por ter lutado a vida inteira e explicado aos meus alunos o perigo das guerras, fui eliminado da imprensa. Recebi ameaças de morte para me silenciar, porque eu falava e sempre falei essas coisas. No espaço que tive, consegui publicar justamente isso e continuo com essa minha posição.

            Sou fundamentalmente pacifista, e é por isso que sofro, porque vivo numa época, numa sociedade em que a paz se torna incompatível com a vida normal dos homens. A guerra transformou-se num remédio, na unidade das soluções do sistema e é imprescindível, infelizmente, para que os ricos continuem concentrando renda e gerando os espaços da pobreza no mundo globalizado.

            Agradeço o tempo extra que me foi dado. O tema é muito longo, e o tempo é relativamente curto.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo14/26/2412:41



Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2001 - Página 22200