Discurso durante a 153ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o belicismo dos Estados Unidos da América, a partir dos atentados a Nova York.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Reflexões sobre o belicismo dos Estados Unidos da América, a partir dos atentados a Nova York.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2001 - Página 28397
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, FALTA, DEMOCRACIA, HISTORIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • COMENTARIO, ERRO, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), BOMBARDEIO, AFEGANISTÃO, COMBATE, TERRORISMO, MOTIVO, INCENTIVO, VIOLENCIA, GUERRA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sabemos, pela experiência histórica indiscutível, que as circunstâncias revelam a dimensão dos homens. Quantos homens revelaram a sua grandeza, as suas faculdades intelectuais e intelectivas; quantos homens se revelaram grandes líderes de seu povo, quando as circunstâncias se agravaram, aprofundando-se em crises ou em guerras.

            Se as circunstâncias revelam essas dimensões agigantadas que as nossas potencialidades guardam e que poderiam ficar irreveladas, quietas na personalidade de cada um. Essas circunstâncias inéditas que, de quando em vez, se abatem sobre uma sociedade revelam também a fraqueza, a incapacidade dos homens de enfrentarem situações e conjunturas desfavoráveis. Sendo assim, nós e eles, os condutores, os líderes, os chefes, entramos em relações sociais e políticas que não escolhemos. Somos colhidos por elas e reagimos de uma maneira ou de outra diante delas.

            Os lamentáveis fatos que ocorreram em Nova York, no World Trade Center, no dia 11 de setembro último, revelam não apenas as dimensões dos políticos norte-americanos, do Presidente George Bush e de vários de seus assessores, mas também algumas características do povo norte-americano.

            Falou-se hoje neste plenário, pelo menos duas vezes, na questão da educação. Que educação foi essa que modelou a alma, o espírito e o comportamento do povo norte-americano? Quais os ingredientes, as argilas religiosas, históricas, míticas e culturais que se juntaram para compor a face real dos cidadãos comuns dos Estados Unidos? Não é fácil obviamente responder a essa pergunta. Por diversos motivos, os Estados Unidos constituíram durante décadas um povo voltado para dentro, para as suas grandezas internas, para as suas fronteiras a serem alcançadas, para as suas terras a serem revolvidas, para a sua tecnologia a ser implantada no imenso espaço que passou de treze modestos estados, por ocasião da independência, e se transformou, por meio da conquista, do engodo, da penetração dos seus vizinhos e de eleições muito suspeitas. Metade do México que existia acima do rio Grande foi totalmente americanizado.

            A democracia norte-americana, no início do século XIX, permitiu que a Assembléia da Filadélfia estabelecesse prêmios: US$100 para quem apresentasse um escalpo de um índio adulto; US$50 para quem democraticamente apresentasse o escalpo de uma índia adulta; e US$20 para quem apresentasse diante da democratíssima Assembléia da Filadélfia um escalpinho de um garoto índio. Os índios não tinham a prática do escalpo. Alguns brancos usavam tirar a orelha para levá-la ao mandante do crime e mostrar que a tarefa fora cumprida. E, no processo de destruição dos chamados peles-vermelhas, os norte-americanos iniciaram a prática do escalpo, e depois disseram que eram os índios que escalpelavam.

            Portanto, temos muito que perceber desses ingredientes que foram compondo a história desse grande povo norte-americano. Aprendemos também a ver como é precária a democracia dos Estados Unidos, aquela democracia tão debatida na ocasião dos grandes debates entre os federalistas que estabeleciam as características fundamentais da democracia norte-americana, logo após a guerra da independência.

            Outro ingrediente importantíssimo foi o religioso, que levou muitos europeus a se refugiarem nos Estados Unidos - os pais peregrinos, os quakers, os puritanos que vieram compor a grande nação norte-americana. Entre esses ingredientes, destaco apenas aquele que afirma existir um destino manifesto. Esse princípio, essa idéia, esse mito é importantíssimo e talvez seja a crença mais generalizada nos Estados Unidos. Antes de qualquer jogo de basquete ou de qualquer disputa atlética, os norte-americanos referem-se à grandeza dos Estados Unidos como sendo a prova de que os Estados Unidos - não apenas os grandes empresários, os vitoriosos, os que acumularam e completaram a obra de Deus na Terra, por meio da acumulação de riqueza -, como um todo, como o maior país do mundo, é o povo eleito por Deus. O destino manifesto, a bem-aventurança e a predileção de Deus pelo país norte-americano manifestam-se e se comprovam com a própria riqueza acumulada nos Estados Unidos.

            Naquele país, a educação ajudou a moldar um povo que passou a ser testado, não apenas na Primeira Guerra Mundial - em que os Estados Unidos participaram apenas nos seus finalmentes, utilizando-a como grandes fornecedores de armas, de navios e de instrumentos bélicos -, quando enriqueceram enormemente. O mesmo atraso se deu na entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, que só se verificou após o ataque a Pearl Harbor, em 1948. Os americanos são um povo protegido. Os seus avanços bélicos se fazem geralmente contra países vizinhos e desprotegidos ou países longínquos e despreparados para a guerra, como aconteceu a partir da Guerra da Coréia. A educação do povo norte-americano passou a ser, em grande parte, secundária, porque a mídia, o cinema, a literatura, os desenhos animados foram modelando o caráter, a mentalidade, desde as crianças, de um povo apavorado. O medo fez parte desse conteúdo, dessa formação, dessa cultura norte-americana.

            Um povo amedrontado, e esse medo me preocupa muito, porque, baseado nesse medo que a sociedade sente de algum tipo de agressão, estrutura-se a justificativa, por parte de roubos, por exemplo, da formação de um Estado poderoso, que concentra e centraliza o direito dos cidadãos à liberdade. Esse Estado retira parte da liberdade dos cidadãos, dando-lhes em troca segurança. O povo troca sua liberdade por segurança, fornecida pelo Leviatã, ou seja, pelo Estado, que monopoliza a coerção e a utilização da força em nome da proteção de uma sociedade amedrontada e desarmada.

            Inventam-se teorias, então, afirmando que o homem é o lobo do homem, como disse Hobbes. Por meio de um contrato social qualquer, esse lobo do homem, esse inimigo, que é o próximo, passa a respeitar o direito dos outros cidadãos, de seus irmãos, de seus iguais, porque o próximo cede o seu direito à liberdade, os seus direitos fundamentais.

            Hoje, nos Estados Unidos, estão sendo cedidos os seguintes direitos: à privacidade, a não ser preso senão em flagrante delito, a não confessar sob tortura, a poder viajar tranqüilamente, sem que dois generais, ao desconfiarem de algum ato, tenham o direito de abater qualquer avião que esteja no ar. Esses são direitos que o Estado, baseado na insegurança instaurada depois da tragédia de Nova Iorque, quando caíram as duas torres, reclama como indispensáveis para garantir a segurança nacional. Essas conquistas da civilização e dos Estados Unidos agora são postas por terra em nome da segurança nacional.

            Hoje, infelizmente, mais um avião que decolava de Nova Iorque caiu, matando 240 passageiros.

            Logo depois do atentado, o Presidente George Bush fez algumas declarações lamentáveis. Nos Estados Unidos, estão abrindo mão de direitos que compõem a cidadania, e que não caíram do céu, mas foram conquistados a duras penas.

            Parece-me que, embora os Estados Unidos possuam um poder atômico capaz de destruir 28 vezes o globo terrestre, o Governo encontra termos muito expressivos, quase poéticos, para batizar a hecatombe, a catástrofe, o desastre da guerra, já há alguns meses iniciada. Tapete de bombas é o nome dado ao ataque aéreo e ao lançamento de bombas que pontilham o deserto.

            Creio que é a segunda vez na história humana que se deflagra uma guerra contra uma pessoa. Na primeira vez, Bill Clinton procedeu dessa forma, deixando-me estarrecido com o fato de que moveria uma guerra para matar Slobodan Milosevic. Não se trata de guerra religiosa, ideológica, doutrinária ou econômica. Deseja-se apenas matar uma pessoa. Então, move-se uma guerra contra um país. Agora, declaradamente, como se estivéssemos em pleno faroeste, dá-se um prêmio de US$250 milhões pela cabeça de Osama bin Laden.

            Gostaria de ler algo escrito por um historiador norte-americano, professor e conselheiro de alguns Presidentes da República dos Estados Unidos, Arthur Schlesinger. O professor nos adverte, num artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo: “Talvez devêssemos pensar mais no Vietnã do que em Kosovo”. No Vietnã, onde os Estados Unidos foram derrotados, após prolongada, dolorosa guerra.

            “Como observou o Vice-Presidente Dick Cheney, essa talvez seja a única guerra externa na história dos EUA em que mais americanos serão mortos no País que no exterior. Cerca de um décimo do total de mortos americanos no Vietnã pereceu em um único dia em Nova Iorque.”

            Isso mostra o receio de que os ataques dentro dos Estados Unidos e os atos de terrorismo poderão continuar e que, mesmo que não continuem, está instaurada uma guerra psicológica devastadora contra a população norte-americana. É visível que isso está em andamento e que grande parte do povo americano encontra-se apavorado diante dos acontecimentos que se sucederam ao ataque ao World Trade Center.

            “O Vietnã deveria ter lembrado nossos generais de que bombardeios têm impacto limitado sobre sociedades descentralizadas, rurais e subdesenvolvidas.”

            O Vietnã já tinha mostrado que esses bombardeios não conseguirão atingir os propósitos a que eles se destinam: matar Bin Laden e o seu grupo de seguidores.

            “Bombardeios aéreos”, diz Schlesinger, “têm grande apelo para a maior parte dos governos americanos, porque eles minimizam as baixas. Mas as bombas também matam civis inimigos. As mortes de civis estão mobilizando voluntários pró-Bin Laden em todo o mundo muçulmano. Ainda não aprendemos como enfrentar o terrorismo sem criar novos terroristas.”

            Tenho absoluta certeza de que, entre outras coisas, o Presidente Bush, dos Estados Unidos, desconhece que os islamitas se contavam em um bilhão e trezentos milhões de seres humanos. Ele pensava que eram grupos nômades de muçulmanos existentes por ali, numa população escassa e de fácil derrota.

            “Os relatos conflitantes dos militares sobre o Afeganistão causaram ‘danos colaterais’ e fizeram com que eles perdessem credibilidade.” Prometeram alguns liquidar a fatura da guerra em pouco tempo. “Se a Aliança do Norte não conseguiu derrubar o Talibã, talvez tenhamos de enviar forças terrestres próprias. Será que o faremos, apesar do severo inverno afegão, dos feriados religiosos muçulmanos e das minas terrestres?” Esquecem-se também de que Osama Bin Laden foi armado com armas norte-americanas para enfrentar e derrotar os soviéticos no Afeganistão, como já haviam derrotado muitos e muitos invasores ao longo de sua história.

            “A impressão que fica é a de um grupo de funcionários públicos abalados e despreparados. As exortações oficiais por um comportamento normal e, ao mesmo tempo, para que as pessoas relatem quaisquer acontecimentos suspeitos instantaneamente, confundem. As advertências do Secretário da Justiça quanto a um novo ataque terrorista iminente parecem mais tentativas de cobrir a retaguarda do que um alerta confiável. Ele corre o mesmo risco do menino que gritava ‘lobo!’.” Assim, as advertências que partem do Governo norte-americano colaboram para aterrorizar, inquietar, injetar mais medo no notável povo norte-americano.

            “Tudo isso suscita dúvidas sobre a competência de nossa liderança nacional”, diz Arthur Schlesinger.

            Ouvi, há poucos dias, de alguns norte-americanos, que eles já perceberam que o Presidente Bush não consegue falar uma frase quando existe uma conjunção nessa frase; quando está na segunda parte, ele esquece da primeira. Então, estão preparando agora falas para o Sr. Bush com poucas palavras, a fim de que ele não se atrapalhe e consiga pronunciá-las até o final.

            “Tudo isso suscita dúvidas sobre a competência de nossa liderança nacional. No começo, o governo Bush respondeu com eficiência. Semanas depois, os equívocos começaram a se acumular, e o fluxo de informações para a imprensa e o público é irregular e inadequado. O Presidente Bush cometeu os seus erros. A questão é determinar se o líder aprende com seus erros ou não.

            Robert A. Lovett, Secretário da Defesa do Presidente Truman e um dos estadistas dominantes dos EUA, no imediato pós-guerra, disse a Robert Kennedy: “O bom julgamento é, em geral, resultado da experiência. E a experiência, muitas vezes, resulta de erros de julgamento.”

            A situação levou mais de 40 países a se associarem aos Estados Unidos, inclusive, prestimosamente e rapidamente, o Brasil e, tristemente, a Inglaterra. A Inglaterra realmente se prestou a uma triste solidariedade, subalterna. E o Primeiro-Ministro inglês se ofereceu para ser o porta-voz dos Estados Unidos, em uma série de tratativas, em que a figura do Sr. Toni Blair não demonstrava capacitação para atingir os objetivos propostos por suas visitas.

            Assim, infelizmente, parece que numa coisa o Presidente Bush acertou: esta guerra é infinita, esta guerra vai durar muito tempo. Infelizmente, até hoje não sabemos ao certo se Bin Laden é o culpado por aquilo que aconteceu em Nova Iorque, pelo grande crime, pelo genocídio praticado naquela cidade. Não sabemos se ele é o culpado.

            Há poucos dias, li na Folha de S.Paulo um artigo que afirma existir um muçulmano, cujo nome não guardei, dezenas de vezes mais rico do que Bin Laden, que seria o verdadeiro responsável por todo esse processo e o custeador dos ataques aos Estados Unidos. Mas desencadear uma guerra sem julgamento, sem prova alguma de que o Sr. Bin Laden esteja pessoalmente comprometido naquele ato de vandalismo, tal como ocorreu recentemente com Slobodan Milosovic, parece-me ser pelo menos uma insana precipitação.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo14/25/247:46



Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2001 - Página 28397