Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

RESPOSTA AO SENADOR JOSE EDUARDO DUTRA.

Autor
CELSO LAFER
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • RESPOSTA AO SENADOR JOSE EDUARDO DUTRA.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2001 - Página 23970
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, CONVOCAÇÃO, TRATADO INTERAMERICANO DE ASSISTENCIA RECIPROCA (TIAR), MOTIVO, ACORDO, OBJETIVO, DEFESA, INTEGRIDADE, TERRITORIO, SOBERANIA, PAIS, PARTICIPANTE.
  • ANALISE, AUSENCIA, OBRIGAÇÃO, TRATADO INTERAMERICANO DE ASSISTENCIA RECIPROCA (TIAR), UTILIZAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, BRASIL.
  • REGISTRO, CONTINUAÇÃO, RELAÇÃO, DIPLOMACIA, BRASIL, PAISES ARABES.
  • ANALISE, CRIAÇÃO, AGENCIA, FISCALIZAÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO, COOPERAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OBJETIVO, COMBATE, CRIME.
  • ANALISE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), COMPROVAÇÃO, TERRORISMO, RESPONSABILIDADE, OSAMA BIN LADEN, TERRORISTA.

            O SR. MINISTRO CELSO LAFER - Senador José Eduardo Dutra, agradeço a oportunidade de tentar esclarecer os diversos aspectos que nortearam a ação do Governo.

            Com relação ao Tiar, são dois os artigos que entendemos oportunos: o art. 3º a que V. Exª se referiu e o art. 6º, que reza que, se a inviabilidade ou a integridade do território ou a soberania ou a independência política de qualquer Estado americano for atingida por uma agressão, que não seja um ataque armado ou por um conflito extracontinental ou intracontinental ou por qualquer outro fato ou situação que possa por em perigo a paz da América, o órgão de consulta reunir-se-á, a fim de acordar as medidas que, em caso de agressão, devam ser tomadas.

            Portanto, no trato dessa matéria, os dois artigos que consideramos relevantes foram: o art. 3º, que contempla o ataque a um como um ataque a todos - que é um mecanismo de segurança coletiva; e o art. 6º, que se refere a qualquer fato ou situação que possa pôr em perigo a segurança da América.

            O tema Tiar foi visto pela diplomacia brasileira como importante porque ele era, nos termos em que foi colocado, compatível e convergente com as decisões tomadas no âmbito internacional, no sistema das Nações Unidas, pelo Conselho de Segurança e pela Resolução da Assembléia Geral.

            Há, na evocação do Tiar, alguns aspectos que não posso deixar de mencionar. O art. 4º estipula o âmbito geográfico da responsabilidade dos Estados membros, o que, a meu ver, era um ponto importante, porque delimitava, num marco jurídico geograficamente prefixado, o campo das nossas responsabilidades.

            As medidas previstas pelo Tiar, na hipótese do art. 3º e do art. 6º, são as contempladas pelo art. 8º, que são: retirada dos chefes de missão, ruptura de relações diplomáticas, ruptura de relações consulares etc.

            O art. 20 do Tiar, que merece ser relembrado, diz: “as decisões que exijam a aplicação das medidas mencionadas no art. 8º serão obrigatórias para todos os Estados signatários do presente tratado com a única exceção de que nenhum Estado será obrigado a empregar a força armada sem o seu consentimento”. Portanto vejo, na invocação que fizemos do Tiar, algo que nos protege num determinado marco jurídico, porque delimita a esfera das nossas responsabilidades.

            Esse era o primeiro ponto que eu queria colocar.

            O segundo ponto que eu queria colocar para V. Exª, Senador, é que a aprovação da reunião de consultas do Tiar deu-se por unanimidade, inclusive por parte do México, que aventa a possibilidade de substituí-lo por um novo mecanismo de segurança coletivo a ser trabalhado e negociado. Mas o México entendeu que a invocação do Tiar, nesse momento, era compatível com as necessidades e obedecia a idéia desse marco jurídico.

            Não preciso dizer a V. Exª que, antes de levar adiante as tratativas, tive a oportunidade de conversar com os Ministros das Relações Exteriores dos diversos países, inclusive com o Chanceler Jorge Castañeda, do México. Primeiramente, conversei com o Chanceler da Argentina, Ministro Giavanini, que entendeu também igualmente apropriada a invocação do Tiar, não obstante as dificuldades que eles tiveram por ocasião da Guerra das Malvinas.

            Aliás, a Guerra das Malvinas foi objeto de grande manifestação em plenário do Senado do Chanceler Saraiva Guerreiro, que teve uma atuação importante no âmbito do órgão de consulta do Tiar.

            O Tiar não significou, nessa ocasião, uma ação coletiva em matéria do emprego da força armada, mas houve duas resoluções que procuravam, em congruência com o Conselho de Segurança das Nações Unidas, obter um cessar-fogo e uma solução pacífica para esse conflito.

            Quanto à questão de provas a que V. Exª se refere e que teriam sido, segundo as notícias de jornal, apresentada aos Estados membros da Otan, o encarregado de negócios dos Estados Unidos nos procurou hoje no Itamaraty para trazer uma série de elementos comprobatórios da existência de uma vinculação de Bin Laden e da sua rede de contatos com o Afeganistão e com outras áreas no mundo.

            Em outras palavras, ele nos deu elementos comprobatórios da existência de conexão entre essa organização conduzida por Bin Laden e os atentados terroristas do dia 11 de setembro. Não estou em condições, neste momento, de relembrar todos os aspectos relacionados por ele, mas houve uma manifestação, uma prestação de contas acerca da visão que tem o governo norte-americano da situação e da importância de transmitir ao Governo brasileiro os elementos e as informações de que dispõe, com base, segundo nos informaram, não apenas nas informações de que dispõem os Estados Unidos, mas nas informações que chegaram ao governo norte-americano por parte de outros governos em relação a esse assunto.

            Quanto à pergunta de V. Exª referente à qualificação pelos Estados Unidos de certos Estados como Estados não-responsáveis ou irresponsáveis nessa área, não é essa a visão do Governo brasileiro. Estamos abertos a uma avaliação e a uma retomada das relações comerciais com outros Estados do Oriente Médio. Não preciso dizer, porque V. Exª sabe, que, em relação à Líbia e ao Iraque, existiram, no passado, resoluções do Conselho de Segurança sobre essa matéria, mas a avaliação do Governo brasileiro é de olhar de forma construtiva todas as oportunidade que tivermos de acesso a mercados com Estados que cumpram seus compromissos e suas obrigações no plano internacional.

            A terceira questão que V. Exª me apresenta é o tema do serviço secreto. Creio que já tive oportunidade de dizer, nesta sessão, e gostaria de trazer mais alguns elementos para apreciação deste Plenário.

            O serviço secreto, apesar do nome, foi criado em 1865, durante a guerra civil americana, para combater falsificações da moeda.

            Em 1902, após o assassinato do Presidente Mackinley, no ano anterior, assumiu a responsabilidade de dar proteção ao Presidente, com dois agentes designados à Casa Branca.

            Em 1951, passa a dar proteção permanente ao Presidente, à sua família e assim sucessivamente.

            Recebeu, em 1984, a incumbência de investigar fraudes envolvendo uso de cartões de crédito, computadores, de interesse federal, e documentos de identidade.

            Em 1994, uma lei criminal aprovada trata da falsificação de dólares fora dos Estados Unidos.

            O que quero dizer, em poucas palavras, - porque também estou sentindo que as luzes recomendam que eu conclua esta parte da minha intervenção - que se trata de uma cooperação na área penal internacional, da qual esse acordo com os Estados Unidos é uma expressão.

            Na verdade, esse entendimento foi objeto de consulta ao Governo brasileiro, tendo sido formalizado em julho, portanto, muito antes disso, e obedece à reciprocidade. Temos, funcionando nos Estados Unidos, um adido fiscal, subordinado à Receita Federal - portanto, um órgão da Fazenda e um órgão do Tesouro -, porque temos interesse na obtenção de informações que nos ajudem a lidar com a criminalidade transnacional organizada. E é claro que a ação desses três agentes deve ser conduzida de acordo com as autoridades brasileiras, em consonância com a lei do Brasil.

            O SR. MINISTRO CELSO LAFER - Senador José Eduardo Dutra, V. Exª sabe que não sou um perito em terrorismo internacional. Tais elementos me foram transmitidos e os avaliei com a objetividade de que sou capaz. Creio que eles mostram, com bastante clareza e de forma convincente, a ação dessa rede comandada por Osama bin Laden.

            A existência de atentados anteriores, a verificação de que esses atentados têm uma ligação com ele e com a sua organização, a existência de mecanismos de financiamento dessa rede, e elementos adicionais de informação, trazidos à nossa apreciação, e que não são exclusivamente os provenientes dos dados e das informações de que dispõem os Estados Unidos, mas que foram transmitidos aos Estados Unidos por outros Estados que com eles compartilham essa mesma preocupação em relação à repressão ao terrorismo.

            Em síntese, a informação que tenho e que recebi me pareceu convincente. Também nos adiantaram que nos últimos dois anos eles tiveram conversas privadas com as autoridades do Afeganistão e com o regime do Talibã, voltadas para esse assunto, e que, portanto, esses contatos, feitos de forma privada, já existem há um bom tempo e são na linha de tentar também encontrar um caminho mais construtivo e menos destrutivo para a solução desse grave problema.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2001 - Página 23970