Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da crise no setor leiteiro nacional, em particular, no Estado de Goiás.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PECUARIA.:
  • Análise da crise no setor leiteiro nacional, em particular, no Estado de Goiás.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2001 - Página 24091
Assunto
Outros > PECUARIA.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, PECUARIA, GADO LEITEIRO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE GOIAS (GO), EXISTENCIA, MONOPOLIO, INDUSTRIALIZAÇÃO, LEITE, MANIPULAÇÃO, INFERIORIDADE, PREÇO, PERIODO, ENTRESSAFRA, RISCOS, FALENCIA, PECUARISTA.
  • REGISTRO, MODERNIZAÇÃO, PECUARIA, ESTADO DE GOIAS (GO), SOLIDARIEDADE, DENUNCIA, PRODUTOR, FALTA, POLITICA, GOVERNO FEDERAL, APOIO, SETOR.
  • COMENTARIO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DE GOIAS (GO), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), INVESTIGAÇÃO, MONOPOLIO, BENEFICIAMENTO, LEITE.
  • JUSTIFICAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR, DESTINATARIO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA (CADE), PROVIDENCIA, COMBATE, INJUSTIÇA, PRODUÇÃO, LEITE.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO, AQUISIÇÃO, LEITE, OBJETIVO, DISTRIBUIÇÃO, PROGRAMA, POLITICA SOCIAL.

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            O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há muitos anos, Carlos Lacerda produziu uma inesquecível frase de efeito sobre a pecuária leiteira. Na definição do grande tribuno carioca, “leite” seria a “arte de empobrecer alegremente”. Decerto, Lacerda se referia à insistência obstinada de quem sempre se dedicou a produzir leite por tradição e por amor na contracorrente histórica de tabelamentos, controles de preços, manipulações cambiais, políticas comerciais imprevisíveis, enfim, toda uma longa série de equívocos e incompreensões que testemunham o desapreço das autoridades econômicas pelos pecuaristas brasileiros.

            Pois bem, Sr. Presidente, a situação do setor leiteiro nacional, neste exato momento, é tão desesperadora e sem horizontes que não dá mais ensejo a nenhuma definição espirituosa, como a produzida por Carlos Lacerda.

            No meu Estado de Goiás, por exemplo, 65 mil pecuaristas dos mais variados portes estão sendo literalmente garroteados por um cartel de apenas cinco grandes indústrias, que processam 54% do leite ali produzido. A cartelização dá margem a uma manipulação enorme dos preços que, em plena entressafra, o litro de leite vendido pelo produtor à indústria caiu de 35 centavos para 24 centavos de real. No caso do pequeno produtor, depois que é pago o custo do frete do primeiro percurso, esse valor, de si irrisório, se reduz a cerca de 17 centavos! Isso equivale a menos que um terço de um copo d’água mineral!!!

            Vale lembrar às pessoas menos familiarizadas com a luta do homem do campo que é justamente na entressafra que os produtores mais gastam para produzir seu leite do que ao longo de todo o restante do ano. A pastagem natural escasseia, e a alimentação da vaca é reforçada com rações especiais para evitar uma queda mais drástica da produção de cada animal. Em poucas palavras, os custos de produção praticamente dobram. Mas, na contramão das justas expectativas e necessidades do pecuarista, a multinacional de processamento e beneficiamento se prevalece de sua posição de monopólio para pagar menos.

            Se alguém pensa que o consumidor urbano se beneficia desse movimento pagando menos pelo leite que compra no supermercado ou na padaria, lamento informar que não. O leite tipo “C” continua sendo vendido no balcão pelos mesmos 70 centavos e o leite “longa vida” pelo mesmíssimo 1 real ou até um pouco mais. Os interesses de ambas as pontas - da produção e do consumo - continuam a ser lesados pelo cartel que só sabe aumentar a sua margem de lucro.

            Entre essas duas pontas, vão-se acumulando distorções nos demais elos da cadeia produtiva. Sempre de acordo com as estatísticas econômicas da Faeg (Federação da Agricultura do Estado de Goiás), os supermercados compram um queijo a R$3,50 (três reais e cinqüenta centavos) e chegam a revendê-lo por R$8,50 (oito reais e cinqüenta centavos), quando não a R$10,00 (dez reais). Nos casos de outros derivados do leite, como iogurtes e achocolatados, o diferencial do supermercadista oscila entre 60% e 80%.

            A própria embalagem do tipo “tetrapak” do leite “longa vida” já chega a ser mais cara que o seu conteúdo!

            O cartel, que prejudica indiscriminadamente a produtores e consumidores, está prestes a derrubar por terra longos anos de sacrifício, gastos e labor dedicados pelos pecuaristas a incrementar a produtividade, a qualidade e a competitividade das bacias leiteiras goianas.

            Foi com muita luta, com muita despesa que, no curto espaço de sete anos, Goiás saltou do quinto para o segundo lugar na produção nacional de leite. Acreditando nos planos e projetos do governo federal e dos governos estaduais, os pecuaristas investiram no aprimoramento genético dos seus rebanhos; em ordenhadeiras; em resfriadores; no combate e prevenção da mastite, da doença do casco, da febre aftosa, da encefalopatia espongiforme bovina (vulgo “doença da vaca louca”).

            Esses mesmos pecuaristas enfrentam o pesado ônus de se prepararem para a exigência do Ministério da Agrocultura, segundo a qual, a partir do próximo ano, todo leite a ser comercializado deverá ser resfriado e transportado a granel, sendo que mais de 60% da produção já está granelizada, dentro dos mais avançados padrões tecnológicos.

            Agora, entretanto, o produtor goiano chegou ao limite de sua resistência econômica, financeira, emocional e até mesmo física. Está exausto do ciclo irresponsável de stop-and-go da política (melhor seria dizer “da falta de política”) governamental, que ora o encoraja a buscar o aperfeiçoamento de seu rebanho, de seus equipamentos, de sua infra-estrutura, ora o força a desfazer-se de suas matrizes, a desmantelar seu patrimônio, a vender tudo o que tem na “bacia das almas” apenas para honrar seu bem mais precioso, qual seja, sua reputação, sua credibilidade, e saldar seus débitos com o FCO (Fundo Constitucional do Centro-Oeste).

            Sim, porque lá no interior, onde o coração da terra goiana bate mais forte e autêntico, ainda encontramos muita gente para quem o fio da barba é mais sagrado que qualquer contrato escrito. São fazendeiros que perdem o sono, se angustiam com a perspectiva de ficar devendo sem poder pagar. Quem duvidar, que passe pelas bandas da Fazenda Água Fria, aqui perto, no município de Planaltina de Goiás, e fale com o Sr. Martinho Ornelas, com mais de 60 dos seus quase 80 anos dedicados à pecuária leiteira. Para não largar o que é muito mais que um negócio, uma profissão, pois trata-se de uma paixão que corre em suas veias, há muito tempo, o velho Ornelas deixou de vender seu leite para produzir queijo. Hoje, ele tenta apenas minimizar seu prejuízo, porque o acesso aos canais de distribuição e comercialização também é caro e complicado.

            Enquanto isso, a outros pecuaristas, a exemplo de Paulo de Tarso Gouveia, de Aparecida de Goiânia, só resta assistir sua produção diária de leite cair de 220 para talvez menos de 100 litros, obrigados que foram a diminuir as doses de concentrado na alimentação de suas reses, já que o custo desse tipo de insumo tornou-se insuportável.

            Quanto às indústrias, controladas pelas transnacionais do setor alimentício, pouco se lhes dá se o produtor goiano, ou de outras áreas do País, vier a quebrar hoje, amanhã ou depois. Elas confiam, acima de tudo, na política comercial cega e suicida do governo, que prefere importar e onerar a balança comercial a proteger e prestigiar a produção nacional, exterminando empregos e fomentando um desordenado êxodo rural.

            Será possível que somente a iluminada equipe econômica do governo esteja certa em seu fervor livre-cambista, enquanto países como os Estados Unidos, os membros da União Européia e o Japão - onde o fortalecimento e os subsídios em apoio ao mercado agropecuário interno equivalem a uma prioridade de segurança nacional - estejam errados, ao enaltecerem o comércio livre, mas praticarem o protecionismo? Ou será que devemos mesmo nos curvar à sabedoria do dito popular, segundo a qual tudo que só dá no Brasil, e não é jabuticaba, boa coisa não pode ser?

            Ao me aproximar do fim deste que considero menos um discurso que um desabafo, faço questão de ressaltar que as atuais agruras leiteiras não se limitam a Goiás, estendendo-se a outros Estados com essa mesma tradição produtiva. Não é mera coincidência, portanto, que as Assembléias Legislativas de Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina tenham instaurado comissões de inquérito para desnudar as maquinações dos cartéis - repito: quase sempre multinacionais - que pauperizam o produtor de leite e prejudicam o consumidor.

            A propósito, a CPI goiana, criada mediante 30 assinaturas de deputados estaduais de todos os partidos, programou um calendário de audiências públicas itinerantes para se inteirar dos detalhes, e o primeiro desses eventos acaba de ser realizado nesta quarta-feira (02 de outubro), no Município de Silvânia.

            Parece, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, que é chegada a hora de o Senado da República, a Casa da Federação, assumir concretamente sua responsabilidade de dar uma dimensão nacional a tais investigações.

            Por isso, estou apresentando requerimento de informações ao Conselho Administrativo da Defesa Econômica (Cade), por intermédio do Ministério da Justiça, para que nos comunique sobre as providências que porventura tomou ou pretende tomar a fim de coibir esse conjunto de distorções de mercado que acabaram transformando a cadeia produtiva do leite em uma camisa-de-força contra a economia popular e um garrote vil contra a pecuária brasileira.

            Finalmente, como medida emergencial destinada a minorar a situação dos produtores de todo o País, faço aqui um apelo ao governo federal para que determine a compra imediata de 1 milhão de litros de leite em reforço aos programas sociais de distribuição de alimentos voltados para crianças, idosos, gestantes e nutrizes.

            Muito obrigado.


            Modelo14/19/2410:19



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2001 - Página 24091