Discurso durante a 28ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

DADOS SOBRE A POLITICA SOCIAL-DEMOCRATICA DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E A QUESTÃO AGRARIA NO PAIS. LEGALIDADE E ORDEM NA DESOCUPAÇÃO DA FAZENDA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • DADOS SOBRE A POLITICA SOCIAL-DEMOCRATICA DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E A QUESTÃO AGRARIA NO PAIS. LEGALIDADE E ORDEM NA DESOCUPAÇÃO DA FAZENDA DO PRESIDENTE DA REPUBLICA.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Edison Lobão, Lindberg Cury.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2002 - Página 2964
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, INVESTIMENTO, GOVERNO FEDERAL, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, QUANTIDADE, FAMILIA, OBTENÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, REDUÇÃO, VIOLENCIA, CAMPO, REPUDIO, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, EXCESSO, CRITICA, GOVERNO, AUSENCIA, POLITICA SOCIAL.
  • CRITICA, MEMBROS, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, INVASÃO, PROPRIEDADE RURAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, ATUAÇÃO, POLICIA, DESOCUPAÇÃO, PRISÃO, RESPONSAVEL.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o País acompanhou os acontecimentos relativos à invasão da casa do Presidente da República por um setor radical do Movimento dos Sem-Terra - nem diria por um setor radical, mas por um setor comandado por segmentos radicais.

Eu poderia ficar no debate menor sobre essa questão: tirar os proveitos políticos; levantar as teses oportunas para o momento eleitoral. Porém, não pretendo fazê-lo, pelo menos no meu discurso, em que pese o charme de todo esse material.

O que desejo falar é sobre o problema existente no Brasil e sobre algo muito pouco considerado, divulgado e concebido: qual é a política socialdemocrata para a questão da terra no Brasil.

É habitual a Oposição alcunhar o Governo de neoliberal. Eu diria que isso é uma tolice, do ponto de vista de análise ideológica ou econômica, mas o termo passou a ser adjetivo. Neoliberal é quase hoje, graças à condução que a esquerda reacionária fez do problema, sinônimo de atrasado.

O Governo não é neoliberal. O Governo é uma junção de forças liberais com segmentos sociais e democratas. Foi essa a aliança aprovada pela população duas vezes. E a política de reforma agrária e de agricultura familiar no Brasil é uma demonstração cabal do que estou a afirmar.

Vamos, portanto, falar sobre o que é uma política de esquerda moderna, no campo brasileiro, atuando sobre relações que eram quase feudais, pelas quais muito já se lutou e pelas quais minha geração foi para o exílio - inclusive porque empunhávamos a bandeira da reforma agrária desde então. E aí vamos poder verificar o que significa a ação dessa política, com fatos e com números.

Sr. Presidente, em sete anos - primeiro é um número geral -, foram assentadas no Brasil, em quase 20 milhões de hectares, 58.655 famílias. Ou seja, quase 60 mil famílias foram assentadas em sete anos.

Os políticos apreciam, deveras, recordes: “…nunca nenhum governo...”. Não vou dizer isso. É verdade que esse é um dado excepcional. Adiante, eu mostrarei a evolução desde muitos anos antes, mas é uma evolução que deverá continuar. E não será bater recordes o objeto principal da minha fala.

O investimento global dos 4.275 assentamentos foi de R$13,12 bilhões. Ademais foram aplicados R$14,4 bilhões no plantio e custeio da safra por intermédio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf.

Para a safra 2001/2002, deste ano, tem destinada para ela a quantia de R$4,196 bilhões.

São números espantosos, como é espantoso o tamanho do problema, como é espantoso, também, o tamanho do País, porém eles revelam, nessa visão inicial, macro, que faço aqui, o significado, a força e os recursos destinados ao desenvolvimento do sofrido povo brasileiro no campo; esse, que é interpretado, sem dúvida, pelo Movimento dos Sem-Terra, mas que não é interpretado por todos os que buscam radicalizar a qualidade desse movimento.

Um dado sobre a distribuição de crédito aos assentados da reforma agrária também é um dado de prioridade orçamentária. O Governo distribuiu nos últimos anos, R$337,5 milhões em créditos para a instalação e infra-estrutura de assentados. O montante para a instalação atingiu R$237,5 milhões, beneficiou 90.839 famílias. Na infra-estrutura, no preparo, foram investidos R$100 milhões, dos quais, R$87 milhões, do Orçamento-Geral da União/Incra, R$13 milhões, por meio dos convênios Fida/BID, atendendo a 50.100 famílias.

Além disso, o Governo entregou títulos definitivos, entre 2000 e 2001 - ainda não existem dados de 2002 -, ou seja, em apenas um ano, a 127.611 famílias. Outras 134.111 famílias foram consolidadas nos assentamentos.

O Programa de Acesso Direto à Terra, desenvolvido em parceria com os Correios, inscreveu 693.015, quase 700.000 famílias, em 4.257 municípios, famílias essas interessadas em ingressar no programa de reforma agrária. Deste total, 100 mil já foram entrevistadas pelo Incra para serem assentadas.

Trouxe esses dados, Sr. Presidente, porque é preciso ter-se a noção do tamanho do problema e do esforço que o País dedica à reforma agrária e ao desenvolvimento agrícola, porque, sem a consciência desses dados e da prioridade social que representam na ação do Governo, qualquer consideração é superficial, falsa.

Tenho aqui - posso exibir a V. Exªs, embora não tenham condição de visualizar de onde estão - um mapa do desenvolvimento de famílias assentadas desde 1995, portanto, sete anos do atual Governo. Em 1995, foram assentadas 42.912 famílias; em 1996, 62.044; Em 1998, houve um salto para 101.094 famílias; em 1999, uma pequena queda: 85.226; em 2000, uma subida - recorde até hoje -, 108.986 famílias - quase 109 mil - e, em 2001, 102.449 famílias. Dessas, 18.972 famílias encontram-se em fase de decreto ou subseqüente.

Há outro dado que diz respeito aos hectares obtidos e aos projetos criados. Como sabem V. Exªs, ao hectare correspondem não apenas o assentamento, mas o funcionamento de projetos de desenvolvimento, o complemento da reforma agrária, a condição para o trabalho, a efetiva formação de quadros e a preparação de uma agricultura baseada não apenas no modelo antigo, mas que se possa inserir no grande esforço da agricultura brasileira que exporta mais de 100 milhões de toneladas de grãos a cada ano.

Em 1995, a área obtida com a reforma agrária englobou 1.313.509 hectares. Em 1996, houve um salto significativo: 4.451.896 hectares. Em 1997, manteve-se o mesmo padrão: 4.394.524 hectares; em 1998, 2.540.645 hectares; em 1999, 1.478.536 hectares. Esse número voltou a crescer em 2000: 3.861.268 hectares; em 2001, 1.697.043 hectares.

O total de hectares obtidos nesse período neste País continente é 19.737.421 hectares. Portanto, atingiram-se quase 20 milhões de hectares num programa de sete anos. Os dados de 2000 seguramente ampliarão esse número e completarão as informações que lhes estou passando.

É interessante fazer uma comparação não, como disse antes, para bater recordes - sob a alegação de, por exemplo, “o nosso Governo é o melhor” -, mas para verificar o esforço brasileiro nessa direção. De 1964, quando o movimento militar erigiu até um projeto de reforma agrária, até 1994 - 30 anos depois -, foram assentadas 218.033 famílias. Trata-se de medida gradativa. De 1995 a 2001, assentaram-se 584.655 famílias. Enfatizo a palavra “famílias”, porque significa população. O número de população, se fosse dado aqui, seria um número efetivamente formidável.

Portanto, tivemos, em 30 anos, 218 mil famílias e, em sete anos, o dobro praticamente - um pouquinho mais -, ou seja, 584. 655 famílias.

Há um grande desenvolvimento de créditos e cabe uma palavra também sobre a participação do Orçamento da República nessa matéria. Peço escusas por talvez ser cansativo na enumeração, mas se trata de seriedade na análise do assunto. Vejamos: em 1995, o valor orçado foi de R$1.522.111.020,00. No começo do atual Governo, já se investia esse valor no Orçamento. Era essa a verba destinada para a reforma agrária. Em 1996, passou para R$1.570.363.536,00; em 1997, quase duplicou: R$2.645.783.262,00; em 1998, manteve R$2.231.038.978,00 reais; em 1999, R$1.453.754.196,00; em 2000, R$1.848.231.746,00; e, em 2001, atingiu R$2.002.849.043,00. Assim, tivemos um desenvolvimento absolutamente espantoso na matéria.

            Se formos considerar os aproximadamente R$25 bilhões que o País gasta com educação, os mais de R$30 bilhões que o País gasta com saúde e mais o andamento de todos os projetos sociais, verificaremos que a política, a visão socialdemocrata do Governo avançou e contou - faço questão de afirmá-lo - com o apoio evidente do Partido da Frente Liberal, do PMDB e dos demais partidos da base do Governo. Mas cito o PFL porque os liberais modernos - não me refiro aos liberais conservadores - têm uma visão capaz de se integrar nessa pavimentação de caminho pelo centro que o desenvolvimento brasileiro necessitou nesse período, responsável por uma abertura na economia, uma liberação dentro da máquina do Estado dos setores de investimento, setores que estavam paralisados pela perda da capacidade de investimentos do Estado, toda uma política fiscal, controle rígido da política orçamentária, abertura para o desenvolvimento econômico, exatamente permitindo, na área social, um investimento dessa natureza e dessa grandeza que nunca é reconhecido nos discursos, nos debates, que são verbais e que não trazem números e que servem, talvez, para encantar uma discussão superficial na vida brasileira. Porém, não servem, não significam um estudo sério e profundo da mesma. Este Governo herdou um País falido, um Estado falido, com o Poder Público sem condição de investimento. E, dentro do esforço ingente de organizar as finanças públicas, de controlar a inflação, conseguiu dar um grau de hierarquia e prioridade à questão social permanentemente negados e constantemente acoimados por esta palavra que é uma traição semântica: neoliberal.

Aliás, as palavras estão a perder o sentido. Adrenalina passou a ser adjetivo e acompanhado de outro: tremenda adrenalina! É tudo uma adrenalina! Ainda ontem, vi um campeonato de skate, e o rapaz dizia: “Adrenalina! Só adrenalina!” Há uma carga semântica na contemporaneidade que reutiliza expressões que vão ganhando novos significantes, já que o significado está lá no dicionário, está lá no vernáculo. Neoliberal é uma dessas palavras. “Fulano, ha, ha, ha, é um neoliberal!” Grande ofensa! Começa que, se fôssemos tomar a palavra ao pé da letra, é melhor um neoliberal do que um liberal arcaico. Segundo, que isso não quer dizer nada. Não conheço tratadista de política que considere neoliberalismo um adjetivo. Na minha época era o imperialismo ianque; as palavras eram de outra natureza.

Não, não e não. Há uma política socialdemocrata em marcha no Brasil. E essa política não quer o Estado onipotente, gigante, ineficaz, interveniente, como nossas velhas idéias socialistas o desejaram em sua utopia de buscar justiça pelo Estado, maravilhosa aliás, mas que se tornou inconsistente na prática. Mas sim o Estado pequeno, porém eficaz; forte porque democrático. Estado que, aliás, deu um exemplo na manhã de domingo na ação realizada pelas forças públicas na fazenda do Presidente da República. Nenhuma violência; império absoluto da lei; argüição de culpabilidade, sim, para quem invade propriedade alheia, porque não é privilégio de um movimento com causas significativas e justas romper a lei como ocorreu ao longo do tempo com o apoio de várias instituições político-partidárias e que, talvez por um caldo de cultura criado por esse apoio, tem os seus segmentos mais radicais com uma possibilidade de efetivamente comandar ações dessa natureza. Não. Responsáveis por invasão de domicílio, em qualquer domicílio, têm que responder perante a lei, sim. Não é porque a causa é nobre que o ato ilegal se justifica. E ato ilegal se combate com serenidade, dentro da lei e com ordem.

Imaginem se, num país em que a autoridade é desafiada todos os dias pela marginalidade, num país no qual medra, pelos Estados afora, um estado de verdadeira anomia, de destruição da sociedade desorganizada e de desmoralização direta da autoridade, imaginem se nesse país, com essa dificuldade, o presidente da República aceitasse passivamente, para agradar a meia dúzia de exaltados, que a ordem não fosse cumprida a partir da sua casa. Aí sim seria grave. Mas eu já sinto, já vejo, já percebo no horizonte as vozes de sempre: “Ah, estão presos!”. Loucos por uma vítima, torcendo por uma vítima em ano eleitoral, e tentando fazer de uma ação serena, equilibrada, porém na forma da lei, um ato de quase arbitrariedade. Cheguei a perceber no noticiário de uma emissora, ontem à noite, na televisão, praticamente a idéia, a vontade de buscar algum elemento que justificasse violência, arbitrariedade, o que não houve.

Eu dizia, portanto, que, neste País, a crise do Estado foi enfrentada com vigor, com denodo, com impopularidade; neste País, a crise do Estado foi enfrentada; neste País, tem-se, paralelamente ao enfrentamento da crise do Estado, a idéia de recuperação gradativa do Estado, de organização da dívida, que vem de muito longe, de estabilidade econômica e de um investimento do grau e da natureza desse potencial por mim apresentado - citado, aliás, de uma maneira muito curiosa e muito inteligente, como lhe cabe, por Fidel Castro em sua última visita ao Brasil. Os jornais registraram: “Não sei, Fernando Henrique, como você conseguiu fazer essa reforma agrária sem revolução”. Interessante essa fala de Fidel porque, até então, só se obtinha reforma agrária desse tamanho, com essa extensão, com esse investimento, com esse conteúdo social, com arma na mão. Porém, quem acredita na democracia, quem acredita no avanço gradual da sociedade, quem acredita na liberdade como forma de organização da sociedade para que ela possa se expressar livremente e dos governos que sejam capazes de ouvir essa mesma sociedade, quem acredita nisso sabe - e nós sabíamos desde antes de 1964 - que é possível fazer as reformas neste País dentro da lei, dentro da ordem, em plena liberdade democrática. E fomos ceifados e cortados naquele então, para de novo aquela mesma geração, a geração do exílio, a geração da amargura conseguir, uma vez no poder, realizar paulatina e gradativamente um projeto que não é compreendido porque os números nem sempre chegam às pessoas. Os dados concretos diretamente se ocultam, e também porque o Governo se comunica mal, diga-se de passagem, como se comunicou mal, nesses 7 anos, realizando a tarefa de fazer chegar à população esses números e dados.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Artur da Távola, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Antes de prosseguir com dados importantíssimos que desejo trazer às Srªs e aos Srs. Senadores sobre a queda da violência no campo, concedo, com muita honra, o aparte ao Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Artur da Távola, sempre hesito em apartear V. Exª porque o tempo que tomo de V. Exª é o tempo que extraio das Srªs e dos Srs. Senadores de ouvirem a beleza de seus argumentos e de sua retórica. Nesse aparte não venho em seu socorro, pois V. Exª dele não necessita, mas em apoio a tudo quanto foi dito. Em verdade, hoje se pratica no Brasil uma reforma agrária em que muitos não acreditam. Outros dela não se aperceberam, como afirmou V. Exª. Este País viveu 460 anos de sua história sem praticamente nenhuma reforma agrária. Até 1964, foram distribuídos não mais que 100 mil títulos de terra. Praticamente se fez uma revolução contra aquilo que se falava de reforma de base. João Goulart, a todo instante, mencionava a reforma agrária e, todavia, por ela nada fazia. Vieram os militares, como citado ainda há pouco por V. Exª, os quais prontamente instituíram o Estatuto da Terra e começaram a executar a reforma agrária em nosso País. Em 18 anos, segundo V. Exª, e os números são verdadeiros, foram distribuídos cerca de 218 mil títulos de terra. Em apenas 7 anos, o atual Presidente da República assentou 470 mil famílias. Não se diga, portanto, que este Governo - e também os outros - não cuidou da reforma agrária. Recordo-me, Senador Artur da Távola, de que era Governador do Estado do Maranhão, por volta de 1992, quando veio ao Brasil Sua Santidade. Muitos que falavam em nome da Igreja diziam que ela exigia a reforma agrária, ainda que com violência. Pediram ao Papa que fizesse, em uma de suas homilias, uma manifestação a respeito da reforma agrária. O Papa escolheu, então, o Maranhão para fazê-la. Em sua comunicação no meu Estado, Sua Santidade falou em benefício de todos os sem-terra, de todos aqueles que sofrem neste País - e muitos sofrem mesmo. Ao chegar à questão da propriedade privada, Sua Santidade expressamente disse que não admitia, sob nenhuma hipótese, a invasão da propriedade alheia. A linha do discurso de V. Exª está absolutamente correta. O Governo está fazendo a reforma agrária e auxiliando os assentados com recursos. Mais de R$20 mil foram destinados aos assentados. Se dividirmos R$20 mil pelo valor do salário mínimo, verificaremos que os assentados receberam, de uma só vez, dezenas e dezenas de salários mínimos para ajudar no início de suas novas vidas. Portanto, as invasões são inaceitáveis. A reforma agrária, sim, deve prosseguir. Se possível, deve ser acelerada por este e pelos próximos Governos, mas invasão nunca.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Muito obrigado, Senador, V. Exª tem toda a razão. Esse é o centro de toda discussão. Felizmente os partidos políticos brasileiros, todos, se manifestaram nessa direção, foi muito clara a própria manifestação do PT.

O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Senador Artur da Távola, peço-lhe um aparte.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Em seguida, com muito prazer, concederei o aparte a V. Exª. Permita-me apenas responder ao Senador Edison Lobão.

Se o Presidente da República deixasse passivamente a sua casa ser invadida é evidente que estaria dando à Nação a idéia de que a desordem se implantava no País; ele não pode, não deve e não o fez em nenhuma dessas ocasiões, até porque as pessoas que estavam ali não estavam para tomar conta de uma fazenda que, no caso, é produtiva.

Há também o fato de que um país vive não apenas do Governo, como se costuma pensar e supor do Brasil; o pais vive de suas instituições. Se as instituições não são respeitadas e não existem, acaba a ordem institucional do país. Qualquer democracia do mundo o é porque tem instituições fortes, e elas entre si fazem o equilíbrio da sociedade, a Justiça é uma instituição, a Medicina, a Universidade, a Política, a Religião, todas são instituições. É da proliferação das instituições fortes e respeitadas que vive a vida de um país, assim é a propriedade. Qualquer pessoa que já vive em insegurança por causa de um problema de violência, este sim muito grave, no país e no mundo, se vê a casa do Presidente da República ser invadida sem providência alguma, sentir-se-á ainda mais desprotegida. Há que zelar por isso. A incolumidade da propriedade não existe porque pertence aos filhos do Presidente da República, mas porque é um direito em si da propriedade.

Com prazer, concedo o aparte ao Senador Lindberg Cury.

O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Prezadíssimo Líder do Governo, farei um breve aparte. V. Exª trouxe à tona um assunto dos mais palpitantes, principalmente porque ocupou a mídia no final de semana. V. Exª apresenta números claros e evidentes os quais mostram que a reforma agrária está sendo feita no País. Os 538 mil assentamentos feitos nos últimos anos merece respeito, atenção e reflexão de todos nós, mas, na verdade, o Governo não está levando ao conhecimento da Nação esse número de beneficiários da reforma agrária. Sabemos perfeitamente que, apesar da extensão continental do País, teríamos como fazer a reforma de maneira plausível e segura e gerar a produção que todos almejamos. Para não interromper o raciocínio de V. Exª, que ainda tem números a citar, minha sugestão seria a de que V. Exª, como Líder do Governo, levasse à frente justamente esse esclarecimento e mostrasse à Nação os Estados onde há maior concentração de pessoas que pertencem a esse núcleo agrícola e que estão trabalhando, plantando e gerando riquezas para o País. Seria um enorme incentivo. Deixo a critério de V. Exª o modo de fazê-lo. Poderá usar os meios de divulgação para mostrar ao País o que está sendo feito. De outro lado, vimos esse lamentável gesto de agressão que ocorreu com uma fazenda do Presidente da República, agredindo não apenas Sua Excelência, mas também a instituição democrática brasileira. Todos ficamos chocados. Estamos em ano de eleição, e fatos dessa natureza devem ocorrer de agora em diante. O objetivo, como foi dito, é chamar a atenção, fazer com que a mídia dê destaque a atos dessa natureza, enfim, obter alcance político por meio de um gesto abominado por toda a sociedade brasileira.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Muito obrigado.

Em abono ao que V. Exª disse, vou trazer alguns dados interessantes para nossa consideração. Um dado terrível, na vida no campo, é o assassinato de trabalhadores rurais. Tenho números de 1980 a 2001. Em 1980, foram assassinados 73 trabalhadores rurais; 110, em 1981; 59, em 1982 -- há um pico e uma subida --; 96, em 1983; 134, em 1984; 180 - é o máximo -, em 1985. Depois, cai para 122, e continua caindo. Para que V. Exªs tenham uma noção, a curva é absolutamente descendente: em 2000, 10; e em 2001, 14. Esses dados mostram o quanto cessou grande parte dessa tensão no campo graças às medidas tomadas, igualmente no que se refere às invasões de terra. Infelizmente, o gráfico aqui é pequeno, e eu não disponho de melhores recursos, mas há uma queda. Em 1996, houve 397 invasões, e os números vêm caindo: 502, 446, 455, 226 e 157 em 2001, o que mostra também a queda no número de invasões e o quanto o problema vai sendo objetivamente resolvido.

As invasões de terra, portanto, são muito expressivas: 397, em 1996; 502, em 1997; 446, em 1998; 455, em 1999, caindo verticalmente em 2000, fruto da política dos anos anteriores, para 226 e 157 no ano passado. A curva é absolutamente descendente em 1996 e acaba exatamente aqui, quase ao pé do gráfico, no ano 2000.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Permite V. Exª um aparte, nobre Senador?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Com muito prazer, nobre Senador.

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Senador Antonio Carlos Valadares, apelo a V. Exª para que seja breve, pois o orador ultrapassou em mais de 15 minutos o tempo que lhe era destinado.

            O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Eu pediria apenas dois minutos a V. Exª. Primeiramente, gostaria de dizer que, quanto às invasões, o PSB pensa da mesma forma que a sociedade brasileira, ou seja, nós não aceitamos. Está assentado no pensamento do nosso Partido que o direito à propriedade é garantido pela Constituição. As invasões não são instrumentos adequados para as conquistas dos trabalhadores. Existem outros métodos previstos na nossa Constituição que poderão ser adotados pelo Movimento dos Sem-Terra. Agora, eu gostaria de tirar uma dúvida, nobre Senador. Os jornais divulgaram que o Ouvidor-Geral, Gercino José da Silva, e a Ouvidora-Adjunta, Maria José da Silva, haviam prometido aos sem-terra que, se desistissem daquela invasão, se os ânimos fossem contidos, se deixassem a propriedade, eles não seriam presos. V. Exª é o Líder do Governo, e eu gostaria que V. Exª me dissesse se o Governo deixou de cumprir a palavra em algum momento, já que se buscava retirar os trabalhadores, os invasores da propriedade da família do Presidente de forma conciliadora, sem violência. Entretanto, o que vimos foi uma humilhação, os trabalhadores jogados, de bruços na terra, algemados.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Deitados, não jogados.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Jogados, sim. O Correio Braziliense traz uma foto humilhante. Ficaram com o rosto na lama. Evidentemente, os órgãos de direitos humanos no Brasil vão se manifestar a esse respeito. A foto foi publicada na primeira página do Correio Braziliense.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Eu vi, Senador.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Está aqui: de costas, algemados, com o rosto colado na lama. Considero isso uma desumanidade. Assim como não apoiamos a invasão intempestiva, não concordamos com esse ato. Então, gostaria que V. Exª me esclarecesse se realmente houve esse acordo antes da retirada dos trabalhadores.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Senador, eu não estava lá, não sei. Realmente, os ouvidores se afastaram sob o argumento...

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Não perguntei se V. Exª estava lá, V. Exª é Líder do Governo. Indago se V. Exª, como porta-voz, como o leva-e-traz do Governo, tomou conhecimento, no Palácio do Governo, de que haveria um acordo antecipado para que os trabalhadores se retirassem do local pacificamente, a fim de evitar prisões humilhantes, como houve.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Sr. Senador, V. Exª deveria saber que eu não sou leva-e-traz nem da minha família, nem o fui dos meus pais.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Desculpe-me, talvez V. Exª não saiba, mas eu fui Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe e Deputado Estadual por muitos anos, e, lá no meu Estado, o Líder do Governo é o leva-e-traz.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Certo. Mas no meu não é, Senador.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - V. Exª não se ofenda com o que eu disse. Lá no meu Estado, todos sabem que o Líder do Governo é o leva-e-traz. É o nome técnico.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (Bloco/PSDB - RJ) - Não estou ofendido. Estou apenas fazendo uma correção técnica. Não há nenhuma ofensa, porque V. Exª não é homem de ofender. Vossa Excelência é uma pessoa extremamente amável e cordial. Eu estou apenas fazendo uma correção técnica, porque no Rio de Janeiro o leva-e-traz tem, diferentemente de Sergipe, uma acepção um pouco diversa.

Não é isso que importa, todavia. Importa, Sr. Senador, que há realmente uma dúvida e deve ter havido dificuldades de comunicação, num momento agudo como este, entre o Governo e os ouvidores, que acharam por bem se demitir.

Eu não acredito, sinceramente, que os Ministros da Justiça e da Reforma Agrária admitiriam fazer qualquer acordo à revelia da lei. Aí, sim, eles estariam extremamente errados. Não houve violência nenhuma, houve energia. Vossa Excelência, acredito eu, sabe o que é violência e sabe também que, num momento agudo, as algemas têm de ser usadas. É a forma, inclusive, de se evitar a violência. Não há uma pessoa machucada. Não se pode tomar a idéia de que houve violência, tomar um pontinho complexo no meio de uma questão enorme, para disso fazer o principal da matéria. Não faltarão organismos de direitos humanos, esses que são manipulados pelas mesmas forças que manipulam diretamente o segmento radical do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, para imediatamente tentar extrair da contra-informação algo superior à informação. A informação é muito séria e muito grave, além de ser, do ponto de vista dos objetivos políticos desses segmentos, um erro catastrófico sobre o qual não falei aqui, porque eu não queria que o meu discurso fosse do tipo do “o meu é bom, o seu é ruim ou o Governo é bom, a Oposição é ruim”. Eu quis usar a oportunidade em que a Nação, de alguma maneira, está atenta a esse problema, para trazer-lhe dados, números, informações, porque ela não está informada. Ninguém sabe desses dados efetivamente, porque são números difíceis, complexos e ninguém está no Brasil todo para saber o que está acontecendo. Vemos apenas o que está perto dos nossos olhos.

Então, Senador, eu quis apenas antagonizar um ato radical, tentando simbolizar, na figura do Presidente da República, a quebra da autoridade num momento decisivo da vida brasileira. Eu quis apenas antagonizar essa atitude com essa construção gradativa, penosa, diária, essa construção que V. Exª viveu como Governador, aquela que faz o ser humano criar, construir e ver, permanentemente, o problema se agravar por dificuldades estruturais da vida brasileira e a injustiça ao seu trabalho vicejar ao seu lado, sofrendo a dor de verificar que o melhor do que se faz, em geral, é o que não aparece na ação política. Estou aqui num esforço de tentar mostrar como é penosa.

Estamos chegando, V. Exª sabe disso - pois é um bravo lutador dessa causa - de séculos de opressão no País. Estamos dando os primeiros passos de uma nação moderna, democrática e madura na direção de enfrentar esse problema. Sinto-me no dever de não deixar que a injustiça da crítica fácil se sobreponha ao trabalho diário, construtivo, penoso, idealista, que já transformou o campo brasileiro e que é motivo e de honra de todos nós.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2002 - Página 2964