Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo à Câmara dos Deputados para que agilize o exame do texto que cria o Tribunal Penal Internacional, a propósito do julgamento do ex-Presidente da antiga Iugoslávia, Slobodan Milosevic, em curso em Haia, Holanda.

Autor
José Fogaça (PPS - CIDADANIA/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Apelo à Câmara dos Deputados para que agilize o exame do texto que cria o Tribunal Penal Internacional, a propósito do julgamento do ex-Presidente da antiga Iugoslávia, Slobodan Milosevic, em curso em Haia, Holanda.
Publicação
Publicação no DSF de 27/02/2002 - Página 902
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, JULGAMENTO, AMBITO INTERNACIONAL, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, IUGOSLAVIA, INICIO, JURISPRUDENCIA, GLOBALIZAÇÃO, JUSTIÇA, CRIME, GUERRA, GENOCIDIO, RESPEITO, SOBERANIA, PAIS.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, CRIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), TRIBUNAIS, DIREITO PENAL, AMBITO INTERNACIONAL, ASSINATURA, RATIFICAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, EXPECTATIVA, ORADOR, AGILIZAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, APROVAÇÃO, MATERIA, DIREITO INTERNACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, o julgamento que está sendo processado em Haia, na Holanda, do Sr. Slobodan Milosevic, ex-presidente da antiga Iugoslávia, hoje República Sérvia, é um fato histórico. Possivelmente, trata-se do primeiro chefe de Estado, do primeiro governante de um país, do primeiro grande líder julgado por uma corte penal internacional. Também é a primeira vez que se plasma, se estabelece, se impõe, com força e contundência, uma visão globalizada e internacional da justiça humana.

            Muitos crimes são praticados, evidentemente, em cada país, em cada esfera nacional, e não são contemplados pelas suas leis locais. São os chamados crimes contra a humanidade, as grandes atrocidades praticadas em massa contra uma população, o chamado crime de genocídio. Eles não são contemplados pelos códigos penais porque ocorrem em situações de guerra e extraordinárias. Não são produtos do conflito civil permanente existente na vida regular dos povos e das sociedades modernas.

            Há três tipos de delitos que só podem ser julgados com isenção por tribunais internacionais - o crime de guerra, o chamado crime contra a humanidade e o genocídio -, até porque os códigos penais internos dos países não tipificam essa conduta criminosa e não prevêem a punição correspondente. O episódio em curso na Holanda, na cidade de Haia, sede dos tribunais internacionais, marcará o mundo de maneira definitiva. O mundo depois de Milosevic não será o mesmo.

            Recentemente, quando um juiz espanhol avocou para os tribunais do seu país a responsabilidade e até o direito de julgar um ex-presidente de um outro país, o ditador chileno Augusto Pinochet, houve uma grande polêmica no mundo todo e até um sentimento profundo de contradição. De um lado, entendia-se como necessário o julgamento do Sr. Pinochet - é necessário, justo e correto que ele seja julgado pelos crimes que cometeu -; mas, por outro lado, pairava no ar a idéia de que a atitude vinha de um país europeu, de um país de Primeiro Mundo, e era uma espécie de intervenção que agredia a soberania de outro país. Sendo o Sr. Augusto Pinochet um cidadão chileno, tendo ele cidadania chilena, só poderia ser julgado por tribunais do seu país.

            Essa discussão, portanto, dividiu as forças políticas e as consciências, porque, de fato, o mesmo argumento que usa o Sr. Baltasar Garzón para intervir no Chile pode ser usado pelos Estados Unidos para intervir na Colômbia ou em qualquer outro país para derrubar governos, para mudar o curso da história e para alterar a vida dos cidadãos. Isso pode caracterizar muitas vezes um desejo de justiça e, em outros momentos, simplesmente um brutal intervencionismo na vida, na independência e na soberania dos países do chamado Terceiro Mundo ou do mundo periférico ao grande centro industrial.

            Sr. Presidente, acompanhei com muito interesse na Organização das Nações Unidas a criação do Tribunal Penal Internacional, TPI. Participei inclusive dos trabalhos, da elaboração do texto do Estatuto Penal Internacional, das sessões que examinaram as milhares de emendas. O Estatuto já foi aprovado e nós brasileiros - por meio dos nossos representantes diplomáticos e dos nossos juristas competentes, qualificados e preparados - conseguimos aprovar emendas da maior importância, que, de certa forma, permitem ao Brasil ratificar a sua participação no Tribunal Penal Internacional.

            Por exemplo, havia, entre as punições para os crimes contra a humanidade, os crimes de genocídio ou de guerra, a punição extrema, a supressão da vida, a chamada pena de morte. No entanto, essa pena não é da tradição do Direito Penal brasileiro, é incompatível com a nossa Constituição.

            Se o tratado fosse aprovado na ONU e tivesse de ser ratificado no Brasil, como não temos o poder de emendá-lo, de alterá-lo, o Brasil teria de rejeitar o tratado, não só rejeitá-lo na origem, mas também não participar da comunidade sobre a qual o Tribunal exerceria a sua jurisdição. Isso nos deixaria excluídos dessa grande instituição modernizadora das relações humanas, das relações internacionais que é o Tribunal Penal Internacional, a Corte Penal Internacional, como a chamam os países de língua espanhola. Ficaríamos excluídos porque consta do texto da nossa Constituição que é vedada a aplicação da pena de morte, e essa é uma cláusula pétrea.

            De modo que tínhamos que fazer a emenda, e, finalmente, obtivemos uma vitória política nisso. O Brasil conseguiu emendar o texto e retirar importante menção que era feita à chamada pena de morte.

            Nesse caso, dois juristas brasileiros que acompanhavam os trabalhos, a Drª Silvia Stein e o Dr. António Paulo Cachapuz de Medeiros, como assessores jurídicos do Itamarati, tiveram um papel importante e relevante - que eu pude registrar, pois estava presente no momento em que essas ações decorreram.

            E posso dizer, Sr. Presidente, que o Tribunal Penal Internacional hoje já tem mais de 50 ratificações - mais de 50 países do mundo já consagraram, já ratificaram a criação do Tribunal Penal Internacional. No momento em que atingir o número de 60 países, ele poderá começar efetivamente a funcionar. Portanto, faltam apenas oito países para que esse número seja atingido e se dê o início verdadeiro de suas atividades.

            Nesse sentido, é importante dizer o seguinte: o Brasil - como aqui deixei claro - trabalhou, desde o Tratado de Roma, em 1998, na consecução desse objetivo. Desde 1998, o Governo brasileiro vem sendo uma das partes atuantes no sentido de produzir resultados concretos nessa matéria; mas ainda não o ratificamos, e creio que é chegado o momento para que isso ocorra. O Governo brasileiro já assinou a ratificação, mas o texto da ratificação ainda se encontra na Câmara dos Deputado. O apelo que faço aos nossos Colegas da Câmara dos Deputados é que dêem, o mais rápido possível, conseqüência parlamentar a essa matéria.

            Trata-se, sem dúvida nenhuma, de uma iniciativa humanitária sem precedentes, a mais significativa iniciativa política, a mais importante decisão institucional interpaíses, internações, jamais realizada em toda a história da humanidade. Vai-se poder julgar, de maneira justa, equilibrada, pessoas que cometem crimes contra a humanidade, sem que isso se caracterize perda de soberania, agressão à independência e, evidentemente, à condição soberana dos Estados-nação.

            Fico, portanto, Sr. Presidente, satisfeito de ver como as coisas andam em Haia, na Holanda, a respeito do Sr. Slobodan Milosevic. O que lá está acontecendo é um marco. E ele está sendo julgado, ainda, a partir de uma corte penal extraordinária, que foi criada quase que especificamente para este senhor, para o ex-Presidente da antiga Iugoslávia.

            No futuro, este tribunal será uma instituição permanente, definitivamente instalada, possivelmente também em Haia, e terá um trabalho que será respeitado e reconhecido pelo mundo todo. Não creio que acabe, não creio que venha a determinar o fim e a extinção dos “Pinochets”, mas, seguramente, reduzirá, em muito, para o futuro, muito sofrimento humano, que será consolado com esta nova e importante mudança institucional no plano do Direito entre as Nações.

            Obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/8/2410:30



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/02/2002 - Página 902