Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defende autonomia financeira para as universidades públicas.

Autor
Alvaro Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Defende autonomia financeira para as universidades públicas.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2002 - Página 3648
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, MATERIA, AUTORIA, GILMAR PIOLLA, JORNALISTA, ENTREVISTA, ESPECIALISTA, EDUCAÇÃO, DEFESA, AUTONOMIA FINANCEIRA, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, UNIVERSIDADE FEDERAL, UNIVERSIDADE ESTADUAL.
  • ELOGIO, AUTONOMIA FINANCEIRA, UNIVERSIDADE ESTADUAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APOIO, EXCLUSÃO, APOSENTADO, FOLHA DE PAGAMENTO, UNIVERSIDADE, SETOR PUBLICO, DEFESA, DESVINCULAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), VINCULAÇÃO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, AUMENTO, EFICIENCIA.

O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já estamos acostumados: no Brasil, a crise pauta o debate. Quando ela eclode, o debate se estabelece. Se há uma solução, mesmo que parcial, o debate é sufocado e prevalece o silêncio. As soluções definitivas não são alcançadas.

Recentemente, as universidades federais estiveram em greve por um longo período de tempo. As universidades estaduais do Paraná estiveram em greve por quase seis meses consecutivos, com prejuízos irreversíveis para a comunidade universitária. Nós, especialmente no plano federal, estamos presenciando um silêncio, sobretudo em relação à autonomia universitária.

Recolho do trabalho de um competente jornalista, Gilmar Piolla, opiniões de destacada figuras do mundo universitário brasileiro a respeito da autonomia universitária. Por que não decola a autonomia das nossas universidades? O jornalista Gilmar Piola foi buscar opiniões de especialistas para entender por que isso não acontece.

Como disse, a greve nas instituições federais de ensino superior acabou, mas não há motivos para comemoração. O acordo não merece o estouro de champanhe ou a explosão de fogos de artifício. A paz celebrada é tão frágil quanto o cessar fogo já combinado inúmeras vezes entre judeus e palestinos. Lá, enquanto não for criado o Estado palestino, com reconhecimento da ONU e da comunidade internacional, não haverá paz duradoura. Aqui, pode-se dizer, descontando o exagero da comparação, que enquanto não for aprovada a autonomia universitária não haverá paz nos campi federais e entre o Ministério da Educação e as lideranças sindicais.

As universidades federais já desfrutam de autonomia didático-científica, mas, para sobreviver no tempo e atender as demandas da nova economia e da sociedade do conhecimento, precisam de uma autonomia mais ampla - administrativa, financeira e patrimonial. Aquela universidade vista como espaço de resistência não tem mais razão de ser. Funcionou durante a ditadura. Hoje, não faz mais sentido.

Há anos, Paulo Singer vem chamando atenção especial para dois desafios: “a crise das especialidades tradicionais e a rápida expansão da demanda por profissionais cultos, dotados de conhecimentos gerais e, por isso mesmo, flexíveis, com capacidade de assumir diferentes funções e, sobretudo, de enfrentar soluções e problemas inéditos”.

Isso tem colocado a universidade pública diante de um dilema, aparentemente, insolúvel: de um lado, surgem exigências cada vez maiores da sociedade por formação competente do cidadão/profissional. No outro extremo, estão uma corporação utilitarista e uma política de ensino superior imediatista, que fazem tudo para sufocá-la.

Apenas os dois desafios acima, lançados por Paul Singer, segundo a ex-professora da Universidade Federal do Paraná, Maria Amélia Sabagg Zainko, seriam suficientes para causar uma verdadeira revolução no interior das universidades, que não estão preparadas para enfrentá-los. Por quê? “Simplesmente porque na atual estrutura organizacional da universidade há prevalência das estruturas administrativas sobre as pedagógicas”, afirma ela, com a experiência de quem já foi vice-reitora da maior universidade paranaense.

Exemplo claro dessa anomalia é o excesso de funcionários técnico-administrativos em todo o sistema e a baixa relação aluno/professor. Segundo Maria Amélia, é por isso que todo o viés da discussão da autonomia fica centrado na questão financeira.

“Construir um novo modelo de universidade implica despojamento, rompimento com modelos que não dão conta da realidade. Implica o desatrelamento do Estado e o entendimento de que os aposentados fizeram uma opção de vida e, forçados ou não, escolheram deixar a universidade. Impossível mantê-los em equiparação com o pessoal da ativa. Os aposentados devem receber de outra fonte. Não estão mais na universidade, mas, muitas vezes, são eles que decidem o futuro de quem permanece. Não é muito casuísmo? Basta ver o peso dos inativos na eleição de reitores”, afirma a profª Maria Amélia.

Para o economista Cláudio de Moura Castro, ex-diretor da Capes e atual colunista da revista Veja, nenhum novo modelo de universidade será pior que o atual, que impera nas nossas federais. Ele simpatiza com a autonomia dada às universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp). “Deu certo”, afirma .

Quanto à questão do financiamento, Moura Castro defende um modelo semelhante ao inglês e ao chileno. “Seria um bom começo, mas deveria haver um fundão fixo, determinado por um algoritmo baseado no financiamento por número de formandos. O resto seria um balcão competitivo”, propõe. Moura Castro acha que a questão dos inativos não tem solução. “É assunto do Congresso Nacional e da Presidência da República. Onde pendurar a conta é um detalhe que nem muda a sua magnitude nem quem vai pagar”.

Do ponto de vista da eqüidade e da eficiência, ele é contra a gratuidade do ensino. No entanto, acha que ela pode ser mantida. “Se o custo político e o terrorismo político forem altos demais, por razões de conveniência, pode não ser a primeira prioridade”. Essa é a opinião do professor Moura Castro.

Perguntei a ele “como deve ser resolvido o problema dos baixos salários? A resposta veio num tom provocativo: “Baixos para quem? O salário/hora de quem trabalha no regime de dedicação exclusiva e só dá quatro horas de aula é altíssimo. Obviamente, quem faz pesquisa ou outra coisa e cumpre o seu contrato de trabalho ganha pouco. É uma grande injustiça da qual as próprias vítimas são coniventes. Quem denuncia o não cumprimento dos horários de trabalho? . Em uma economia de mercado, quem acha que vale mais do que ganha, vai procurar outro emprego. Quantos pediram demissão de seus empregos de professor federal? Mas repetindo, o idealismo de uma fração não desprezível de professores está sendo punido por salários baixos para a sua dedicação. O problema não é a massa salarial, mas a sua má distribuição. É uma das maiores injustiças que pode haver. Só que os injustiçados, os mais bem informados e educados do País, decidiram aceitar essa injustiça. Quem defende a isonomia salarial? Quem luta pela meritocracia dentro das universidades?” Pergunta o professor.

Outro que dá a cara a tapas é o Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, José Henrique Vilhena. Segundo ele, “a ineficiência das universidades federais - incluída a Universidade Federal do Rio de Janeiro - é assustadora”. Cada professor dessas instituições forma, em média, 1,3 aluno por ano. “Em países desenvolvidos, essa relação é de quatro por um”. Medir o desempenho de uma universidade pelo número de formados nem sempre é um critério justo. Mas o baixo número de concluintes por professor nas federais não deixa de ser um termômetro da ineficiência do sistema. Não é só a ineficiência acadêmica que preocupa; a administrativa, também. “Ela é a mais antiquada das administrações brasileiras”, define o Reitor.

Vilhena diz não haver razão para a formação de um fundo, com base nos repasses dos últimos anos, para financiar as universidades federais. “Seria congelar o custo/aluno e o sistema atual de aposentadoria, que é injusto em relação aos demais trabalhadores”, fulmina. Ele sugere um modelo de autonomia que premie as melhores instituições. Na sua opinião, quem atingir um padrão ideal de qualidade e desempenho deveria receber mais recursos. Para obter e manter a autonomia, as universidades se comprometeriam a cumprir metas a cada ano. “Autonomia não é para garantir a manutenção de privilégios”, ataca o Reitor.

O Professor Cristovam Buarque, ex-Governador do Distrito Federal, discorda um pouco do tom das críticas ao gerenciamento das universidades federais. “Não está satisfatório, mas também não está pior que outras instituições”, afirma. Mesmo assim, acha que “a gestão dessas instituições deve ser profissionalizada ao máximo”. Cristovam vê uma qualidade louvável nas universidades federais: “elas estão menos sujeitas à corrupção que os demais órgãos mantidos pelo Governo Federal”.

Ele se considera um defensor da autonomia universitária nos moldes da experiência paulista. “O Estado diz quantos recursos ele tem e as universidades o que podem fazer. Cada um faz o que quer. Se quiser gastar mais com salário, gasta mais com salário”, raciocina. Mas essa liberdade para pagar salários não deve estar atrelada à produtividade, pois “ameaça o trabalho de longo prazo de quem se dedica à pesquisa científica”, e não pode estar também atrelada à isonomia. “Eu nunca fui favorável à isonomia”, explica Cristovam Buarque. O critério correto, segundo ele, é a comunidade acadêmica decidir com total transparência.

Quanto à questão dos inativos, ele vê duas alternativas: primeira, excluí-los da folha de pagamento das instituições, para não provocar o engessamento (como já começa a ocorrer com as paulistas); segunda, negociar um percentual maior de impostos para deixá-los sob o mesmo regime atual.

Cristovam propõe ainda uma medida radical: as universidades federais e todo o ensino superior poderiam sair da alçada do Ministério da Educação e passar para o Ministério da Ciência e Tecnologia. “O MEC deve cuidar apenas da educação básica. Defendo essa mudança desde 1989. Discutia isso com o Darcy Ribeiro. Assim, o ensino superior não disputaria espaço, prioridade e verbas com a educação básica”, justifica.

O debate está lançado, Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores. Entretanto, dado o nível de desgaste nas relações entre o Ministério da Educação e o Sindicato Nacional dos Docentes (Andes), é provável que mais uma vez caia no gelo do esquecimento. Não há clima para discutir autonomia agora. Até que surja uma nova crise, uma nova greve. Deixar para amanhã, no entanto, poderá ser tarde demais.

É assim no Brasil. Mas, quem sabe, já que estamos no período eleitoral, o Brasil aproveita para debater, com seriedade, a questão universitária. Quem sabe, já que estamos no período eleitoral, não aproveitam os candidatos à Presidência da República para colocar com clareza as suas propostas a respeito da autonomia universitária em nosso País e possam salvar, sobretudo, o ensino público gratuito de terceiro grau em nosso País.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, sobretudo ressaltando a importância desse trabalho realizado pelo jornalista Gilmar Piola, que colecionou opiniões de especialistas em universidade em nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2002 - Página 3648