Discurso durante a 156ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Solidariedade ao Sr. Leonel Brizola. Considerações sobre as crises política e econômica no âmbito internacional

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INTERNACIONAL. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Solidariedade ao Sr. Leonel Brizola. Considerações sobre as crises política e econômica no âmbito internacional
Publicação
Publicação no DSF de 17/11/2001 - Página 28700
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INTERNACIONAL. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, LEONEL BRIZOLA, POLITICO, EX GOVERNADOR, ELOGIO, INTEGRIDADE, CONDUTA, VIDA PUBLICA.
  • ANALISE, RISCOS, OCORRENCIA, GUERRA, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ABERTURA, POSSIBILIDADE, GOVERNO, REGIME, CAPITALISMO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, TRANSFORMAÇÃO, DEMOCRACIA, DITADURA.
  • CRITICA, AUTORITARISMO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROIBIÇÃO, GREVE, FUNCIONARIO PUBLICO, AUSENCIA, CONCESSÃO, REAJUSTE, SALARIO.
  • ELOGIO, COSTA LEITE, MINISTRO, PRESIDENTE, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), PROTESTO, PROIBIÇÃO, DIREITO DE GREVE, CENTRALIZAÇÃO, PODER, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PTD - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, a sexta-feira está quente, não em Brasília, mas aqui, no Senado. Isso me agrada muito, porque creio que falta justamente aquilo que o Regimento não permite, o debate, que quanto mais acalorado e polarizado, creio que é mais esclarecedor.

            Não gosto de debate quando é feito não diretamente, como presenciamos agora, mas quando alguém aproveita um aparte de um Senador para, então, em seguida pedir um aparte em que suas manifestações não se dirigem a quem está na tribuna, mas àquele que acabou de fazer um aparte. Este, no entanto, fica impossibilitado regimentalmente de responder. Essa estratégia não me agrada.

            Consequentemente, só posso parabenizar aqueles que estão defendendo seus pontos de vista, seus interesses.

            Esta Casa é - digamos, em linguagem parlamentar - dinâmica, ou seja, não escolhemos quando e quanto falar. Aqui, no Parlamento, onde se deveria falar, parlare, somos submetidos a tantas regras e condicionamentos que, infelizmente, somos obrigados a nos manter silenciosos por muito tempo.

            A sexta-feira é sempre bem-vinda porque nela a ausência de grande parte dos Senadores, o que é muito lamentável, permite-nos - nós, que não somos presidentes de Comissões, que não estamos na ante-sala do Presidente da República, que não temos pretensão a Ministérios ou Embaixadas, que somos, nesse sentido, Senadores de terceira categoria, como se fala presentemente - aproveitar esses hiatos para tentar colocar algumas idéias. (Tumulto na galeria.)

            Sr. Presidente, gostaria de solicitar que a platéia fosse alertada no sentido de não perturbar quem está trabalhando.

            O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges) - Por gentileza, solicito silêncio aos que estão na galeria, porque há um orador na tribuna.

            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF) - Gostaria, por exemplo, de justificar-me pelo fato de não ter prestado a solidariedade merecida ao Governador Leonel Brizola quando todos os colegas presentes o fizeram, pois naquele instante encontrava-me ausente.

            O Governador Leonel Brizola tem oitenta anos de idade e uma vida pregressa, uma biografia que não pode ser lançada assim ao descaso, ao menosprezo e às acusações infundadas.

            Acompanho, há muitas décadas, a caminhada do Governador Leonel Brizola. Tenho por ele o maior apreço e nele deposito a maior confiança, mesmo depois que algumas aleivosias, alguns ataques infundados foram feitos em relação ao seu patrimônio, que é, obviamente, familiar, construído com trabalho e dignidade ao longo de oitenta anos.

            Lamento que alguns agrupamentos políticos tenham-se valido de desavenças que Freud explica. São atitudes que se organizam no complexo de Édipo, em lutas e em brigas, com petardos que partem do inconsciente e que, de vez em quando, assumem posições em relação às quais não gostaria de tecer comentários, porque nesses domínios, tanto do inconsciente quanto da vida familiar, mantenho-me de fora. No entanto, sinto que tenham usado esses ingredientes para com eles tentar envolver a figura íntegra e honesta do Governador Leonel Brizola. Quem foi Governador de dois Estados da União, quem exerceu tantos cargos públicos, quem teve a responsabilidade durante tanto tempo sobre imensas somas não deveria ser agora, aos oitenta anos de idade, inquinado por dúvidas e injúrias que têm por objetivo tentar ofender essa figura pública da máxima respeitabilidade.

            Cada um tem as suas preocupações e durante o feriado de ontem permaneci em Brasília. Sou uma pessoa que não gosta de viajar. Fui à Europa pela primeira vez em 1953, quando poucos brasileiros o faziam, e morei na Itália em 1958, um país que adoro, com uma cultura que admiro. Em sete anos como Senador, só me afastei do Brasil para ir à ONU em missão oficial e, durante quatro dias, para visitar minha filha que estudava e morava em Paris.

            De modo que ninguém pode me acusar de estar aproveitando o mandato de Senador para flanar pelo mundo, para andar por aí como algumas figuras da mais alta burocracia brasileira, inclusive o Senhor Presidente da República, para ser mais explícito, que agora está saindo novamente, depois de ter acabado de chegar de sua vilegiatura na Europa. Não imito esses exemplos. Fico na minha posição, na minha casa, pela qual não recebo auxílio-moradia.

            Como Senador, recebo líquido cerca de R$6 mil por mês - estou prestando contas, sim, porque mentiras tenho escutado muitas, mas elas são perdoáveis porque constituem o fruto da inveja daqueles que julgam que ser Senador é um privilégio. E até dizem, de forma jocosa, que o Senado é melhor do que o paraíso, porque para chegarmos ao céu precisamos morrer primeiro e para sermos Senadores não temos de passar para a outra vida.

            Para mim, esse é o resultado apenas de uma falsa imagem que os Senadores passam de que são seres privilegiados e de que talvez imitassem, por exemplo, os Deputados Estaduais de Minas, que chegaram a receber entre R$60 mil e R$80 mil por mês. Meus vencimentos totais não chegam a R$7 mil por mês. Não o tenho aqui hoje, mas vou trazer meu contracheque para apresentá-lo todos os meses, como já fiz e também o Senador Eduardo Suplicy há alguns dias. Ele será fornecido pelo setor competente do Senado Federal.

            Estou dizendo isso para que, nessa agitação eleitoral, não venham candidatos se lançar às eleições pensando que aqui vão receber mais do que isso.

            Outro dia, ouvi um colega, Presidente da Câmara, dizer que os Senadores estão recebendo R$80 mil por mês. Agora, eu estou recebendo menos de R$7 mil, não sei exatamente qual a quantia, porque tenho que colaborar com o Partido. Enquanto estava no outro Partido, o desconto era de 22% e eu recebia cerca de R$5,8 mil. E abri mão do auxílio-residência, que, líquido, era de R$2,2 mil por mês. Foram à minha casa e devassaram minha privacidade. Colocaram o retrato da minha casa, que é muito fotogênica e que me custou muito trabalho e lágrimas, em duas páginas da revista Veja, para fazer um escândalo com o meu lar. Aquilo não é uma casa, é um lar. Um lar não deve ser escandalizado e profanado por esses paparazzi, esses fotógrafos fuxiqueiros.

            Dito isso, eu gostaria de fazer algumas considerações, e, talvez, minhas preocupações principais possam causar espécie, mossa e estranheza.

            Ontem, na maior parte do dia, fiquei preocupado com a Precessão do Periélio de Mercúrio. Tenho direito de me preocupar com a Precessão do Periélio de Mercúrio? Pois é. Eu estava preocupado, como já estive há 10 ou 15 anos. Para explicar o porquê, vou dizer apenas o seguinte. É que existe um trabalho de um grande físico norte-americano, de Berkeley, cujo livro se chama The Structure of Scientific Revolutions, A Estrutura das Revoluções Científicas. Esse livro, de autoria de Thomas S. Khun, é leitura obrigatória nas boas universidades brasileiras. À página 26 desse livro, está a informação de que o único dos três fundamentos, no mundo real, que sustenta a Teoria da Relatividade, de Einstein, é apenas a Precessão do Periélio de Mercúrio. Se houver uma outra explicação para a Precessão do Periélio de Mercúrio, a Teoria da Relatividade não se sustenta.

            E o que tem o meu mandato a ver com isso? Absolutamente, nada. Mas eu tenho. E tenho, porque, por volta de 1948, meu pai escreveu um livro chamado Reflexões Sobre a Relatividade. Eu tinha 18 anos de idade quando aquele trabalho sobre a relatividade foi escrito e publicado pelo meu pai, o que demonstra uma coragem enorme. Em Belo Horizonte, ele, trancado em seu escritório, fez um trabalho que apresenta críticas à Teoria da Relatividade. E, agora, relembro que a Teoria da Relatividade só se sustenta em uma perna. Se houver uma outra explicação para a Precessão do Periélio de Mercúrio, a Teoria da Relatividade é mero sonho.

            Charles Chaplin, também judeu, como Einstein, conta, em sua biografia, que, um dia, ele foi visitar Einstein. E, conversando com a esposa de Einstein, ela contou o dia em que Einstein conseguiu resolver os problemas que o preocupavam a respeito da Teoria da Relatividade. Ela disse a Chaplin que Einstein havia sonhado com as soluções que lhe permitiram articular, compor e organizar a Teoria da Relatividade.

            Desse modo, a formulação da Teoria da Relatividade teve algo a ver com as produções oníricas do seu autor. E, hoje, de acordo com um dos maiores físicos do mundo, o Professor Khun, essa teoria se sustenta, no mundo real, em apenas um ponto.

            Portanto, na maior parte de um dia de descanso, eu estava preocupado - desculpem-me os meus eleitores e aqueles que me acusam sempre de qualquer coisa - com essa questão, que não deve ter sido objeto de preocupação senão de meia dúzia de brasileiros naquele momento e naquele dia.

            Obviamente tenho preocupações muito mais antigas. Se observarem meus escritos algum dia, perceberão que tenho algumas idéias que são quase fixas. Mas são preocupações que se encontram, sob o meu ponto de vista, no âmago dos problemas de nosso mundo e de nossa Era. Um desses problemas, por exemplo, está tratado em um livro, publicado em 1980, que se chama A Crise da Ideologia Keynesiana - comecei a escrevê-lo em 1959 -, que trata dessa crise que aí está. E ninguém se interessa em saber o que eu, em 40 anos de meditação e de elaboração, penso da crise. Eles preferem dizer que a crise não existe e que alguns pessimistas - como eu - afirmam que a crise está cada vez mais presente no nosso mundo.

            Assim, a crise é uma das minhas preocupações antigas, e com ela não deixarei de me preocupar jamais. O meu último livro, publicado há cerca de dez dias, chama-se A Crise Completa - a Economia Política do Não. Quando a crise aumenta e a guerra acende seus olhos vermelhos, sanguinolentos, obviamente a minha preocupação se aprofunda.

            Um dia eu estava estudando, em dedicação exclusiva, na Universidade Federal de Minas Gerais e li um dos maiores e geniais autores da Economia moderna, o fundador da Macroeconomia, John Maynard Keynes, que se tornou Lorde por causa do seu trabalho na Economia. Ele afirma o seguinte: “Duvido que tenhamos conhecido um auge capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra”.

            O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges) - Senador Lauro Campos, informo a V. Exª que já se esgotaram os 20 minutos, mas V. Exª dispõe do tempo que lhe convier para concluir o seu pronunciamento.

            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF) - Sr. Presidente, eu lhe agradeço muito, porque estava fazendo apenas uma introdução.

            O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges) - A Mesa está apenas cumprindo com o Regimento.

            V. Exª tem o tempo que achar conveniente para a conclusão de sua fala.

            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF) - Sr. Presidente, agradeço muito a sua gentileza e paciência com que me ouvirá por mais alguns minutos. Vou fazer o possível, porque tinha feito essa introdução acertando as minhas dívidas com o Governador Leonel Brizola, emprestando-lhe a solidariedade que naquele dia não pude emprestar. Eu estava começando, então, a me encaminhar para o tema que considero principal e a explicar por que insisto tanto nesse tipo de análise.

            Outro dia, ouvi alguém dizer neste plenário que tenho ódio dos Estados Unidos. Não falaram meu nome, mas, obviamente, pelo contexto, só poderia ser eu. Eu teria ódio dos Estados Unidos, como se eu fosse um Bin Laden ou algo parecido. Tenho ódio é da guerra. A minha vida foi inteiramente dedicada a uma tentativa, que eu sabia de início totalmente frustrada, de tentar dar a minha contribuição no sentido de que não se recorresse novamente à guerra.

            Conforme consta à página 16 do livro O Desafio da Guerra, de Gaston Bouthoul e René Carrère, publicado pela Biblioteca do Exército, recorreu-se à guerra 344 vezes, de 1740 a 1940, e, de acordo com o maior historiador moderno, que é Eric Hobsbawn, em seu livro A Era dos Extremos, houve 87 guerras internacionais. Portanto, é lógico que tenho que me preocupar. Mas aqueles que não sabem que houve 344 guerras nesse período a que me referi, nem que houve 87 guerras no século compreendido entre 1840 e 1940, obviamente não têm com que se preocupar, porque não sabem que existe esse fato, gravíssimo.

            Devíamos, pelo menos, tentar entender por que tanta guerra, e esta é uma guerra menor, porque também as guerras diminuíram, a partir da Guerra da Coréia. Tenho uma explicação, a minha explicação, que foi tomada sem ódio e sem amor. Cheguei à constatação de que, entre outras coisas, quando um Estado nacional se encontra em desespero, mais ou menos como estão o Brasil e a Argentina neste momento, quando uma situação crítica se abate e a taxa de desemprego se eleva, assiste-se à queda da taxa de lucro, à fuga de capitais. Estes tornam-se voláteis, idle money, dinheiro ocioso. E se tem que procurar lucro, e, não o encontrando na produção, porque existe excesso de produção, excesso de acumulação - ou seja, os poros abertos aos investimentos se fecharam -, o dinheiro, então, vai para a Bolsa, para a especulação. E ali, obviamente, como entra cada vez mais dinheiro na especulação, valorizam-se e aumentam-se os preços das ações, enquanto o valor da produção e a lucratividade caem. Assim, o mundo se inverte: em vez de as ações refletirem um aumento da produtividade e da lucratividade, elas passam a refletir o seu oposto. Devido ao fato de não haver lucro suficiente na produção é que o capital se resvala para a especulação.

            No mundo, de acordo com alguns, mais de cem trilhões de dólares transformaram-se em capital volátil, especulativo, e encontram-se nas Bolsas do mundo, perturbando ainda mais o mundo real, a produção e a paz da Humanidade. Quando isso acontece, é óbvio que o trabalho humano, por mais explorado que seja, não é capaz de alimentar, com lucro, esse capital imenso de centenas de trilhões de dólares. Lá eles dizem: o trabalho acabou.

            Cito o O Fim dos Empregos, título de um livro de Jeremy Rifkin. Dezenas de neoliberais dizem que o trabalho já era. Desrespeitam o trabalho porque ele não é capaz de fornecer lucro para o capital especulativo, desumano e anti-social. Depreciam os trabalhadores, dizendo que estes não estão adaptados à modernidade das máquinas que os desempregaram e que, portanto, estão num mundo em que não deveriam existir, porque não há trabalho.

            Preocupo-me, sim, com esses temas e, principalmente, com este: a contraface política da crise não é o neoliberalismo, não é a ausência do Estado, não é o emagrecimento e a anemia do Governo, não é a falta de Governo; a contraface política da crise e do desemprego é o Estado forte, o Executivo hipertrofiado, que invade a atividade privada capitalista, os setores que ficaram em branco, que ficaram desfalcados de investimentos privados, para ali realizar os grandes investimentos públicos, por meio da construção de estradas, de estádios, de escolas. Disse Keynes seis vezes: “Penso ser incompatível com a democracia capitalista que o Governo eleve seus gastos na escala suficiente para fazer a grande experiência que demonstraria a minha tese, o pleno emprego, exceto durante a guerra”.

            Desse modo, a guerra é que dá condições para que um alto índice de desemprego - como o da Alemanha, em 1933, em que houve 44% de desemprego - possa ser superado cinco anos depois. Hitler fez isso na Alemanha! Nesse sentido é que tenho receio desse outro ingrediente. Não apenas uma guerra somente fornece aos governos capitalistas a desculpa para decuplicarem os seus gastos, aumentarem os seus gastos, como aconteceu, em 1939, nos Estados Unidos - dez vezes -, como também, ao mesmo tempo, a guerra transforma uma democracia burguesa em ditadura. E é este o meu receio: o de que aconteça isso nos Estados Unidos.

            Não é que eu não goste do povo americano. Há doze anos ou um pouco mais - creio que fui o único brasileiro a fazer isto -, eu estava nos Estados Unidos pegando aqueles sacos que hoje, tristemente, vejo serem lançados para as populações do Afeganistão que acabam de ser bombardeadas. Naqueles sacos, se prestassem atenção, viriam: “Exército dos Estados Unidos”. São sacos de alimentos, cestas básicas lançadas para aqueles que acabaram de receber bombas. Um míssil custa US$1,3 milhão - o nome dele, graças a Deus, eu não sei -, e, depois que é lançado, lançam-se também, cinicamente, alimentos para os sobreviventes. É a isso que assistimos hoje.

            Os pobres tornam-se universais. Gosto dos pobres norte-americanos, chineses, japoneses, africanos, dos pobres de todos os lugares do mundo. Gosto de quaisquer pobres, principalmente dos brasileiros. Desse modo, eu estava lá, prestando minha modesta colaboração, entregando em casas de pobres as cestas básicas distribuídas pelo Governo norte-americano.

            Não tenho ódio. Nunca pensei em ter ódio sequer de um povo. Quando menino, com oito anos de idade, eu era a favor dos aliados, dos democratas - Estados Unidos, Inglaterra e outros - e contra os alemães, os nazistas. Eu soltava papagaio com a bandeira da Inglaterra para combater os papagaios vizinhos, que tinham a bandeira da Alemanha nazista. Logo em seguida, depois da guerra, verifiquei que os Estados Unidos perdoaram 85% da dívida da Alemanha, mas não perdoaram nada da nossa! Pelo contrário, além de nos obrigarem a vender barato as nossas matérias-primas em nome do esforço de guerra, não nos perdoaram nada. Não deram um Plano Marshall para nós e não perdoaram sequer 1% de nossa dívida externa!

            Reconhecer fatos não é odiar. O que vejo agora é triste, perigoso contagioso e globalizado. Nos Estados Unidos, depois do ataque de 11 de setembro, a cada dia cai um direito social, um direito humano, a cada hora cai uma conquista que, durante séculos, os norte-americanos lutaram para conseguir, desde o tempo dos notáveis autores do livro The Federalist, quais sejam James Madison, John Jay e Alexander Hamilton. Agora, por exemplo, sem qualquer autorização, dois generais norte-americanos podem derrubar qualquer avião sobre o qual haja suspeitas. Isso é um absurdo, com conseqüências fantásticas em relação ao próprio tráfego aéreo. Quem é que pode voar nos Estados Unidos, sabendo que lá existem dois generais que, a qualquer hora, podem derrubar o avião, por legislação determinada pelo “democrata” George W. Bush? Além disso, qualquer suspeito pode ser detido sem ordem judicial, praticamente por tempo indeterminado, e dele podem ser extraídas confissões em circunstâncias as mais violentas possíveis. Várias outras conquistas e avanços foram postergados em nome da segurança.

            Assim, produz-se uma sociedade medrosa. O medo aumenta quando os talibãs, enlouquecidos, derrubam as torres do World Trade Center. No Brasil, há o medo da fome, da seca e de suas conseqüências. Há também o medo do desemprego, ameaça constante, cujo objetivo, entre outros, é colocar a população dependente do grande chefe, em decorrência do receio da demissão do emprego no dia seguinte, por qualquer motivo. Diante disso, obviamente, vamos cedendo e criando no Brasil o antiestado nacional - como disse o Presidente Fernando Henrique Cardoso num de seus livros -, destruidor das conquistas sociais, das organizações da sociedade, dos sindicatos e de outros órgãos de que ela se utiliza para se defender. E as instituições que estavam construindo a democracia brasileira são destruídas.

            Agora, por exemplo, esse pacote fascista lançado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso sobre os funcionários públicos proíbe que uma greve dure mais de 30 dias. Por que não mais de três dias ou mais de três horas, para facilitar a espoliação? São sete anos sem reposição salarial! O Presidente deve-nos cerca de 75% de reajuste, mas não dá esse reajuste. Em vez de mandar dinheiro, num ato de antidemocracia concentra o poder nas mãos do Executivo e transforma o Supremo Tribunal Federal na primeira instância para julgar os problemas, as querelas, os conflitos produzidos pelas greves.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, isso é a globalização do despotismo e do autoritarismo, que sempre receei viesse a acontecer. Nos Estados Unidos, o motivo principal foi a guerra, que está transformando o Presidente George W. Bush - queira ele ou não - no detentor de uma soma de poderes incompatível com qualquer regime democrático verdadeiro. Aqui, imitamos, “macaqueamos” essas tendências perversas.

            Naturalmente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso tem outras explicações para o despotismo, para o autoritarismo do poder político no Brasil, mas estas são muito parecidas. Num de seus livros, disse que, para entendermos o caráter autoritário e despótico dos Governos latino-americanos e brasileiro, devemos prestar atenção ao capital, à acumulação de capital. Disse que devemos responder a três perguntas: quem se explora? Quanto se explora? Com que instrumentos se explora? Como se explora?

            Então, o despotismo é o resultado da exploração necessária de uma parte da população. Enquanto os Estados Unidos têm uma dívida pública de US$5,5 trilhões e uma dívida de empresas e famílias que se aproxima dos US$10 trilhões, é óbvio que a contraface despótica dessa sociedade e dessa economia tem de se exacerbar.

            Logo, foi-se a democracia norte-americana, principalmente depois do dia 11 de setembro último. E a nossa democracia, desde a posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso, está sendo desmanchada, desestruturada, para dar lugar a essa democracia de fachada, a essas eleições distorcidas, a essas reeleições inconstitucionais.

            Dessa forma, gostaria apenas de prestar uma homenagem ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o Sr. Ministro Costa Leite, que, em outras ocasiões, já elogiei pela coragem que demonstrou, protestando contra esses preceitos que proíbem o direito de greve e contra a centralização do poder nas mãos do Presidente da República, que, agora, é a autoridade pagadora: paga se quiser. O Supremo mandou pagar os atrasados - cerca de 70% - aos funcionários públicos, e Sua Excelência não paga, não pagou e não pagará, como também não quer pagar os sete anos de achatamento salarial, proveniente de uma inflação disfarçada, sorrateira. Não houve nenhum reajuste durante os sete anos de seu Governo. Os atritos, os conflitos, as insatisfações vão aumentando, e é preciso colocar a Polícia e o Exército nas ruas. É justificado que se reprima, com violência e mais violência, o povo violentado por essas circunstâncias.

            Não tenho nenhum ódio contra o antigo Professor Fernando Henrique Cardoso. Li e reli todos os seus livros. Portanto, aqueles que nunca o leram ou o escutaram não têm o que estranhar, mas eu sim, pois tenho a consciência formada. Sei tudo o que Sua Excelência disse e sei reconhecer o abismo entre o que afirmava e o que está fazendo.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


            Modelo14/20/2412:35



Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/11/2001 - Página 28700