Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.

Autor
Osmar Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2001 - Página 24789
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO.
  • ANALISE, DADOS, GRAVIDADE, FOME, DESNUTRIÇÃO, PROVOCAÇÃO, MORTE, POPULAÇÃO, MUNDO.
  • COMENTARIO, SUPERIORIDADE, FOME, POPULAÇÃO RURAL, ANALISE, NECESSIDADE, AUXILIO, CREDITOS, TRABALHADOR RURAL.
  • ANALISE, DIFICULDADE, PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, ACESSO, ALIMENTOS, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, PROVOCAÇÃO, FOME.
  • CRITICA, CONCENTRAÇÃO, PRODUÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, REPUDIO, CONCORRENCIA DESLEAL, PREJUIZO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO.
  • REGISTRO, GRAVIDADE, PROBLEMA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, COMENTARIO, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, RENDA, EMPREGO, COMBATE, FOME, BRASIL.
  • CRITICA, CORRUPÇÃO, PROVOCAÇÃO, FOME, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. OSMAR DIAS (Bloco/PDT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, 16 de outubro, comemora-se o Dia Mundial da Alimentação, criado em 1945 pela FAO, órgão da ONU. Não seria uma data para ser comemorada - todo dia deveria ser o da alimentação -, mas para se refletir a respeito do tema, que, aliás, toma conta dos debates no mundo. Se fosse para comemorar a data, hoje cerca de um bilhão de pessoas não poderiam fazê-lo. As estatísticas oficiais dizem que são 850 milhões de pessoas, mas na verdade, uma reportagem da Veja publicada recentemente dá conta de 1,3 bilhão de pessoas que têm uma renda diária de US$1, o que implica uma renda per capita/ano de US$365.

            É claro que quem tem uma renda com essa ou menor não vai ser incluído na lista dos que comem todos os dias. Para esses, comer é só uma esperança, uma expectativa. E acredito até que esse contingente enorme de um bilhão de pessoas não consegue comer regularmente uma vez por dia sequer.

            A Rede Globo, recentemente, fez uma série de reportagens mostrando o flagelo da fome no Brasil.

            No dia 11 de setembro, Sr. Presidente, o mundo ficou perplexo quando um atentado terrorista destruiu as torres de Nova Iorque e atingiu o Pentágono, em Washington. Esse assunto tomou conta de todos os canais de televisão da grande mídia mundial no último mês, e ouve-se, com freqüência, as pessoas exclamarem sobre as seis mil vidas dizimadas por aquele atentado.

            É claro que se trata de um acontecimento grave, com sentido emblemático para a Humanidade, e que o problema ocorrido nas torres gêmeas deve ser notícia todos os dias, mas é incomparável - e quero chamar a atenção de todos para uma reflexão - o número de pessoas que morrem em atentados terroristas e guerras com o de pessoas que morrem pela fome, pela desnutrição e até pela falta de água, que também é uma forma de desnutrição.

            A luta contra a fome, Sr. Presidente, é uma guerra surda, silenciosa, e, muitas vezes, parece estar distante de nós, mas, quase sempre, está muito próxima, porque, ao lado de cada cidadão, existe sempre alguém lutando contra a fome. Penso que não pode haver uma morte mais humilhante do que a causada pela fome e pela desnutrição.

            Se formos exprimir em números, o problema torna-se mais alarmante, porque trezentas e quarenta mil crianças morrem por desnutrição, no Brasil, todos os anos. Fiz um rápido cálculo e cheguei à seguinte conclusão: a cada dois minutos, uma criança morre de fome no Brasil. É claro que apenas esse número já seria suficiente para acabarmos por aqui com o diagnóstico e partirmos para a busca de soluções, mas cinco milhões de crianças com idade inferior a cinco anos padecem de desnutrição no País. Isso significa que a responsabilidade maior pelo fato de 95% das crianças que ingressam na rede escolar não conseguirem sair ou terminar o curso primário sem repetência é da fome.

            Quando se fala em linha da miséria, estamos falando de pessoas que recebem uma renda diária de um dólar. No Brasil, 44 milhões de pessoas têm uma renda menor ou igual a um dólar, das quais 15 milhões estão no campo. Fiz o seguinte cálculo: se 18% da população brasileira vive no campo, isso representa 31 milhões de pessoas; se 15 milhões de brasileiros que passam fome estão vivendo no campo, isso significa que a metade da população rural passa fome, Sr. Presidente, o que é um paradoxo, porque é ela que produz alimentos neste País.

            Com isso, vamos revelando quais são as causas da desnutrição e da fome que toma conta de 44 milhões de brasileiros e de 1 bilhão de pessoas no mundo. Aliás, desses 1 bilhão de pessoas, 700 milhões, segundo a FAO, vivem no campo. Estamos de novo repetindo o paradoxo: os que produzem comida são os que mais passam fome.

            Só na Índia, 50% da população, quase 500 milhões de indianos, estão vivendo nessa situação de indigência. Se formos para a China, um país com 1,2 bilhão de habitantes, são 70 milhões - um número considerado até pequeno em relação ao total de chineses. Só que a China consegue um verdadeiro milagre: com 4% da área plantada do mundo, o país alimenta 25% da população mundial.

            Isso revela que estamos ainda engatinhando em termos de políticas agrícolas capazes realmente de resolver o problema da produção. Nos Estados Unidos - poucos sabem disto -, são 30 milhões os americanos que vivem com uma renda abaixo de um dólar por dia. Eu mesmo não acreditava que lá existissem tantas pessoas vivendo nessa situação.

            A desnutrição não debilita apenas as pessoas, mas as nações. Crianças com fome adoecem facilmente e curam-se com dificuldade, porque, evidentemente, não conseguem combater as infecções. Elas nascem doentes e assim permanecem durante a infância, porque mães subnutridas não têm como gerar filhos com saúde. Quando adultas, não produzem e, dessa forma, multiplicam a pobreza.

            Um estudo revela que, em países em desenvolvimento - isto é muito importante -, se houvesse pobreza sem fome, ou seja, se alimentos fossem distribuídos à população pobre, o PIB, a renda bruta teria crescido, nos últimos trinta anos, 45%. Isso significa que aqueles que não comem não conseguem, realmente, produzir de forma suficiente e adequada. A produtividade no trabalho cai, e se multiplica, dessa forma, a pobreza.

            Então, temos que descobrir onde está realmente o problema: na produção, na distribuição dos alimentos ou no acesso a eles?

            Hoje, participei da abertura do fórum de lançamento do programa Fome Zero, do Instituto da Cidadania. Lá ouvi vários discursos, exatamente questionando se o problema está na distribuição, na produção ou no acesso aos alimentos. Farei uma análise dessa questão para apresentar algumas propostas.

            Dizem que a produção não é o problema. Se hoje distribuíssemos todos os alimentos para a população do mundo, chegaríamos a uma média de 2.760 calorias por habitante do mundo. Como a Organização Mundial da Saúde recomenda que cada habitante da Terra deveria consumir em torno de 1.900 a 2.400 calorias, isso significa que há um superávit, ou seja, uma sobra de calorias que não estão sendo consumidas, porque há alimentos de sobra, o que quer dizer que hoje o problema não é de produção. Mas - aqui faço o primeiro alerta do meu pronunciamento - esse poderá ser um problema dentro de alguns anos.

            Chamo a atenção dos agricultores, dos trabalhadores e dos consumidores que estão me ouvindo para um dado que revela a enorme importância de cuidarmos também da produção.

            Há 25 anos, no mundo, existia meio hectare em produção para cada habitante, ou seja, para cada pessoa no mundo, havia em produção meio hectare. Isso ocorria há 25 anos. Hoje, há 0,3 hectare para cada habitante. Isso significa que houve uma redução drástica, quase pela metade. Foi feita uma projeção pelos estudiosos da FAO para o ano de 2050. E é bom pensar que 2050 não está tão distante assim. Muitos acreditavam que não chegaríamos ao século XXI, ao 3º Milênio, e estamos aqui, no século XXI, no 3º Milênio, falando do mesmo tema que, em 1974, tomava conta dos debates que a FAO realizava em sua reunião de cúpula, repetida muitas vezes. Em 1996, tive oportunidade de participar de uma reunião, em Roma, quando foi estabelecida a meta de que a fome seria reduzida à metade, ou seja, dos 800 milhões, em 15 anos, seriam apenas 400 milhões os que viveriam nessa situação. No entanto, a projeção não se concretizou, e houve o aumento do número de famintos no mundo. A projeção da FAO é a de que, em 2050, haverá apenas 0,15 hectare para cada habitante - hoje, são 760 milhões de hectares.

            Por que está havendo essa redução da área plantada para cada habitante da Terra? Porque crescem as ocupações com cidades, com o desenvolvimento urbano, tendo em vista a transferência da população dos campos para as cidades. Crescem, portanto, o perímetro urbano e as áreas ocupadas por indústrias, principalmente porque a população cresce. Então, é claro que há uma diminuição da área plantada, ao mesmo tempo em que ocorre o crescimento da população; portanto, a relação diminui.

            Além disso, há a degradação. Para que todos tenham uma idéia, a Embrapa fez um cálculo demonstrando que, no Brasil, todos os anos, perdemos cerca de 800 milhões de toneladas de terra, que correm pelos pequenos e grandes rios. Dessa forma, perdemos de nutrientes - para citar apenas os grandes nutrientes, como nitrogênio, fósforo, potássio, magnésio, cálcio e enxofre - o valor correspondente a US$1,4 bilhão todos os anos. Esse é o prejuízo pelas terras que são carregadas para os rios em função da falta de um programa de preservação dos recursos naturais.

            No Paraná, desenvolvemos um programa chamado Paraná Rural, envolvendo as microbacias. Lá construímos uma infra-estrutura capaz de conter a degradação dos solos. Esse programa precisaria ser mais abrangente, atingindo todo o Brasil.

            Há o problema da água. Trata-se de um problema que não é muito lembrado, se levarmos em conta o fato de que se diz que aqui, no Brasil, há água em excesso. No entanto, 95% da água que possuímos concentra-se na região amazônica, onde vivem 5% da população brasileira. É claro que essa péssima distribuição poderá levar muitas regiões do País a terem problemas de escassez de água.

            Então, se hoje não há problema de produção, esse deverá ser um problema no futuro. É bom lembrar que o Brasil, só de cerrado, tem 130 milhões de hectares inaproveitados, aguardando o momento de serem incorporados ao processo produtivo brasileiro. Ainda temos muito que avançar no sentido de aumentarmos a produção, e a biotecnologia não pode ser condenada por isso. Devemos tratar a biotecnologia como um instrumento necessário e importante para que, um dia, possa resolver, inclusive, esse problema da fome, que atinge quase um bilhão de pessoas no planeta.

            Portanto, o problema maior está relacionado com a distribuição geográfica dos alimentos e com o acesso aos mesmos. É claro que a concentração da produção está nos países ricos, porque eles subsidiam a agricultura. Se hoje somarmos a União Européia, os Estados Unidos, o Canadá e os Tigres Asiáticos, são 350 bilhões de subsídios para esses países produzirem e exportarem alimentos.

            Um cálculo feito - isso é muito importante - demonstra que, se esses países não subsidiassem a agricultura, haveria um aumento da produção nos países em desenvolvimento, até porque não haveria essa concorrência desleal. Os preços subsidiados nos países ricos deprimem a capacidade de produção dos países em desenvolvimento, dos países pobres. Hoje poderia haver no mercado internacional - e este cálculo é importante - uma participação a mais dos países em desenvolvimento de US$50 bilhões nas exportações. Ou seja, quando os países ricos subsidiam suas agriculturas, aprofundam-se as desigualdades, acrescenta-se uma diferença, uma distância ainda maior entre os ricos e os pobres, porque eles deprimem a capacidade de produção dos pobres, fazendo com que US$50 bilhões, todos os anos, deixem de ser exportados por esses países.

            Lembro que só o Brasil poderia ter um volume de exportação de 20 bilhões a mais se não houvesse esse protecionismo. Portanto, para combater a fome nos países em desenvolvimento, é preciso que os Governos tenham um pouco mais de ousadia, de coragem e, sobretudo, de organização para debater essa questão do protecionismo, que tem gerado, sim, uma pressão forte sobre os países em desenvolvimento.

            O problema que considero mais grave é o do acesso à comida. Aí há o problema da concentração de renda e da concentração de terras. É bom lembrar que 1% da população brasileira tem uma renda per capita de US$52mil por ano. Se analisarmos a situação de 50% da população do outro lado, ou seja, dos mais pobres, verificaremos que a renda per capita será de US$700 por ano. Se observarmos o que ocorre com 25% da população, que são 44 milhões de brasileiros, verificaremos que eles terão uma renda per capita de US$365 por ano, o que significa US$1 por dia. É claro que não é possível comer de forma adequada, decente e digna com essa quantia.

            Se a concentração de renda é um problema, a concentração de terra é outro. Nas mãos de 1,2% dos proprietários rurais do Brasil, estão 44% da área. Isso significa que 1,2% dos cinco milhões e duzentos mil produtores rurais do Brasil detêm quase a metade da área de agricultura do Brasil, que é de 44%. Do outro lado, nas mãos de 53% dos produtores rurais brasileiros, estão 2,7% da área, o que significa que o número de pequenos proprietários é enorme, que há muitas pequenas propriedades. Calcula-se que algo em torno de 2,7 milhões de pequenas propriedades no Brasil estão inviáveis e quase sem condições de se tornarem viáveis. A situação de empobrecimento desses pequenos produtores é tão grande que é irreversível.

            Faço uma relação aqui: em uma pequena propriedade, para cada nove hectares que estão em produção, há um emprego criado; do outro lado, para as grandes propriedades, precisamos de 60 hectares para a criação de um emprego. Essa concentração de terra, evidentemente, expulsa a mão-de-obra rural e faz com que cresça, nas regiões periféricas aos grandes centros urbanos, o contingente enorme de pobres que não conseguem comer.

            Esse é o resultado, por exemplo, que se pode constatar na região metropolitana de Curitiba, onde o número dos que ganham um dólar por dia ou menos cresceu 15% nos últimos três anos, atingindo 140 mil pessoas.

            Então, temos que discutir como combater a fome e a pobreza ao mesmo tempo. Criamos aqui, por uma emenda à Constituição, um Fundo de Combate à Pobreza. Claro que esse Fundo é insuficiente, não dá para atender sequer a um percentual reduzido dos necessitados, dos excluídos deste País. Tanto é assim que, nesse seminário do Instituto da Cidadania, realizado hoje, chegou-se à conclusão de que seria necessário por ano, só para dar comida aos brasileiros que não comem, cerca de R$19 bilhões. Pois bem, o Fundo, quando for efetivamente instituído, deve gerar R$4 bilhões.

            Dessa forma, nosso objetivo deve ser a criação de renda e emprego, oferecendo a segurança alimentar que não temos no Brasil. Certa vez, perguntei a um representante do Governo Fernando Henrique Cardoso se existia uma política de segurança alimentar. Ele respondeu-me: “Existe. Nós distribuímos 130 milhões de cestas básicas”. Ora, só o fato de se distribuírem cestas básicas comprova que não existe política de segurança alimentar, porque, se existisse, não precisaríamos de programas assistencialistas. O que precisamos é criar renda e emprego, até como forma de dar dignidade às pessoas, que querem a comida, mas produzida por seu trabalho.

            Para isso, com certeza, temos de combater a corrupção, a maior causa da pobreza e da fome no Brasil. Em média, a corrupção causa o empobrecimento das pessoas em torno de 30%. Estudo de uma ONG internacional revela que, se o nível de corrupção nas instituições brasileiras fosse muito abaixo do atual, os brasileiros teriam uma renda per capita 30% maior. Além disso, o Brasil precisa de um programa educacional que também ensine à dona de casa a aproveitar melhor os alimentos à sua disposição. Um dos problemas da pobreza e da fome no meio rural é, sem dúvida nenhuma, a falta de treinamento das mulheres, que poderiam contribuir mais do que já o fazem no combate à fome e à pobreza se conhecessem o mínimo de técnicas de preparação de alimentos, o que poderia ser ensinado por programa governamental. Também seria necessário políticas estruturais, além de ações pontuais.

            Em suma, temos de resolver os três pontos: produção, distribuição e acesso. Para isso, não podemos continuar a desprezar a pesquisa e a extensão no Brasil, porque, ao mesmo tempo em que cuidam do primeiro ponto, da produção, cuidarão também da melhor distribuição do alimento e de como ensinar às pessoas a aproveitá-lo melhor, reduzindo as perdas enormes, que no Brasil chegam a 20% da produção nacional. Se produzimos 100 milhões de toneladas, por exemplo, perdemos 20 milhões dessa produção. E estou falando apenas de grãos. Se considerarmos os hortifrutigranjeiros e outros produtos, a perda é maior ainda: em qualquer central de abastecimento de qualquer Estado brasileiro, constata-se que a perda, muitas vezes, chega a 50%. Mesmo no caso dos grãos, a perda de 20% é muito alta, já que, nos países mais desenvolvidos, esse índice não ultrapassa os 5%. Nesse caso, revela-se um problema de transporte e armazenamento, ou seja, de infra-estrutura, que o Governo tem a obrigação de resolver.

            Quando se fala em infra-estrutura, o Governo poderia pensar num programa de transporte e armazenagem que instituísse armazéns estrategicamente localizados em regiões onde a produção não é suficiente para atender à demanda alimentar da população. Assim, os estoques reguladores do Governo seriam transportados para essas regiões, de forma a compor um estoque de segurança alimentar. Quando houvesse o flagelo da fome em regiões do Nordeste ou em algumas regiões do Norte, esses armazéns estariam abastecidos com comida suficiente para atender a essas demandas regionais.

            Esse é um programa que considero muito importante e que o Governo brasileiro não instituiu até agora - e tenho certeza de que não o fará, porque não é a prioridade dele. Contudo, penso que o próximo Governo poderia muito bem criar esse programa oficial, voltado para a segurança alimentar das populações carentes.

            De outro lado, a pesquisa e extensão são importantes para garantir a preservação dos recursos naturais, de forma a impedir a degradação da fertilidade da terra. Conforme acabei de dizer, os macronutrientes carregados para os rios representam US$ 1,4 bilhão, sem contar a perda de micronutrientes. Isso significa que estamos dispensando esse dinheiro todo e prejudicando a fertilidade do solo. Hoje, Sr. Presidente, para se produzir, utilizam-se cinco vezes mais insumos do que há 20 anos. Estamos perdendo a fertilidade, o que acarreta um custo de produção muito maior.

            Também deveríamos ter crédito diferenciado para pequenos agricultores. Já temos o Pronaf, destinado à agricultura familiar, mas de forma tímida. Teríamos que quadruplicar esses recursos, porque nem 20% dos pequenos produtores ou agricultores familiares brasileiros têm sido atendidos. Deveria haver um programa em que 100% dos agricultores familiares fossem atendidos, pois, no dia em que esse modelo de agricultura for destruído, provocaremos um grande caos social, e a fome será um flagelo muito maior do que é hoje.

            Quanto à reforma agrária, fica esta discussão da Oposição com o Governo sobre se é grande ou pequeno o número de famílias assentadas. Na verdade, se comparado o número de famílias assentadas com o das que saíram do campo, esse último é quatro vezes maior: 1,2 milhão de famílias saíram do campo, enquanto 300 mil foram assentadas. Portanto, a reforma agrária não atendeu aos objetivos de segurar, no campo, a população para produzir renda e emprego.

            Sr. Presidente, já falei da redução da fertilidade, do transporte da produção, do estoque estratégico. Esclareço também que, obviamente, minha proposta não é pelo fim dos programas assistenciais ou das medidas pontuais. Mas tenho aqui um documento sobre segurança alimentar para o Brasil que creio possa ser considerado o princípio de uma política a ser implementada no País. Como os próprios autores já consideraram, não é um programa definitivo. Todos poderão dar suas sugestões. Também oferecerei as minhas, porque penso que, pelo menos, alguém se preocupou em elaborar um documento sério, que pode ser referencial para o debate dessa questão tão importante. Conforme eu disse no começo, a fome tem matado muito mais do que a soma de todas as guerras e de todos os atentados terroristas. No entanto, muitos políticos sequer comentam esse assunto, desconsiderando-o. Vejam que estamos discutindo o Dia Mundial da Alimentação, mas o plenário está completamente vazio. No dia em que se discutia o terrorismo nos Estados Unidos, o plenário estava lotado. Não havia uma cadeira vazia. Parece que o atentado terrorista é mais importante do que o flagelo da fome.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me um aparte, Senador Osmar Dias?

            O SR. OSMAR DIAS (Bloco/PDT - PR) - Com muita satisfação, concederei o aparte ao Senador Pedro Simon, mas antes quero dizer que, durante o aparte de S. Exª - que será de vários minutos -, muitas crianças morrerão no Brasil, porque, a cada dois minutos, morre uma criança no nosso País.

            Aqui está o Vereador Jorge Samek, com quem eu falava sobre os programas assistenciais. Quando eu era Secretário da Agricultura do Paraná e ele, Presidente da Ceasa, instituímos programas no Estado cujo objetivo era muito mais resolver problemas circunstanciais, que não podem ser resolvidos se não dermos a comida que falta àquela pessoa. Criamos alguns institutos, como o mercadão popular e o sacolão, para resolver emergencialmente o problema. Mas é preciso atacar estruturalmente a fome no Brasil, se quisermos fazer um trabalho sério.

            Concedo o aparte ao Senador Pedro Simon, sempre determinado e preocupado com esse assunto.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB -RS) - Ninguém mais do que V. Exª pode tratar dessa matéria. Foi Secretário da Agricultura do seu Estado, quando fez um projeto exemplar, um programa de primeira grandeza, que, realmente, é modelo para quem se preocupa com o problema da agricultura. O nosso querido Governador, à época, e V. Exª desenvolveram um programa que considero importante, que tirou do Rio Grande do Sul o título de celeiro do Brasil e o passou para o Paraná. Por isso V. Exª tem autoridade para falar. Mas estive com V. Exª e representantes de todos os partidos na reunião emocionante que se realizou hoje no auditório Petrônio Portella, promovida pela Entidade da Cidadania e pelo PT, onde estiveram presentes praticamente todas as entidades, todos os partidos, quando foi apresentado esse projeto, essa proposta que V. Exª terminou de mostrar. Penso que vale pelo trabalho emocionante que fizeram. Vale porque buscaram todas as experiências, discutiram com todas as entidades e convidaram todos para sentarem à mesa, independente de suas posições, a fim de elaborarem esse documento. Acredito que esse documento - na oportunidade que tive de lê-lo, ainda que rapidamente, porque só o recebi hoje, no final da manhã - tem tudo para representar algo que, como diz muito bem V. Exª, possa ser posto em prática, executado e levado adiante. Na verdade, fiquei muito impressionado com os pronunciamentos, principalmente o do Lula. Ele fez um pronunciamento muito interessante. Penso que ele progrediu, avançou, desenvolveu-se. É uma pessoa profundamente preparada. Na análise que fez, encerrando o congresso, deu uma demonstração de que só não entendem que essa é a questão essencial, só não aceitam que esse é o primeiro ponto de qualquer caminhada aqueles que não têm o mínimo sentimento para ver o que se passa em roda de si. Fome é o problema número um no Brasil. Acho que foi o Lula que disse - não sei se foi ele ou se foi o nosso querido Bispo - que, onde a gente tem os pés, a cabeça ali está. E como aqui, no Senado, nós só botamos os pés em tapetes, ou vamos para nossas residências em ruas asfaltadas, como nunca enxergamos um pobre à nossa volta, não temos condições para sentir, para compreender, para debater e para analisar a questão da fome. Acho que foi um puxão de orelhas correto, certo, feito ao Senado Federal, a nós todos, porque de qualquer maneira, repito aqui, esse é um problema de cada um. E não é um problema em relação ao qual temos que aguardar, que esperar que o Governo faça algo. Cada um de nós pode fazer a sua parte. Eu até imaginaria que essa questão seja a número um. Dom Mauro Morelli disse que a CNBB está fazendo um estudo e preparando um documento que será apresentado a todos os presidenciáveis. Entendo que, independente de qualquer outra questão, aqueles cidadãos que se apresentem com candidaturas à Presidência da República devem assinar este compromisso de honra de que o problema número um se chama fome. Meus cumprimentos, muito carinhosos, ao meu grande amigo.

            O SR. OSMAR DIAS (Bloco/PDT - PR) - Obrigado, Senador Pedro Simon. Eu ia dizer exatamente isto: quem quer ser candidato a Presidente ou a Governador, ou a qualquer cargo político neste País, deveria assumir como compromisso número um esse do combate à fome. Não existe um flagelo maior, uma humilhação maior para uma família do que a fome. Considero que esse deveria ser o compromisso número um de todos os políticos. Ao lado desse, o compromisso do combate à corrupção, porque essa tem causado muita desgraça, muita fome e, sobretudo, muita pobreza no País. V. Exª, nesses dois quesitos principalmente, se credencia como candidato. V. Exª, nos anos em que estou aqui - e, antes de eu chegar aqui já acompanhava a vida pública de V. Ex.ª -, tem-se mostrado um homem preocupado com essas questões mais do que ninguém; pode haver alguém tão preocupado quanto V. Ex.ª com essa questão da fome, da pobreza e com a questão da corrupção, mas não mais. Então, V. Exª realmente merece o nosso respeito e está credenciado.

            Gostaria de lembrar que o Papa João Paulo II, em 1996, quando fez o seu pronunciamento na Conferência de Roma, encerrou com a seguinte frase: “O homem, mediante suas intervenções, pode modificar as situações e responder a suas crescentes necessidades”.

            É o que estamos precisando, que o homem faça intervenções no sentido de melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro, sobretudo no que se refere a essa questão crucial para uma vida digna de todo cidadão.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. OSMAR DIAS (Bloco/PDT - PR) - Concedo o aparte ao Senador Casildo Maldaner.

            O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Vejo que a Presidência já sinaliza para o esgotamento do tempo. Serei breve. Senador Osmar Dias, V. Exª também preenche os dois quesitos que ressaltou em sua análise com relação ao ilustre Senador Pedro Simon. V. Exª é, da mesma forma, uma essas personalidades que representam bem estas duas linhas de ação, contra a corrupção e contra a fome. Aliás, assim como o Senador Pedro Simon foi Ministro da Agricultura deste País, V. Exª foi, por várias vezes, Secretário da Agricultura do grande Estado do Paraná. E, quando vem à tribuna para tratar dessa questão, não só o Senado, mas o Brasil todo lhe assiste com muito respeito, Senador Osmar Dias. Não sei se V. Exª já analisou a questão sob este aspecto - perdi uma parte do seu pronunciamento -, mas, quanto à questão da fome, que tal se nós, brasileiros, pudéssemos ter como política, a médio prazo, produzir uma tonelada de alimentos por habitante? Assim, teríamos, em pouco tempo, cerca de 160, 170 milhões de toneladas de alimentos e condições de oferecê-los aos que sentem fome no Brasil. Além de distribuir para esses 30 a 40 milhões de brasileiros que precisam, poderíamos dizer ao mundo que não temos dinheiro, nem armamentos sofisticados, mas temos comida, temos alimento para negociar. E não precisaria ser à vista, cash, poderíamos fazer permutas por equipamentos de que o País necessite para o seu desenvolvimento. Poderíamos negociar até com o Oriente, com os grandes países envolvidos nessa questão do Afeganistão. Se quiserem, poderão distribuir, de helicóptero, comida aos que precisam, pois o Brasil tem. Vamos, portanto, negociar com o mundo, vamos nos colocar à frente dessas questões fundamentais. Além de encarar a nossa questão interna, daqueles que precisam de alimentação, como bem disse V. Exª, no sentido não só biológico, devemos encará-la do ponto de vista da justiça, da transparência, no sentido de saber onde são aplicados os recursos públicos. Assim, estaremos avançando sinceramente para grandes conquistas no País.

            O SR. OSMAR DIAS (Bloco/PDT - PR) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner.

            Sr. Presidente, entendo que o tempo está ultrapassado e vou encerrar. Mas quero dizer que já ouvi muitas vezes, e vou repetir, que nenhuma nação será soberana e livre enquanto tiver um ser humano passando fome ou não vendo atendidas as suas necessidades alimentares diárias. No Brasil, são 44 milhões de irmãos nossos que têm uma renda menor do que US$1 por dia e que, com certeza, não estão vendo as suas necessidades atendidas. Esse é o grande desafio deste século, deste milênio.

            Tenho certeza, Sr. Presidente, de que o povo brasileiro saberá entender que quem não tiver sensibilidade para se sentir indignado diante de uma família com fome não poderá exercer nenhum cargo público neste País.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

 

            


            Modelo14/19/248:31



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