Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE AMPLA DIVULGAÇÃO DO DESCONTENTAMENTO DO BRASIL COM AS RESTRIÇÕES IMPOSTAS A IMPORTAÇÃO DE AÇO PELOS ESTADOS UNIDOS.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • NECESSIDADE DE AMPLA DIVULGAÇÃO DO DESCONTENTAMENTO DO BRASIL COM AS RESTRIÇÕES IMPOSTAS A IMPORTAÇÃO DE AÇO PELOS ESTADOS UNIDOS.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2002 - Página 3203
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, IMPLANTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), REFERENCIA, EXCESSO, PROTECIONISMO, AÇO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • REPUDIO, ALEGAÇÕES, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUMENTO, TARIFAS, IMPORTAÇÃO, AÇO, MOTIVO, SALVAMENTO, INDUSTRIA SIDERURGICA, POSSIBILIDADE, FALENCIA.
  • ACUSAÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUMENTO, TARIFAS, IMPORTAÇÃO, AÇO, MOTIVO, CAMPANHA ELEITORAL, OBTENÇÃO, VOTO, TRABALHADOR, INDUSTRIA SIDERURGICA.
  • ANALISE, PERDA, BRASIL, EXPORTAÇÃO, NECESSIDADE, UNIÃO, PAIS, QUESTIONAMENTO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), ATUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), VIOLAÇÃO, NORMAS, AMBITO INTERNACIONAL, LIBERDADE, COMERCIALIZAÇÃO.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (Bloco/PSDB - TO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os defensores mais exaltados - e mais ingênuos - da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) estão agora postos diante da necessidade de explicar, à opinião geral, como acham mesmo que essa instituição funcionará, se vier a ser implantada. Pois eis que, há poucos dias, aquele país paladino das liberdades de comercialização e de movimentação de capital, aquela potência hegemônica do mundo globalizado tomou duras medidas no sentido de proteger da concorrência estrangeira um de seus setores industriais mais ineficientes e arcaicos.

Refiro-me, é claro, ao pacote do aço lançado pelo presidente norte-americano George W. Bush.

As medidas protecionistas, destinadas a ter vigência por três anos, visam, segundo alegam os representantes norte-americanos à Organização Mundial do Comércio (OMC), a proteger da falência as indústrias siderúrgicas de seu país. Segundo esses delegados, essas empresas americanas estariam ameaçadas pela concorrência com o produto de países exportadores, entre os quais o Brasil.

Decisões desse tipo, por parte do Governo americano, vêm sempre acompanhadas de acusações de dumping, de subsídios exagerados, dirigidas aos países que oferecem produtos a preços inferiores aos que a indústria americana consegue manter. Na verdade, quase sempre - e, de fato, é esse o caso agora -, trata-se de um setor industrial que está decadente nos Estados Unidos, utilizando equipamento ultrapassado e pagando salários mais altos que a média mundial. Tudo isso implica preços não-competitivos.

Se lá valesse mesmo o credo do livre comércio que prega com tanta insistência aos mais fracos, o Governo americano deveria simplesmente cruzar os braços e deixar falirem as empresas ineficientes instaladas em seu território. Mas isso, naturalmente, seria causar o desemprego de alguns milhares de trabalhadores - ou, melhor dizendo, de eleitores. Não nos devemos esquecer tampouco que também são eleitores os trabalhadores aposentados das indústrias em questão, geralmente pensionistas dos fundos de aposentadoria mantidos por essas empresas.

Acontece que - pequeno detalhe - haverá eleições legislativas no final deste ano. E a administração republicana tem todo o interesse em manter o controle da Câmara dos Deputados, não podendo admitir a derrota em Estados cuja economia está fundada na siderurgia, como Ohio, Virgínia Ocidental e Pennsylvania, com seus 190 mil metalúrgicos ativos e seus 600 mil aposentados.

Por causa desse interesse eleitoreiro do presidente americano, o Brasil, bem como o Japão, a Coréia e os países da União Européia vêem-se prejudicados com cotas e tarifas de importação nos Estados Unidos que podem chegar aos trinta por cento. As cotas foram estabelecidas de acordo com as importações americanas de 2001, o que implica o limite de 2,54 milhões de toneladas para as placas semi-acabadas brasileiras, nosso principal artigo vendido àquele país.

A perspectiva do fim da atual recessão nos Estados Unidos e do retorno do crescimento econômico neste ano levariam fatalmente a um incremento das importações de aço, o que beneficiaria os países exportadores como o nosso. Porém, com a taxação em 30% de todo o aço que exceder o limite de 2,54 milhões de toneladas, nossas exportações estarão impedidas de crescer, pois seu preço se tornará proibitivo no mercado americano.

O Japão, a Coréia, a União Européia e até a recém-aceita China já estão levantando, na OMC, questionamentos de violação pelos americanos das regras internacionais do livre comércio. Os EUA invocaram o Acordo de Salvaguardas de 1994, que permite a um país a proteção temporária de uma indústria em dificuldades até que ela volte a ser competitiva. Não é a primeira vez nem será a última que eles o invocam, e, como das outras vezes, não será a última vez que outros países reclamam da legalidade dessa alegação dos americanos.

O problema, no caso, é que a indústria siderúrgica americana não tem jeito no médio prazo, pois será muito caro reestruturar todo o setor, como aliás o fez o Brasil após sua privatização. Dizendo em outras palavras: o custo em que nosso País já incorreu, ao modernizar seu setor siderúrgico, não poderá ser amortizado agora que os americanos estabeleceram essas barreiras.

Não pode haver nada mais contrário às teses econômicas neoclássicas e liberais, que defendem o lucro dos que tomam iniciativas em primeiro lugar.

Há uma perspectiva mais sombria, entre as conseqüências das medidas protecionistas americanas. É a de uma inevitável super oferta de aço no mundo ao longo dos próximos três anos, que causaria uma queda vertiginosa nos preços dos produtos siderúrgicos. Prejuízo certo para os países exportadores, como o Brasil. Aliás, com o perigo de dificuldades sérias - e risco até de falências - para nossas indústrias. Por isso o setor já reivindicando do Governo o aumento da tarifa nacional incidente sobre os produtos siderúrgicos que importamos.

É verdade que, apesar de todos esses inconvenientes causados pelas medidas de Bush, o Brasil não pode fazer retaliações muito fortes, sequer aquelas restritas ao setor, como a hipótese - levantada por alguns - de nossas siderúrgicas deixarem de importar o carvão americano. Somos muito pequenos no mercado internacional e as contra-reações americanas poderiam ser desproporcionais. Pela mesma razão, não podemos apelar abertamente para a cidadania e promover uma campanha popular de boicote aos produtos de consumo de origem norte-americana.

O que não podemos, tampouco, é ficar calados. O melhor caminho, pelo momento, é aderir, como terceira parte interessada, aos recursos que países ou grupos mais fortes, como o Japão ou a União Européia, impetrarem na OMC contra o pacote protecionista americano. Assim, pelo menos, não estaremos enfrentando o leão sozinhos.

Podemos nos aproveitar, também, de um eventual boicote de um gigante emergente, a China, que ameaça sobretaxar a soja americana. Se considerarmos que, ano passado, os chineses importaram um bilhão de dólares de soja dos EUA, veremos o enorme potencial para penetrarmos, com nossa soja, nesse imenso mercado. Assim como a soja para os chineses, deverá haver outras oportunidades de invasão de mercados compradores de produtos americanos que, eventualmente, decidirem por alguma forma de retaliação.

Podemos, ainda, escudados no próprio Acordo de Salvaguardas invocado pelos EUA, buscar mais energicamente exigir dos americanos certas compensações comerciais ao prejuízo que suas medidas nos causarão, que pode atingir a cifra de um bilhão de dólares nos três próximos anos. Essas compensações poderiam consistir em reduções equivalentes nas tarifas de outros produtos. Devemos estar conscientes, contudo, de que os EUA, à maneira do leão da fábula, não costumam cumprir esse lado do acordo, agindo sempre unilateralmente, como bem o podem atestar, por exemplo, nossos exportadores de suco de laranja.

Seja nos foros diplomáticos da OMC, seja na agilidade em entrar nos espaços comerciais eventualmente barrados a produtos americanos que possamos substituir pelos nossos, o Brasil precisa deixar claro seu descontentamento e mostrar que, apesar de relativamente pequeno no mercado mundial, não pode ser desprezado como se não tivesse qualquer relevância.

Muito obrigado


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2002 - Página 3203