Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia do Marinheiro.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. FORÇAS ARMADAS.:
  • Comemoração do Dia do Marinheiro.
Aparteantes
Ricardo Santos.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2001 - Página 30640
Assunto
Outros > HOMENAGEM. FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, MARINHEIRO, OPORTUNIDADE, RECONHECIMENTO.
  • IMPORTANCIA, ESTRATEGIA MILITAR, MARINHA, REGIÃO AMAZONICA, EFICACIA, CUMPRIMENTO, MISSÃO, SEGURANÇA NACIONAL.
  • LEITURA, TRECHO, OBRA LITERARIA, LEANDRO TOCANTINS, ESCRITOR, HISTORIA, REGIÃO AMAZONICA, HOMENAGEM, MARINHA, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente; Srªs e Srs. Senadores; Comandante da Marinha, Almirante Sérgio Chagas Teles; Almirante da Armada, Chefe do Estado-Maior da Armada, Luís Fernando Portela Peixoto, na verdade, gostaria de fazer a observação que o Sr. Presidente fez de que o que teríamos a acrescentar ao pronunciamento da Senadora Emilia Fernandes era o seu traje elegante, que homenageia a Marinha do Brasil; mas o Presidente da Casa antecipou-se.

            Procuro trazer, de modo muito modesto, para homenagear a Marinha do Brasil neste Dia do Marinheiro, uma lembrança histórica de um momento rico do debate sobre a região que represento dentro do Senado Federal, por intermédio do Estado do Acre, a Amazônia brasileira. Foi um momento em que se discutia a ocupação e o controle fluvial da Amazônia brasileira no século XIX, especificamente por volta de 1819, quando se via, a todo momento, uma busca e uma preocupação estratégica no cenário internacional pelo chamado ouro negro, a borracha, que começava a emergir da Amazônia. Foi a borracha que elevou a nossa região à primeira condição no PIB nacional, superando a pecuária e o café, e chegou a ser o grande impulsionador da Revolução Industrial deste planeta. Ao mesmo tempo, fortaleceu indústrias de ponta no cenário econômico internacional, como a Goodyear, por exemplo. O nosso ouro negro foi o grande impulsionador e o sustentáculo daquele modo de crescimento econômico que começava a surgir a partir da Revolução Industrial.

            Trago uma modesta homenagem histórica de Leandro Tocantins, um dos mais renomados e admiráveis autores do momento histórico brasileiro vivido na Amazônia ao longo do século XIX. Passo à leitura de trecho de sua obra, como homenagem à Marinha do Brasil:

      Um aspecto peculiar ao espírito dos homens públicos bolivianos exerceu papel preponderante nas componentes da política exterior do país, em relação ao Brasil: o desejo supremo de conseguir uma franca saída fluvial para o mar. A Bolívia [...] é resultante da mais imponente fatalidade física de todo o Novo Mundo, que é a Cordilheira dos Andes. Assim definiu-a Euclides da Cunha.

      A dura realidade geográfica temperou a alma nacional nos ideais de perene reivindicação de um lugar ao sol, que significava ter, como as outras nações do continente, o direito de navegação franca pelos rios que o destino só lhe oferecera os trechos mais altos, de fazer essa navegação chegar a outros países e de receber os navios em seus portos em comércio regular.

      Sem acesso direto ao Atlântico, só dois caminhos via o país, naquele tempo, para conduzi-lo ao oceano onde se entrecruzam as grandes rotas comerciais: o Amazonas e o Prata. O Amazonas, de preferência, mais perto da Europa, mais vantajoso à navegação. O Império do Brasil, porém, mantinha-o trancado e não mostrava intenções de mudar de atitude.

      Não era só a Bolívia a interessada em abrir o rio à navegação internacional. Os Estados Unidos da América tiveram, neste particular, papel bem atuante. Povo e governo se identificaram, sob a influência de uma propaganda inteligente e otimista, para sugerir ao Brasil, com certa obstinação, a abertura do chamado King of Rivers, segundo a linguagem deslumbrada dos periódicos locais.

      Esse interesse generalizado decorria de uma campanha do Tenente Mathew Maury da Marinha dos Estados Unidos. O oficial, escrevendo nas revistas de maior circulação do país, expusera, com entusiasmo quase panteísta, as grandes vantagens da livre navegação do Amazonas: “É o maior benefício comercial a que os povos do sul e oeste - e mesmo o povo dos Estados Unidos - podem aspirar”.

      O Amazonas, nas páginas cor-de-rosa do imaginoso tenente, transformava-se num verdadeiro Vale da Promissão, pois oferecia todos os produtos que brotam do seio da terra, à exceção do chá. Para completar o quadro tentador, Maury, com o prestígio de superintendente do Serviço Hidrográfico do Observatório Naval de Washington, revelava o fato surpreendente de que os navios norte-americanos, aos saírem da foz do Amazonas, seriam logo trazidos pelas correntes oceânicas e pelos rumos dos ventos, em direção ao sul de seu país.

      Tal o sucesso dos artigos do oficial da marinha, que foram logo reunidos em um folheto [..]. Maury, de seu gabinete no Observatório Naval, sem nunca haver percorrido o Amazonas, escreveu, com muita imaginação, capítulos de lirismo que lhe deram renome popular. Se até as Convenções e Congressos no sul dos Estados Unidos incluíram o assunto na pauta de seus trabalhos, como reivindicação pública em política exterior!

      Pintou-se o Amazonas como a via de penetração por excelência para alcançar a Bolívia, o Peru e Nova Granada. Singrando o King of Rivers, poupa-se o tempo consumido na volta pelo cabo Horne e na penosa subida dos Andes. A visão de Maury ia ainda muito além, ao provar que o Mississipi e o Amazonas tinham destinos comuns, pois ambos desaguavam no golfo do México [...] numa região distinguida pela importância natural, que hoje se diria geopolítica, e que Maury sonhou torná-la [...]” estratégica e fundamental.

      “O tenente norte-americano tinha em vista, com a sua campanha, a liberdade de navegação do rio para todas as bandeiras e, especialmente, proporcionar um novo campo de comércio, no qual os Estados Unidos, vizinhos poderosos, seriam o mais forte agente.

            Comparo isso ao atual debate sobre a importância estratégica da Amazônia. A Marinha tem expressado sua preocupação em se fazer presente, de modo formal e estratégico, dentro da região, na defesa nacional.

            Se olharmos o registro de qualquer agente da publicidade internacional, de imediato perceberemos a idéia de que a Amazônia é detentora de pelo menos 20% do patrimônio biogenético do planeta. Então, se, naquele momento, um produto apenas - o chamado ouro negro, a borracha - despertava uma ação estratégica, extrapolava os limites oceânicos brasileiros e chegava aos Estados Unidos, à Alemanha, à França e à Inglaterra, imaginem, hoje, como a Amazônia - talvez, o portal de nosso País para o terceiro milênio - é colocada no cenário internacional.

            O Sr. Ricardo Santos (Bloco/PSDB - ES) - Senador Tião Viana, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte ao nobre Senador Ricardo Santos.

            O Sr. Ricardo Santos (Bloco/PSDB - ES) - Senador Tião Viana, associo-me a V. Exª e aos oradores que o antecederam nas homenagens que prestam à Marinha brasileira. Na condição de representante, nesta Casa, do Espírito Santo, um Estado costeiro, venho trazer o abraço dos capixabas nesta data comemorativa da Marinha brasileira. Como disse a Senadora Emilia Fernandes, a Marinha tem atividades de agente da cidadania, contribui para o desenvolvimento tecnológico brasileiro, tem uma missão fundamental na guarda da nossa plataforma marítima e na proteção do nosso sistema costeiro, inclusive o sistema portuário - o Espírito Santo tem sete terminais portuários, portanto, uma extensa área portuária. Ela também atua - principalmente a Marinha Mercante - na formação de quadros para o comércio exterior brasileiro e, conseqüentemente, para o desenvolvimento da economia. Senador Tião Viana, gostaria de deixar um abraço à Marinha, em nome da Bancada de Senadores do Espírito Santo, pelo Dia do Marinheiro.

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço ao eminente Senador Ricardo Santos, cujo aparte incorporo com prazer.

      O Secretário de Estado Clayton havia publicamente se referido às vantagens da abertura do Amazonas [...] e, numa palestra com o Ministro brasileiro, Sérgio Teixeira de Macedo, lamentava o abandono em que jazia o caudal e a injustiça de mantê-lo fechado, pois a “Humanidade cresce desmesuradamente e não é possível tratar com negligência objetos que podem ajudar a sua alimentação e bem-estar”.

      O caso do livre trânsito do Amazonas, embora reconhecido importante pelos estadistas do Império, havia ficado “na penumbra e na inércia, pois bulia com opiniões numerosas dominantes nos conselhos imperiais”.

      Todavia, chegou uma hora em que o Brasil teve de apreciá-lo mais objetivamente, em virtude do ponto a que chegara o interesse dos Estados Unidos pelo assunto. Quando o novo ministro brasileiro, Inácio Carvalho Moreira, futuro Barão de Penedo, conversava pela primeira vez com o Secretário de Estado Conrad, este perguntou se “já era navegado o Amazonas e até onde, se dava bem o algodão nas suas margens que ele sabia serem da maior fertilidade”.

      A Carvalho Moreira coube a delicada missão de enfrentar, no próprio centro gerador dos acontecimentos, um problema de Direito Público que se transformara em luta diplomática aberta entre o Brasil e os Estados Unidos.

      O Departamento de Estado havia resolvido entrar em conversações diretas com os governos do Peru e Bolívia, no sentido de forçar a entrada no Amazonas pelas portas traseiras, já que o Império se negava a permitir pela frente. Como resultante, surgiu no Peru um “Tratado de Amizade, Comércio e Navegação”, no qual, habilmente, foi introduzida uma cláusula, admitindo aos cidadãos norte-americanos estabelecerem “linhas de navegação entre os diferentes pontos de acesso ao território peruano”.

      O ato bilateral era uma resposta ostensiva à política exclusivista do Império, como também fora a partida de Lima da expedição Herndon, que ia explorar o Amazonas de cima para baixo, no interesse da ciência - justificava-se nos Estados Unidos.

      O Governo Imperial, percebendo a manobra, desferiu um vivo ataque, mandando Ponte Ribeiro ao Peru e à Bolívia. O diplomata brasileiro mais uma vez demonstrou os seus dotes de hábil e competente negociador, assinando com o Peru o Tratado de 23 de outubro de 1851, em que se consubstanciava o direito de pertencer exclusivamente aos países ribeirinhos a navegação do rio Amazonas. Derrotara Mr. Randolph Clay, ministro norte-americano em Lima, cujos protestos não impediram a ratificação do pacto por ambas as nações.

      Na Bolívia, entretanto, Ponte Ribeiro não obteve o mesmo êxito. O Presidente Belzu, “soldado de tarimba que viveu sempre nos quartéis e tavernas, sem jamais aparecer em sociedade de gente decente, nem ter aberto um livro”, não quis sequer saber do Plenipotenciário brasileiro.

      Não se enganara Ponte Ribeiro quanto ao destino de seu encargo, pois conhecia muito bem a personalidade de Belzu: “segundo todos os dados, não quer o presidente receber essa missão, e, se a receber, porque Rosas vai mal, excusar-se-á certamente de tratar com ela”. Embora pessimista, Ponte Ribeiro comunicava ao ministério, no Brasil: “Para vencer a primeira sinistra intenção, farei tudo quanto seja decoroso e compatível com a minha posição, até fazendo-me desentendido de algumas coisas e atribuindo outras à sua grandíssima ignorância dos usos internacionais, visto que as relações exteriores são dirigidas pelo mesmo Belzu”.

      Com efeito, o diplomata brasileiro nada pôde fazer, retirando-se da Bolívia com altiva dignidade. O conceito que então emitiu sobre os responsáveis pelo governo boliviano, naquela fase, foi pouco lisonjeiro. O juízo partiu de uma prosápia de Belzu, que se referira grosseiramente ao encarregado brasileiro de negócios, Antônio José Lisboa, dizendo que se este não tivesse saído da Bolívia o mandaria fuzilar em praça pública. Todavia, a ameaça ficava para ser cumprida em qualquer cônsul, “para mostrar que em Bolívia não há privilégio”.

      Ponte Ribeiro, diante do ocorrido, justificava com azedume o seu próprio fracasso ao Ministro Paulino José Soares de Sousa: “Não deve V. Exª admirar-se disto, sabendo que para os bolivianos são cônsules todos os agentes públicos, inclusive os enviados extraordinários, e que qualquer destes agentes é olhado com menos consideração do que o taberneiro que lhes fia alguns copos de bebidas fermentadas”

      A luta diplomática entre o Brasil e os Estados Unidos, encetada em Washington e refletida em Lima, continuou na Bolívia. Aí veio encontrar ambiente mais favorável aos norte-americanos, em virtude da má vontade de Belzu para com os assuntos brasileiros, e este já incutido das idéias do Tenente Maury, promulgou o decreto de 27 de janeiro de 1853, que declara livres o tráfego internacional, até o Atlântico, os portos de Exaltação, Trindade, Loreto, Renenavaque, Muchanis, Magdalena, Cuatro Ojos, Assunta, Comi, Chimoré, Guarany e Coroico, nos tributários dos afluentes amazônicos do rio Madeira.

            O que se pode constatar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é a visão estratégica já dominante no cenário internacional em relação à Amazônia brasileira, à navegabilidade dos rios e ao controle do potencial econômico que representa aquela região. Hoje estamos testemunhando os analistas internacionais afirmarem que é da Amazônia que se tem uma herança biogenética que representa todo patrimônio do Planeta em pelo menos 20%, podemos imaginar o significado estratégico disso. E, como representante do Estado do Acre, quero dar o meu depoimento de que a Marinha do Brasil, de maneira judiciosa, cumpriu todos os momentos em que podemos debater com autoridades ligadas ao Comando Militar da Marinha a questão estratégica.

            A Marinha nos homenageou, como cidadãos da Amazônia, com o Navio Dr. Monte Negro, navio que incorpora pelo menos 49 tripulantes para a manutenção, para o seu funcionamento, além das equipes médicas, de apoio e odontológicas, e que acompanha o fluxo dos rios. Os momentos em que os rios estão altos, mas acima do Amazonas, e permitem a navegabilidade, a Marinha se faz presente mais ao alto do Amazonas. Os rios baixam naquela região e sobem em outro, e a Marinha segue aquele fluxo, prestando uma solidariedade nunca vista na região mais isolada da Amazônia brasileira na sua porção ocidental.

            Manifesto, então, o orgulho que nós, da Amazônia, temos da presença militar da Marinha em nossa região, do sentimento comprovado da visão estratégica que tem a Marinha em relação à Amazônia brasileira. Espero sinceramente que esse comportamento de disciplina bem determinado, esse comportamento de uma visão estratégica apresentado pela Marinha do Brasil possa encontrar nos homens de governo que olham o amanhã deste País de modo estratégico, pensando num Centro de Biotecnologia da Amazônia, no que pode representar a Amazônia para o Brasil e para o Planeta, que possa haver a ressonância e a resposta necessária que todos nós esperamos.

            Deixo, por fim, Sr. Presidente, uma modesta e justa homenagem à Assessoria Parlamentar da Marinha do Brasil que, de modo judicioso e exemplar, tem defendido de maneira integral e extraordinária, eu diria, o seu efetivo, as forças que atuam neste País na defesa da segurança nacional e ,de modo exemplar, tem cumprido um comportamento ético admirável por todos nós parlamentares do Senado Federal.

            Muito obrigado.


            Modelo14/26/242:40



Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2001 - Página 30640