Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

POSICIONAMENTO CONTRARIO A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 50, DE 1999.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • POSICIONAMENTO CONTRARIO A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 50, DE 1999.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2001 - Página 27444
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ALVARO DIAS, SENADOR, REDUÇÃO, BANCADA, CAMARA DOS DEPUTADOS, PREJUIZO, ESTADOS, INFERIORIDADE, POPULAÇÃO, AUMENTO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADOR, PROTEÇÃO, CONTINUAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), SITUAÇÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), NECESSIDADE, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, SOBERANIA NACIONAL, DENUNCIA, ABANDONO, GOVERNO FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª MARLUCE PINTO (PMDB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema do meu discurso desta manhã é igual ao abordado no pronunciamento do nobre Senador Nabor Júnior, razão por que deixei até de aparteá-lo. Mas, mesmo assim, não vou desistir de fazer o meu pronunciamento, pois sei que essa é uma preocupação constante, principalmente dos representantes dos Estados menores.

            De tudo que já ouvi nesta Casa com referência a esse tema, posso dizer que sempre há discordância. Alguns apresentam os seus argumentos pensando que não prejudicam especificamente os Estados pequenos e, sim, todos os Estados da Federação na medida em que provocam uma certa redução. Mas o que é certo, Sr. Presidente, é que já temos o mínimo, oito representantes, como já se disse aqui, para enfrentar outros Estados que chegam a ter setenta representantes.

            Lembro-me bem de que, na época dos trabalhos da Constituinte, os Parlamentares do Norte, Nordeste e Centro-Oeste encontravam muita dificuldade em aprovar suas emendas. Foi preciso que se formasse um grupo dos representantes dessas Regiões, que, somados, atingiram 281 Parlamentares, tornando possível que as Bancadas das três Regiões conseguissem aprovar as suas emendas.

            Com a modificação que desejam agora não será diferente.

            Lamento que o Senador Bernardo Cabral não esteja presente, porque, todas as vezes em que as Bancadas mais fortes se somaram e levaram a sua voz à tribuna das duas Casas para retirar os incentivos da Zona Franca, sempre foram as Bancadas das Regiões Norte e Nordeste que deram cobertura para que a Zona Franca continuasse.

            Fiz esse intróito, antes de iniciar o meu discurso, porque é até difícil falar logo após um Senador que abordou o mesmo tema. Mas não posso perder esta oportunidade, porque tenho certeza de que, se agora já enfrentamos tantas dificuldades porque temos uma Bancada pequena, ficará muito pior se essa Bancada for reduzida.

            Sr. Presidente, meus nobres pares, a exemplo de outras tentativas de se reduzir o número de representantes na Câmara Federal e, por conseguinte, por imperativo da lei, também promover a redução do número de deputados estaduais, vereadores e deputados distritais de Brasília, mais uma proposta de emenda constitucional nos aparece - a PEC nº 50, de 1999 -, desta vez tendo a chancela do ilustre colega Senador Álvaro Dias, que a encabeça.

            Mesmo que bem elaborada, bem justificada e, inclusive, tendo merecido, no mérito, seu acolhimento pelo nobre Senador Bernardo Cabral - profundo conhecedor da matéria e jurista de primeira linha, mas que também afirma em seu parecer não ser a matéria suficiente para promover uma representação perfeitamente justa - e, finalmente, mesmo que ancorada no turbilhão de mudanças necessárias que estão sendo praticadas em todos os setores da vida nacional - o que particularmente aplaudo, consciente de que a dinâmica do mundo moderno não perdoa a quem fica a reboque do processo -, eu não poderia, como representante de um dos mais pobres Estados de nossa Federação, deixar de manifestar-me contrariamente a tal pretensão.

            Particularmente, antes das ponderações que farei, quero dizer que não acredito que essa proposta vá melhorar ou aprimorar a qualidade do Legislativo brasileiro, quando, com os olhos no mundo, sabemos que, proporcionalmente ao nosso espaço geográfico, o Congresso Nacional brasileiro é um dos menores do Planeta. Certo é, sem dúvida nenhuma, que o Deputado não representa o quilômetro quadrado, assim como soberania não é a soma de um povo, sua extensão territorial ou seu sistema de governo. Temos, sim, cada um de nós, brasileiros, uma parcela de representatividade em nossa sociedade, assim politicamente organizada.

            A PEC nº 50, em síntese, propõe a redução dos atuais 513 Deputados para 405 - considerada a proporcionalidade entre as populações dos Estados nos dias atuais -, algo em torno de 22% do número das cadeiras da Câmara Federal.

            Isso feito, teríamos, automaticamente, grosso modo, uma redução próxima dos 40% no quantitativo de Deputados Estaduais e também de Vereadores.

            Com referência ao número de cadeiras na Câmara Federal, a proposta apresenta um quadro - este que tenho em minhas mãos - em que, quantitativamente, compara os percentuais da participação populacional com o atual número de Deputados Federais, concluindo, teoricamente, pela real participação que cada Estado, de fato, deveria ter.

            Na teoria, Roraima não poderia ter representante na Câmara Federal. Isso mesmo: Roraima teria zero representante na Câmara dos Deputados. Amapá e Acre poderiam eleger, cada Estado, um único Deputado Federal; Tocantins elegeria 3; Rondônia, 4; Sergipe, 5; Distrito Federal e Mato Grosso do Sul, 6; Paraná, Santa Catarina, Amazonas, Ceará e Rio Grande do Norte manteriam suas atuais representações; o Rio Grande do Sul teria sua Bancada aumentada em 1 Parlamentar; Minas Gerais e Bahia ganhariam mais 2, cada Estado; e, entre outras baixas e outros ganhos, finalmente chegamos a São Paulo, que, teoricamente, pela população que possui, deveria aumentar sua Bancada, dos atuais 70 representantes para 115.

            Felizmente - o que também não apóio não encontra eco em Roraima e tenho certeza de que também não satisfaz a inúmeros colegas de outros Estados da Federação -, felizmente, repito, a proposta não se resume a esses números que acabo de citar. Essa seria, teoricamente, a representação de eleitos numa situação em que apenas fosse vislumbrada a proporcionalidade populacional de cada Estado. Nesse caso, em situações diametralmente opostas, estão exatamente Roraima e São Paulo.

            Acho absurda, no mínimo discriminatória, a comparação entre São Paulo e Roraima na justificativa dessa PEC. O simples fato de Roraima possuir, hoje, cerca de 0,20% da população brasileira e eleger oito representantes na Câmara Federal - cada Deputado representando cerca de 35 mil habitantes -, enquanto São Paulo abriga mais de 22% da população e cada um de seus setenta Deputados representa cerca de 500 mil habitantes, não é justificativa suficiente para reduzir nossa Bancada, porque se assim ocorrer, cada vez mais haverá desequilíbrio regional.

            Outros fatores não foram postos em evidência. Entre tantos, enumero aqueles de ordem financeira: os projetos nacionais de porte, os investimentos maciços, os que envolvem fábulas de recursos para os mais variados setores da produção, da geração de emprego e renda etc., onde São Paulo é sempre um dos primeiros da lista como beneficiário. E não nos esqueçamos, meus nobres Colegas, de que Roraima, na Região Norte, está entre os Estados que menos recursos recebem dos cofres públicos e é um dos que mais sofrem em função do forte desequilíbrio regional em solo pátrio, aliás, prática condenada há muitos e muitos anos e até hoje não minimizada.

            Mesmo que, na realidade, essa PEC projete um mínimo de representação em número de quatro Deputados - caso de Roraima, Amapá, Acre e Tocantins -, com redução de um Deputado a cada legislatura, e mantenha o máximo de setenta, mesmo assim não compactuo com seu intuito.

            Afinal, essa matéria foi exaustivamente debatida por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte e, uma vez que o legislador brasileiro já deliberou sobre o assunto nos termos da Constituição vigente, trata-se de “coisa julgada”.

            Em síntese, e ao pé da letra, seria o mesmo que discutirmos se os Estados do Acre, Rondônia, Roraima e Amapá não deveriam voltar à condição de territórios federais.

            Todavia, quero deixar bem claro, antes que seja mal interpretada, que minha contrariedade se resume à Bancada de Deputados de Roraima e dos Estados da Região Norte, cujas características e o que representam para a Nação brasileira não podem e não devem continuar discriminados da forma que são.

            Se a Lei Maior conferiu a tais Estados uma autonomia administrativa é porque pretendeu elevá-los à condição de unidades autônomas da Federação brasileira, proporcionando à região um mínimo de desenvolvimento compatível com a dignidade de seu povo.

            No que diz respeito à região amazônica, o Brasil tem milhares de quilômetros de fronteiras inteiramente despovoadas, sendo de inteira justiça o estabelecimento de medidas tendentes à fixação de brasileiros naquela região. Não creio - e tenho certeza de que também não acreditam meus nobres pares - que essa característica regional sirva como “justificativa” para a reavaliação do número de nossos representantes. Ao contrário, o de que nossa região mais precisa é de brasileiros dispostos ao sacrifício para preencher, antes de tudo, a necessidade de sua própria sobrevivência, alvo constante da cobiça internacional que vive rondando nossas fronteiras. Ademais, precisamos ficar alertas ao fato de que, se adotarmos o critério puramente proporcional ao número de habitantes para chegarmos à representação popular, tal raciocínio nos levará à conclusão de que o Congresso Nacional - que deve representar a Nação brasileira como um todo, una e indivisível em seu sentimento de nacionalidade - ficaria reduzido à expressão mais simples, manifestando tão-somente o pensamento de pouquíssimos Estados. Afinal, o Brasil não é só formado por Estados pujantes como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

            Somos vinte e sete Estados integrando a Federação brasileira, e todos, de forma harmônica, representados por três Senadores, sem que isso diminua ou acrescente algo a qualquer uma dessas Unidades Federativas.

            No que diz respeito à Câmara dos Deputados, a representação mínima de oito Deputados já demonstra uma sensível diferença perante as Bancadas maiores.

            Reduzir a representação parlamentar dos Estados da Região Norte é reduzir a expressão política dos mesmos Estados. Se assim procedermos, estaremos, de fato, reduzindo a expressão política da própria federação brasileira. Seria o mesmo que aceitarmos a idéia de que existem Estados menos brasileiros e cidadãos com menor grau de cidadania.

            Concordo, Sr. Presidente, que diferenças entre algumas Unidades da Federação existem e, realmente, precisam e devem ser resolvidas. São as diferenças entre os brasileiros do Norte e os brasileiros que vivem abaixo do paralelo 10: diferenças no tratamento, diferenças no modo de vida, diferenças na qualidade de vida. Essas diferenças, antes de serem avaliadas pelo número de cadeiras no Parlamento, deveriam ser olhadas quando da distribuição de renda e quando da feitura dos grandes programas econômicos de nosso País. Isso, sem nos esquecermos de que, mesmo diante de nossas imperfeições, estamos sempre colocados no pelourinho da opinião pública.

            Vou encerrar, Sr. Presidente, não sem antes conclamar todos os colegas Parlamentares, Senadores e Deputados, em particular aqueles que representam as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, para que cerremos fileiras contra quaisquer tentativas desagregadoras que visem a podar a cidadania daqueles Estados que tanto já contribuíram e contribuem para o engrandecimento de nosso Brasil.

            Sou a favor das reformas, vejo-as como necessárias e positivas e não creio que o Congresso Nacional seja intocável. Da mesma forma que se propõem mudanças no Judiciário e no Executivo, também o Legislativo necessita de adequações. Mas não sou favorável a reformas que, de antemão, trazem a condenação antes de quaisquer julgamentos.

            Ainda em tempo, Sr. Presidente, quero fazer aqui uma solicitação aos meus colegas para que dêem especial atenção à matéria publicada na última edição da revista Época, datada de 29 de outubro, com o título “A Última Fronteira - A Guerra do Começo do Mundo”.

            Devo dizer que a matéria, de doze páginas - mesmo que não conclusa em alguns aspectos que, a meu ver, deixam a desejar por exigir maior profundidade -, desenha um mapa e expõe certos aspectos que traduzem parte de nossas dificuldades, principalmente quando retrata os 57% do território demarcados em áreas indígenas e nossa baixíssima densidade demográfica e quando narra um pouco da história e da saga daquele povo, embora não faça justiça a muitos brasileiros e autoridades que contribuíram para o engrandecimento do Estado, principalmente os migrantes, que, por livre iniciativa e coragem, partiram de todos os quadrantes deste País e lá fincaram raízes, principalmente os maranhenses.

            A matéria, se peca pela falta de alguma informação, é preciso que a vejamos também como um alerta, um chamamento à Nação para um Estado que é, sim, esquecido nos projetos de vulto deste nosso País e está inscrito no mapa dos que mais sofrem as mazelas do famigerado desequilíbrio regional. Acerta também a reportagem quando, como prova de estarmos esquecidos naquele rincão mais setentrional desta Pátria, escreve a frase de que nunca Roraima recebeu sequer a visita dos “candidatos a inquilinos do Planalto”. Dos candidatos, repito, porque os eleitos já recebemos muitos.

            Roraima precisa, sim, de maior atenção do Poder Central, precisa de recursos e precisa que os olhos dos dirigentes maiores deste País se voltem um pouquinho às suas verdadeiras e reais potencialidades, o que temos de sobra em coragem, terras férteis e riquezas incomensuráveis abaixo e acima do solo, resumidas em minérios nobres, fauna e flora exuberantes.

            Sr. Presidente, essa matéria da revista Época aumenta a nossa preocupação. Há um descaso com um Estado que possui riquezas naturais incalculáveis. E se o povo permanece pobre e o Estado subdesenvolvido é por não recebermos do Poder Central o mínimo de que necessitamos.

            Por isso, mais uma vez, conclamo nossos Pares a cerrar fileiras. Os Estados pequenos pertencem ao nosso País. A região amazônica é invejada pelos sete países mais poderosos do mundo. Se diminuirmos as nossas bancadas, serão menos vozes a protestar contra essa situação, menos pessoas a visitar os Ministérios à procura de recursos para o desenvolvimento daquelas regiões. Em conseqüência, cada vez mais se acentuará o desequilíbrio regional.

            Lamento que esta Casa, numa quinta-feira, não esteja repleta de Senadores, para que todos, não como nortistas ou nordestinos, mas como brasileiros, pudessem sentir o que encaramos como discriminação, que é a realidade pura dessas regiões mais pobres.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigada.


            Modelo14/24/247:46



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2001 - Página 27444