Discurso durante a 14ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Sugestões para solucionar o problema de segurança pública no País.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Sugestões para solucionar o problema de segurança pública no País.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2002 - Página 1785
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, AUMENTO, VIOLENCIA, SUGESTÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, ELABORAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, PLANO NACIONAL, SEGURANÇA PUBLICA, MELHORIA, SISTEMA PENITENCIARIO, READAPTAÇÃO, PRESO.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apenas nos últimos meses, quando a ação criminosa atingiu níveis praticamente inéditos de audácia e crueldade e começou a alcançar a elite brasileira, o tema violência ganhou espaço relevante na agenda nacional. Desde então, o assunto vem inundando os noticiários de todos os meios de comunicação, do jornal de bairro à Internet, da rádio comunitária às redes estacionais de televisão. Além disso, pauta a conversa da família e dos amigos, chega à prédicas das igrejas e dos templos e logo é apropriado pelo discurso político.

            Devo, desde logo, asseverar que não é possível fazermos a mera defesa retórica da necessidade de uma profunda revisão da segurança pública no País. Não é admissível se trivializar uma matéria tão séria, complexa, difícil e decisiva para todos nós, mobilizadora que tem sido da sincera preocupação e do vivo interesse de toda a sociedade brasileira. Ainda que hoje, dentro de um mundo fragmentário, sejam raras as reais convergências de opinião e ação, nisso - estancar a violência, restabelecer a segurança do cidadão - estamos todos de acordo.

            Enfim, a matéria chega a um alto nível de escrutínio e debate, capaz de dar início à reversão dessa tendência. Ainda que tardia, mas nunca extemporânea, a centralidade que o debate nacional sobre a violência e a segurança pública assume é essencial, porque, há muitos anos, a escalada do crime vem minando, de forma insidiosa, as bases de desenvolvimento de nossa sociedade e de seus integrantes, atingindo indistintamente crianças, jovens e adultos, pobres e ricos, famosos e anônimos.

            Assistimos, assim, à instauração em todo o corpo social de um estado patológico, que tende a se tornar crônico, de receio, de medo e de perda de espontaneidade. Com sobradas razões, devido a cotidianos exemplos que chocam pela crueza e pela proximidade, a sociedade vai-se deixando neurotizar a partir dos sucessivos traumas que lhe são impostos pela violência urbana.

            Desse modo, a sociedade é lançada em estado permanente de ansiedade, com crescentes níveis de estresse, que deixa frágeis o indivíduo e o grupo, minando o potencial de realização pessoal e coletiva e corroendo os liames da tessitura social.

            A banalização da violência por intermédio dos meios de comunicação de massa, especialmente da televisão e do cinema, a falta de uma ação preventiva e repressiva firme, vigorosa e rigorosa, o escudo dos direitos humanos, não raro ingênua e equivocadamente empunhado, e um modo de ser que se materializa em um excessivo laxismo por parte de nossa sociedade, explicitado pelo espírito contemporizador e por uma cordialidade postiça, que muitas vezes já agride pelo evidente cinismo, deixaram-nos, em larga medida, reféns da marginalidade.

            Afora isso, mas de forma concomitante e sem perda de graus de relevância, a redução da utilização do espaço público real - refiro-me às ruas e às praças das pequenas, médias e grandes cidades, por parte da cidadania, coincidindo com a implantação dos grandes projetos das redes nacionais de televisão - jogou-nos todos dentro de casa, enquanto os marginais tomavam e tomam os espaços do cidadão. Os sofisticados e sedutores edifícios que abrigam os nossos modernos centros de compras, com suas lojas assépticas, perfumadas e maravilhosas, também subtraíram-nos das ruas. Esses, alguns dos elementos formadores e informadores de uma nova configuração da sociedade, que tem diretas implicações no mundo do crime e do criminoso.

            Foi mesmo assim que os nossos centros urbanos tornaram-se o lastimável palco do absoluto desrespeito à condição humana, o cenário da violabilidade do cidadão. Não faltarão sociólogos e economistas para lembrar-nos de que o evidente e brutal desequilíbrio socioeconômico brasileiro, traduzido em histórica e perversa distribuição de conhecimento e de renda, é fator ponderável, porém certamente não único, na conformação da cultura da violência brasileira. E isso, não há como negar.

            Aliás, pelo olhar sociológico, é possível, sem qualquer dificuldade, perceber a enorme conjunção de fatores, de distorções e de disfunções que acabam por fazer da nossa sociedade uma sociedade crescentemente violenta. Sim, somos um país jovem capaz de grandes diagnósticos e de pífias resoluções.

            Há mais de cinqüenta anos estudo e trabalho com questões diretamente ligadas à segurança pública, uma área - acreditem - fascinante e tremendamente desafiadora, em que se convive com a grandeza e a miséria humana em seus graus extremos. É um campo em que se desvela em todas as suas dimensões a obra magistral de nosso Criador: o ser humano, com todas as suas idiossincrasias. Contudo, de todo o aprendizado que fiz e de toda a experiência que recolhi nos diversos postos que ocupei - de investigador a delegado, de diretor-geral da Polícia Federal brasileira a vice-presidente da Interpol -, reconheço ser difícil apontar uma fórmula mágica, uma receita pronta, porque o tema é de extrema complexidade e envolve inúmeras variáveis, além de aspectos que ultrapassam o quantificável.

            Com certeza, não será a mera destinação de recursos financeiros a milagrosa solução para os males que nos afligem. É preciso, preliminarmente, concertar-se um amplo e vigoroso plano nacional de segurança pública, envolvendo, inescapavelmente, os diversos órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e toda a sociedade brasileira, para que então possamos almejar a superação desse tenebroso quadro de insegurança pública.

            Lembro-me de que, na segunda metade dos anos 80, no Governo de nosso eminente colega Presidente José Sarney, o Ministério da Justiça, então sob a condução de um dos grandes Parlamentares que o Brasil do século XX conheceu, o Senador Paulo Brossard de Souza Pinto, concebeu e desenvolveu campanha nacional, com a qual colaborou Ziraldo Alves Pinto. A campanha tinha como mote e apelo “Vamos Viver sem Violência”. À época, foram implementadas inúmeras ações, inclusive com a renovação da frota de veículos destinados à segurança da população. Vemos que, ao longo do tempo, com maior ou menor ênfase e intensidade, esforços têm sido feitos. Lamentavelmente, a sociedade continua perdendo nessa luta pelo fim da violência. O Estado e seus agentes sequer conseguem manter um mínimo controle da situação.

            Ao que assistimos nesses dias em meu Estado, São Paulo, não tem precedentes. Além dos ataques criminosos que invadiram o cotidiano da população, com a banalização e o crescimento dos assaltos e dos seqüestros em suas hediondas modalidades, temos ainda a regular sublevação de detentos, em desrespeito integral e desafio constante à autoridade. A propósito, Sr. Presidente, é preciso que se promova uma análise do sistema penitenciário brasileiro, se é que efetivamente podemos assim nominar o conjunto dos presídios brasileiros. Ao longo dos últimos anos, são justamente esses centros que se vêm tornando um dos principais pontos e vetores da criminalidade. O senso comum já entendeu que os presídios brasileiros constituem-se em verdadeiras escolas do crime. De fato, são poucos os presídios modelares em nosso País.

            Assim, o modelo vigente não estanca a criminalidade e tampouco permite a reabilitação e a reinserção do preso na sociedade. Logo, o contribuinte brasileiro vem sendo enganado, explorado. Paga um altíssimo preço pela manutenção de um modelo absolutamente ineficiente e ineficaz.

            Com uma população em torno de 230 mil presos no chamado sistema penitenciário e 90 mil em delegacias, o Brasil ainda hoje não dispõe de uma política voltada para o trabalho prisional, embora não faltem projetos que intuam e defendam as finalidades educativas e produtivas do trabalho dos presos, sobretudo porque acaba desonerando a sociedade e também assegurando melhores condições para os familiares do preso, sem contar o sentido de utilidade social que eventualmente vai conferir à sua própria vida.

            Nesse sentido, São Paulo e o Paraná têm conseguido desenvolver projetos singulares, realmente bem-sucedidos, de implantação do regime laboral dos presos. As experiências nos dois Estados mostram inequivocamente que a introdução do trabalho na prisão implica, na prática, a redução de custos do sistema penitenciário, a diminuição da violência nas prisões e a preparação do preso para a ressocialização.

            Ainda assim, como lembra o Professor José Pastore, que vem produzindo trabalhos de excepcional importância sobre o tema, há limites para o trabalho prisional, uma vez que sua efetividade estaria condicionada à formação de uma boa qualidade desse tipo de mão-de-obra. Logo, sugere o treinamento prévio para as atividades a serem desenvolvidas. Para ele, cumprido o requisito, o trabalho prisional acaba por acrescentar o chamado capital humano aos presos, preparando-os, ainda que de forma indireta, para a vida pós-prisão.

            Enfim, Sr. Presidente, com tristeza, o Brasil inaugura o século XXI imerso em perverso e devastador cenário de violência, que se agrava e se sofistica com incomum desembaraço e cujo resultado alimenta as estatísticas com números crescentes, em ritmo exponencial, de perdas de vidas humanas. Tudo isso abala famílias, destrói sonhos e corrompe as esperanças.

            A segurança pública é o grande desafio do Brasil contemporâneo. E, em nosso País, a luta entre a lei e o crime tem sido absolutamente desigual, assimétrica. Nos últimos anos, o crime organizado, recebendo expressivos aportes decorrentes de sua própria e auto-sustentável ação na ilegalidade, tem conseguido atingir nível de requinte que sequer ronda as corporações oficiais.

            Além disso, como conseqüência da acumulação de uma série de fatores, a auto-imagem e a auto-estima dos policiais, nas distintas instituições, encontra-se em nível baixíssimo em todo o País. Desacreditados, confundidos com os criminosos, nossos policiais não têm estimulo, moral ou remuneratório, para as imensas tarefas, desafios e perigos que se apresentam a cada dia para um agente da lei e da ordem.

            Com custos crescentes e um contribuinte exaurido pela imensa carga tributária que suporta, é preciso que se busquem opções viáveis para o modelo penitenciário brasileiro. Uma solução seria a privatização dos presídios, que merece ainda estudos, é certo, mas apresenta-se como uma possibilidade de desoneração de um Estado endividado, incapaz de oferecer adequadamente serviços básicos à população e que vê seus escassos recursos consumidos por um sistema caríssimo e ineficiente.

            O trabalho que ora iniciamos na Comissão Especial contra a Violência, que vai analisar e hierarquizar os cerca de 245 projetos hoje em tramitação no Senado e na Câmara, é uma tentativa sensata de atualizar a base legislativa para a solução de um problema grave que afeta toda a sociedade.

            Que Deus nos ilumine e sejamos vitoriosos na reinstauração da segurança pública para todos os brasileiros. O Brasil olha com extrema atenção para os seus representantes em Brasília e alimenta grandes expectativas. O Congresso Nacional não desapontará os brasileiros. Problemas humanos demandam soluções humanas, alcançadas somente com disciplina, determinação, solidariedade, firmeza e obstinação. E isso não nos faltará!

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pela oportunidade.

 

            


            Modelo13/29/2411:04



Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2002 - Página 1785