Discurso durante a 26ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

RELATO DO TRABALHO DE S.EXA. A FRENTE DO MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA. ANALISE DA RECENTE CRISE DE ENERGIA ELETRICA, COM DESTAQUE A EFETIVA CONTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA DURANTE A FASE DE RACIONAMENTO.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • RELATO DO TRABALHO DE S.EXA. A FRENTE DO MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA. ANALISE DA RECENTE CRISE DE ENERGIA ELETRICA, COM DESTAQUE A EFETIVA CONTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA DURANTE A FASE DE RACIONAMENTO.
Aparteantes
Leomar Quintanilha, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2002 - Página 2789
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, ATUAÇÃO, ORADOR, QUALIDADE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), ESPECIFICAÇÃO, ENCAMINHAMENTO, SOLUÇÃO, RACIONAMENTO, ENERGIA ELETRICA, REGISTRO, DADOS, POLITICA ENERGETICA.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), SETOR, PETROLEO, AUMENTO, PRODUÇÃO, INVESTIMENTO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, MELHORIA, ADMINISTRAÇÃO, LUCRO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), MAIORIA, AÇÕES, EMPRESA PUBLICA, ACIONISTA MINORITARIO.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após quase um ano de dedicação à tarefa de executar as políticas nacionais de energia e de mineração, no cumprimento de missão partidária e atendendo a honroso convite de Sua Excelência o Presidente Fernando Henrique Cardoso, retorno a esta Casa, à qual me trouxe o voto do povo pernambucano.

Apesar das situações críticas que em quase todo esse tempo viveu o País nesses setores, mercê sobretudo das limitações na oferta de energia elétrica - declaradas praticamente no instante em que assumi -, conseguimos enfrentar a quadra adversa e encaminhar soluções plenamente satisfatórias para os problemas, afinal superados a custos significativamente menores que os inicialmente esperados.

Devo creditar os méritos desse êxito, em primeiro lugar, ao povo brasileiro, que soube compreender a gravidade da situação e, sem abrir mão do legítimo direito de criticar e cobrar soluções, chamou a si a solução do problema e a ela dirigiu o melhor do seu esforço, resistindo ao fácil exercício de buscar quem expiasse eventuais culpas.

É de justiça, porém, acrescentar que o empenho patriótico da sociedade teve contrapartida na atuação serena e oportuna do Governo Federal, sob a liderança do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Malgrado o risco de parecer imodesto, permitam-me acrescentar que haver contribuído para tal desfecho ilustra e honra a minha carreira. A Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, cuja criação partiu de minha iniciativa, e que tive a satisfação de integrar, juntamente com meus colegas de Ministério e com outros dedicados membros do Governo e demais ilustres brasileiros que lhe emprestaram seu trabalho, desempenhou com proficiência o seu papel. Destaco, em especial, a segura condução do Ministro Pedro Parente, incumbido de coordenar o grupo, a cujo tirocínio muito fica a dever a Nação.

Creio que esse episódio, dadas a dramaticidade de que se revestiu e as lições que nos deixa o competente e solidário enfrentamento da crise, foi um daqueles pontos de inflexão na história das nações. Alguns fatos que o conformaram devem ser relembrados, agora que as previsões mais pessimistas viram-se finalmente desmentidas. Por certo haverão de ser úteis seu efetivo conhecimento e compreensão para enriquecer o planejamento e gestão do setor energético e, além dele, da ação governamental em seu todo. E não há lugar melhor para tal reflexão do que o Senado Federal.

Como sabem todos os nobres Senadores, o sistema energético brasileiro privilegia a geração hidrelétrica, que perfaz 82% da capacidade instalada de energia elétrica. O papel das demais fontes é meramente complementar.

Reitero minha opinião de que não se haverá de renegar a opção hidrelétrica. Será ela, ainda, a mais importante em um futuro previsível. É bom que assim seja, em função das proporções e da feliz configuração geográfica do potencial hídrico do País.

O certo é que se trata, efetivamente, de vocação natural, a respaldar a acertada decisão estratégica fadada a perdurar, malgrado os atuais percalços, sobretudo quando se considera que nada menos que 75% do potencial hídrico do País ainda não foi explorado. A capacidade instalada no Brasil poderia crescer, em tese, mais 200 mil megawatts, caso se utilizassem todos os aproveitamentos hidrelétricos técnica e ambientalmente apropriados.

Contudo, a forte participação da força hidráulica na matriz energética e a virtual inexistência de alternativas deixam o País vulnerável sempre que as condições climáticas são desfavoráveis e irregular o regime hidrológico. Isso aponta para a conveniência de se dispor de sucedâneos à geração hidrelétrica, para serem utilizados não só em situações atípicas, mas integrando organicamente a matriz energética brasileira, em configuração que assegure equilíbrio dinâmico e desempenho capaz de manter a oferta superior à demanda por energia.

As termelétricas devem estar entre as mais importantes dessas opções, usando sobretudo o gás natural, disponível no País ou importado, como no caso do adquirido da Bolívia e transportado pelo gasoduto que une as áreas produtoras daquele país ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Além delas, as fontes ditas alternativas de energia podem e devem ser utilizadas em maior grau, em função do amplo potencial de aproveitamento da biomassa (inclusive na chamada co-geração), da energia nuclear, solar, eólica, etc.

Considerações dessa ordem foram objeto das preocupações de meus ilustres pares tão logo se deflagrou a crise de energia elétrica. O mesmo se passou no Executivo. Era preciso conhecer precisamente o que ocorreu e que causas levaram a Nação à crise.

As amplas e intensas discussões travadas sobre o assunto contribuíram para esse conhecimento e, sobretudo, para que se retomasse o planejamento estratégico do setor elétrico. Simultaneamente, buscou-se resgatar também a racionalidade do debate, a desconfiar de conclusões tão fáceis quanto equívocas, que consideraram apenas parcialmente as complexas questões em pauta e pouco serviram à compreensão dos fatos, etapa inescapável de seu enfrentamento.

Creio ser oportuno listar alguns desses fatos:

·     a capacidade instalada do setor elétrico brasileiro, da ordem de 75 mil megawatts, já era há um ano suficiente para atender a demanda, considerado o País em seu todo;

·     os investimentos realizados, cerca de R$23,7 bilhões, no período de 1995 a 2001, elevaram nesse período a capacidade instalada em 16,4 mil megawatts. Só no ano passado foram aplicados aproximadamente R$6 bilhões, acrescendo cerca de 3,04 mil megawatts à capacidade instalada. Isso quer dizer expansão a taxa anual média de 4,17%, compatível com o aumento do mercado no mesmo período;

·     os investimentos em transmissão, embora expressivos, não foram de molde a permitir manejo adequado. Daí a atual impossibilidade de transportar parte da energia produzida nos subsistemas norte e sul para fazer face à carência localizada nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste;

·     no período considerado, desequilíbrios localizados entre oferta e demanda induziram à sobreutilização dos reservatórios de usinas que abastecem as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste. Em vez de usar-se, a cada ano, o excedente acumulado na estação chuvosa, consumiram-se reservas além dos limites tecnicamente recomendáveis, na expectativa de que as chuvas subseqüentes recompusessem os níveis dos lagos;

·     mesmo assim, um comportamento mais próximo do normal dos sistemas hidrológicos Nordeste e Sudeste/Centro-Oeste teria assegurado tempo em que se completassem os investimentos em geração e transmissão, evitando a crise de abastecimento;

·     ainda sobre as condições climáticas, estimou-se que a capacidade geradora instalada nos dois grandes subsistemas regionais do setor elétrico afetados (Nordeste e Sudeste/Centro-Oeste) atenderia a demanda, mesmo que as vazões nos respectivos períodos chuvosos fossem inferiores em até 20% à média histórica e os mercados não crescessem mais do que 10%. No entanto, embora a expansão do mercado não haja atingido esse limite, as condições hidrológicas foram extremamente desfavoráveis: 29% abaixo da média histórica no Sudeste/Centro-Oeste e 55% aquém no Nordeste.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Pois não, cedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Leomar Quintanilha (PFL - TO) - Senador José Jorge, é com alegria que esta Casa o recebe de volta, após uma passagem marcante por um dos mais importante Ministérios do Governo Fernando Henrique. V. Exª, no intuito de servir ao Brasil, deparou-se seguramente com um dos maiores desafios de sua vida: a crise energética. V. Exª assumiu a condução dos destinos do Ministério de Minas e Energia exatamente no período em que a crise eclodiu, logo V. Exª não tem responsabilidade alguma sobre ela. E a crise eclodiu por razões diversas: tentativa de mudança do modelo energético do País, não realização de investimentos necessários na área de produção de energia elétrica, alteração do modelo energético com a introdução, na sua matriz, do aproveitamento das termelétricas - houve grande investimento na construção do gasoduto da Bolívia, na aquisição de gás da Bolívia e, devido à falta de equalização do preço, acabamos não fazendo os investimentos necessários para atender a demanda de um mercado crescente, como o brasileiro. É claro que o Governo não pode se eximir da sua responsabilidade pela crise, pelas dificuldades e pelo desconforto que impôs ao povo brasileiro, além dos prejuízos que causou à Nação. Mas tal fato serviu de alerta à população - como V. Exª disse no início do seu pronunciamento, o povo respondeu de forma extraordinária ao apelo para economizar energia -, que, mesmo após cessados os efeitos da crise, continua poupando energia, economizando nos seus próprios gastos. É claro que a falta de energia, que é o combustível do desenvolvimento, preocupou-nos a todos, inclusive a V. Exª e ao próprio Governo, que se dedicou à exaustão a solucionar o problema que, graças à ampliação da prestação pluviométrica, está praticamente exaurido. Espero que, com o retorno de V. Exª ao convívio desta Casa, possamos contribuir com ações complementares que evitem que o País entre novamente numa crise dessas proporções, que traz conseqüências danosas à população e ao setor produtivo. Cumprimento V. Exª pela dedicação e competência com que se houve à frente do Ministério de Minas e Energia.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Muito obrigado, Senador Leomar Quintanilha. Estou feliz de estar novamente em contato com os companheiros, contato que, aliás, nunca perdi, pois compareci a esta Casa sempre que convocando e discuti com todos os que nos procuravam para isso sobre esse difícil e importante tema, que é o abastecimento energético em nosso País.

Como mencionou V. Exª, os reservatórios dos subsistemas se encontravam muito abaixo dos níveis mínimos esperados no início da estação seca, 30 de abril de 2001 - assumi o Ministério no final de março - , cerca de 33% no Nordeste, quando o necessário seria 50%, e 32% no Centro-Oeste/Sudeste, quando o ideal seria 49%.

Normalmente, durante o período seco, consome-se entre 30% e 40% do reservatório. Se estávamos com 30%, significava que, não fossem tomadas as medidas, mais ou menos em julho, teríamos uma crise muito maior do que a que tivemos.

Por isso, novamente no ano de 1999, o ápice da crise, os reservatórios do Sudeste, somente para exemplificar, decresceram 50% durante o período seco: passaram de 70% para 20%. Portanto, se começaram com 30%, estávamos correndo um risco bastante grande.

Desse acúmulo de fatos negativos resultou a crise no abastecimento de energia elétrica. Tornou-se necessário, pois, adotar medidas conjunturais que assegurassem condições de atravessar o período crítico, e fazê-lo, tanto quanto possível, de forma a atenuar as conseqüências negativas para a população e a atividade econômica.

Com preocupações dessa ordem foi que assumi as funções de Ministro de Minas e Energia. Lembro-me de que meu primeiro pronunciamento público, já em abril de 2001, por uma rede nacional de televisão, destinou-se a alertar a Nação para o risco do colapso no abastecimento.

A resposta ao desafio haveria de dar-se tanto no lado da oferta quanto no da demanda de energia. Compreendemos que a expansão da oferta - a curto (e curtíssimo), médio e longo prazo - seria o objetivo prioritário a ser perseguido. De imediato, porém, seria preciso adotar medidas concernentes à demanda, necessárias à superação do momento adverso, sem as quais sobreviria o caos antes que se pudesse cuidar do futuro.

Apresentaram-se três alternativas - e só três:

·     apostar na participação da sociedade para que reduzisse o consumo;

·     programar o racionamento via cortes indiscriminados, impondo os chamados “apagões”; ou

·     nada fazer, e esperar que os “apagões” ocorressem aleatoriamente.

            Esse enunciado não dá margem a dúvida: seria preciso pelo menos tentar a implementação da primeira alternativa, já que a segunda seria muito mais dramática e a terceira, impensável. O comportamento social em situações de crise, mostra-o a história recente do País, apontava-nos aquele caminho.

Lembramo-nos de que a sociedade brasileira conseguiu, ainda que a duras penas, conviver com a hiperinflação e sair dela por meio da implantação da URV, um processo bastante difícil, mas que, no fim, se deu vitorioso.

Sabíamos também que, a confirmarem-se as condições hidrológicas então previstas, o contingenciamento e as ações destinadas a antecipar a conclusão de projetos de geração e transmissão seriam suficientes para atravessar a etapa aguda da crise. Evitar-se-ia - como se evitou - o pior, sem imposição de cortes gerais e indiscriminados.

Esperava-se, também, que a indução à conservação de energia teria efeitos mais duradouros que os necessários à travessia. A substituição dos equipamentos tradicionais por outros, poupadores de energia; a mudança de hábitos de consumo; a progressiva eliminação do desperdício e, sobretudo, o novo posicionamento social ante a questão energética, tudo isso viria a construir uma nova realidade, tendente a racionalizar a utilização de um insumo crescentemente valioso e escasso.

Formulada a solução, era mister agir rapidamente. Assim foi que, em abril e maio do ano passado, adotou-se um elenco de providências que, de um lado, conceberam e colocaram em marcha as ações destinadas a limitar o consumo às disponibilidades do momento; simultaneamente, buscou-se acelerar a implantação de projetos já existentes e estimular novos empreendimentos, visando expandir rapidamente a oferta.

Reitere-se: o importante, naquele momento, era enfrentar o desafio, unir forças para superar emergências e, ao mesmo tempo, agir estrategicamente, de forma a garantir suprimento sem sobressaltos no futuro.

Trabalhou-se, nesse aspecto, em quatro vertentes:

·     estímulo à indução de mudanças para que pelo menos parte das medidas de conservação adotadas para os meses críticos assumissem caráter definitivo;

·     aceleração das obras de geração e transmissão, das negociações para importação de energia e dos ajustes financeiros e institucionais que permitiram, ainda no período crítico, aumentar a oferta e garantir suprimento em regiões mais vulneráveis;

·     incentivo à utilização de soluções localizadas, como as de auto e co-geração;

·     conformação de um novo quadro político e institucional para o setor, que não permita que essa questão volte a acontecer;

Essas vertentes reuniram-se no Programa Estratégico de Ampliação da Oferta de Energia Elétrica, na verdade um abrangente e ambicioso elenco de programas e projetos de curto e médio prazo. Creio não ser demasiado relacionar os principais deles:

1.     acréscimo, no total de potência, da ordem de 28.040 megawatts no período 2001/2004, dos quais 3.042 já foram implantados em 2001, 9.299 megawatts serão implantados em 2002, 7.762 megawatts em 2003, e 7.937 megawatts em 2004;

2.     implementação do Programa Prioritário de Termelétricas, correspondente a 38 usinas termelétricas, das quais 7 já estão em funcionamento e 16 em construção;

3.     montante de investimentos da ordem de R$43 bilhões, dos quais R$34 bilhões em investimentos privados e R$9 bilhões em investimentos públicos;

4.     implantação de 24 empreendimentos de geração hidrelétrica, dando um total de praticamente 10.000 megawatts até 2004, num investimento da ordem de R$11 bilhões, dos quais R$7 bilhões em investimentos privados e R$3,355 bilhões à conta do setor público.

As obras das hidrelétricas previstas para até 2004, evidentemente, todas elas já estão em andamento, tendo em vista que os prazos das hidrelétricas sempre são maiores do que esse período de três anos. Estão todas em obras e, em regra geral, as hidrelétricas estão sendo antecipadas.

5.     construção de 26 linhas de transmissão e 8 subestações;

6.     contratação da energia emergencial por intermédio da CBEE, constando de 58 usinas termelétricas a óleo combustível, num total de 2.153 megawatts; e

7.     viabilização de energia alternativa. Espera-se um total nesse período de 4.000 megawatts de PCHs, aproveitamento e importações, etc.

Atentou-se também para as variáveis estratégicas que condicionam tal solução. Entre elas, destaca-se, prioritariamente, a preservação ambiental, pré-requisito de qualquer iniciativa no setor - como, de resto, em qualquer outra vertente da atividade humana.

A crise trouxe consigo ensinamentos e avanços, entre os quais há um que considero muito importante, de grande relevância do ponto de vista institucional, qual seja, a integração energética da América Latina, notadamente dos países limítrofes ao Brasil. Hoje somos importadores de energia elétrica da Argentina, de gás da Bolívia, de energia elétrica e de petróleo da Venezuela e de petróleo da Argentina, o que dá ao Brasil uma posição muito importante dentro da América Latina para a integração com esses países.

Um outro aspecto importante também da atuação do Ministério de Minas e Energia, fora da crise energética, foi a questão do petróleo. Evidentemente, o setor de petróleo, no ano 2001, obteve resultados bastante positivos. Mesmo após o acidente que ocorreu dois dias depois que assumi o Ministério, aquele com a P-36, o Brasil conseguiu aumentar a sua produção. Também fizemos muitos investimentos na área de estudos ambientais, que era um problema crítico para a Petrobras. Hoje a Petrobras é uma empresa pública, mas com 70% de suas ações nas mãos de acionistas minoritários, inclusive trabalhadores, que estão utilizando o FGTS para isso, e com uma administração bastante profissional.

Um outro aspecto também, na área da mineração, é que tivemos uma série de medidas que estão detalhadas no meu pronunciamento. Inclusive, sobre o petróleo, devemos ressaltar a colaboração do Senado Federal, que aprovou a emenda constitucional chamada PEC do Petróleo, regulamentada no final do ano passado, que possibilitou que o setor do petróleo fosse aberto à livre concorrência. A criação do auxílio-gás permitiu que a abertura do mercado não afetasse as classes de renda mais baixa. A questão da mineração também foi enfrentada mesmo no momento de crise do setor energético.

Para encerrar, gostaria de dizer que, neste final de minha atuação à frente do Ministério de Minas e Energia, não poderia deixar de destacar uma conquista igualmente dividida entre todos os trabalhadores das empresas vinculadas ao Ministério, qual seja, o maior lucro de toda a história, atingido, em 2001, tanto por parte da Petrobras (R$9,867 bilhões) e da BR Distribuidora (R$374 milhões), quanto pela Eletrobrás (R$2,455 bilhões), empresas cujos Conselhos de Administração tive a honra de presidir.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em março de 2001, na qualidade de membro do Partido da Frente Liberal - de cuja Executiva Nacional tenho a honra de ser Vice-Presidente -, fui distinguido pelo Senhor Presidente da República com o convite para ser Ministro de Minas e Energia. Aceitei, como homem de partido, como político (e representante de meu Estado no Senado Federal) e como cidadão.

O Sr. Romero Jucá (Bloco/PSDB - RR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Ouço o nobre colega Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá (Bloco/PSDB - RR) - Meu caro Senador José Jorge, não poderia deixar de solicitar este aparte por duas razões distintas. Primeiro, como Líder do Governo, ou seja, pela Liderança do Governo, para registrar o grande trabalho realizado por V. Exª, o descortino, o preparo no encaminhamento da solução de vários problemas no Ministério de Minas e Energia, sendo a mais visível o esforço que tirou o País do racionamento. O País reconhece o trabalho de V. Exª. O Presidente Fernando Henrique Cardoso reiteradas vezes tem registrado a importância do trabalho de V. Exª à frente do Ministério, e quero aqui tornar novamente públicas essas colocações do Presidente. Segundo, no aspecto pessoal, pela relação de amizade que temos, por conhecê-lo tão bem, desde o início de sua trajetória política, não poderia deixar de dizer que o Ministro e o Senador José Jorge foram personagens importantes na história recente do País. Quero parabenizá-lo pela gestão no Ministério e dizer que o recebemos de volta nesta Casa com muita satisfação, pela sua capacidade de articular, de negociar, de encontrar caminhos num momento em que temos turbulências políticas que precisam exatamente de pessoas de bom-senso, de equilíbrio, com visão macro, enfim, de resolver questões que são relevantes para buscarmos uma saída para que o Brasil retome o crescimento, o desenvolvimento e os rumos políticos que até agora teve no Governo do Presidente Fernando Henrique. Portanto, quero desejar boas-vindas a V. Exª, que está novamente nesta Casa, e aplaudir o grande trabalho realizado à frente do Ministério de Minas e Energia.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Muito obrigado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi um período tão curto, mas expressivamente rico em experiências e conquistas. Tive a satisfação de integrar a equipe de Governo liderada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Enriqueceu-me, além desse convívio, a participação no trabalho patriótico e profícuo dos quadros dirigentes, técnicos e administrativos do Ministério de Minas e Energia, em particular, e dos setores energético e de mineração em geral, no âmbito do Estado como no das empresas e entidades privadas.

Hoje, porém, as circunstâncias políticas afiguram-se em tudo diversas, senão antagônicas, às vigentes no momento em que assumi o Ministério. O cargo que ocupei é de livre escolha do Presidente da República, bem o sei. Porém não devo considerar exclusivamente pessoal a distinção, na medida em que a escolha dirigiu-se primeiro ao Partido da Frente Liberal, ao qual pertenço e a cujas decisões devo curvar-me.

Encerrei, assim, uma etapa de minha carreira. Fi-lo com a consciência do dever cumprido e creio ser lícito pensar que retorno a esta Casa fortalecido para prosseguir a luta, que é de todos nós, por um Brasil melhor.

O serviço de Estado tem muitas frentes. Em todas elas é importante contar, mais do que qualquer outro atributo, com disposição para a luta e uma visão sempre positiva do mundo, das gentes e das coisas.

Termino, pois, esta intervenção com um conceito muitas vezes repetido pelo Vice-Presidente Marco Maciel, insigne líder de meu Partido e meu Estado: “O otimista pode até perder; o pessimista já começa derrotado”.

É com este ânimo que retomo meus trabalhos no Senado Federal.

Muito obrigado.

 

**********************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR JOSÉ JORGE.

**********************************************************************

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após quase um ano de dedicação à tarefa de executar as políticas nacionais de energia e de mineração, no cumprimento de missão partidária e atendendo a honroso convite de Sua Excelência o Presidente Fernando Henrique Cardoso, retorno a esta Casa, à qual me trouxe o voto do povo pernambucano.

Apesar das situações críticas que, em quase todo esse tempo, viveu o país nesses setores, mercê sobretudo das limitações na oferta de energia elétrica - declaradas praticamente no instante em que assumi -, conseguimos enfrentar a quadra adversa e encaminhar soluções plenamente satisfatórias para os problemas, afinal superados a custos significativamente menores que os inicialmente esperados.

Devo creditar os méritos desse êxito, em primeiro lugar, ao povo brasileiro, que soube compreender a gravidade da situação e, sem abrir mão do legítimo direito de criticar e cobrar soluções, chamou a si a solução do problema e a ela dirigiu o melhor de seu esforço, resistindo ao fácil exercício de buscar quem expiasse eventuais culpas.

É de justiça, porém, acrescentar que o empenho patriótico da sociedade teve contrapartida na atuação serena e oportuna do Governo Federal, sob a liderança do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Malgrado o risco de parecer imodesto, permitam-me acrescentar que haver contribuído para tal desfecho ilustra e honra minha carreira. A Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica cuja criação partiu de minha iniciativa, e que tive a satisfação de integrar, juntamente com meus colegas de Ministério, com outros dedicados membros do governo e demais ilustres brasileiros que lhe emprestaram seu trabalho, desempenhou com proficiência o seu papel. Destaco, em especial, a segura condução do Ministro Pedro Parente, incumbido de coordenar o grupo, a cujo tirocínio muito fica a dever a nação.

Creio que esse episódio, dada a dramaticidade de que se revestiu e as lições que nos deixa o competente e solidário enfrentamento da crise, foi um daqueles pontos de inflexão na história das nações. Alguns fatos que o conformaram devem ser relembrados, agora que as previsões mais pessimistas viram-se finalmente desmentidas. Por certo haverão de ser úteis, seu efetivo conhecimento e compreensão, para enriquecer o planejamento e gestão do setor energético e, além dele, da ação governamental em seu todo. E não há lugar melhor para tal reflexão que o Senado Federal.

Como sabem todos os nobres Senadores, o sistema elétrico brasileiro privilegia a geração hidrelétrica, que perfaz 82% da capacidade instalada de energia elétrica. O papel das demais fontes é meramente complementar.

Reitero minha opinião de que não se haverá de renegar a opção hidrelétrica. Será ela, ainda, a mais importante no futuro previsível. É bom que assim seja, em função das proporções e da feliz configuração geográfica do potencial hídrico do país.

O certo é que se trata, efetivamente, de vocação natural, a respaldar acertada decisão estratégica fadada a perdurar, malgrado os atuais percalços, sobretudo quando se considera que nada menos que 75% do potencial hídrico do país ainda não foi explorado. A capacidade instalada no Brasil poderia crescer, em tese, mais 200 mil MW, caso se utilizassem todos os aproveitamentos hidrelétricos técnica e ambientalmente apropriados.

Contudo, a forte participação da força hidráulica na matriz energética, e a virtual inexistência de alternativas, deixam o país vulnerável sempre que as condições climáticas são desfavoráveis, e irregular o regime hidrológico. O que aponta para a conveniência de dispor-se de sucedâneos à geração hidrelétrica, a utilizarem-se não só em situações atípicas mas integrando organicamente a matriz energética brasileira, em configuração que assegure equilíbrio dinâmico e desempenho capaz de manter oferta superior à demanda por energia.

As termelétricas devem estar entre as mais importantes dessas opções, usando sobretudo o gás natural, disponível no país ou importado, como no caso do adquirido à Bolívia e transportado pelo gasoduto que une as áreas produtoras daquele país ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Além delas, as fontes ditas alternativas de energia podem e devem ser utilizadas em maior grau, em função do amplo potencial de aproveitamento da biomassa (inclusive na chamada co-geração), da energia nuclear, solar, eólica.

Considerações dessa ordem terão sido objeto das preocupações de meus ilustres pares, tão logo se deflagrou a crise de energia elétrica. O mesmo passou-se no Executivo. Era preciso conhecer precisamente o que ocorreu, e que causas levaram a nação à crise.

As amplas e intensas discussões travadas sobre o assunto contribuíram para esse conhecimento, e sobretudo para que se retomasse o planejamento estratégico do setor elétrico. Simultaneamente, buscou-se resgatar também a racionalidade do debate, a desconfiar de conclusões tão fáceis quanto equívocas, que consideraram apenas parcialmente as complexas questões em pauta e pouco serviram à compreensão dos fatos, etapa inescapável de seu enfrentamento.

Creio ser oportuno listar alguns desses fatos:

· a capacidade instalada do setor elétrico brasileiro, da ordem de 75 mil MW, já era há um ano suficiente para atender à demanda, considerado o país em seu todo;

· os investimentos realizados, cerca de R$ 23,7 bilhões no período de 1995-2001, elevaram nesse período a capacidade instalada em 16,4 mil MW. Só no ano passado foram aplicados aproximadamente R$ 6 bilhões, acrescendo cerca de 3,04 mil MW à capacidade instalada. Isso quer dizer expansão a taxa anual média de 4,17%, compatível com o aumento do mercado no mesmo período;

· os investimentos em transmissão, embora expressivos, não foram de molde a permitir manejo adequado; daí a atual impossibilidade de transportar parte da energia produzida nos subsistemas norte e sul para fazer face à carência localizada nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste;

· no período considerado, desequilíbrios localizados entre oferta e demanda induziram à sobre-utilização dos reservatórios de usinas que abastecem as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste - em vez de usar-se, a cada ano, o excedente acumulado na estação chuvosa, consumiram-se reservas além dos limites tecnicamente recomendáveis, na expectativa de que as chuvas subseqüentes recompusessem os níveis dos lagos;

· mesmo assim, um comportamento mais próximo do normal dos sistemas hidrológicos nordeste e sudeste/centro-oeste teria assegurado tempo em que se completassem os investimentos em geração e transmissão, evitando a crise de abastecimento;

· ainda sobre as condições climáticas: estimou-se que a capacidade geradora instalada nos dois grandes subsistemas regionais do setor elétrico afetados (nordeste e sudeste/centro-oeste) atenderia à demanda mesmo que as vazões nos respectivos períodos chuvosos fossem inferiores em até 20% à média histórica, e os mercados não crescessem mais que 10%. No entanto, embora a expansão do mercado não haja atingido esse limite, as condições hidrológicas foram extremamente desfavoráveis: 29% abaixo da média histórica no sudeste/centro-oeste e 55% aquém no Nordeste;

· Daí que os reservatórios desses subsistemas se encontrassem muito abaixo dos níveis mínimos esperados no início da estação seca de 30 abril de 2001 - cerca de 33,1% no Nordeste quando o necessário seria 50%, e 32,2% no Centro-Oeste/Sudeste quando o ideal seria 49%;

· Em 2001, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, Centro-Oeste e Sudeste sofreram a maior estiagem dos últimos 40 anos, e a situação do Nordeste não foi melhor, a pior hidrologia dos últimos 70 anos.

Desse acúmulo de fatos negativos resultou a crise no abastecimento de energia elétrica. Tornou-se necessário, pois, adotar medidas conjunturais que assegurassem condições de atravessar o período crítico, e fazê-lo tanto quanto possível de forma a atenuar as conseqüências negativas para a população e a atividade econômica.

Com preocupações dessa ordem foi que assumi as funções de Ministro de Minas e Energia. Lembro-me de que meu primeiro pronunciamento público, já em abril de 2001, destinou-se a alertar a nação para os riscos de colapso no abastecimento.

A resposta ao desafio haveria de dar-se tanto no lado da oferta quanto no da demanda de energia. Compreendemos que expansão da oferta - a curto (e curtíssimo), médio e longo prazo - seria o objetivo prioritário a ser perseguido. De imediato, porém, seria preciso adotar medidas concernentes à demanda, necessárias à superação do momento adverso, sem as quais sobreviria o caos antes que se pudesse cuidar do futuro.

Apresentaram-se três alternativas - e só três:

· apostar na participação da sociedade para que reduzisse o consumo, em todos os segmentos - residencial, industrial, comercial, rural -, apoiá-la nesse objetivo e induzi-la ao racionamento e, ao mesmo tempo, buscar medidas emergenciais de aumento da oferta; ou

· programar o racionamento via cortes indiscriminados, impondo os chamados “apagões”; ou

· nada fazer; esperar que os “apagões” ocorressem aleatoriamente, em função de quedas espontâneas quando as cargas fossem superiores à capacidade do sistema. Em outras palavras, aguardar o desastre.

Esse enunciado não dá margem a dúvida: seria preciso pelo menos tentar a implementação da primeira alternativa, já que a segunda seria muito mais dramática e a terceira, impensável.

O comportamento social em situações de crise, mostra-o a história recente do país, apontava-nos aquele caminho. Lembramo-nos de que a sociedade brasileira conseguiu, ainda que a duras penas, adaptar-se e conviver com hiperinflação.

Sabíamos também que, a confirmarem-se as condições hidrológicas então previstas, o contingenciamento e as ações destinadas a antecipar a conclusão de projetos de geração e transmissão seriam suficientes para atravessar a etapa aguda crise. Evitar-se-ia - como evitou-se - o pior, sem imposição de cortes gerais e indiscriminados.

Esperava-se, também, que a indução à conservação de energia teria efeitos mais duradouros que os necessários à travessia. A substituição dos equipamentos tradicionais - pelas pessoas, entidades públicas, empresas privadas - por outros, poupadores de energia; a mudança de hábitos de consumo; a progressiva eliminação do desperdício; sobretudo, o novo posicionamento social ante a questão energética - tudo isso viria a construir uma nova realidade, tendente a racionalizar a utilização de um insumo crescentemente valioso e escasso.

Formulada a solução, era mister agir rapidamente. Assim foi que em abril e maio do ano passado adotou-se um elenco de providências que, de um lado, conceberam e colocaram em marcha as ações destinadas a limitar o consumo às disponibilidades do momento; simultaneamente, buscou-se acelerar a implantação de projetos já existentes e estimular novos empreendimentos, visando expandir rapidamente a oferta.

A nação contou, naquela emergência, com a dedicação, qualificação e experiência dos quadros técnicos do setor elétrico. Graças a isso as decisões políticas, respaldadas em suas análises e propostas, puderam resultar de imediato em ações concretas.

Uma das primeiras foi a elaboração do Plano de Contingenciamento de Carga, solicitado à ANEEL pelo Ministério das Minas e Energia, juntamente com a definição de cotas de consumo e de tarifas para os respectivos excedentes.

Em busca de parcerias com todas as unidades da Federação, o Ministério contatou os governadores, oferecendo sugestões, apoio e orientação técnica. Elaborou-se o Plano de Redução do Consumo e Aumento da Oferta, desenvolveram-se os trabalhos técnicos específicos para formular, programar e por em prática as medidas que viriam a consubstanciar o racionamento de energia.

Essas providências confluíram para a instituição da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, visando articular esforços, procedimentos e fazer convergir competências, em busca de melhor administrar o enfrentamento da conjuntura adversa. Integraram-na os ministros de Estado da Casa Civil da Presidência da República, de Minas e Energia, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Meio Ambiente; as chefias da Secretaria de Comunicação e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; os titulares da Agência Nacional de Águas (ANA), da ANEEL, da Agência Nacional do Petróleo (ANP), do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e o diretor geral brasileiro da empresa Itaipu Binacional.

Reitere-se: o importante, naquele momento, era enfrentar o desafio, unir forças para superar a emergência e, ao mesmo tempo, agir estrategicamente de forma a garantir suprimento sem sobressaltos no futuro.

Assim, a estratégia de ação para ampliar a oferta de energia contemplou ações destinadas a atravessar a fase aguda da crise; a afastar a possibilidade de que outras crises ocorressem, tornando o país menos vulnerável aos azares climáticos e hidrológicos; a resgatar ao setor elétrico a capacidade de prever, acompanhar e superar tanto os percalços inerentes ao ambiente natural quanto a evolução do mercado.

Trabalhou-se, nesse aspecto, em quatro vertentes:

· estímulo e indução de mudanças para que pelo menos parte das medidas de conservação, adotadas para ultrapassar os meses críticos, assumissem caráter definitivo e redundassem em modernização tecnológica, transformação de hábitos de consumo e sedimentação de atitudes pró-ativas quanto à racionalização do uso da energia;

· aceleração das obras de geração e transmissão, das negociações para importação de energia e dos ajustes econômicos, financeiros e institucionais que permitiram, ainda no período crítico, aumentar a oferta de energia elétrica e garantir suprimento às regiões mais vulneráveis;

· incentivo à utilização de soluções localizadas e de rápida implementação, como as de auto e co-geração e o aproveitamento das fontes ditas alternativas;

· conformação de quadro político, institucional, econômico-financeiro e operacional no qual as ações contidas nas três vertentes anteriores enquadraram-se em contexto estratégico de médio e longo prazo.

Essas vertentes reuniram-se no Programa Estratégico de Ampliação da Oferta de Energia Elétrica, na verdade um abrangente e ambicioso elenco de programas e projetos de curto e médio prazo. Creio não ser demasiado relacionar os principais entre eles:

1. Acréscimo total de potência da ordem de 28.040 MW, sendo 3.042 MW em 2001, 9.299 MW em 2002, 7.762 MW em 2003 e 7.937 MW em 2004;

2. Implementação do Programa Prioritário de Termelétricas (PPT), compreendendo 38 usinas termelétricas, sendo doze na região Nordeste, vinte e cinco nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e uma na região Norte;

3. Montante de investimentos da ordem de R$ 43,427 bilhões, dos quais R$ 34,053 bilhões em investimentos privados e R$ 9,374 milhões de investimentos públicos.

4. Implantação de 24 empreendimentos de geração hidrelétrica, somando 9.990 MW até 2.004, com investimentos da ordem de R$ 11,238 bilhões, dos quais R$ 7,882 bilhões em investimentos privados e R$ 3,355 bilhões à conta do setor público.

5. Construção de 26 linhas de transmissão e oito subestações, totalizando 9.250 km de linhas, no período de 2001-2004.

6. Contratação de energia emergencial por intermédio da Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE), constando de 58 usinas termelétricas (47 no Nordeste e 11 no Sudeste) até o final de 2002, alcançando 2.153 MW.

7. Viabilização de outras alternativas de expansão da oferta, num total de 4.463 MW no período 2001-04, via importações, construção de pequenas centrais hidrelétricas, as chamadas PCH’s, aproveitamento da energia eólica e promoção da co-geração.

Ressalte-se, uma vez mais: o governo sempre teve presente que significativa parcela das medidas de racionamento, mesmo coroadas de êxito, serviriam apenas à travessia do período mais crítico, e ainda assim com prováveis ônus sociais e econômicos. A solução definitiva estaria em expandir a capacidade de geração e transmissão e, além disso, tornar o sistema menos vulnerável a acidentes climáticos, diversificando a matriz de geração de energia elétrica.

Atentou-se, ademais, para variáveis estratégicas que condicionam tal solução. Entre elas destaca-se, prioritariamente, a preservação ambiental, pré-requisito de qualquer iniciativa no setor - como, de resto, em qualquer outra vertente da atividade humana.

A crise trouxe consigo ensinamentos e avanços, entre os quais um de cunho político-institucional de grande relevância, qual seja, a integração energética da América Latina, notadamente dos países limítrofes ao Brasil, entre eles vale ressaltar a Argentina e Venezuela (importação de energia elétrica) e a Bolívia (importação de gás natural para uso em termoeletricidade).

Outro aspecto que mereceu cuidadoso exame foi a recomposição da base institucional de planejamento e coordenação do setor elétrico, com precisa definição de responsabilidades e papéis dos agentes públicos e privados envolvidos, vital para a recuperação da capacidade de antever o futuro e formular macro-estratégias de desenvolvimento.

Diga-se, a propósito, que se trata de função típica e em muitos casos indelegável do Estado, a quem compete interpretar corretamente os anseios sociais, transformá-los em projetos factíveis e orientar-lhes a implementação, quando não os executa diretamente.

Um dos aspectos positivos do debate público sobre os temas ligados à energia, ensejado pela crise no abastecimento, é que a nação questionou a eficiência do planejamento do setor, que se revelou ineficaz para projetar medidas que prevenissem o colapso. Mais que isso, a nação exigiu que tais falhas fossem corrigidas.

Essa foi uma das frentes da ação governamental, de que resultou uma ampla e profunda reformulação institucional e gerencial do setor energético.

Sabem muito bem todos os nobres senadores que a crise na oferta de energia elétrica, e as decisões quanto às alternativas de seu enfrentamento, galvanizaram a opinião pública em quase todo o ano de 2001, e mobilizaram boa parte dos esforços governamentais nesse período.

Não poderia ser diferente no Ministério de Minas e Energia.

Na área petrolífera, o principal destaque é o Programa Oferta de Petróleo e Gás Natural, em função do qual a produção interna atingiu em 2001 a média de 1,3 milhão de barris por dia, o que representou crescimento de 92% em relação à média de 1994. Esse crescimento deve-se, principalmente, à entrada em produção de sete novos poços na chamada Bacia de Campos, nas áreas denominadas Marlim e Marlim Sul, e ao aumento da eficiência operacional de todos os sistemas. Em 2002 prevê-se produção média de 1,5 milhão de barris de óleo por dia.

Os investimentos diretos da PETROBRAS em exploração e produção totalizaram R$ 15,2 bilhões, no período 1995-2001.

Para ampliar e otimizar o parque de refino, adequando-o às novas exigências ambientais, à oferta de petróleo e às exigências de qualidade do mercado, investiram-se R$ 4,5 bilhões entre 1995 e 2001. No ano passado o processamento nas refinarias da PETROBRAS atingiu média de 1,6 milhão de barris/dia, 27% a mais que a média diária registrada em 1994. Vêm-se cumprindo, assim, os objetivos do Programa Refino de Petróleo.

A ampliação da infra-estrutura é o objetivo do Programa de Transporte Dutoviário de Petróleo, Derivados e Gás Natural. Em 2001 transportaram-se 27,3 milhões de m3/km de petróleo e derivados em dutos, um volume 39% superior ao de 1994. No mesmo período registrou-se acréscimo de 75% na malha de dutos do país. Prevê-se, para 2002, o transporte de 29 milhões m3/km de petróleo e derivados nessas vias.

De 1995 a 2001 realizaram-se investimentos diretos da ordem de R$ 670 milhões no Programa Distribuição de Derivados, Gás Natural e Álcool, com o objetivo de oferecer melhor infra-estrutura de produtos e serviços ao cliente.

O Programa de Atuação Internacional na Área de Petróleo volta-se para atividades nos segmentos upstream (exploração e produção - E&P) e downstream (refino, marketing e comercialização) em mercados externos, nos quais são desenvolvidas e aplicadas tecnologias de ponta da indústria petrolífera mundial.

Os investimentos no Programa Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico no período de 1995-2001 foram da ordem de R$ 1,25 bilhão, resultando em soluções tecnológicas que atendem a todo setor de petróleo e de gás natural. Para 2002 estão previstos investimentos diretos de R$ 277 milhões no desenvolvimento de tecnologias, fundamentalmente para viabilizar a produção de petróleo em águas ultraprofundas e reduzir os custos de exploração em águas profundas, aperfeiçoar as práticas de refino de óleos pesados e conversão de resíduos, reduzir os custos de refino e viabilizar o aumento do consumo de gás natural.

A área de meio ambiente e segurança operacional constitui um capítulo à parte ao analisar-se o Biênio 2000/2001. Os acidentes que, de forma trágica, marcaram, em definitivo, a atuação da Petrobrás nesta área geraram, por iniciativa da empresa, com o apoio do Ministério, o “Programa de excelência em Gestão Ambiental e Segurança Operacional”. Com investimentos da ordem de R$ 1,9 bilhões, o Programa prevê, dentre outras, as seguintes iniciativas:

·     Investimentos na integralidade e automação do complexo de dutos;

·     Redução do passivo ambiental na área de resíduos;

·     Conclusão das certificações Iso-14.000 e do OHSAS - Segurança e Saúde Ocupacional.

            Destaco, ainda, a conclusão, no ano de 2001, das instalações dos nove CDAs (Centros de Defesa Ambiental), peça imprescindível no Plano de contingências da empresa.

Também merecem destaques as ações voltadas para por em funcionamento o Terminal de Recebimento e a Unidade de Regaseificação de gás natural liquefeito (GNL), a serem construídos entre 2002 e 2005, no Porto de Suape - Recife (PE), demandando investimentos da ordem US$ 200 milhões, sendo que, pela primeira vez no Brasil, e na América do Sul, se passará a utilizar o GNL.

Em dezembro de 2001, o Senado Federal aprovou a PEC de nº 42, conhecida como a PEC do Petróleo. Esta matéria que tramitava há mais de um ano no Congresso é um marco na história do setor, pois abriu, definitivamente, o mercado brasileiro, ao mesmo tempo que instituiu a incidência da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis, autorizando que os recursos agregados fossem utilizados para subsidiar preços e transporte de derivados de petróleo, entre estes o GLP.

A aprovação da PEC possibilitou a criação do Auxílio-Gás, introduzindo um novo mecanismo visando proteger as famílias mais carentes e eliminar a distorção contida no subsídio ao preço do GLP - que, além dos segmentos para os quais se voltava de fato, alcançava também empresas e consumidores domésticos de maior poder aquisitivo.

Registre-se que na configuração original os gastos com o benefício atingiam valores expressivos, chegando em 2001 à casa dos R$ 2 bilhões. A forma atual, além de assumir contornos socialmente corretos, também reduz os custos a menos da metade - aproximadamente R$ 950 milhões por ano.

Ademais, o valor do novo subsídio supera o aumento que onerou o produto quando da liberação dos preços. Isso permite proteger os menos favorecidos, mesmo ante eventuais aumentos futuros.

Para que o benefício realmente chegue à população-alvo adotou-se mecanismo de transferência direta de renda, a exemplo de outras iniciativas sociais de grande sucesso, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação.

Nesses programas os beneficiários são alcançados sem intermediários. Os recursos são depositados em contas abertas exclusivamente para esta finalidade, em nome da mãe de família ou, em sua ausência, de outro responsável. Sem dúvida, o pagamento direto é mecanismo mais eficaz, na medida em que evita eventuais desvios.

Assim, a Medida Provisória no 18, de 28 de dezembro de 2001, regulamentada pelo Decreto no 4.102, de 24 de janeiro de 2002, instituiu o programa Auxílio-Gás, que destina R$ 15,00, bimestralmente, às famílias com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo. Serão beneficiadas todas as famílias que já participam dos programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação, e aquelas inscritas no Cadastro Único do Governo Federal que se situem naquele limite de renda familiar.

A expectativa é que o programa alcance a 9,3 milhões de famílias ainda este ano, tão logo se conclua o referido Cadastro, que está sendo cuidadosamente elaborado pela Secretaria de Assistência Social do Governo.

O vital setor de mineração não foi esquecido. Diversas medidas foram implementadas, outras estão em curso, como as que compõem o Programa de Desenvolvimento da Produção Mineral, integrante do Avança Brasil, e os planos e atividades da Secretaria de Minas e Metalurgia.

Incluem-se aqui os estudos e pesquisas de política mineral e as ações da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais e do Departamento Nacional de Produção Mineral, cuja relevância torna apropriado ressaltar alguns aspectos significativos das políticas governamentais para o setor mineral, que visam particularmente:

· a indução de investimentos privados capazes de promover um novo ciclo dinâmico de produção mineral, e conseqüentes efeitos sobre a atividade produtiva, a geração de renda e emprego, bem assim os benefícios sociais daí originados;

· a ampliação do acervo de dados sobre as áreas de maior potencial, com ênfase no uso de métodos avançados que, tornando disponíveis as informações necessárias, permitem significativa redução dos riscos inerentes à atividade;

· a gestão das concessões minerais mediante a nova filosofia que preside o setor no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, permitindo combate eficaz à ação nociva de especuladores que tentam bloquear o acesso dos investidores às áreas disponíveis para pesquisa e exploração, pela via da redução dos prazos de outorga de direitos minerários;

· a reestruturação institucional do setor mineral, envolvendo mudanças nos arcabouços jurídico e administrativo, a simplificação das normas, procedimentos e sistemas de controle; medidas nessas áreas que já resultaram no aperfeiçoamento do processo de concessão de alvarás de pesquisa.

· o fim da discriminação ao capital estrangeiro, para recuperação da competitividade dos recursos minerais e maior disponibilidade de recursos financeiros para a realização de projetos de pesquisa, produção mineral, agregação tecnológica e ampliação do acesso aos mercados internacionais;

· os levantamentos dirigidos na Amazônia, cobrindo tradicionais províncias minerais como as de Alta Floresta (MT), do Tapajós (PA), da Reserva Nacional de Cobre e Associados (PA-AP) e Parima-Uraricoera (RR) e Carajás (PA), todas notabilizadas pela abundância de ocorrência de depósitos minerais e de garimpos, porém virtualmente desconhecidas sob o ponto de vista técnico-científico da geologia.

Destaco, ainda, o novo Código de Mineração, já submetido a consulta pública, e em vias de ser remetido ao Congresso Nacional, visto que se encontra em fase final de elaboração por parte da Casa Civil da Presidência da República. Outro projeto que deve chegar brevemente ao Congresso, concluído no período em que estive à frente do Ministério, é aquele que cria a Agência Nacional de Mineração, órgão sucedâneo das atuais estruturas do setor e um antigo anseio daqueles que fazem a mineração no Brasil.

Neste balanço final de minha atuação frente ao Ministério de Minas e Energia, não poderia deixar de destacar uma conquista igualitariamente dividida entre todos os trabalhadores das empresas vinculadas ao Ministério, qual seja, o maior lucro de toda a história, atingido, em 2001, tanto por parte da Petrobrás (Nove bilhões, oitocentos, sessenta e sete milhões de Reais) e da BR Distribuidora (Trezentos, setenta e quatro milhões de Reais), quanto pela Eletrobrás (Dois bilhões, quatrocentos, cinqüenta e cinco milhões de Reais), empresas cujos Conselho de Administração tive a honra de presidir.

Senhor Presidente, Senhores Senadores.

Em março de 2001, na qualidade de membro do Partido da Frente Liberal - de cuja Executiva Nacional tenho a honra de ser vice-presidente -, fui distinguido pelo Senhor Presidente da República com o convite para ser Ministro de Minas e Energia. Aceitei, como homem de partido, como político (e representante de meu Estado no Senado Federal) e como cidadão.

Foi um período tão curto mas expressivamente rico em experiências e conquistas. Tive a satisfação de integrar a equipe de governo liderada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Enriqueceu-me, além desse convívio, a participação no trabalho patriótico e profícuo dos quadros dirigentes, técnicos e administrativos do Ministério de Minas e Energia, em particular, e dos setores energético e de mineração em geral, no âmbito do estado como no das empresas e entidades privadas.

Hoje, porém, as circunstâncias políticas afiguram-se em tudo diversas, senão antagônicas, às vigentes no momento em que assumi o Ministério. O cargo que ocupei é de livre escolha do Presidente da República, bem o sei. Porém não devo considerar exclusivamente pessoal a distinção, na medida em que a escolha dirigiu-se primeiro ao Partido da Frente Liberal, ao qual pertenço e a cujas decisões devo curvar-me.

Encerrei, assim, uma etapa de minha carreira. Fi-lo com a consciência do dever cumprido, e creio ser lícito pensar que retorno a esta Casa fortalecido para prosseguir a luta, que é de todos nós, por um Brasil melhor.

O serviço de estado tem muitas frentes. Em todas elas é importante contar, mais que qualquer outro atributo, com disposição para a luta e uma visão sempre positiva do mundo, das gentes e das coisas.

Termino, pois, esta intervenção com um conceito muitas vezes repetido pelo Vice-presidente Marco Maciel, insigne líder de meu Partido e meu Estado: o otimista pode até perder; o pessimista já começa derrotado.

É com este ânimo que retomo meus trabalhos no Senado Federal.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2002 - Página 2789