Discurso durante a 145ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aspectos relevantes do debate sobre a introdução, no Brasil, de produtos transgênicos.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Aspectos relevantes do debate sobre a introdução, no Brasil, de produtos transgênicos.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2001 - Página 26874
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, POLEMICA, PROCESSO, LIBERAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, SOJA, PRODUTO TRANSGENICO, BRASIL.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MEIO AMBIENTE, ORGÃO PUBLICO, DEFESA, CONSUMIDOR, COMBATE, APROVAÇÃO, LIBERAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, BRASIL, CONFLITO, EMPRESA ESTRANGEIRA, LOBBY, GOVERNO FEDERAL, AUTORIZAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO.
  • COMENTARIO, RISCOS, PRODUTO TRANSGENICO, SAUDE, POPULAÇÃO, QUESTIONAMENTO, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, AUTORIZAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO.
  • DEFESA, PROIBIÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, BRASIL, PRESERVAÇÃO, QUALIDADE, AGRICULTURA, SAUDE, POPULAÇÃO, ELOGIO, ATUAÇÃO, ORGÃO PUBLICO, MINISTERIO PUBLICO, COMBATE, COMERCIALIZAÇÃO.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB - MT) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, já se arrasta há bastante tempo a discussão a respeito da introdução de produtos transgênicos no Brasil. Não é para menos. A questão é polêmica no mundo inteiro, não há consenso científico a respeito dos seus efeitos sobre a saúde humana, e o volume de dinheiro envolvido no negócio é colossal. Nada mais natural, portanto, que muito se fale e que muito se discuta sobre esse assunto.

A questão que tem encabeçado o tema no Brasil é a ofensiva em curso para a liberação comercial da variedade de soja transgênica Roundup Ready e do milho Guardian, de interesse da Monsanto, que age em conjunto com a Associação Brasileira dos Produtores de Sementes - ABRASEM e a Associação Brasileira dos Obtentores Vegetais - BRASPOV, cuja causa conta com a simpatia do Governo. Do outro lado, o Greenpeace, o Instituto de Defesa do Consumidor -IDEC e o Ministério Público tentam impedir a liberação da comercialização desses produtos no Brasil.

A questão encontra-se, atualmente, sub judice. Está em vigor liminar do juiz Antonio Prudente Neto, que proíbe, desde 1999, o plantio e a comercialização de transgênicos no Brasil, em ação movida pelo IDEC e pelo Greenpeace. Segundo o jornal Valor Econômico, de 7 de agosto passado, a estratégia da Monsanto e da Associação é pressionar a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio para conseguir aprovar o plano de monitoramento científico dos plantios comerciais de transgênicos, solicitado pela Monsanto no início de 1999, o que depende da revisão da Instrução Normativa n.º 18 da Comissão.

Sempre, segundo o Valor, de posse desse plano, aprovado pela CTNBio, as empresas, com o apoio da Advocacia Geral da União, passariam a pressionar a Justiça Federal para cassar a liminar do juiz Prudente. Aliás, de acordo com o jornal, elas já estiveram com o Presidente do Tribunal Regional Federal, Ministro Tourinho Neto, e com a juíza relatora do processo, Assusete Magalhães. Mas o presidente da CTNBio, Esper Cavalheiro, não parece inclinado a atender as empresas. Segundo suas declarações ao Valor, somente tomará uma decisão após o desfecho do caso na Justiça.

Se o presidente da Comissão está cauteloso e prefere aguardar a decisão judicial, o mesmo não pode ser dito a respeito do Governo Federal. Sempre de acordo com o jornal Valor, a Monsanto já conseguiu que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama emitisse o termo de referência necessário à realização dos Estudos de Impacto Ambiental - EIA-Rima exigidos pela Justiça.

A decisão do Ibama desagradou o IDEC e o Greenpeace, que fazem parte do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA e há dois anos trabalham na elaboração de diretrizes para a avaliação de organismos geneticamente modificados, nome técnico dos transgênicos. Para o IDEC, o Ibama passou por cima de órgãos superiores. Por ser um órgão executor, não pode determinar políticas, conforme matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, no último dia 13 de junho.

Depois veio o Decreto n.º 3.871/2001, que estabeleceu as normas de rotulagem desses produtos. Ele liberou os fabricantes de informar, nos rótulos, sobre os produtos feitos de ingredientes com índice de alteração transgênica inferior a 4%. O Ministério Público já entrou com ação na Justiça pedindo a suspensão do Decreto. “O consumidor tem, no mínimo, o direito de ser informado sobre o que está comprando”, afirmou a procuradora Eliana Torelly, responsável pela ação, ao jornal O Estado de São Paulo do dia 7 de agosto.

Também está apressado o Ministro Pratini de Moraes. De acordo com o Valor Econômico, ele só desistiu da concessão de registro comercial para oito cultivares da soja Roundup Ready, da Monsanto e da Coodetec, braço de pesquisa das cooperativas do Paraná, depois que foi ameaçado de processo pelo Ministério Público Federal e pela Associação de Juízes Federais, por descumprimento da liminar do juiz Prudente.

É difícil entender a pressa do Ministro da Agricultura, do Ibama e da AGU, especialmente quando se sabe que recentemente foi revelado que a soja transgênica da Monsanto contém fragmentos de DNA estranhos ao genoma da oleaginosa, conforme descoberta de uma equipe de cientistas belgas, chefiados pelo Doutor Marc De Loose. A informação caiu como uma bomba na Bolsa de Chicago e derrubou o preço do produto no mercado futuro, de acordo com a Gazeta Mercantil do último dia 17 de agosto.

Aqui no Brasil, a Monsanto procurou aliviar o impacto da revelação, informando, segundo a Gazeta, que iria protocolar junto à CTNBio um documento com esclarecimentos sobre esse inesperado fragmento de DNA, que, segundo a empresa, está na soja RR desde que ela começou a ser testada e comercializada.

Não é exatamente o que pensa o Greenpeace, adversário antigo da Monsanto. Para a Organização Não Governamental, a soja Roundup Ready, hoje à venda, não é geneticamente a mesma que foi aprovada por governos de todo o mundo, uma acusação que, se comprovada, se constitui em fato grave.

Sr. Presidente, por que, então, a pressa do Governo brasileiro em liberar a comercialização desse produto no País? Se ainda não está consolidado todo o conhecimento científico sobre esses produtos, como mostra a recente revelação sobre a soja da Monsanto, por que devemos expor a nossa agricultura e a nossa população a riscos que nem sabemos quais são?

A Comissão Européia propôs recentemente regras mais rígidas sobre o rastreamento e a rotulagem de sementes e alimentos transgênicos, na tentativa de suspender um veto, que já dura três anos, sobre a aprovação de novos produtos. As propostas visam a assegurar o rastreamento e a rotulagem de organismos geneticamente modificados por toda a cadeia alimentícia, da fazenda ao supermercado, conforme notícia da Gazeta Mercantil de 26 de julho passado. Todos os alimentos produzidos a partir de substâncias transgênicas necessitarão de rótulo, não importa se o produto final contém DNA ou proteína de origem transgênica. Postura bem parecida com a do Decreto brasileiro, como se vê.

Talvez os europeus temam os transgênicos porque têm como experiência recente e amarga o caso da “vaca louca”, que lhes serve de alerta. Se, para eles, a “vaca louca” significou doença, pânico e prejuízo, para o Brasil houve benefícios. A carne “verde” brasileira ganhou outro status no mundo, seu preço melhorou e as exportações cresceram.

Será possível que não vamos conseguir enxergar o paralelo óbvio que há aí, entre os dois casos? Ao mesmo tempo que nos beneficiamos da produção de gado saudável, tão brilhantemente defendida pelo Ministro Pratini de Moraes, quando o Canadá levianamente nos acusou de contaminação, será que vamos trazer para o País um risco à saúde que os europeus rejeitam, capaz de prejudicar a nossa população e as nossas exportações de soja e milho?

Não podemos nos curvar à pressão americana. É mais prudente e mais saudável que sigamos o exemplo da União Européia. O Governo brasileiro precisa ter posição mais independente nessa questão grave, em que estão em jogo a saúde da população e a nossa produção de grãos.

A esse respeito, aliás, quero alertar para outro fato grave, denunciado pela própria ABRASEM. Segundo seu Diretor Executivo, João Henrique Hummel, há indícios de soja RR ilegal no Centro-Oeste. Em Primavera do Leste, Mato Grosso, uma fazenda estaria cultivando 50 hectares com transgênicos. Segundo Hummel, isso daria para produzir 1500 sacas de sementes beneficiadas e plantar até três milhões de hectares em três anos, conforme a matéria do jornal Valor.

            Trata-se de um problema grave, como se vê, sobre o qual, lamentavelmente, o Governo não toma providências. Refiro-me tanto ao Governo do Estado quanto ao Governo Federal, que deveriam estar tratando de impedir que ele aconteça. Se tem sido possível proibir o cultivo de transgênicos legalmente no País, é vital impedir que se cultive essa soja clandestinamente, o que representa um perigo ainda maior, porque se perderá o controle da disseminação desse transgênico.

Enquanto se luta para impedir a entrada dos transgênicos - pelo menos até que se tenha segurança absoluta sobre os seus efeitos sobre o ser humano -, ganha espaço no Brasil e no mundo uma outra alternativa, os produtos orgânicos.

Matéria recente do jornal inglês Financial Times dá conta de um relatório divulgado pela Soil Association, organização internacional para a promoção da agricultura orgânica, segundo o qual um levantamento de mais de 400 trabalhos científicos concluiu que os alimentos orgânicos impedem vários males associados ao uso de fertilizantes e produzem uma maior carga de nutrientes. Esse estudo contradiz a Foods Standards Agency, a agência britânica para alimentos, para quem não havia informação suficiente para afirmar que a comida orgânica é mais segura ou mais nutritiva que a não orgânica.

Assim, esse tipo de alimento vai se demonstrando mais nutritivo e mais seguro e se tornando, ao mesmo tempo, mais popular no Brasil e na Europa. Por aqui, de acordo com notícia publicada pela Gazeta Mercantil no mês passado, a demanda por orgânicos triplicou nos últimos cinco anos.

Uma das maiores redes de supermercados do País tem gôndolas especializadas em 50 das suas 121 lojas no Estado de São Paulo, estratégia de marketing baseada em pesquisas junto à sua clientela. Uma outra rede tem duas fazendas de produção de uvas orgânicas em Petrolina e está transformando a produção de duas de suas três fazendas em produtoras de carne orgânica. Obedecem, segundo o presidente de uma delas, uma tendência mundial de preocupação maior com a saúde.

Por que, então, havemos de querer aprovar transgênicos açodadamente, quando não se tem segurança sobre os seus efeitos na saúde humana ou ainda se desconhece mesmo a sua genética, como se viu recentemente? Se amanhã se constatar efeitos danosos da soja transgênica, como haveremos de erradicar a espécie da nossa agricultura? Toda a nossa produção estará irremediavelmente sob suspeita e os prejuízos serão imensos, como se viu no caso da “vaca louca”.

É preciso que o Governo Federal tenha cautela e sobretudo que aja em nome da defesa dos interesses maiores da agricultura e da saúde da Nação, tendo a cautela devida nessa questão. É preciso também que, na omissão do Governo de Mato Grosso, saiba investigar e, se for o caso, coibir o cultivo clandestino de soja transgênica em Primavera do Leste.

Por último, quero parabenizar a ação da Justiça, do IDEC e do Ministério Público que têm sabido lutar para que essa questão seja examinada com a prudência necessária. Mais uma vez se comprova a superioridade da democracia, regime em que os poderes se fiscalizam, se compensam e se equilibram e a sociedade civil organizada pode se manifestar livremente e atuar em defesa dos seus interesses quando os governos falham. É graças a ela que não temos ainda em nosso País o cultivo e o consumo de produtos transgênicos, sobre cujas conseqüências para o ser humano ainda há muito o que aprender.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2001 - Página 26874