Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a extensão da crise universitária nacional e o movimento grevista dos professores.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Considerações sobre a extensão da crise universitária nacional e o movimento grevista dos professores.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2001 - Página 28493
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, MELHORIA, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MEDIO, AUSENCIA, INCENTIVO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, ENSINO SUPERIOR.
  • OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, NECESSIDADE, GRATUIDADE, ENSINO, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO CULTURAL, LIBERDADE DE PENSAMENTO.
  • SOLICITAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAULO RENATO SOUZA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), AUMENTO, SALARIO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL, SOLUÇÃO, GREVE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RONALDO CUNHA LIMA (Bloco/PSDB - PB) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a nação brasileira está profundamente angustiada com a greve que se eterniza na universidade pública do nosso País. E assim está porque percebe que o movimento, que já dura 85 longos dias, encerra algo mais grave do que a reivindicação de professores por melhoria de salários. A greve transcende o significado de um inconformismo momentâneo para denunciar o fato subjacente que esta Casa não pode ignorar - a universidade pública brasileira está em crise.

            O governo do professor Fernando Henrique Cardoso, com o qual colaboro integrando a sua base de sustentação política, já conquistou um lugar na história. Esse lugar lhe é devido pelo mérito de um conjunto de realizações que mudaram a feição e o destino deste País. O Plano Real nos resgatou do delírio vesânico da inflação para nos trazer ao conforto da estabilidade que agora vivemos e sem a qual a lógica econômica não funciona; a administração pública se moderniza e galga padrões de eficiência e dignidade que restauram nossa confiança no governo. Sem alongar a lista de seus feitos memoráveis, quero enfatizar os avanços que operou no campo da educação fundamental. Praticamente a totalidade das crianças brasileiras de hoje tem o direito ao ensino garantido e amparo na bolsa escolar que alimenta. A aclamação internacional que exalta este governo é tributo bem merecido.

            Parece paradoxal, Srs. Senadores, que governo tão sensível ao desafio histórico do ensino básico, que havia transitado sem resposta por administrações inumeráveis, possa estar menos atento à questão não menos fundamental do ensino público superior. As evidências são irrecusáveis de que uma crise já crônica vem lavrando no âmbito da universidade pública brasileira.

            A crise financeira do estado nacional, herdada de aventuras monetárias alucinadas e reincidentes, poderia sugerir que a escassez de recursos públicos impôs aos dirigentes uma alternativa de prioridades aparentemente inexorável - a universalização do ensino fundamental, gerando oportunidades de inclusão social à grande massa de pobres da população brasileira, teria sido a opção eticamente preferível ao investimento no ensino público superior, de alcance mais restrito. Certamente, raciocinaram eles, que nossas universidades públicas poderiam esperar melhor tempo; a vertiginosa expansão do ensino superior privado haveria de absorver a demanda universitária represada, quem sabe com padrões de eficiência mais elevados e sintonia mais fina com os paradigmas da modernidade. Não deixemos de anotar aqui o fato deprimente - a universidade pública, eficiente ou não, está sujeita ao mesmo processo explícito ou furtivo de rejeição que em nossos tempos abomina tudo o que se refira ao estado.

            Se houve uma eleição circunstancial de prioridade, só nos resta questionar a opção que dissocia a instrução básica de sua projeção universitária natural, como responsabilidades de governo. Ensino fundamental, ensino médio e ensino universitário são momentos articulados da construção orgânica e vertical do saber; não podem admitir escolhas excludentes, nem tampouco ênfases que distorçam a lógica do processo social de aquisição científica e cultural da nação.

            Talvez estejamos em face de uma decisão que se explica menos na ótica da escassez conjuntural de recursos do que na perspectiva mais abrangente das opções políticas. Quem sabe o nosso governo esteja propenso a reservar um papel mais discreto às universidades públicas e determinado, em certo sentido, a privatizá-las. Não faltariam os argumentos da moda nem tampouco o vezo de fazer.

            No momento em que o mercado e a empresa capitalista se transformam em referenciais absolutos, fica atraente estigmatizar nossas instituições universitárias pelo custo operacional elevado e por exibir uma relação custo-benefício fora dos padrões da racionalidade econômica estrita. São estimuladas a descer das esferas do saber acadêmico para gerar os produtos de ocasião que o mercado está pronto a pagar e a consumir. O Banco Mundial oferece modelos funcionais de universidades utilitárias, aptas a formar profissionais em rigorosa sintonia com a demanda do mercado, porém expurgadas dos compromissos institucionais com aquelas indagações e saberes sem preço no varejo.

            Pergunto com a veemência necessária: podemos prescindir da universidade pública, naquele sentido pleno que o iluminismo humanista nos legou? Podemos sequer pensar em reduzir o seu papel ou em modificá-la que não seja para expandir a sua força e serventia de escola pública?

            Minha resposta é enfaticamente não. A Coroa portuguesa estava cônscia da ameaça ao nos privar de universidades enquanto durou o período colonial; sabia que elas iriam, além de produzir ciência e tecnologia, gerar visão crítica e agir como fermento da nacionalidade, porque é abrigo privilegiado desse metabolismo espiritual único pelo qual as sociedades se esclarecem, progridem culturalmente e adquirem consciência de si mesmas. Para que exerçam esse papel crucial, elas têm de ser públicas, autônomas e livres, assim se furtando às injunções do contingente, do dogma e do partido, para mais generosamente se entregar à produção do conhecimento universal e à construção do futuro.

            A universidade pública é também estratégia poderosa das sociedades desiguais em sua busca do justo equilíbrio. Embora de pequena expressão territorial e demográfica, meu estado é sede da quarta instituição universitária deste País. Afora os impactos científicos e tecnológicos que a Universidade Federal da Paraíba difunde no seu entorno, ela ainda gera quase oito mil empregos diretos e movimenta recursos da ordem de 330 milhões de reais por ano, valor que representa pouco menos de um terço da receita global do meu Estado. Conjeturemos que a sorte do ensino superior na Paraíba fique entregue ao livre arbítrio das forças do mercado - está claro, Srs. Senadores, que o meu Estado, de repente, ficaria dramaticamente mais pobre e teria perdido toda esperança de superar o atraso que ainda o distancia das regiões mais desenvolvidas deste País.

            Já não podemos esconder a extensão da crise universitária nacional que esta greve exterioriza com intensidade tão veemente. Antes que eclodisse, já eram do domínio público as conclusões de estudo específico, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA. Segundo ele, a União gasta cada vez menos com suas universidades; diminuem continuamente os recursos consignados a instalações e laboratórios, com limitações diretas no volume e qualidade das pesquisas; decrescem também os recursos destinados a bolsas de estudos, com impactos negativos mais intensos nas áreas de mestrado e doutorado. E consideremos a motivação mais ostensiva da greve - o salário dos professores. Reconheçamos que o salário está injustamente defasado, os reajustes eventuais não lhe têm restituído as perdas do real; não sendo concebível, Srs. Senadores, que um professor doutor de nossas universidades, com vinte anos de estudo e carga horária máxima, ganhe menos do que um agente fiscal ou um delegado de polícia, sem demérito a essas importantes e operosas atividades. Precisamos que essa greve chegue a um final o mais breve possível. Precisamos que as partes envolvidas cheguem a um entendimento. Houve gestões objetivando esse entendimento, as bases do acordo chegaram a ser discutidas, até uma minuta foi elaborada. Faltou apenas sua homologação, impedida por fatores que, de última hora, se tornaram impeditivos. Por que não prosseguir para ultimá-lo?

            Permitam-me, Srs. Senadores, que me dirija, pelo final dessas considerações apaixonadas, ao Senhor Presidente da República, por quem sinto grande respeito e admiração verdadeira. Desejo dizer-lhe que há um espaço aberto em sua biografia já venerável por tudo que já fez. Esse espaço está reservado ao seu reencontro com a universidade pública brasileira, que espera do professor Presidente os atos propiciatórios que a farão plenamente digna dos anseios da nação brasileira.

            O ministro Paulo Renato traz em sua biografia a experiência na luta pelas reivindicações dos professores. Professor que é S. Exª, tem realizado um trabalho meritório à frente do Ministério da Educação, que dirige com tanta competência, credenciando-o a postos mais altos. Confio em sua sensibilidade, em sua capacidade, em sua criatividade e em sua vontade para resolver o problema. Fica o meu registro, o registro do meu apelo e o apelo da minha confiança.


            Modelo14/25/2412:55



Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2001 - Página 28493