Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o comércio ilegal de animais silvestres.

Autor
Carlos Patrocínio (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre o comércio ilegal de animais silvestres.
Publicação
Publicação no DSF de 10/11/2001 - Página 28328
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, AUMENTO, TRAFICO, ANIMAL NATIVO, DESEQUILIBRIO, ECOSSISTEMA, REDUÇÃO, BIODIVERSIDADE, PREJUIZO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, ECONOMIA, BRASIL.
  • APOIO, INICIATIVA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), INSTALAÇÃO, PROGRAMA, PROTEÇÃO, FAUNA, ESTADO DO TOCANTINS (TO), COMBATE, TRAFICO, ANIMAL NATIVO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já há algum tempo tenho me preocupado com a evasão de animais silvestres do nosso País. E temos assistido, às vezes até de maneira impotente, ao esgotamento da nossa biodiversidade, da nossa fauna, em diversos setores.

Lamentavelmente, o tráfico de animais silvestres continua a ser um grave problema para o Brasil. Esse crime não apenas contribui para a morte cruel de milhões de animais, como também para reduzir a riqueza da nossa biodiversidade. Por isso, todas as ações de combate ao contrabando de animais silvestres são bem-vindas, como o programa que o Ibama está implantando em Tocantins.

Por vezes, falamos em “biodiversidade” de maneira automática, sem nos apercebermos de sua verdadeira constituição. Tampouco nos damos conta do modo como ela está sendo destruída perante nossos olhos. Um dos exemplos desses constantes ataques à natureza é a nossa fauna silvestre, que vem sendo assustadoramente dizimada por meio do comércio de animais silvestres.

O Brasil está no topo da lista mundial em diversidade de animais. Temos 55 espécies de primatas, o que corresponde a 24% do total mundial; 516 espécies de anfíbios; 3.010 espécies de vertebrados terrestres; mais de 3.000 espécies de peixes de água doce; entre 10 e 15 milhões de espécies de insetos; 467 espécies de répteis; 428 espécies de mamíferos; e 1.622 espécies de pássaros. É uma biodiversidade realmente fabulosa, mas não nos podemos descuidar.

O que poucos se dão conta, Srªs e Srs. Senadores, é que a fauna silvestre tem uma importância fundamental para o equilíbrio dos ecossistemas, pois os animais são vitais para a preservação de muitas plantas, por serem seus agentes polinizadores, dispersores de sementes, além de excelentes adubadores. A fauna é, pois, produtora indireta de muitos dos benefícios econômicos de determinadas regiões.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), cerca de cem espécies desaparecem todos os dias da face do planeta, entre outras causas, pelo comércio ilegal.

A fauna silvestre brasileira, por exemplo, está cada vez mais ameaçada pela ação predatória dos traficantes de animais. Para as senhoras e os senhores terem uma idéia, o tráfico de animais silvestres é o terceiro maior comércio ilegal do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas. Movimenta cerca de US$10 bilhões a cada ano, sendo que o Brasil contribui com pelo menos US$1 bilhão desse total.

Cerca de 12 milhões de espécimes desaparecem do Brasil a cada ano, por obra nefasta desse comércio ilegal, com o agravante de que, de cada dez animais capturados, apenas um sobrevive. E o sofrimento dos animais traficados é certo: aves têm seus olhos furados ou são anestesiadas para parecerem mais dóceis, e assim por diante. Esse fato é corriqueiro no interior do Brasil. Há muitas décadas, o saudoso Luiz Gonzaga já denunciava tal crueldade, ao cantar:

“Furaram os olhos do assum preto

Prá ele assim, cantar melhor ...”

            Mas esse tráfico está longe de ter como objetivo apenas a idílica atividade de criação doméstica. Além do lucro dos traficantes, há interesses de portentosas multinacionais da indústria farmacêutica envolvidos.

Imaginem, senhoras e senhores, como é difícil encontrar uma cobra na civilizada Suíça! Imaginem a impossibilidade de se encontrar uma jararaca passeando pelas fazendas leiteiras da Suíça, aquelas de cartão postal de anúncio de chocolates! Isso porque a jararaca é um tipo de serpente brasileira. Mas a Suíça é um dos principais importadores de venenos ofídicos, como o da jararaca. Essas substâncias vêm a constituir o princípio ativo de alguns medicamentos hipertensivos, que movimentam cerca de meio milhão de dólares todos os anos. A cotação internacional dos venenos ofídicos é altíssima: um grama de veneno de jararaca vale US$600, e, de cascavel, US$1,200.

Descoberta recente dá conta de uma substância anestésica provinda de sapos da Amazônia. Essa substância é 247 vezes mais potente que a morfina, o que revolucionará esse mercado no mundo. Mas, provavelmente, o único ganho para o País será o de mais uma espécie ameaçada em sua já longa lista.

Mas o pior, Srªs e Srs. Senadores, é saber que tal comércio ilegal sobrevive graças à miséria de boa parte da população brasileira residente nessas regiões ricas em fauna. Atraídos por um punhado de reais oferecidos pelos traficantes, essas pessoas se arriscam a capturar os animais e, nisso, põem em perigo a vida das pobres criaturas. Vendidos os animais, utilizam o ganho para aplacar a fome, mas empobrecem ainda mais a biodiversidade local. São enganados, eminente Presidente. Lembramos, a propósito, a situação dos camponeses que se submetem a plantar maconha ou coca para abastecer os grandes barões do tráfico de drogas. Quando vem a repressão, são eles que acabam sofrendo o prejuízo, enquanto os que lucram de verdade não são alcançados pela Justiça. Por isso, o Ibama, o Ministério Público e a Polícia Federal têm-se empenhado em aperfeiçoar seus quadros para combater os traficantes.

Os valores dos animais traficados são bem díspares: no Brasil, um animal é comercializado por cerca de US$200, mas alcança cifras de milhares de dólares no mercado internacional. Um mico-leão-dourado, no Brasil, vale US$180, mas na Europa é facilmente vendido por US$15 mil; o melro é encontrado nas feiras do sul do País por US$150, mas chega a US$13 mil nos Estados Unidos.

Felizmente, o Ibama, por meio de seus agentes ou em parceria com organizações não-governamentais, vem reforçando sua atuação. Recentemente, em Tocantins, instalou a base central do Programa de Proteção à Fauna Silvestre. Esse programa pretende combater o tráfico de animais em todo o Brasil e nas fronteiras, em parceria com os países do Mercosul e Estados vizinhos a esses. Após iniciadas as ações, apenas em uma semana foram apreendidos 109 pássaros.

Segundo o coordenador de fiscalização da fauna, o Programa pretende também fazer um trabalho educativo para evitar o tráfico. Além disso, pretende obter recursos para que as populações carentes deixem de vender animais silvestres e consigam meios alternativos para garantirem a própria sobrevivência.

Felizmente, outros órgãos e instituições também estão atentos aos costumeiros ataques à nossa fauna e à nossa flora. Assim é que, no dia 3 de setembro, todo o material utilizado em pesca predatória foi incinerado na Praia da Graciosa, em Palmas: 92 redes, 102 tarrafas, 56 caixas de isopor, dezenas de gaiolas e algumas armadilhas - essas, para captura de peixes e pássaros. Algumas redes tinham mais de 100 metros de comprimento.

Esse, Srªs e Srs. Senadores, foi o resultado da Operação Cota Zero, realizada entre os dias 1º e 31 de julho, no rio Araguaia (outrora um paraíso ecológico sem precedentes na história do mundo. Hoje, é difícil capturar, com anzol, um pirarucu, que é um peixe maravilhoso!) e em seus principais afluentes, pela equipe de fiscalização do Ibama e da Naturatins - Instituto Natureza do Tocantins, órgão que cuida da preservação ambiental em nosso Estado.

Esperamos que a ação dessas entidades no combate ao tráfico de animais silvestres tenha cada vez melhores resultados. Nós, do Estado de Tocantins, estamos não apenas solidários a essas ações, mas também comprometidos com ela, pois não podemos admitir que nossa riqueza silvestre seja dilapidada em favor de interesses mesquinhos e à custa da miséria de algumas comunidades.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/11/2001 - Página 28328