Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

ESCLARECIMENTOS SOBRE OS TRABALHOS DA COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DO MERCOSUL E DA COMISSÃO PARLAMENTAR CONJUNTA DO MERCOSUL.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • ESCLARECIMENTOS SOBRE OS TRABALHOS DA COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DO MERCOSUL E DA COMISSÃO PARLAMENTAR CONJUNTA DO MERCOSUL.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 28/12/2001 - Página 32477
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, SENADO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
  • CRITICA, UNIÃO EUROPEIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SUBSIDIOS, AGRICULTURA, IMPOSSIBILIDADE, BRASIL, EXPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA.
  • CRITICA, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), IMPOSSIBILIDADE, INGRESSO, BRASIL, INCAPACIDADE, EXPORTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PROTECIONISMO, ECONOMIA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTESTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), FAVORECIMENTO, ACORDO INTERNACIONAL, POLITICA EXTERNA, ASSINATURA, PROTOCOLO, IMPLANTAÇÃO, ACORDO, POSTERIORIDADE.
  • DEFESA, CONTINUAÇÃO, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), AUXILIO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, NECESSIDADE, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, LEGISLATIVO, POLITICA EXTERNA.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, RAMEZ TEBET, PRESIDENTE, SENADO, INFORMAÇÃO, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), RESULTADO, VOTAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, REPUDIO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por muito pouco tempo, pretendo usar a tribuna. Usá-la-ei mais para dar satisfações ao Senado da República sobre o andamento da Comissão Parlamentar Mista do Mercosul e da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul.

            Presido neste momento a Comissão Parlamentar Mista, que já foi presidida com brilho pelo Senador que me antecedeu na tribuna, o Senador Lúdio Coelho.

            Estamos vivendo uma confusão nessa questão da Comissão Parlamentar do Mercosul. A Argentina ultimamente se ausentou do processo em função da sua crise interna. Tivemos uma reunião, há pouco tempo, em Estrasburgo, França - sede do Parlamento Europeu -, com a União Européia. Todavia, a reunião marcada pelo Uruguai, Presidente da Comissão Conjunta, não ocorreu porque os uruguaios chegaram um dia depois da reunião marcada. Parece que haviam se perdido em Amsterdã. Não havia uma preocupação muito séria com o andamento do projeto do Mercosul por parte dos uruguaios. Mas participamos de uma belíssima reunião com a União Européia.

            Verificamos, com clareza, que os deputados da União Européia têm uma consciência muito clara de que não se pode construir um mundo afluente e equilibrado com a miséria ocupando grandes espaços do Planeta. Essa consciência se aprofunda e se espraia no Parlamento Europeu.

            Mas a influência do Parlamento Europeu, Senador Lúdio Coelho, no comportamento dos executivos, também não é tão grande assim, porque, na hora das decisões, são os grandes lobbies econômicos que tomam as medidas que julgam necessárias.

            Queremos exportar, principalmente produtos agrícolas e agroindustrializados, para a Europa. Mas eles, por outro lado, não têm a menor intenção de abrir as suas economias para isso. Até porque, com a próxima entrada da Polônia no Mercado Comum Europeu, eles terão uma produção excessiva de produtos agrícolas e imaginam que devem reduzir a área plantada de insumos de alimento para substituí-los por produtos que viabilizem a produção de álcool metanol e etanol. Utilizam os subsídios agrícolas para eliminarem desequilíbrios regionais. Os mercados se abrem, provocam desemprego e absorvem essa mão-de-obra pouco qualificada para os padrões deles nas atividades agroindustriais e agrícolas, subsidiando pesadamente a agricultura. Trata-se de um fator regulador da sua própria política interna, o que, aliás, ocorre também com os Estados Unidos.

            A conclusão a que chegamos, então, é que não será fácil colocar os produtos básicos da economia brasileira na União Européia nem nos Estados Unidos. Por outro lado, isso nos leva a desacreditar nessa bobagem que é a participação do Brasil na Alca. O que é a Alca? Simplesmente uma tarifa externa comum para o mercado do Nafta - Estados Unidos, México e Canadá. Zeraríamos a nossa tarifa, e eles entrariam com os seus produtos à vontade. Mas não pretendem abrir um milímetro das restrições que estabeleceram para a entrada dos produtos brasileiros ou latino-americanos no seu próprio mercado. Aliás, isso já foi consolidado por uma lei agrícola, votada, que estabeleceu US$171 bilhões de subsídio para a agricultura norte-americana e por um processo recente, quando grandes empresas produtoras de aço se dispõem a comprar siderúrgicas ultrapassadas, obsoletas, do Oregon, desde que o governo americano não importe mais ferro e aço de outros países.

            A política americana é francamente protecionista. Eu já disse nesta tribuna que uma análise feita por especialistas em política externa americana da Universidade do Texas, quando de nossa visita a Washington e a Austin, no Texas, deixou claro que o Presidente Bush não pretende ser vítima do mesmo processo interno que eliminou o seu pai da política americana. O pai, Bush, se preocupou muito com a política externa, abandonou a política interna, desprezou lobbies e perdeu a eleição para Bill Clinton. W. Bush, o filho, é um presidente profundamente vinculado aos lobbies internos da política americana, ou seja, vinculado à sua necessidade eleitoral de reeleição.

            A Alca não nos interessa, mas interessa ao Brasil jogar de uma forma multipolarizada, com todos os mercados do mundo. Jamais pactos que eliminem a possibilidade de termos uma política comercial, porque se estabelecemos com um grupo econômico uma tarifa zero, e estabelecemos isso num convênio internacional, não temos autonomia mais para mexer na tarifa de entrada no Brasil de produtos desse grupo. Isso significa a exoneração da realização de uma política comercial. E se não podemos mexer mais, não tendo uma política comercial flexível, não teremos, por via de conseqüência, uma política industrial. Ficamos de mãos atadas. É evidente que todos somos a favor do livre comércio, que queremos nos relacionar com outros países e que a diminuição das tarifas estimula o mercado internacional, mas isso interessa basicamente aos Estados Unidos, que são a grande potência industrial e pretendem consolidar a sua hegemonia no planeta. Para nós, a política bilateral e multipolarizada é o caminho.

            Com o TPA - que ironicamente no Brasil chamamos de TPM, a tensão pré-menstrual do Presidente Bush -, que exclui da possibilidade de negociação 282 produtos - e isso pode ser multiplicado por dois, chegando a quatrocentos e oitenta e poucos produtos -, verificamos que os Estados Unidos oficialmente dizem o que não querem, e o que não querem é exatamente aquilo que nós poderíamos querer. Desse modo, a política da Alca está eliminada.

            A Câmara votou uma moção, e eu e o Senador Eduardo Suplicy apresentamos outra de igual teor ao Senado. A Câmara votou no mesmo dia, e o Senado, não sei por que motivo, remeteu a moção à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que, naturalmente, não se reúne mais este ano (Depois reclamamos que a Câmara anda na frente do Senado.). A lentidão e a burocracia são nossas. Não votamos a moção, e a Câmara a aprovou imediatamente, rejeitando a Alca. O nosso Presidente da República fez o mesmo internamente: “Dessa maneira não aceitamos, não podemos embarcar nesse projeto com as exclusões estabelecidas pelo Congresso americano.”

            Mas, no Uruguai, o Presidente Fernando Henrique Cardoso não teve esse mesmo comportamento. Foi muito interessante essa reunião de cúpula do Uruguai. Em primeiro lugar, eles negaram voz aos parlamentos. Tradicionalmente, o Presidente da Comissão de cada país teria voz nessas reuniões e diria com clareza o que a Comissão pensava das circunstâncias que estávamos vivendo. Falariam o Paraguai, o Uruguai, o Brasil e a Argentina. Eles cancelaram, unilateral e ditatorialmente, a palavra dos parlamentos.

            Eu fiquei me perguntando por quê. De início, como Presidente da Comissão brasileira, pensei em levantar e dizer a eles o que eu pensava dessa intervenção e dessa censura. Mas, como tínhamos pela frente o problema da Argentina, a crise, eu não pretendi aumentar, com esse desconforto, a intensidade da problemática que vivíamos.

            Mas, logo depois, quando o Presidente do Brasil leu um comunicado conjunto, eu percebi o porquê. Porque, ao contrário do que tinha dito no Brasil, Sua Excelência assina um comunicado comum estabelecendo como definitivo para a fixação da Alca, sem nenhuma crítica, sem nenhum reparo, o ano de 2005, que era exatamente o que se havia estabelecido antes. Então, dentro do Brasil, em véspera de eleição, Sua Excelência discorda da Alca porque é prejudicial aos interesses nacionais. Lá fora, Sua Excelência assina um protocolo, e provavelmente ficou com um medo danado de que a delegação parlamentar do Brasil lhe desse um puxão de orelhas, aliás, merecido e necessário. Dessa forma os parlamentos ficaram sem a possibilidade de dar a sua opinião nessa reunião de cúpula, nessa reunião conjunta de Montevidéu.

            Mas a crise que se estabeleceu, no entanto, leva à consolidação de uma visão peculiar: por paradoxal que pareça, a crise da Argentina nos leva à certeza de que o caminho é o Mercosul. O Brasil deve fazer tudo que for possível para ajudar a Argentina a sair da entaladela em que se encontra, porque a entaladela argentina foi obtida trilhando os mesmos caminhos, com as devidas correções de alguns aspectos diferenciados, que o Brasil vem trilhando, ou seja, a excessiva dependência da economia nacional de fatores externos. Nós escapamos de uma crise maior flexibilizando a moeda, estabelecendo inicialmente uma serpente, com tetos baixos e tetos altos, e, posteriormente, flexibilizamos a política. A Argentina, no entanto, por lei, estabeleceu uma fixação ao dólar, uma fixação tão pesada, tão definitiva e que compromete tanto os interesses empresariais argentinos que mesmo o novo governo não tem coragem de desfazê-la e propõe então uma nova moeda - o argentino. Trata-se de uma moeda que vai variar em relação ao dólar, é um papel emitido pelo governo e que progressivamente tomará o seu espaço na economia, deixando de lado o peso vinculado ao dólar. É como nos propunha Guerreiro Ramos: não se muda abruptamente uma estrutura. Cria-se uma nova estrutura, mantém-se a estrutura antiga e, à medida que a nova estrutura cresce, a estrutura antiga e defasada desaparece, sem o corte abrupto que deixa um país perplexo e evita a assimilação fácil da nova proposta. É o caminho que a Argentina vem tomando.

            Acima de tudo, fica a certeza de que temos de auxiliar a Argentina, porque o caminho do Brasil é o caminho do Mercosul. A Argentina sai da entaladela em que se encontra, tendo encontrado no Brasil a disposição solidária e a visão de cidadania latino-americana e passa a jogar junto com o Brasil nos pleitos no mercado internacional. É isso, Sr. Presidente, ou a velha política de tensão na fronteira. Já concentramos tropas no Rio Grande do Sul e não podemos imaginar que as nossas tropas da selva serão concentradas na fronteira do Rio Grande do Sul novamente diante de uma tensão absolutamente estúpida e desnecessária com a Argentina. Uma tensão que existiu, Senador Lúdio Coelho, por décadas, mas que desapareceu com a democratização dos nossos Países - Argentina e Brasil - e com a Guerra das Malvinas também, que quebrou aquela visão rígida e xenófoba dos militares argentinos em relação ao nosso País. Hoje temos uma convivência fraterna. É preciso que, em vez de tropas na fronteira, tenhamos o mercado brasileiro aberto para os argentinos, o mercado argentino aberto para os brasileiros, argentinos e brasileiros trocando vagas nas universidades, como vem fazendo o Parcum, e empresários brasileiros e argentinos transitando pelos dois países sem nenhum embaraço nas fronteiras. Parece que esse é o caminho que se consolida na visão do Parlamento e parecia a mim que se consolidava também na visão do Executivo brasileiro, até que o Presidente da República foi a Montevidéu e assinou um protocolo de intenções - a Carta de Montevidéu -, garantindo o estabelecimento da Alca até 2005.

            Trata-se de uma política barroca. Eu dizia, ontem, neste plenário, que barroco, na acepção portuguesa da palavra, é uma pérola irregular que deu nome à arquitetura irregular que substituiu a arquitetura clássica. Depois do barroco, vem o rococó. Eu não diria que a política do Governo brasileiro hoje é rococó, mas é barroca e, se não for contida nos seus excessos, na sua submissão aos interesses das grandes economias mundiais, estará, sim, a caminho do rococó.

            O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Ouço V. Exª com prazer.

            O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Senador Roberto Requião, em boa hora, V. Exª está dando uma dimensão maior à Comissão do Mercosul no Congresso Nacional. Inclusive as reuniões da Comissão estão sendo realizadas normalmente no mesmo local das demais comissões. É necessário que a Comissão do Mercosul tenha apoio mais adequado da direção do Congresso Nacional. Quando a presidi, estive na Comissão de Relações Exteriores do Congresso dos Estados Unidos e disse ao seu presidente que eu não tinha segurança sobre a conveniência da Alca, porque eu não havia formulado ainda um juízo sobre a conveniência ou não de acordo entre nações em diferentes estágios de desenvolvimento; ou seja, eu não tinha segurança sobre a conveniência desse tipo de acordo. Estamos presenciando a formação de tantos blocos no mundo, que tenho a impressão de que depois tudo ficará do mesmo jeito, porque os negócios realizados entre empresas e nações são bilaterais e não entre grupos. Quando fui a Bruxelas tratar do subsídio dado à agricultura européia, o representante do Mercado Comum Europeu começou dizendo que havia muito interesse em negociar conosco, mas os produtos agrícolas não seriam objeto de discussão. Terminei a reunião dizendo que não teríamos o que discutir caso o Mercosul não discutisse produtos agrícolas com o Mercado Comum Europeu. Um deputado local explicou, então, que, no final da última grande guerra, a área rural das nações do Mercado Comum Europeu estava completamente destruída, o que levou à migração da população do campo para a cidade, trazendo enormes problemas urbanos. Começaram a instituir programas de subsídios, e a agricultura se desenvolveu de tal maneira naqueles países que hoje existe a consciência da conveniência do subsídio. Não obstante nossa chiadeira, nem os Estados Unidos nem a Europa irão retirar subsídios, porque eles estão conscientes da importância da agricultura na geração de emprego de maneira geral. Temos que trabalhar mesmo, porque não conseguiremos retirar os subsídios. Quero parabenizar V. Exª e estimulá-lo a continuar trabalhando cada vez mais nas questões do Mercosul, que, a meu ver, estão indo muito bem.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Obrigado, nobre Senador Lúdio Coelho. Realmente, eles não irão eliminar os subsídios. O subsídio na Europa e nos Estados Unidos é uma espécie de Programa de Renda Mínima do Senador Eduardo Suplicy no Brasil. Os Estados Unidos dão subsídios pesadíssimos à agricultura. O Brasil produziu, neste ano, 35 milhões de toneladas de soja. Os Estados Unidos produziram 90 milhões de toneladas. Alguns diriam que o Brasil precisaria se aperfeiçoar. Não é por aí. A nossa produtividade na soja, Senador Lúdio, é 40% acima da produtividade americana. O milagre acontece porque os Estados Unidos dão três bilhões de dólares ao ano em subsídios aos plantadores de soja. Como? Garantindo um alentado e nutrido preço mínimo e pagando 40% do seguro agrícola. Bom, a soja exportada pelo Brasil nos dá uma receita de US$4 bilhões, os Estados Unidos dão de subsídio aos seus agricultores US$3 bilhões. Três quartos do que faturamos é o valor do subsídio americano. Uma vaca, na França, tem US$2,5 mil de subsídio por ano, para ser mantida pelo pecuarista, pelo agricultor que mantém vacas leiteiras em sua propriedade. Trata-se de uma quantia maior do que a renda per capita de muitos países latino-americanos! Eles suportam a sua economia em cima de subsídios. Temos que estabelecer uma negociação bilateral. O problema maior da Europa é que, com a entrada da Polônia, haverá excesso de produtos agrícolas. Não saberão o que fazer com esses produtos. Os Estados Unidos, por exemplo, concorrem com essa soja subsidiada, na Europa, com a soja brasileira.

            Temos esses problemas que devem ser enfrentados não de uma forma ideológica, como vem enfrentando o nosso Governo, não com essa defesa boba da globalização e do liberalismo econômico, mas de uma forma prática de defesa dos interesses internos do Brasil.

            Precisávamos de um governo federal que se comportasse como o governo americano, defendendo os seus empresários e os empregos da sua gente. Mas, até agora, e parece que despertamos - deixe-me bater na mesa para que isso realmente ocorra -, estávamos idealística e ideologicamente abrindo o Brasil, conforme a famosa teoria dependentista do Fernando Henrique Cardoso: se abrirmos a nossa economia, se subordinarmos a nossa economia ao mundo, os empresários nacionais do campo e da cidade serão substituídos, pensava ele, por empresários capitalizados, donos de processos industriais e de tecnologias modernas, que, sem a menor sombra de dúvida, modificariam o perfil da economia brasileira.

            Eles imaginavam que, nesse surto de desenvolvimento, surgiriam milhões de trabalhadores e sindicatos fortíssimos. Então, fundaram, idealisticamente também, o PSDB, o Partido da Social Democracia Brasileira.

            O que é, do ponto de vista sociológico, a socialdemocracia? O que é o Partido da Social Democracia? É o braço político do movimento sindical. Sindicatos fortes reivindicariam, num capitalismo forte, instalado pelo capital estrangeiro e por lideranças estrangeiras, melhorias sociais que seriam canalizadas pelo braço político do movimento sindical. Isso é a socialdemocracia. O Partido Social Democrata é o braço político do movimento sindical. Hoje, nenhum Senador, nenhuma pessoa que veja com mais atenção a política brasileira acredita nisso! O PSDB pode ser tudo, menos o braço político do movimento sindical, e, portanto, pode ser tudo, menos um partido socialdemocrata, porque esse processo todo idealisticamente montado sem nenhuma correspondência com a realidade brasileira naufragou! Está na hora de o Brasil mudar de posição! Espero que isso ocorra nas próximas eleições gerais do ano que vem!

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Roberto Requião, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Com prazer.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Roberto Requião, feliz está sendo este período entre o Natal e a passagem do Ano-Novo, quando V. Exª nos brinda com um dos mais completos e bem-feitos pronunciamentos, em que traz a sua experiência como Presidente da Comissão do Mercosul. Eu não estava presente quando V. Exª iniciou o discurso, porque precisei acompanhar uma pessoa ao aeroporto, mas, no caminho de volta, pude ouvir, através da Rádio Senado, desde a primeira palavra de V. Exª. Por isso tenho conhecimento do que V. Exª disse desde o início. Eu gostaria de fazer menção ao requerimento que ambos, juntamente com outros Senadores, firmamos, já lido pela Mesa, e que o Presidente Ramez Tebet encaminhou para a Comissão de Relações Exteriores. Segundo o Senador Jefferson Péres, esse assunto será objeto de análise da primeira reunião daquela Comissão, quando retomarmos os trabalhos em fevereiro. Encontrei, no dia 25, o Embaixador do Brasil em Washington, Sr. Rubens Barbosa, e ele me informou que havia recebido - não sei exatamente de qual ministro - a comunicação de que o governo americano havia recebido do Presidente Ramez Tebet a resolução aprovada na Câmara dos Deputados. Não sabia ainda se era a resolução do Congresso. Na verdade, nós, Senadores, vamos completar o exame da proposição. Uma das questões que gostaria de aperfeiçoar, juntamente com V. Exª, é a seguinte: quem sabe, além do requerimento que estamos examinando, possamos tomar a iniciativa de um projeto de resolução que estabeleça diretrizes para o Governo brasileiro; quem sabe, possamos, até fevereiro, pensar em um eventual projeto de resolução que estabeleça diretrizes para além daquela proposta pela moção da Câmara dos Deputados de simplesmente não negociar a Alca; quem sabe possamos ir um pouco mais além, na linha do que V. Exª vem dizendo.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Senador Eduardo Suplicy, do ponto de vista constitucional, não. Porque, lamentavelmente, a nossa Constituição determina que a condução da política externa brasileira é do Executivo. Aliás, há uma proposta de emenda constitucional, de minha autoria, com a assinatura de V. Exª, que pretende inverter esse processo. Eu me louvei no sistema norte-americano, não de forma tão radical, porque, no Estados Unidos, o Legislativo é quem conduz realmente a política externa, mas estabeleci uma parceria, no projeto de lei, em que o Senado é informado pari passu de tudo o que acontece, o que daria, inclusive, mais velocidade para a aprovação dos acordos internacionais, porque seriam feitos a quatro mãos, entre o Parlamento e o Executivo. O caminho é esse.

            Agora, precisamos ter um processo mais rápido de aprovação de moções. Eu mesmo apresentei muitas moções anteriormente à Presidência do Senador Ramez Tebet. As moções são remetidas pela Mesa às Comissões, onde ficam por cinco, seis meses e, quando voltam para o plenário, já perderam, de forma absoluta, o objeto. Não sei como a Câmara conseguiu votar essa moção no mesmo dia.

            De qualquer forma, congratulo-me com o Presidente do Senado por ter informado ao governo norte-americano da moção votada na Câmara, porque o que tem ocorrido ultimamente é o Presidente da Câmara se arrogar a condição de Presidente do Congresso Nacional. Distribuiu o Senador Ramez Tebet para as agências nacionais a convocação do Congresso Nacional como sendo obra sua. Os releases das agências diziam que o Presidente Aécio Neves convocava o Congresso Nacional. Até onde sei, o Congresso Nacional é presidido por um Senador, que, neste momento, é o Senador Ramez Tebet. Eles estão um pouco ousados, barulhentos. Deve ser a síndrome da véspera de eleição. Temos, entretanto, de estabelecer uma disciplina nesse processo. Irritou-me muito a notícia de o Congresso Nacional convocado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, porque é evidentemente um oportunismo de véspera de eleição absolutamente irreal.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - De qualquer maneira, Senador Roberto Requião, temos o requerimento, que, de acordo com o Regimento do Senado Federal, é requerimento e não moção, na linha semelhante àquela aprovada na Câmara dos Deputados. Mesmo nesse requerimento que encaminharemos, se aprovado, ao Poder Executivo, podemos ir mais além, inclusive na linha do que V. Exª hoje aprofunda no seu pronunciamento: da importância de fortalecermos o Mercosul, de estarmos solidários à Argentina num momento como este. Felizmente, a Argentina está avançando, democraticamente, para sair do grave impasse a que chegou. Concordo inteiramente com V. Exª sobre a importância de nós, brasileiros, acompanharmos de perto a Argentina. É a oportunidade de mostrarmos que o Mercosul desenvolvido poderá ser um extraordinário caminho de fortalecimento e de recuperação da economia argentina, com repercussão para nós.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - E que o Brasil tem uma visão solidária de cidadania latino-americana.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Exatamente.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Não podemos deixar que grupos econômicos internos valham-se da crise para ganhar alguns reais e, com isso, prejudicar a continuidade de uma relação, que atualmente é muito boa.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Nesse sentido, fortaleceremos o outro aspecto contido nas suas palavras: se Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, os países andinos tiverem sempre como propósito a saída democrática para resolver as suas crises, mais distantes estaremos de nos envolver em qualquer conflito armado ou o que seja. Infelizmente, observamos do outro lado, na Ásia, o conflito entre Afeganistão e Estados Unidos, e, agora, o conflito que se desenvolve entre a Índia e o Paquistão. Estranha-nos que um país que teve Mahatma Gandhi como seu principal estadista não encontre outra saída para resolver os conflitos com o Paquistão senão por meio de uma guerra que pode ameaçar outra vez a paz mundial. Felizes serão o Brasil, a Argentina e demais países da América do Sul se trabalharem com o espírito que preside o pronunciamento de hoje de V. Exª. Meus cumprimentos.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) - Senador Eduardo Suplicy, o seu aparte traz-me à memória uma opinião que me foi dada quando ainda estava no Uruguai, através de um telefonema, pelo Deputado Fernando Gabeira. Era uma opinião que examinava a oportunidade de o Congresso brasileiro criar uma comissão de Deputados e Senadores que fosse à Argentina fazer uma visita oficial ao Parlamento e ao Executivo e manter contatos com o empresariado argentino, com pessoas ligadas à condução da sua economia privada e pública. A partir daí, desenvolvermos algumas ações no sentido de ajudarmos a Argentina a sair da entaladela em que se encontra, que é, sem a menor sombra de dúvida, a entaladela em que nos encontraremos amanhã se continuarmos submetendo a nossa economia tão fortemente a fatores externos de dependência.

            Escapamos de uma crise maior com a flexibilização do real, mas a dependência da economia brasileira continua sendo profunda e nós continuamos sustentados por um fio extremamente frágil.

            Obrigado, Sr. Presidente. Devolvo a palavra à Mesa.


            Modelo14/19/2412:58



Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/12/2001 - Página 32477