Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Balanço das atividades do Congresso Nacional em 2001, lamentando os acontecimentos políticos e econômicos que impediram a votação das reformas estruturais necessárias ao desenvolvimento do País.

Autor
Paulo Hartung (PSB - Partido Socialista Brasileiro/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONGRESSO NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Balanço das atividades do Congresso Nacional em 2001, lamentando os acontecimentos políticos e econômicos que impediram a votação das reformas estruturais necessárias ao desenvolvimento do País.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Artur da Tavola, Lindberg Cury, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2001 - Página 30558
Assunto
Outros > CONGRESSO NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • RELATORIO, ATIVIDADE, CONGRESSO NACIONAL, COMENTARIO, RENUNCIA, SENADOR, IMPEDIMENTO, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, GOVERNO.
  • DEFESA, URGENCIA, VOTAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, SANEAMENTO BASICO, SEGURANÇA PUBLICA, NECESSIDADE, DISCUSSÃO, COMERCIO EXTERIOR, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, NEGOCIAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL.
  • CRITICA, INSUFICIENCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, SUBORDINAÇÃO, INTERESSE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), AUMENTO, JUROS, AUSENCIA, POLITICA SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos chegando ao fim de mais um ano. Sem dúvida, um período extremamente difícil de traduzir e que, certamente, entrará para a história pelas dramáticas cenas de destruição do World Trade Center, mostradas ao vivo para todo o mundo, no dia 11 de setembro.

            No primeiro ano do século XXI, bilhões de pessoas assistiram, atônitas, ao terrorismo protagonizando um espetáculo sem igual na história da humanidade, que trouxe para o mundo real imagens até então só exploradas na ficção.

            As marcas de 2001 prosseguirão por muitos anos. Seria muito bom se pudéssemos dizer: “Ufa! Acabou!”. Mas não podemos. Um ano não termina como um filme. Os atentados do dia 11 de setembro acirraram velhos ódios e incitaram o radicalismo. A globalização dos mercados precisa de um forte contraponto na política internacional que ajude a construir um mundo mais justo e em paz.

            Na política interna, 2001 também foi um ano marcante. Começou em meio a uma acirrada disputa pelas Presidências do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, conflito que já refletia, conforme eu já tinha dito desta tribuna, uma crise dentro da base parlamentar do atual Governo e que envolveu esta Casa em uma sucessão de fatos sem precedentes nos seus 175 anos de história.

            Primeiro, tivemos a crise do painel, que culminou com a renúncia dos Senadores Antonio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda. Na seqüência, vieram o afastamento do cargo do Presidente do Senado, Senador Jader Barbalho, e a sua renúncia, resultado de uma série de denúncias que o envolviam. Um verdadeiro turbilhão que absorveu grande parte da energia dos Senadores e prejudicou as votações praticamente durante todo o ano.

            O Senado cortou na carne e enfrentou os acontecimentos sem se esquivar ou buscar soluções que acomodassem. Superou momentos difíceis - é bom que se diga - mas não conseguiu - e temos que reconhecer - retomar seu papel na condução dos destinos da política nacional. A agenda do Congresso Nacional, e em especial do Senado, sobre a qual também teve grande responsabilidade o Executivo, continuou aquém das necessidades reais do País; muito aquém.

            Um ano intenso; curiosamente, um ano intenso mas sem rumo, sem norte. É lamentável, mas, nesse ponto, 2001 seguiu o caminho dos anos anteriores, de 1999 e 2000. Vamos repetir o bordão: “O Brasil precisa retomar sua agenda de reformas estratégicas.”

            O êxito do Plano Real, com o fim da espiral inflacionária e a estabilidade da moeda, ofereceu à sociedade brasileira a oportunidade de dimensionar corretamente e enfrentar novos e velhos problemas estruturais que travam o desenvolvimento social, econômico e político do País. Aos poucos, foram ficando claras, para todos nós brasileiros, as necessárias mudanças que o caos inflacionário ocultava.

            Entretanto, a partir da segunda metade do primeiro mandato do Governo Fernando Henrique Cardoso, a reeleição passou a ocupar o lugar dessa agenda nas prioridades do Governo. Houve, de 1999 para cá, iniciativas importantes, entre as quais se destacam a Emenda Constitucional da Saúde e a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas as reformas deixaram de ocupar o centro das discussões do Congresso Nacional e das ações do próprio Poder Executivo.

            Em conseqüência, a atividade política parou de conduzir as mudanças para se tornar refém dos altos e baixos das conjunturas nacional e internacional. Passamos a viver de crises pontuais e sucessivas, que refletiam a falta de reformas estruturais e também de políticas públicas. O Governo e o Legislativo tiveram de administrar as conseqüências das crises em vez de enfrentar as suas causas. Uma atividade - volto a dizer - intensa, mas pouco produtiva e de poucos resultados.

            Foi assim na crise envolvendo, muito recentemente, as Polícias estaduais e a greve dos professores das universidades federais. Exemplificando, Sr. Presidente, faço referência a dois fatos próximos que ainda estão muito vivos na memória da opinião pública brasileira: a questão da segurança pública, que é indissociável da qualidade e da oferta de serviços pelo Estado, e a integração urbana e social nas grandes cidades brasileiras. Enquanto não avançarmos na formulação e na implementação de uma reforma urbana que mude a cena das cidades em nosso País, as deficiências da segurança pública continuarão expostas. Disse um General, no ano passado: “O que falta não é Exército na rua, mas o Estado na rua”. E, quando falta o Estado, tomam conta o crime organizado e o narcotráfico. É o que estamos assistindo pelo País afora.

            No que tange aos professores universitários, os quase seis meses de greve refletem, na minha opinião, a indefinição sobre o novo papel do sistema público de ensino superior e da universidade pública no desenvolvimento nacional e na formulação de uma política de Ciência e Tecnologia. Mais do que isso, caracteriza claramente a quase completa paralisação da reforma do Estado brasileiro.

            Devemos reconhecer que houve avanços pontuais em 2001, entre os quais, Sr. Presidente, registra-se a limitação do uso de medidas provisórias, o Estatuto das Cidades, que chamo de uma espécie de caixa de ferramentas para tentar reorganizar o caos urbano. Houve avanços na aprovação pela Câmara dos Deputados da mudança do conceito de imunidade parlamentar. São temas que hibernaram longamente à espera de acordo e já entravam para o rol das enigmáticas indefinições da política nacional, em que todos são a favor dos projetos, mas não há acordo para aprová-los. Ora um detalhe dificulta; ora a conjuntura se apresenta desfavorável. Tudo acaba ficando como está, e o tema sai da pauta de discussão. Trata-se de uma espécie de esperteza conservadora que privilegia o jogo da política de baixa qualidade e faz dele um objeto, e um objetivo claro, acima, evidentemente, das mudanças efetivas na vida do País.

            A reação indignada da opinião pública com os acontecimentos envolvendo o Congresso Nacional, no entanto, criaram o ambiente favorável para a aprovação, pelo menos, dessas três propostas citadas. Foram, sem dúvida, pontos importantes da política em 2001.

            Outros projetos, Sr. Presidente, não tiveram a mesma sorte. Avançaram, mas as pressões do atraso e da tecnocracia acabaram prejudicando a qualidade e o alcance das mudanças. Cito, por exemplo, a Lei das Sociedades Anônimas, que, sancionada com 17 vetos no último dia 31 de outubro, se revelou tímida. É importante dizer que a citada lei fortaleceu o papel regulador da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), mas deixou a desejar na proteção do acionista minoritário, o que é fundamental para o fortalecimento do mercado de capitais no nosso País. A discussão sobre a tabela do Imposto de Renda é outro ponto que vem se arrastando desnecessariamente. O Governo acabou admitindo o óbvio -- a necessidade de se discutir a correção --, mas continua encarando o assunto pelo ângulo exclusivo e equivocado da perda de arrecadação. Temo que a maioria governista acabe usando o pouco tempo disponível para negociar e, sob pressão, aprove algo que decepcione o conjunto da sociedade.

            A falta de rumo evidenciou o tratamento dado à questão do saneamento no Congresso Nacional. O Governo até nos surpreendeu quando apresentou um projeto de lei, questionável do ponto de vista da constitucionalidade, que retirava a titularidade dos municípios sobre o assunto. Surgiu, então, a possibilidade de um acordo na Câmara dos Deputados através do substitutivo do Relator, Deputado Adolfo Marinho, que propunha a distribuição de responsabilidades entre Estados e Municípios. O Governo mais uma vez não teve pulso para liderar e patrocinar um acordo. Inverteu-se a prioridade na discussão. É incrível. O déficit de saneamento básico, que hoje corresponde a 50% dos domicílios brasileiros (sem coleta de esgoto; não estou falando de tratamento de esgoto), deixou de ser o centro do debate e o assunto foi mais uma vez adiado.

            Perdemos a oportunidade de avançar na regulamentação do sistema financeiro nacional. E somos um País onde o custo do capital é dos mais caros do mundo. Crédito, que é fundamental ao desenvolvimento, é caro e não existe para quem precisa. A reforma tributária, mais uma vez, não conseguiu sair da gaveta. Ficou para trás o importante projeto de financiamento público das campanhas eleitorais. Frustrou as expectativas o envolvimento do Legislativo na discussão da criação da Alca, das negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio e no estreitamento das relações do Mercosul com a União Européia. Ou seja, foi muito tímida a nossa participação na área de comércio exterior.

            Estão previstos para ocorrer, entre 2002 e 2005, os lances decisivos de todo esse processo de expansão do comércio exterior. Se considerarmos a importância da questão tributária e do custo de crédito para a competitividade do Brasil, constataremos que perdemos muito tempo para um país que não pode perdê-lo.

            Sr. Presidente, em vez de esperarmos os resultados das eleições para definir a nossa inserção internacional, pergunto-me se não seria mais prudente que buscássemos, desde já, uma posição respaldada pelas diversas forças políticas do País?

            No campo econômico ficou clara a falta de um projeto que dê seqüência à estabilidade da moeda, que todos nós consideramos muito importante. Navegamos pelas turbulências da economia internacional como verdadeiro barco à deriva, que tenta apenas sobreviver a tormentas à espera de que novos ventos o recoloque no rumo certo.

            No início da instabilidade cambial gerada na esteira da crise argentina, houve um erro na administração do câmbio, com o governo sinalizando fragilidade ao mercado e pagando alto preço para tentar segurar o dólar. Depois atuou, a bem da verdade, de forma competente - penso que nosso papel é avaliar a questão com muita tranqüilidade. Atuou de forma competente no momento de renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional e no momento de reduzir a liquidez para conter a especulação com o dólar. Mas foi obrigado - o que é triste - a sustentar uma política interna de cunho absolutamente recessivo, mediante a manutenção de juros altos, extorsivos. Foi a administração do possível, enquanto se adiava o enfrentamento das fragilidades estruturais do País.

            Por sermos um país vulnerável do ponto de vista externo, somos obrigados a forçar uma recessão para segurar nossas contas, enquanto as grandes nações adotam políticas anti-recessivas. Nossa vulnerabilidade reduz a margem de manobra da política econômica. E isso está cada dia mais nítido e mais claro para todos nós brasileiros.

            A manutenção das taxas de juros pressiona a dívida pública interna, o que nos tem levado a um desequilíbrio também cada dia mais claro e mais nítido.

            Em resumo, Sr. Presidente: não consolidamos os fundamentos da economia, administramos no curto prazo e acabamos hipotecando o nosso próprio futuro como nação.

            Além disso, Sr. Presidente, o Brasil vive uma crise no abastecimento de energia, exemplo inquestionável do abandono da agenda estratégica do País; uma crise mais do que anunciada, ao contrário do que se disse este ano. Os erros no processo de privatização e regulamentação do setor, a teimosia em promover cortes fiscais de forma linear e sem critérios juntaram-se - e quero registrar isso - a certa inapetência administrativa, que ficou clara e evidente nesse caso.

            Sr. Presidente, o esforço em promover mudanças foi sendo arrefecido ao longo do atual Governo. No início do Plano Real, no primeiro mandato, a força proveniente do respaldo popular desequilibrou o jogo na base de sustentação do Governo em prol das reformas, o que foi muito bom. Aos poucos, porém, a manutenção da aliança governamental e de sua base de sustentação parlamentar passaram a ser cobradas, expondo contradições destas com o próprio programa de reforma. Houve avanços, mas o ritmo das mudanças acabou sendo muito lento. Já foi dito aqui, só quero repetir, eu mesmo já disse várias vezes nesta tribuna: acabamos vivenciando o processo de um Governo de quatro anos em oito - a frase não é minha, Sr. Presidente, eu apenas a cito aqui para ilustrar o meu pronunciamento. Aos poucos, a opinião pública percebeu que o País perdia tempo, porque perdeu o próprio rumo. Esse é o sentido do descontentamento geral. Ninguém deixa de reconhecer aspectos positivos, seria ingenuidade, seria uma superficialidade de análise. Ninguém deixa de reconhecer aspectos positivos, mas quer mudanças mais profundas e, além, de profundas, duradouras, que sejam capazes de mudar o País, de mudá-lo principalmente na área social, diminuindo as desigualdades entre pobres e ricos, entre negros e brancos e também entre as várias regiões.

            O Congresso Nacional pode contribuir decisivamente para mudar esse comportamento errôneo da política nacional, e pode contribuir inclusive no ano que vem. É por isso que faço esse esforço, neste pronunciamento, de tentar sintetizar, analisar e dar contribuições.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Paulo Hartung, permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Concedo um aparte ao Senador Tião Viana, com muito prazer.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Paulo Hartung, quero, na verdade, expressar a minha alegria de ver a análise lúcida e oportuna que V. Exª faz, cumprindo o seu papel parlamentar de final de ano, de balanço de um período legislativo. V. Exª expõe aquilo que é exatamente o sentimento de muitos de nós Parlamentares, da distância que existe hoje entre o Governo e as necessidades da população brasileira. O Parlamento deve ouvir a sociedade brasileira e desempenhar o seu papel de tradutor de um debate nacional, de propositor de políticas mais corretas e da reforma estrutural que a sociedade merece. Lamentavelmente, continuamos enfraquecidos, reféns do Poder Executivo. Essa é uma constatação que posso observar no pronunciamento de V. Exª, com o que comungo inteiramente. Notam-se momentos positivos da vida pública deste País, como a reforma aparentemente necessária que se fez em relação ao modus vivendi, ao modus operandi da gestão pública. As superintendências regionais foram substituídas pelas agências, houve uma reforma dentro dos ministérios. Observamos, no Orçamento Geral da União, que a proposta orçamentária é de mais recursos, mas a prática vivida pelas agências é, em regra, a inoperância. A Agência Nacional de Águas, por exemplo, fruto de uma reformulação primorosa do aparelho de Estado, está alojada onde era um restaurante do antigo SNI, totalmente desaparelhada e alheia ao sentimento de prioridade que deveria norteá-la. Quando analisamos a saúde, temos de reconhecer, como V. Exª afirma, o que há de bom na gestão pública atual. O Ministério da Saúde tem dado uma contribuição efetiva à reforma estrutural desse setor para o Brasil. Tem uma personalidade administrativa; intervém, decididamente, nas grandes necessidades e busca alcançar resultados. Todavia, verificamos no Orçamento a redução de mais de R$1 bilhão em saneamento básico, aumento de investimentos na área hospitalar, redução de investimentos na área de imunoprevenção e ao combate das grandes endemias. A Fundação Nacional de Saúde, por exemplo, está perdendo R$800 milhões. Não dá para entender, portanto, como podemos demonstrar, numa fase dessas, enfraquecimento à pressão dos hospitais brasileiros, por exemplo. Ora, é tão importante a força que o Ministro da Saúde alcançou no cenário internacional, na defesa dos genéricos, de autonomia de uma personalidade para o Brasil. Foi uma política de medicamentos que repercutiu mundo afora. Tornamo-nos reféns do orçamento. Parece-me que existe uma preocupação de transformar o Congresso Nacional em um ambiente para a reeleição da maioria da base do Governo, em vez de um ambiente de reforma do aparelho estatal como um todo e do debate nacional. Quero elogiar o pronunciamento que V. Exª faz. Espero, sinceramente, que esta Casa Legislativa não sirva apenas para a reeleição de parlamentares que vêem o poder que tem o Congresso brasileiro como uma base eleitoral para o próximo ano. Não! Precisamos reformar o Estado brasileiro. Esta Casa tem um papel fundamental. Parabéns.

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Senador Tião Viana, agradeço o seu aparte e o acolho com prazer. Seu aparte complementa e dá mais consistência aos argumentos que estou usando.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Concedo um aparte, com prazer, ao Senador Antonio Carlos Valadares, que me pediu em segundo lugar.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Senador Paulo Hartung, V. Exª, como sempre, traz a esta Casa grandes ensinamentos por meio de seu discurso articulado, que analisou a situação brasileira, o que o Governo e o nosso Parlamento fizeram e deixaram de fazer. Enfim, V. Exª fez uma análise profunda da situação econômica, política e social do Brasil, revelando um conhecimento que, aliás, é motivo de orgulho para todos nós, principalmente para aqueles que fazem parte do Partido Socialista Brasileiro, do qual V. Exª é um dos membros mais ilustres e eminentes. Um dos pontos, dentre tantos que V. Exª referiu, é o do Sistema Financeiro. Hoje, O Jornal do Brasil, publicou que, de 363 empresas analisadas sobre lucro e rentabilidade, verificou-se que a rentabilidade média das empresas brasileiras foi de 4,5%, enquanto que a rentabilidade de 23 bancos, também analisados nesse estudo, variou de 37% a 22%. Isso significa que o capital produtivo está sendo penalizado, enquanto o capital financeiro está sendo premiado. Se for feito um estudo mais profundo, verificaremos que os bancos estão ganhando muito dinheiro não porque o aplicaram na indústria, no comércio ou na agricultura, mas porque participaram da ciranda financeira e da prestação de serviços caros, impondo taxas absurdas aos seus clientes. Por outro lado, enquanto se discute a reformulação da CLT a todo custo, que, segundo o Governo, é um dos entraves para o desenvolvimento do nosso País, para o pleno emprego, deveríamos estar preocupados não com a mudança na legislação trabalhista, porque milhares e milhares de empresas surgiram neste Brasil, milhares e milhares de empregos foram gerados, não só nessa época de crise como em outras, e a CLT nunca foi culpada disso. A culpa está, única e exclusivamente, na política econômica. Tenho pregado o seguinte: em vez de mudarmos a legislação, a CLT, que vem sendo aplicada como pano de fundo, como verdadeira culpada do desemprego no País, deveríamos fazer, para dar um alento aos 16 milhões de desempregados, uma modificação na política econômica. Como V. Exª assinalou, vamos baixar os juros, fazer uma reforma tributária, e não adotar penduricalhos, como a CPMF e outras contribuições sociais, que hoje tornaram a União quase que dona de todos os recursos do País. Quando se fez a Constituição Federal de 1988, o que se queria era a descentralização dos recursos por meio dos Estados e Municípios. Todavia, com a imposição de contribuições altíssimas por parte da União, o Governo Federal ficou com a maior parte dos recursos da arrecadação do País para destiná-los ao capital internacional, ao pagamento da dívida externa, o que vem prejudicando nosso desenvolvimento. Portanto, estou inteiramente de acordo com o discurso de V. Exª. Quando a discussão da CLT vier para esta Casa, vamos apregoar isso e exigir do Governo uma tomada de posição, para que a economia do País sofra profunda transformação por meio da pregação de V. Exª em seu discurso.

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Senador Antonio Carlos Valadares, agradeço o aparte, particularmente as generosas considerações que V. Exª fez à minha pessoa. Acolho o aparte, que caminha no sentido do meu pronunciamento e reforça as idéias que defendi aqui até o momento presente.

            O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Concedo, com carinho, um aparte ao Senador Lindberg Cury, digno representante do Distrito Federal.

            O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Senador Paulo Hartung, é com imensa satisfação que registro o balanço que V. Exª faz sobre os trabalhos do Senado no transcorrer do ano de 2001. Na verdade, V. Exª tocou bem no cerne da questão quando fez referência ao atentado às torres gêmeas no dia 11 de setembro. Houve enorme transformação no mundo. A partir dessa catástrofe, pudemos observar que o papel na economia do mundo também sofreu transformação e nos trouxe algumas lições que deveriam ser analisadas e refletidas com maior profundidade. Por exemplo, que atentados dessa natureza jamais poderiam ser repetidos. Por outro lado, deu a demonstração de que a maior potência do mundo também é vulnerável e precisa, às vezes, voltar a atenção para o mundo pobre que existe ao seu lado. Acredito que as grandes autoridades que dominam a economia mundial estão pensando nisso. O reflexo foi justamente na Organização Mundial do Comércio, quando se falou na quebra da patente. O Senador Tião Viana já fez uma abordagem sobre o assunto. Também houve grande transformação no que diz respeito à nossa exportação. Com a quebra do subsídio agrícola da França, automática e gradativamente vamos acompanhando o mercado. Por outro lado, nessa referência que V. Exª faz aos grandes acontecimentos do Senado, o que temos a confirmar é o que já foi dito pelos que nos antecederam. O fato político sempre prevalece sobre o econômico, e o Plenário do Senado acompanhou essa tumultuada situação das cassações, dos afastamentos - o Presidente do Senado foi afastado, concluímos a CPI do Futebol, que deve ficar como um marco das grandes conquistas dos trabalhos do Senado. A reforma tributária é da maior importância. Não podemos participar de um mundo globalizado, competitivamente, se não tivermos um organismo controlador da reforma tributária. Esperamos que essa reforma tenha uma estrutura tributária simplificada como a dos demais países. Nesse caso, eu gostaria de aproveitar o ensejo e convidar a todos para que, depois de amanhã, tenhamos nós um encontro com o Prof. Marcos Sintra - estamos identificados com o lançamento do Imposto Único Federal - na área de cultura da Câmara Federal às 12 horas e 30 minutos. Quem sabe não seria este o momento de refletirmos sobre a questão? Agradeço o aparte concedido por V. Exª, a quem parabenizo pelo trabalho realizado, trazendo um relato sucinto, porém completo, sobre as atividades do Senado. Muito obrigado.

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Senador Lindberg Cury, agradeço o aparte.

            O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Pergunto ao Presidente se posso conceder o aparte ao Senador Artur da Távola.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Certamente.

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Senador Artur da Távola, concedo o aparte a V. Exª com muita honra.

            O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Sr. Presidente, muito obrigado. Sr. Senador Paulo Hartung, ouvindo V. Exª, eu me lembro de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, numa canção imortal que diz: “Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver”. Receber uma oposição do nível da de V. Exª é realmente honroso para qualquer governo, no Brasil ou em qualquer país. V. Exª está substituindo ofensas, xingamentos, insultos, suspeições por argumentos, muitos dos quais esbarram em contra-argumentos, mas argumentos. Lamentavelmente, eu atrapalharia o tempo de V. Exª se fosse tentar, como Líder do Governo, responder ao que V. Exª diz e não gostaria de fazê-lo. Apenas, como todo discurso lúcido e lógico, ele demanda uma aceitação das premissas. É onde eu não concordo com V. Exª, porque justamente nas premissas está o nosso ponto de vista diferente. Ao contrário de V. Exª, em um ano de crise, em que o Japão cresceu 1%, os Estados Unidos cresceram aproximadamente 1,5%, a Europa cresceu entre 1% e 1,5%, o Brasil vai crescer, no mínimo, 2%, com todas essas crises. Além disso, há uma programação social em marcha, absolutamente única. E se investe, hoje, na ação social o que nunca se investiu em nenhum momento da história brasileira. O aparte do Senador Tião Viana no tocante à saúde é apenas um pequeno exemplo desse esforço de investimento na formação de quadros. Por isso, posso lhe dizer que nós, diferentemente do que V. Exª afirma nas premissas, e não na brilhantíssima argumentação, estamos consolidando os fundamentos da economia e garantindo o futuro. A reforma tributária necessária não vem, em primeiro lugar, porque cada economista tem uma reforma tributária na cabeça. O Congresso não avança nessa matéria por essa razão. Pior do que isso é que ainda não há a lucidez de considerar que é um erro gravíssimo fazer reforma tributária na Constituição, pois, na Carta Magna, a reforma tributária deveria ater-se a quatro ou cinco linhas mestras gerais do processo tributário, abrindo-se o Estado à discussão tributária concreta na lei, pela natureza exatamente volátil, transformadora, mutante da questão dos impostos. Fico a pensar, apenas para concluir minha intervenção, agradecendo-lhe muito a compreensão, como vai ser difícil para V. Exª discutir economia com o candidato a Presidente da República de seu Partido, o quanto essa lucidez, o bom-senso e o senso de argumentação vão esbarrar numa pregação que até agora só foi de insultos, ofensas; enfim, matéria pirotécnica para gáudio das frases recolhidas a cada semana nas revistas semanais. Seguramente, um discurso sério como o de V. Exª não obterá, infelizmente - isso é oposição para valer -, a repercussão que, muitas vezes, as frases soltas do candidato a Presidente da República do Partido de V. Exª obtém. Mas, acredito que, com a paciência de que V. Exª é possuído e bafejado pelos dons do seu Estado, ou seja, pelos dons do Espírito Santo, possa V. Exª convencê-lo de teses econômicas colocadas com tanta precisão por V. Exª. Parabéns a V. Exª.

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Senador Artur da Távola, antes de mais nada, gostaria de registrar o carinho e o respeito que eu nutro por V. Exª, pela sua inteligência e pelo seu brilhantismo, e não meu. Um pouco Senador, um pouco escritor, um pouco poeta, V. Exª é admirado e respeitado por todos nós. Por isso, apanharei da colocação de V. Exª tudo, menos a provocação. Essa, eu deixarei de lado.

            Acredito que, quando V. Exª critica debate na premissa, V. Exª se equivoca, porque o Governo afirmou, no início do ano, pelas palavras do Ministro Pedro Malan e pelas palavras do Presidente do Banco Central - que é um funcionário público, por quem, também, tenho grande admiração -, Dr. Armínio Fraga, que o País cresceria 4%, 4,5%, talvez mais. Por que não cresceu?

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Eu pediria a V. Exª, Senador Paulo Hartung, que concluísse o seu pronunciamento, que está ultrapassado quase o dobro do prazo regimental.

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Vou concluir, Sr. Presidente.

            Por que não cresceu? Não cresceu pela brutal vulnerabilidade externa da nossa economia e pela crise energética. Não tenho tempo para debater essa questão com profundidade, ficará para outra oportunidade.

            Se V. Exª me conceder mais alguns minutos, passarei para a conclusão do pronunciamento, Sr. Presidente.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Peço a V. Exª a maior brevidade possível.

            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - Sr. Presidente, o Congresso Nacional pode contribuir decisivamente para mudar esse comportamento errôneo da política nacional no ano que vem. Para isso, devemos tentar estruturar uma agenda mínima de reformas, compatível com as peculiaridades de um ano em que será natural um maior comprometimento dos Parlamentares com as suas respectivas bases, em função do processo eleitoral. No próximo ano, entretanto, podemos lançar as bases efetivas da retomada de uma agenda estratégica, não por este, mas pelo próximo governo, sem que isso signifique adiar decisões importantes até 2003.

            Sr. Presidente, agradeço a paciência e a tolerância de V. Exª para com este orador que ficou na tribuna um tempo excessivo.

            Requeiro a V. Exª que considere como lido o final do meu pronunciamento.

            Muito obrigado.

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, A CONCLUSÃO DO DISCURSO DO SR. SENADOR PAULO HARTUNG.

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            O SR. PAULO HARTUNG (PSB - ES) - O Congresso Nacional pode contribuir decisivamente para mudar esse comportamento errôneo da política nacional no ano que vem. Para isso, devemos estruturar uma agenda mínima de reformas, compatível com as peculiaridades de um ano, em que era natural um maior comprometimento dos parlamentares com as eleições. O próximo ano, entretanto, poderá lançar as bases efetivas da retomada de uma agenda estratégica pelo próximo governo, sem que isso signifique adiar decisões importantes até 2003.

            Qualquer que venha ser o governo, ele terá necessariamente de fazer a reforma tributária. Por que não iniciá-la já? Poderemos utilizar a discussão sobre a prorrogação da CPMF para lançar bases sólidas de uma reforma tributária que seja implementada no início do próximo governo.

            No mesmo conjunto, teremos ainda a discussão da legislação do ICMS sobre combustíveis e lubrificantes, tendo em vista a abertura de importações no setor.

            Não há razão para se adiar a busca de uma nova política de saneamento básico para o País. Por que não avançar na discussão sobre a reforma urbana? Neste sentido, o Senado poderia patrocinar uma ampla discussão sobre o arranjo institucional das grandes cidades brasileiras e regiões metropolitanas ainda no primeiro semestre de 2002.

            Na agenda inclui-se a aprovação em dois turnos pelo Senado das mudanças no conceito de imunidade parlamentar. Seria a coroação do esforço realizado em 2001, no sentido de aprimorar o código de ética da atuação dos parlamentares.

             O Congresso e o Executivo, as forças da sustentação do Governo e a oposição poderiam traçar um entendimento mínimo sobre as posições brasileiras nas negociações da ALCA, da OMC e do Mercosul com a União Européia. Ao mesmo tempo, avançariam rumo a uma legislação que desse suporte a uma nova política industrial e de comércio exterior, e no aperfeiçoamento da Lei das Sociedades Anônimas.

            É perfeitamente possível avançar com o fortalecimento do Sistema Financeiro, por meio de uma regulamentação compartilhada e com a manutenção de alguns itens em discussão. Há, porém, temas que deveriam ser evitados. É o caso da discussão sobre a independência do Banco Central. Dotar a diretoria do BC de um mandato antes das eleições, independente das boas intenções, soaria sempre como uma desconfiança quanto aos resultados das urnas no próximo ano.

            O Senado e a Câmara deveriam tomar a iniciativa de conversar com o Executivo, através de suas lideranças, para estabelecer uma agenda mínima para 2002. Um acordo, que garanta o que será encaminhado, sem que isso signifique qualquer compromisso ou concordância política prévia quanto às deliberações.

            Seria uma prova de maturidade política. Fortaleceria as instituições e facilitaria a tarefa do futuro governo na retomada de uma agenda de reformas estruturais para o País.


            Modelo14/25/243:24



Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2001 - Página 30558