Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários à aprovação, pelo Senado, da nova lei das Sociedades Anônimas.

Autor
Antonio Carlos Júnior (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO COMERCIAL.:
  • Comentários à aprovação, pelo Senado, da nova lei das Sociedades Anônimas.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2001 - Página 23900
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO COMERCIAL.
Indexação
  • ANALISE, RELEVANCIA, APROVAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEI DAS SOCIEDADES ANONIMAS, MELHORIA, SITUAÇÃO, MERCADO DE CAPITAIS, TRANSAÇÃO, NATUREZA COMERCIAL, REDUÇÃO, RISCOS, ACIONISTA MINORITARIO, INSERÇÃO, GLOBALIZAÇÃO.
  • REGISTRO, POSSIBILIDADE, PROJETO DE LEI, AMPLIAÇÃO, ABRANGENCIA, ATUAÇÃO, COMISSÃO DE VALORES MOBILIARIOS, FISCALIZAÇÃO, MERCADO DE CAPITAIS, OBJETIVO, ATRAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, INCENTIVO, BOLSA DE VALORES.
  • COMENTARIO, PARCERIA, ORADOR, PAULO HARTUNG, SENADOR, ELABORAÇÃO, COMPLEMENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, PROMOÇÃO, IGUALDADE, ACIONISTA MINORITARIO, ACIONISTA PREFERENCIAL, SOCIEDADE ANONIMA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS JÚNIOR (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna na tarde de hoje para comentar o Projeto de Lei da Câmara nº 23, de 2001, que promove relevantes alterações na atual legislação sobre as Sociedades por Ações no Brasil, aprovado por este plenário há duas semanas.

            De pronto, devo ressaltar a relevância da aprovação da matéria para o mercado societário nacional, que, a despeito da evolução diária nas transações comerciais impostas pelos avanços tecnológicos nas relações econômicas, tem sido obrigado a sobreviver sob a égide de uma legislação já desatualizada, que dificulta e gera custos elevados nos processos organizacionais de capitais no País.

            O projeto chegou à apreciação do Senado Federal após três anos de tramitação e exaustivos debates na Câmara dos Deputados, onde veio a ser impulsionado pelo Governo Federal, no final do ano passado, em virtude da conscientização sobre a necessidade de fortalecimento do mercado brasileiro.

            O Brasil apresenta-se ainda como um país estruturado para atender à empresa familiar, cujo controle é exercido pela detenção da quase totalidade de um bloco de ações votantes, que concentra na mão de poucos o comando das companhias por ações. Aos investidores minoritários são destinadas as ações preferenciais, desprovidas da prerrogativa do voto. E, como retribuição pela subtração do direito de interferência na gestão, ao acionista preferencial é apresentada uma falsa vantagem patrimonial: prioridade na percepção de dividendos e no reembolso em caso de liquidação.

            Há os que dirão: houve um considerável crescimento de mercado com o advento da Lei nº 6.404, de 1976. É verdade. A partir daquele ano, assistimos à expansão de muitas companhias, mas não podemos desconsiderar que essa se deu também pela outorga de generosos incentivos fiscais e pela imposição, aos investidores institucionais, de aplicações compulsórias.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, naquele momento, o País vivia uma economia quase fechada e os negócios privados - numa era estatizante - eram vistos como mero complemento das chamadas “razões de Estado”.

            Hoje, o mercado vem sofrendo permanente e inevitável esvaziamento, mesmo após sua abertura ao capital externo.

            O Brasil tem assistido ao seu volume de investimentos na Bolsa declinar gradativamente nos últimos anos, enquanto inúmeras empresas brasileiras têm se lançado no mercado dos Estados Unidos.

            A legislação que regulava as sociedades por ações está realmente defasada, dificultando e gerando custos elevados nos processos de reorganização societária.

            Em função do risco, o custo de capital das ações é superior ao custo do endividamento. Agregue-se a isso o aspecto tributário, pois os juros e encargos são dedutíveis do lucro tributável no Imposto de Renda.

            Porém, o financiamento, mediante o equity das ações, é fundamental, pois um endividamento excessivo gera um risco financeiro elevado, que logo é percebido por credores e acionistas. Ambos elevam os retornos exigidos à empresa e o custo de capital acaba aumentando. Se a empresa não possuir resultados operacionais estáveis - baixo risco de negócio -, acaba por sujeitar-se a possível inadimplência quando aumenta o seu endividamento. Daí a importância do financiamento por meio das ações.

            Ao Congresso Nacional incumbe possibilitar uma legislação garantidora de redução nos riscos impostos aos acionistas minoritários e incremento da sua participação nas decisões da companhia.

            O projeto aprovado por esta Casa, que efetua ajustes nas normas relativas à alienação de controle das companhias, ao direito de retirada e à sistemática de reembolso, apresenta-se, sem dúvida, como um avanço na legislação em vigor. Mas, devo ressaltar, Sr. Presidente, não o suficiente à nossa adequação imediata à mentalidade societária internacional.

            É por isso que, neste plenário, encareço a atenção dos nobres pares.

            O valor teoricamente justo de uma ação é determinado pelo fluxo de caixa descontado dos benefícios gerados pelo ativo. Compõem esse fluxo de caixa os dividendos projetados para o período em análise e a projeção do valor de venda ao final do período.

            Portanto, mesmo que os dividendos das ações preferenciais sejam iguais aos das ações ordinárias, quando da venda de parcela substancial do capital votante, o valor das ações ordinárias será bem mais alto, pois não interessa a um novo controlador ou a um novo detentor de parcela substancial do capital votante adquirir ações preferenciais sem direito a voto.

            Como membro da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, poderia, naquele órgão técnico, ter formulado emenda que viesse a significar, no meu entendimento, decisivo passo evolutivo nas transações societárias em nosso País, qual seja, correta adequação ao que há de mais moderno no mundo globalizado dos negócios e que representa a igualdade de condições entre os sócios controladores e minoritários nas empresas.

            Inibi-me de fazê-lo, no entanto, por incontornável imperativo de natureza regimental, que implicaria no inevitável retorno da matéria ao reexame da Casa de origem.

            Não poderíamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diante da conjuntura econômica e política por que passa o Brasil, retardar mais ainda a nossa inserção entre os que, no mercado de negócios, se apresentam como atrativos ao capital desenvolvimentista. Meu desejo seria o de, inspirado no chamado “Novo Mercado”, sugerir alterações substanciais, ousando propor um mercado exclusivamente de ações ordinárias.

            Baseado no modelo alemão Neuer Markt, o Novo Mercado vem a ser um segmento destinado à negociação de ações emitidas por empresas que se comprometem, voluntariamente, com a adoção do que se convencionou chamar prática de governança corporativa e disclousures adicionais em relação ao exigido pela legislação vigente. Ou seja, mediante acordo de inserção no “Novo Mercado”, a empresa, submetendo-se a um regulamento específico, adere a um conjunto de regras societárias conhecidas como “boas práticas de governança corporativa”, que se apresentam como mais rígidas do que as atualmente adotadas pela legislação brasileira.

            O principal problema da Lei de Sociedades por Ações está na exagerada desproporção entre as ações ordinárias e preferenciais. Com 17% de ações ordinárias se pode controlar uma empresa.

            O investidor precisa de segurança, de proteção, de garantia de direitos iguais ao controlador. Hoje, há um desestímulo ao investimento em ações preferenciais. À medida que o tempo foi passando, os mercados foram se sofisticando e os acionistas tomando conhecimento da lacuna entre seus direitos e os dos controladores.

            Estudo realizado pelo Deutsche Bank mostra que, depois de ter ocupado o primeiro lugar na preferência dos investidores estrangeiros, as companhias brasileiras hoje se encontram relegadas ao quinto lugar, posicionadas atrás da Coréia, México, Taiwan e China, no já denominado “mercado emergente”. E, para conseguir negociar com grandes fundos no exterior, as ações brasileiras necessitam disputar espaço nos portfólios de fundos globais, onde a competição é acirrada.

            Em busca da sobrevivência, as Bolsas de Valores procuram se adequar, de moto-próprio, às inovações mercadológicas internacionais. Num esforço para obter seus negócios de volta, a Bolsa de Valores de São Paulo lançou recentemente o seu projeto de “Novo Mercado”. E, prezados colegas, a principal inovação trazida pelo “Novo Mercado” em relação ao texto vigente é a proibição de ações preferencias.

            O nosso mercado de capitais, por não dispor legalmente de instrumentos que lhe possibilitem a inserção no mundo globalizado, se vê obrigado a lançar mão, informalmente, de práticas já testadas em outras nações evoluídas, no intuito de garantir a manutenção da própria sobrevivência.

            O capital estrangeiro conhece outra realidade.

            Nos Estados Unidos, mais de 90% das ações negociadas em bolsas são ordinárias. Lá também existem preferenciais, mas com uma característica semelhante à das que existiam em nosso País antes da Lei nº 6.404, de 1976. São ações que garantem apenas dividendos sobre um valor nominal, e os seus detentores não têm direito aos lucros remanescentes. O que sobra da distribuição de dividendos é atribuído somente às ações ordinárias.

            Repito: o ideal seria que pudéssemos, neste momento, nos adequar à realidade já presente.

            Muitos economistas brasileiros acreditam que a perspectiva de crescimento da economia nacional estará severamente ameaçada se as companhias não puderem ter acesso a um profundo e líquido mercado doméstico de eqüidade, encontrado nessa nova prática mercadológica, onde 100% das ações são ordinárias.

            A instituição do “Novo “Mercado” no País vai acabar, a longo prazo, praticamente anulando o antigo. Com essa alternativa apresentada aos investidores, estes, mais rapidamente do que se possa imaginar, transferirão seus investimentos, em massa, para ele. Portanto, já estamos ultrapassados!

            Mas, Srªs e Srs. Senadores, temos que considerar as vantagens que essa nova lei trará imediatamente ao mercado, no sentido da ampliação dos direitos dos acionistas minoritários e detentores de ações preferenciais. Muitos dos seus artigos já contêm princípios de governança corporativa em defesa dos minoritários. Se não, vejamos:

            Amplia o poder decisório dos minoritários, dando-lhes a possibilidade de assento no Conselho de Administração da sociedade, se conseguirem reunir pelo menos 15% dos acionistas com direito a voto;

            Conselho passa a ser constituído de conselheiros com mandato anual - para as novas empresas abertas, o limite de ações preferenciais é de 50%;

            Obriga as empresas de grande porte a adotarem um mesmo padrão de divulgação de resultados, possibilitando transparência e, conseqüentemente, facilitando a concorrência, além de dar maior confiabilidade ao investidor, especialmente ao minoritário.

            Outra inovação trazida pelo projeto é a alteração a ser procedida na composição do Conselho Fiscal das sociedades por ações, de cujos membros, um será indicado pelos acionistas majoritários; outro, pelos minoritários; e um terceiro deverá ser escolhido por todos os acionistas, em assembléia.

            Relativamente à Comissão de Valores Mobiliários, a nova legislação propõe modificações na Lei n.º 6.385, de 1976, no sentido de torná-la mais eficaz em sua atuação fiscalizadora no mercado de capitais. A CVM passará a operar como agência reguladora e terá autonomia financeira, o que lhe proporcionará mais abrangência em sua atuação.

            Vale também ressaltar a adoção da prática internacionalmente conhecida como tag along. Os titulares de ações com direito a voto passam a alienar suas ações pelo valor correspondente a 80% do preço atribuído às do bloco controlador, quando da alienação da companhia. E as empresas poderão, ainda, estender o tag along aos acionistas sem direito a voto.

            Automaticamente, fica instituído um prêmio de controle que, nos termos do projeto, seria o reconhecimento de que a constituição de grupo organizado com o controle acionário da companhia agrega valor à empresa, possibilitando, assim, a valorização desse grupo de ações.

            O adquirente do controle da companhia poderá oferecer aos minoritários a opção de permanência, garantindo-lhes o pagamento de prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago para as ações integrantes do bloco de controle.

            A iniciativa de restabelecimento do tag along estimulará o mercado de capitais, incentivando a credibilidade das bolsas de valores.

            Posicionarmo-nos contrariamente ou atrasarmos a aprovação do projeto de lei poderia representar um desserviço ao País. Portanto, consideramos as respectivas evoluções e contribuímos para torná-las efetivas o quanto antes. Mas não sem assumirmos, neste momento, o compromisso de novas propostas, que haverão de suprir as lacunas porventura existentes nas alterações trazidas ao exame do Senado Federal.

            E importa ainda registrar a seriedade com que o assunto foi tratado nesta e na outra Casa do Congresso Nacional.

            O Senado, mesmo premido pelo relógio evolutivo do mercado globalizado, nas Comissões de Assuntos Econômicos e de Constituição, Justiça e Cidadania, empreendeu o estudo do texto recebido da Câmara dos Deputados da forma mais detalhada possível. Em diversas reuniões conjuntas, sob a promoção dos Presidentes da CCJ, Senador Bernardo Cabral, e da CAE, Senador Lúcio Alcântara, tivemos a oportunidade de realizar audiências públicas a que compareceram as maiores e mais diversificadas autoridades no assunto, representantes das variadas correntes envolvidas no mercado de capitais, além de membros da Câmara dos Deputados que participaram na elaboração do Projeto nº 23, 2001, prestando-nos os esclarecimentos necessários à absorção do texto atual. Nesse ponto, há de se registrar a relevância do esforço empreendido pelos Srs. Deputados Emerson Kapaz e Antonio Kandir - a quem rendemos nossas homenagens - na materialização do projeto que recentemente aprovamos.

            Sr. Presidente, sugestões consideráveis foram trazidas a este Senado, e a elas recorremos em breve. Mas falaram mais alto as ponderações para a imediata aprovação do projeto, sem adendos que possam retardar-lhe a vigência.

            Emendas saneadoras e modernizadoras foram apresentadas perante as comissões desta Casa, dentre as quais permito referenciar as esboçadas pelos Senadores Paulo Hartung, Iris Rezende e Jorge Bornhausen, de cujo pensamento compartilho na análise da matéria.

            O Sr. Senador Paulo Hartung e eu já mantivemos conversações no sentido de iniciarmos, imediatamente, estudos de elaboração de texto legal que virá complementar a nova lei aprovada pelo Senado e enviada à sanção presidencial.

            Propusemos aos Colegas autores das emendas, como também aos Srs. Senadores José Agripino Maia e Pedro Piva, respectivamente relatores nas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e Assuntos Econômicos, bem como ao Sr. Senador José Alencar, que demonstrou interesse no assunto, nos unirmos no empreendimento de modificações, objetivando o alcance da isonomia entre acionistas ordinários e preferencialistas.

            Alterações que assegurem ao ordinarista minoritário uma proteção em alienação de controle e tantas outras haverão de estar presentes nessa empreitada, nosso próximo passo na busca da liquidez de mercado, da transparência e do respeito ao investidor.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa investida virá a representar a transformação da mentalidade do mercado brasileiro, atualmente embasada na idéia de controlador versus minoritário.

            A convicção dos antigos controladores, de detenção das companhias como donos, tem que acabar no Brasil, como acabou, há muito tempo, para o resto do mundo.

            Haveremos de chegar à convivência ideal, à composição controlador mais minoritário, à mentalidade de parceria entre controlador e minoritário.

            Aí teremos uma equação em que todos lucrem e, acima de tudo, o mercado financeiro do País reconquiste sua posição de desenvolvimento perante o capital externo, voltando a atrair sua atenção.

            Este é o meu pensamento e, neste momento, deixo-o registrado nos Anais do Senado Federal, como já fiz perante a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. E deixo não apenas o meu posicionamento, mas também, e principalmente, o meu compromisso de propor o quanto antes ao estudo desta Casa e do Congresso Nacional projeto que venha complementar as alterações que agora foram feitas na Lei das Sociedades por Ações.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


            Modelo14/25/243:26



Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2001 - Página 23900