Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM POSTUMA AO EX-SENADOR JOSAPHAT MARINHO.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.:
  • HOMENAGEM POSTUMA AO EX-SENADOR JOSAPHAT MARINHO.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2002 - Página 3660
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOSAPHAT MARINHO, EX SENADOR, ESTADO DA BAHIA (BA), JURISTA, PROFESSOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • COMENTARIO, INVASÃO, SEM-TERRA, PROPRIEDADE RURAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, UTILIZAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, DESOCUPAÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, prometi a mim mesmo que na primeira vez em que ocupasse esta tribuna eu me referiria ao nosso eminente colega Senador Josaphat Marinho, que, para surpresa e amargura de todos nós, faleceu recentemente. Nós, que tivemos o privilégio de acompanhá-lo nesta Casa durante todo o exercício do seu mandato, fomos com o tempo permitindo que crescesse a nossa admiração, o nosso respeito, o nosso encantamento por um ser humano realmente privilegiado. Foi para mim uma grande surpresa o falecimento desse grande homem. O tempo passava e parecia respeitar a figura e a pessoa do Senador Josaphat Marinho, que permanecia intocado pelo tempo, jovem, forte e lúcido. De repente, um edema pulmonar agudo ceifou a vida de Josaphat e encerrou seu trabalho sempre profícuo para a sociedade brasileira.

Eu não sabia que o professor emérito Josaphat Marinho tinha iniciado sua caminhada política no Partido Socialista. Talvez eu suspeitasse disso em virtude de suas posições tomadas com denodo e destemor nesta Casa sempre preocupado com sua trajetória na defesa dos mais humildes, dos trabalhadores, dos pobres, dos marginalizados, que o neoliberalismo faz crescer neste País. Josaphat Marinho sempre esteve ao lado do bem, sempre preocupado com a justiça social e com as formulações jurídicas para que não constituíssem uma forma de justificativa da injustiça, de constitucionalização e legalização do crime, como é freqüente presenciarmos no bojo de nossas instituições jurídicas.

Josaphat Marinho nos deixou, mas a sua obra, o seu exemplo, a sua dignidade, a sua coragem servem de modelo, que sabemos ser muito difícil imitar. Fazemos grande esforço no sentido de nos aproximarmos dessa figura, desse cidadão impecável, que tivemos a satisfação de conhecer e de acompanhar e que nos deixou esse exemplo inigualável.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez a ordem se ergue, a ordem se levanta. Como no caso específico da terra, desde Roma antiga, essa ordem se levanta para deter a vida, o trabalho, o avanço daqueles marginalizados e excluídos das condições de vida.

No caso específico da Fazenda Ponte Alta, pertencente ninguém sabe mais a quem, mas que na última feita pertencia ainda ao Ministro Sérgio Motta e ao seu sócio, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, agora, desta vez, parece que não mais. Já são outros os proprietários, tão felizes quanto os primeiros, herdeiros do não-trabalho, herdeiros de uma propriedade vazia, porque a verdadeira escritura, a definitiva, é lavrada pelo trabalho humano. Se o trabalho humano não lavra, a propriedade para mim não vale. É um ser jurídico, cartorial, para mim totalmente desprezível. Quando afirmo isso, gosto de colocar em prática.

A minha família, alguns séculos atrás, sem dúvida alguma era a maior proprietária de terras de Minas Gerais. E aqui em Goiás, em Porangatu e Uruaçu, deixou 480 mil hectares de terra.

Eu deveria fazer uma defesa muito grande da propriedade, mas não tenho essa preocupação. Pelo contrário, ao amadurecer, fui percebendo que a propriedade fundiária no Brasil constitui um vício fundamental conservado pelas classes ditas dominantes, dominadoras. Essa propriedade privada é muito mais violenta do que a propriedade romana, o jus utendi, fruendi et abutendi - o direito de ter, usar, gozar e dispor da propriedade, das terras e de tudo o mais - e é um direito que foi se tornando cada vez mais desumano, à medida que a tecnologia, a eficiência, a concentração de renda, de capital e poder iam caracterizando a sociedade moderna.

Thomas Hobbes e outros empiristas e utilitaristas ingleses defendiam a propriedade privada, mas a propriedade privada artesanal.

É muito fácil entendermos a modificação que se verifica nas instituições. Façamos uma comparação com a produção bélica, espacial, com a produção destruidora que caracteriza esta sociedade industrial-militar, de acordo com a expressão do General Eisenhower. Enquanto a produção industrial era manufatureira, artesanal, é óbvio que os meios de destruição, as máquinas destruidoras, os petardos que culminaram na bomba atômica e na conquista do espaço sideral eram instrumentos de matar, mas instrumentos rudimentares, feitos artesanalmente. Assim também a propriedade privada, defendida por muitos liberais, era uma propriedade privada individual ou familiar. A propriedade é a sombra, a projeção do ser e de sua família sobre a natureza e as coisas. Era uma propriedade privada acanhada, respeitadora da convivência e da coexistência humana.

Darei um exemplo concreto, que descobri à página 165 de um livro velho, que não tive o trabalho de comprar, pois pertencia ao meu pai, intitulado A Decadência do Ocidente, escrito por Oswald Spengler, edição de 1927. Essa fantástica propriedade privada ilimitada, selvagem, que o capitalismo instaurou no Brasil chega ao ponto de fazer com uma fazenda comum, obtida por meio de uma compra feita à Ruralminas, no Estado de Minas Gerais, pelo Sr. Sérgio Motta e por um tal de Sr. Mineiro, chegue às mãos do Presidente da República. Tive, então, o trabalho de fazer uma comparação para saber quantos senhores feudais poderiam viver nas terras do Presidente da República, nessa fazenda que foi invadida por membros do MST.

A Inglaterra se encontrava dividida em 60.215 feudos, que estavam marcados no Domesday Book, de 1084 - a nossa modernidade comparada com a Inglaterra de 1084, de acordo com o Domesday Book, livro que ainda hoje é objeto de consulta. Naquela época, tão longe da modernidade neoliberal, em média, cada feudo possuía uma área de 216 hectares. Isso significa que na fazenda Cardoso, essa que foi invadida, caberiam 23.1 senhores feudais, que poderiam instalar-se na área da fazenda hoje apropriada pelos Cardoso.

            Num lugar onde caberiam 23.1 senhores feudais, na Inglaterra, em 1080, a modernidade não comporta meia dúzia sequer de trabalhadores sem terra. Ele quer tudo; quer a área e quer a correspondência a 23.1 senhores feudais, em plena modernidade. Esse senhor dos senhores feudais não admite diminuição alguma de seu superfeudo.

Naquele tempo, jamais rei algum da Inglaterra pensou em utilizar o Exército ou as Forças Armadas para defender algum especial senhor feudal. E aqui, agora, vemos que essa propriedade se transforma, de acordo com o parecer emanado de um Ministro do Supremo Tribunal Federal, em algo equivalente à Bandeira Nacional, ao Hino da Pátria e às Armas da República, e que isso autoriza, de acordo com o Ministro do Supremo Tribunal Federal, a utilização do Exército, quebrando, do meu ponto de vista, as relações que devem presidir a nossa República Federativa, a Federação e as relações entre os Estados federados. De modo que caberiam 23.1 senhores feudais, mantendo o módulo feudal de 1080, na Inglaterra, na fazenda do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Eu iria, agora, passar à leitura - mas não vou fazê-lo, porque o meu tempo já terminou - de um texto que escrevi intitulado: Os Imperdoáveis. Mas infelizmente para mim, do meu ponto de vista, porque eu gostaria de fazer essa leitura, o tempo já está exaurido.

Agradeço à Mesa e despeço-me.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2002 - Página 3660