Discurso durante a 139ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Leitura do manifesto dos jovens doutores brasileiros formados pelas universidades brasileiras e de outros países, que traduz o sentimento e a preocupação com o futuro do pensamento científico brasileiro e da atividade de pesquisa no Brasil.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Leitura do manifesto dos jovens doutores brasileiros formados pelas universidades brasileiras e de outros países, que traduz o sentimento e a preocupação com o futuro do pensamento científico brasileiro e da atividade de pesquisa no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2001 - Página 25724
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE, CURSO DE POS-GRADUAÇÃO, BRASIL, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO, PESQUISA, FORMANDO, CURSO DE DOUTORADO.
  • DEFESA, PARCERIA, EMPRESA, ORGÃO PUBLICO, UNIVERSIDADE, ABSORÇÃO, MÃO DE OBRA, PESQUISADOR, BENEFICIO, PRODUÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA.
  • LEITURA, MANIFESTO, AUTORIA, BRASILEIROS, FORMANDO, CURSO DE DOUTORADO, APREENSÃO, PESQUISA CIENTIFICA, BRASIL, REIVINDICAÇÃO, OPORTUNIDADE, MERCADO DE TRABALHO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago ao plenário do Senado Federal, nesta tarde, um manifesto dos doutores formados pelas universidades brasileiras e de outros países, mas que têm sua nacionalidade no nosso País.

            Entendo que se trata de um assunto que, indiretamente, se vincula a este grande debate que gira em torno da greve dos docentes das universidades brasileiras. Indubitavelmente, o Brasil tem o dever de refletir seriamente e tomar uma posição sobre esta matéria.

            Não poderia ser injusto não reconhecendo que, no Brasil, temos avançado muito na formação de doutores pelas universidades brasileiras e no aumento do número de vagas nos mestrados. O atual Governo Federal instituiu o Programa de Fixação de Doutores, Profix, que concede uma bolsa de R$3 mil por mês aos doutores recém-formados, para que possam iniciar uma atividade de pesquisa e desenvolvimento científico em alguma região do Brasil.

            Foi instituído, também no atual Governo, o Programa de Fixação de Recém-Doutores, que dá uma bolsa de R$3 mil para que eles possam, em alguma região do Brasil, desenvolver atividades de pesquisa.

            Mas o fato é que milhares de doutores se formam a cada dois anos nas universidades brasileiras e no exterior e o acesso a vagas é muito restrito.

            O Ministério da Educação conseguiu oferecer para docentes somente duas mil vagas nas universidades brasileiras - a necessidade é de oito mil vagas.

            Está criada uma situação de impasse. O Brasil, a meu ver, precisa unir-se, imediatamente, aos setores do desenvolvimento nacional como um todo, envolvendo as empresas e os órgãos estatais, para encontrar um caminho de parceria efetiva com as universidades brasileiras onde possamos absorver os profissionais pesquisadores do Brasil e alcançar resultados sustentados em suas pesquisas, a fim de que tenhamos um horizonte novo da produção científica brasileira.

            Passo a fazer a leitura do chamado “Manifesto dos Jovens Doutores Brasileiros”. Ele foi apresentado e publicado, há poucas semanas, na revista Nature. É um manifesto que traduz o sentimento e a preocupação com o futuro do pensamento científico brasileiro e com o futuro da atividade de pesquisa no Brasil.

            Diz o manifesto:

      A comunidade científica brasileira está passando por uma dramática situação. Diferentemente da Europa ou dos Estados Unidos, onde há um maior número de Doutores do que a oferta de emprego para estes, no Brasil ainda temos uma grande demanda potencial de PhDs para empregos em pesquisa. É sabido que no Brasil a maior parte da pesquisa científica se dá nas chamadas IFES, dependentes do Governo Federal. Essas Universidades Federais atualmente apresentam uma carência de pessoal; os pesquisadores dessas instituições se vêem restritos em sua alocação de tempo e esforço tanto para pesquisa quanto para o ensino, potencialmente diminuindo a qualidade de ambos.

      Áreas estratégicas como ecologia, sociologia, economia, história e engenharia necessitam de engajamento de grupos de pesquisa em aspectos aplicados e básicos, direcionados à resolução dos sérios problemas nacionais. Todavia, o Governo não permitiu a oferta de posições acadêmicas nas IFES NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS, como resultado de uma política que, aparentemente, almeja banir universidades públicas e a pesquisa básica realizada nelas. O desenvolvimento científico de nosso País vê-se comprometido por essa atitude irresponsável do Governo brasileiro. Uma geração inteira de jovens Doutores pode estar perdida para a pesquisa nas universidades, num momento extremamente sensível da história da ciência no Brasil.

      Devemos lembrar que esses jovens Doutores resultam de décadas de investimentos por parte do Governo brasileiro. Alguns deles obtiveram seus PhDs em alguns dos melhores centros de pesquisa do mundo inteiro, outros, dentro do próprio País, tanto um como o outro trabalhando em áreas estratégicas para o desenvolvimento do Brasil. Cada um desses estudantes custa, em média, US$7,000 no Brasil e US$23,000 ao ano se no exterior. E a sociedade brasileira investiu US$65.631.910 em estudantes de doutorado só em 1998 (dados em www.cnpq.br).

            Aí fala da mensagem dos jovens doutores brasileiros que estamos recebendo:

      Esses pesquisadores deveriam atuar como o contato entre a comunidade científica brasileira e a internacional e, dentro do País, como um grupo formador de opinião, responsável por um ensino superior de qualidade e resultados científicos de valor. Esses papéis sociais foram sumariamente ignorados pelo Governo, em detrimento da qualidade da ciência no Brasil.

      Neste exato momento, há pouca força política na comunidade científica brasileira para que suas reclamações sejam ouvidas. Desta forma, nós lhe escrevemos na esperança de que seu apoio nos ajude a sermos ouvidos.

            E continuam eles:

      O Brasil entrou em um ciclo fatal que levará, invariavelmente, à desconstrução de sua malha científica, arduamente construída nos últimos 30 anos. Eficientemente, este Governo está criando uma cratera de anos na renovação dos corpos docentes da universidades públicas, induzindo à acomodação e perda da qualidade. O futuro mercado de trabalho, principalmente de profissões ainda novas e menos agressivas no mercado, como a de biólogo, depende profundamente de cursos fortes, sérios, produtivos e de renovação nas instituições de pesquisa.

      É de conhecimento da maioria o descaso e a displicência com que o Governo e as próprias IFES (Instituições Federais de Ensino Superior) têm levado o problema das contratações de novos professores. Amarrados pelos acordos e critérios castradores do MEC, os Reitores se encontram fracos e sem poder de barganha. A discussão circula sem sucesso em torno de ter ou não regime celetista, e com este propósito vamos para o quarto ano sem contratações e efetivações de pessoas concursadas para vagas novas. Cursos criados por pressão do MEC entram na inoperância. Há casos de cursos entrando no sexto período com apenas dois professores efetivados para o mesmo e sem perspectivas de oferta de disciplinas eletivas! Do outro lado, nós, desempregados, treinados ao nível máximo possível. Nunca antes o mercado profissional no Brasil esteve tão bem provido de candidatos e nunca foram tão poucas as ofertas de emprego na ciência, e nem tão desesperadoras as perspectivas futuras! Ainda representamos apenas 1,2% da produção científica mundial e detemos apenas 0,06% das patentes, mas o Governo prefere não investir no fortalecimento da comunidade científica brasileira. De 1998 para 1999, a inclusão de doutores nos quadros efetivos das IFES foi de 1.481 (a maioria pelo treinamento do corpo já existente), contra o total de 8.790 novos títulos obtidos por brasileiros (Fonte: INEP/MEC)! Os números falam por si só.

            A carta apresenta uma reivindicação a toda a comunidade política e representativa das universidades brasileiras para que se estenda a oportunidade, numa grande corrente de solidariedade, aos jovens doutores que estão se formando aos milhares pelo Brasil.

            Sr. Presidente, posiciono-me no meio-termo nessa discussão, entendendo e reconhecendo que a política científica brasileira tem mudado. Observando a pesquisa básica, notamos estar havendo um esforço claro e efetivo em prol de seu fortalecimento pelo Governo. Porém, falta sustento para a pesquisa básica, que, embora tenha início, não obtém financiamento para sua continuidade.

            Quando vemos esse número expressivo de doutores sendo formados, devemos reconhecer ser essa mais uma iniciativa na busca de formação científica qualificada pelas universidades brasileiras, e até no exterior.

            Devemos lembrar que, em anos passados, quando o Brasil não era um País democrático, o pesquisador podia realizar trabalho sobre qualquer matéria que não envolvesse questão social ou a verdade do desenvolvimento científico brasileiro, porque esses assuntos poderiam levar a um inquérito policial militar.

            Houve clara mudança no horizonte da formação da pós-graduação brasileira. Mas uma dívida está posta: um grande grito de libertação de auto-estima dado pelos jovens doutores brasileiros exatamente para que o Governo, com prioridade, garanta o ingresso no mercado de trabalho de maneira fixa e permanente, e não apenas parte de um estágio complementar após o doutorado, no caso dos Programas do Recém-Doutor ou o de Fixação de Doutores, nas universidades brasileiras.

            Acredito que está ao alcance do Governo encontrar um meio-termo. É possível fazer um investimento efetivo, chamando à parceria a iniciativa privada e as empresas estatais interessadas no desenvolvimento científico e impondo uma regra de parceria com instituições internacionais no campo da pesquisa e da produção científica, no Brasil. Se fizermos isso, o resultado, sem dúvida alguma, será o de um amanhã diferente para a comunidade científica e para a Ciência brasileira.

            Espero que esse grito dos jovens doutores brasileiros esteja embutido numa reflexão intensa, cada vez mais necessária, a fim de se buscar uma solução imediata, que é esse movimento da greve das universidades brasileiras.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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            Modelo14/26/244:21



Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2001 - Página 25724