Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a necessidade de aplicação no País de um orçamento impositivo.

Autor
José Alencar (PL - Partido Liberal/MG)
Nome completo: José Alencar Gomes da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO. ECONOMIA NACIONAL. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre a necessidade de aplicação no País de um orçamento impositivo.
Aparteantes
Sérgio Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 27/12/2001 - Página 322240
Assunto
Outros > ORÇAMENTO. ECONOMIA NACIONAL. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, APLICAÇÃO, MODELO, ORÇAMENTO, IMPOSIÇÃO, EXECUTIVO, DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO, SAUDE, TRANSPORTE.
  • ELOGIO, DISCURSO, MARINA SILVA, SENADOR, REFERENCIA, RELACIONAMENTO, ESPECIE, NATUREZA.
  • CRITICA, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, IMPEDIMENTO, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, ABANDONO, RODOVIA.
  • SOLICITAÇÃO, PLANEJAMENTO, CONHECIMENTO, ASSUNTO, ORÇAMENTO, IMPORTANCIA, BRASIL.
  • COMENTARIO, CRISE, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, ECONOMIA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • SOLICITAÇÃO, REVEZAMENTO, PODER, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, COMBATE, CORRUPÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ ALENCAR (PL - MG. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pensei em falar alguma coisa também sobre o Orçamento. E assistindo, com atenção, a todos os nobres colegas que abordaram o tema, pude ver que faltou um tipo de abordagem que vou tentar fazer.

            Orçamento significa planejamento, projeção. Conseqüentemente, orçamento, como projeção, prevê as receitas e as despesas. No caso, referimo-nos ao Orçamento Geral da União. Esses orçamentos devem deixar de ser apenas uma peça técnica para ser uma peça eminentemente política, desde a sua origem no Executivo. Por quê? Porque é muito simples projetar tecnicamente as despesas com base numa receita que, se não for suficiente, aumentam-se os impostos, e faz-se o orçamento com receitas suficientes à base de uma elevação tributária. Tem sido assim no Brasil.

            Como é que deveria ser, então, o orçamento, dentro dessa ótica que me permito abordar? Deveria ser com base em uma previsão de crescimento, compatível com a capacidade brasileira, é claro. Este orçamento seria, então, uma peça que poderia significar até mesmo o caminho pelo qual o país deveria passar para obter aquele crescimento de que tanto precisamos. Assim, o orçamento deveria ser objeto de uma determinação do Executivo para que chegasse a esta Casa, trazendo, por parte do Executivo uma previsão de desenvolvimento, quer seja no campo da educação, da saúde, dos transportes e assim por diante.

            O que temos visto, como se referiu o eminente Líder do Governo, Senador Artur da Távola, é a dimensão e a complexidade do orçamento. Até esse ponto, trata-se do enfoque eminentemente técnico do orçamento, que é uma peça que deve trazer como principal objetivo o desenvolvimento possível e as suas prioridades. Daí a razão pela qual a Comissão de Orçamento deveria participar da elaboração do orçamento ainda no momento em que está sendo elaborado pelo Ministério do Planejamento. Assim penso que deve ser o orçamento: uma projeção daquilo que devemos fazer, e não apenas uma constatação daquilo que poderíamos ou podemos fazer.

            Ouvi atentamente o brilhante pronunciamento da Senadora Marina Silva, que trouxe informações de uma escritora a respeito de natureza, e a reação da mesma, e achei extraordinárias aquelas formas: o mutualismo, o parasitismo e a competição. Pois bem, competição pode ser algo muito menos importante do que o mutualismo, concordo. Quem dera pudéssemos conviver num mutualismo. Seria um avanço muito grande. Perfeito. Mas a grande verdade é que a competição advém da própria competição, do desenvolvimento do homem. Dou um exemplo: comecei a observar o que acontecia no Japão, que é um país desprovido de recursos naturais, especialmente quando comparado a um país como o Brasil. O Japão é um arquipélago de ilhas vulcânicas, com algumas áreas caríssimas onde cultivam o arroz, atividade altamente protegida do ponto de vista aduaneiro, porque é absolutamente não competitiva -, e peixe, porque é uma ilha. Cercada, obviamente, de uma grande extensão de mar e oceanos e, portanto, de praias. Eles são pescadores por excelência. O que mais? A capacidade competitiva do seu povo. Por que o Japão é competitivo, ainda que não possua recursos naturais compatíveis com sua riqueza? Porque o povo é competitivo. A competitividade do povo japonês deu-lhe condições de superar-se. Sem essa característica, provavelmente ele dependeria do mutualismo.

            É claro que não vamos evitar o mutualismo. Ao contrário, nós aprovamos o mutualismo. Mas o que fazer até chegar a ele? É preciso um aperfeiçoamento espiritual muito grande para alcançarmos o mutualismo. A competição no Brasil - eu me permito abordar esse assunto - é hoje mais do que nunca exigida pelo fato de estarmos vivendo a época de globalização. E há um tratamento desigual. Ou seja, a economia brasileira é submetida a uma competição absolutamente desigual, em função do custo Brasil, tópico que deveria ter reflexo no Orçamento Geral da União.

            O nosso sistema tributário, por exemplo, transformou-se num verdadeiro cipoal burocrático que entrava o desenvolvimento das atividades econômicas. Nossas estradas estão absolutamente abandonadas. Segundo especialistas, setenta por cento de nossas estradas federais estão sem conservação, esburacadas, o que encarece o frete e faz crescer o índice de risco de vida daqueles que por elas trafegam. Esse é um item pesado do custo Brasil.

            Por que o nosso Orçamento não contempla suficientes recursos para a conservação das estradas? Por que razão o Orçamento não contempla um sistema tributário moderno que pudesse trazer fator de competitividade para a economia brasileira? Qual a razão pela qual o Brasil se descura totalmente de questões absolutamente essenciais, pelo menos enquanto não alcançarmos o mutualismo?

            Por isso, resolvi abordar um pouco do assunto do brilhante pronunciamento - como tem sido sempre que ocupa a tribuna - da eminente Senadora Marina Silva. S. Exª sempre nos dá uma aula. E hoje trouxe uma aula não só de conhecimento mas também de amor ao próximo, de preocupação com as pessoas. Faz parte de sua índole preocupar-se com as pessoas - sentimento que também tem faltado ao nosso País. Ao mesmo tempo, S. Exª demonstra seu sentimento nacional, quando traz os exemplos do nossa rica Amazônia, onde S. Exª nasceu e vive. S. Exª traz exemplos maravilhosos da natureza exuberante, com seu verde, suas águas e o rio que mais me agrada, o rio Purus, um dos mais belos da face da terra. O rio Purus corre numa região tão plana, de curvas tão grandes que, às vezes, quase que se reencontra, mas segue mesmo assim para desaguar no Amazonas. Sobre aquela riqueza da Amazônia nós, de vez em quando, temos aqui o privilégio de ouvir nos pronunciamentos da Senadora Marina Silva. E S. Exª termina seu pronunciamento com uma receita de sabedoria, coragem, moderação e justiça. Que beleza! É isso mesmo!

            Como hoje é dia de se falar em Orçamento, volto o exemplo para ele. É assim mesmo: quando se faz uma projeção, um planejamento, a primeira condição é o conhecimento. Mas é preciso que haja coragem para colocar nessas projeções, ou seja, no Orçamento as questões que são cruciais para a vida do País. Nós nos acomodamos e dizemos: não podemos crescer. Temos que fazer o que tentou a Argentina; ou seja, cortar mais um pouco nos custos, elevar mais um pouco os impostos, obedientes á ordem do sistema internacional, que tem como chefe o FMI.

            Assim nós também estamos obedientes. E o Orçamento retrata a obediência a que se submete o Brasil. O Brasil está obediente. Mais do que isso: subserviente. Nem por isso deixa de correr o risco de entrar em dificuldades sérias como as que vive o povo argentino. Queira Deus que não cheguemos a enfrentar essas dificuldades!

            Conheço bem a Argentina. O povo é bom, pacato, ordeiro. Conheço especialmente Buenos Aires, uma cidade maravilhosa. É um povo dos mais altivos, não só da América, mas do mundo inteiro; é um povo orgulhoso, com razão, pois o país é rico e a população educada. Há quantos anos venceram, por exemplo, o problema do analfabetismo? No entanto, chegam a esse ponto. O que houve na Argentina? Há 10 ou 11 anos, atrelou-se o câmbio; a paridade cambial foi imposta e mantida por força de lei. Aqui no Brasil, de certa forma, ocorreu o mesmo com as bandas. Houve um período em que o cidadão mais prestigiado do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso era o Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, que mantinha, de certa forma, uma paridade com o dólar. Hoje o Governo diz: “Quando fizemos a reforma cambial...”. Não é verdade! O Governo não fez reforma cambial; o câmbio foi atropelado pelo mercado. Graças a Deus o mercado atropelou o câmbio e salvou um pouco do que estava sendo posto fora. A Argentina perdeu tudo. Até a avenida que vai de Buenos Aires ao aeroporto foi privatizada. Paga-se pedágio para ir ao Aeroporto Internacional de Ezeiza. Venderam tudo! Lá as pessoas dizem que logo seus filhos terão que pagar pedágio para andar no passeio, porque privatizarão os passeios. A receita lá avançou mais do que a nossa aqui, porque aqui o mercado atropelou o câmbio e salvou parte daquilo que estava sendo descartado. Entregamos muita coisa, mas, na realidade, não fizemos nada. Nosso Orçamento não contempla uma obra que seja digna de ser chamada de obra federal. Por exemplo, não há um projeto que examine o problema da seca do Nordeste nem mesmo uma obra de tapa-buracos das estradas. Aliás, isso não pode haver; deve-se cortar tudo.

            Vivemos aquela obediência dos cortes e construímos um superávit primário. O único País do mundo que adjetiva o superávit é o Brasil. Superávit ou déficit não têm adjetivo. Déficit é déficit. Superávit é superávit. Com esse adjetivo para o superávit, há um escamoteamento do déficit. Atualmente, alcançamos um superávit primário de cerca de 3,5% do PIB, quando o déficit atinge mais de 10% do PIB. Então, dois terços desse déficit acoplam-se à dívida, que cresce como bola de neve.

            Nesse longo período de sete anos do Governo atual, além de os Orçamentos - hoje é dia de se falar de Orçamento - não contemplarem nenhuma obra de vulto capaz de resolver problemas sérios da economia e do campo social no Brasil, vendemos tudo aquilo que, no passado, foi feito com sacrifício, e a nossa dívida simplesmente quintuplicou. Contudo, estamos hoje ufanos porque não aconteceu aqui - graças ao bom Deus brasileiro - o mesmo da Argentina, a despeito dessa obediência.

            Não podemos, de forma alguma, deixar de dizer que precisamos despertar em relação ao que precisa ser feito. O Brasil é um país riquíssimo, com 8,5 milhões de km2, 200 milhas de mar territorial, numa extensão de quase 8 mil km de costa, o que eleva nosso território a mais de 11 milhões de km2. O subsolo é desconhecido; segundo os grandes geólogos, temos 3,5 milhões de km2 de bacias sedimentares em terra e nem começamos a prospectar petróleo em terra. Temos um solo riquíssimo, porque há fotossíntese e fototropia invejáveis. Os estudiosos do mundo inteiro admiram também o nosso povo, que é bom, pacato, ordeiro, trabalhador, inteligente, versátil. A própria miscigenação da nossa raça deu-nos esse fator positivo que é a versatilidade.

            Então, o nosso País é maravilhoso, mas está obediente, subserviente, entregue. Não sabemos sinceramente o que pode acontecer conosco se houver continuidade desse tipo de Governo que temos tido. Precisamos fazer como fizeram os povos mais experientes do que nós: começar a praticar a alternância de poder, até como instrumento de combate à corrupção. É importantíssimo que isso aconteça em nosso País!

            É por isso que não podemos, de forma alguma, ufanarmo-nos diante do que está acontecendo na Argentina! Devemos, sim, colocar nossa barba de molho, porque nossas taxas de juros estão iguais a pelo menos três vezes as taxas vigentes no mercado internacional, não só na rolagem da nossa dívida. E não temos como nos livrar desse marasmo, que não podemos aceitar.

            Sinto que meu discurso trouxe à lide o eminente Líder do Governo, Senador Romero Jucá. Vou ficar para ouvi-lo, com muito prazer, porque provavelmente ele queira contestar. É claro, pois ele tem até o dever de fazê-lo. Mas S. Exª, em sã consciência, concorda comigo, porque é um dos Senadores mais inteligentes, mais cultos e eficientes da Casa. Então, ele concorda comigo, mas é natural que não pode dizê-lo. Às vezes o ouço e não posso discordar dele, porque o admiro muito. Contudo, sem medo de errar e com absoluta humildade, digo que precisamos iniciar a alternância de poder, para entregarmos o Brasil aos brasileiros, ao nosso jeito de fazer as coisas, àqueles que conhecem a economia real; porque, se pudéssemos resolver os problemas do Brasil por intermédio de PhDs, bastaria instituir um concurso e buscar uma dúzia dos melhores PhDs do mundo, entregando a eles a nossa Administração.

            Precisamos colocar as decisões políticas à frente das decisões técnicas. As decisões técnicas devem seguir uma orientação política, com “p” maiúsculo.

            O Sr. Sérgio Machado (PMDB - CE) - Concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. JOSÉ ALENCAR (PL - MG) - Srª Presidente, se V. Exª permitir, concederei o aparte ao Senador Sérgio Machado.

            A SRª PRESIDENTE (Marina Silva) - Pois não, Senador.

            O Sr. Sérgio Machado (PMDB - CE) - Senador José Alencar, ouvi o final do discurso de V. Exª, que está tratando de um ponto muito importante. Estamos nos aproximando das eleições, e é fundamental que cada Partido apresente à sociedade, para discussão, a sua visão de futuro, a visão do Brasil que queremos, uma visão que represente o anseio de todo o povo, que deseja avançar, progredir. É um momento muito sublime e importante este de que nos aproximamos, em que haverá eleições para Presidente da República, Governadores, Senadores e Deputados, sobretudo diante desse quadro de ruptura, de guerras e de esgotamentos de modelos por que passa o mundo. É um momento singular, e devemos apresentar propostas para que, baseados nelas, os brasileiros possam escolher o futuro que desejam, o caminho que querem, de forma a construirmos uma sociedade justa. Temos o exemplo do Oriente Médio, da superconcentração de riquezas, das revoltas, das rebeliões, e este mundo cheio de guerra, faltando amor, fraternidade e solidariedade. E essa é a semente que nós, de coração e mãos abertas, devemos semear para construir o Brasil dos nossos sonhos.

            O SR. JOSÉ ALENCAR (PL - MG) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, eminente Senador Sérgio Machado, e quero dizer que qualquer proposta, de qualquer candidatura nacional - a Deputado Estadual, a Deputado Federal, a Senador, a Governador ou à Presidência da República -, deve ter como premissa o sentimento nacional, a sensibilidade social, o amor ao próximo, a preocupação com as pessoas.

            O Brasil são muitos brasis. Há regiões desfavorecidas. Deve haver sensibilidade social grande e presente, probidade absoluta e intransigência em relação à impunidade. A partir do momento em que houver essas premissas será muito fácil fazer um programa, que há de contemplar desenvolvimento econômico e político. Desenvolvimento político significa urgentes reformas políticas e não remendos. Desenvolvimento econômico significa aproveitar as potencialidades nacionais para promover o desenvolvimento com base na empresa privada e também o Estado presente na infra-estrutura, porque ele há que estar presente em determinados casos. Da mesma forma, todo esse planejamento advirá e só será válido se houver sentimento nacional, sensibilidade social, probidade no trato da coisa pública e espírito de independência, com absoluta responsabilidade. Eu nunca seria contra, por exemplo, a responsabilidade fiscal; ao contrário, sou muito a favor dela, mas não se faz responsabilidade fiscal apenas com cortes. Faz-se responsabilidade fiscal com crescimento da economia, que pode crescer e muito. Ela está presa, como um potro, seguro. Então, há que soltar a rédea e deixar que o potro ande. É isso que penso. Precisamos devolver o Brasil aos brasileiros.


            Modelo14/18/246:31



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/12/2001 - Página 322240