Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS AOS ESCLARECIMENTOS PRESTADOS PELO MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, CELSO LAFER, SOBRE AS MEDIDAS PROTECIONISTAS ADOTADAS PELOS ESTADOS UNIDOS NA QUESTÃO DO AÇO.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • COMENTARIOS AOS ESCLARECIMENTOS PRESTADOS PELO MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, CELSO LAFER, SOBRE AS MEDIDAS PROTECIONISTAS ADOTADAS PELOS ESTADOS UNIDOS NA QUESTÃO DO AÇO.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/2002 - Página 4105
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, EXPOSIÇÃO, SENADO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), ASSUNTO, PROTECIONISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), IMPORTAÇÃO, AÇO, EFEITO, COMERCIO EXTERIOR, SIDERURGIA, BRASIL, UNIÃO EUROPEIA.
  • ANALISE, MODERNIZAÇÃO, INDUSTRIA SIDERURGICA, BRASIL, PERDA, EMPREGO, SETOR, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, SOLIDARIEDADE, RECLAMAÇÃO, EMPRESARIO, INSTITUTO BRASILEIRO, SIDERURGIA, APREENSÃO, CONCORRENCIA DESLEAL, APRESENTAÇÃO, RECURSOS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC).
  • REGISTRO, PROVIDENCIA, GOVERNO BRASILEIRO, DIFERENÇA, REIVINDICAÇÃO, EMPRESARIO, OPÇÃO, NEGOCIAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OPINIÃO, ORADOR, INEFICACIA, DECISÃO.
  • ANALISE, APREENSÃO, AMPLIAÇÃO, PROTECIONISMO, COMERCIO, AMBITO INTERNACIONAL, CRITICA, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), UNILATERALIDADE, INTERVENÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, AÇÃO MILITAR, NECESSIDADE, DEBATE, ITAMARATI (MRE).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, compareceu a esta Casa, para falar sobre a posição brasileira em face do recrudescimento do protecionismo siderúrgico norte-americano, suas conseqüências para os interesses políticos e econômicos do Brasil nos planos bi e multilateral e as providências que o governo pretende tomar.

A iniciativa do Senado no sentido de ouvir o chanceler, um intelectual e negociador, cujas qualidades são internacionalmente reconhecidas, reflete uma oportuna tomada de consciência do parlamento quanto ao seu papel democrático na discussão, no encaminhamento e na fiscalização dos rumos da política externa brasileira.

Como era de prever, o anúncio, pelo presidente George W. Bush, no dia 5 de março último, de “salvaguardas” destinadas a defender a indústria siderúrgica americana contra o aço mais competitivo e barato produzido pela concorrência estrangeira, já começa a provocar uma reação protecionista em cadeia de retaliações ao redor do planeta.

Temerosa do “desvio de comércio” decorrente da decisão americana de impor cotas aos produtos semi-acabados e sobretaxas de 30% aos laminados a frio e a quente, a União Européia luta, a todo custo, para exorcizar o pesadelo de uma invasão de exportações latino-americanas, asiáticas e de países europeus não pertencentes ao mercado comum, em busca de uma alternativa ao mercado dos Estados Unidos. Calcula-se em até 30 milhões de toneladas a quantidade de aço hoje excedente no mundo.

Por isso, a Comissão Européia, órgão executivo da UE divulgou, dias atrás, lista com 15 categorias de produtos siderúrgicos que passarão a ser restringidos por sistema de cotas. Desta vez, foram poupadas as placas de aço, produto semi-acabado que é o carro-chefe das exportações da capixaba Companhia Siderúrgica de Tubarão. A mesma sorte não tiveram as folhas de flandres da Companhia Siderúrgica Nacional e os perfis e barras de aço dos Grupos Gerdau e Villares. Tais categorias receberão sobretaxas de 17% e 26%, respectivamente, sempre que suas exportações ultrapassarem as cotas globais de 308.697 toneladas para folhas de embalagem e de 99.823 toneladas para barras e perfis.

Ao contrário da sistemática americana, que aloca limites por país exportador, o esquema europeu estabelece um teto geral, o que beneficia o “primeiro fornecedor a chegar ao porto”, mas, na verdade, fortalece o poder de barganha dos importadores europeus, acarretando uma concorrência predatória entre os exportadores e uma queda acentuada dos preços internacionais do aço.

Se levadas em conta apenas as salvaguardas americanas, o prejuízo projetado pela indústria siderúrgica do Brasil chega a 280 milhões de dólares. Isso porque, muito embora a cota de 2,5 milhões de toneladas para os semi-acabados brasileiros tenha ficado ligeiramente acima dos 2,3 milhões exportados aos Estados Unidos em 2001, as salvaguardas eliminarão a oportunidade de o nosso aço vir a participar da retomada do crescimento da economia americana, já evidenciada pelos mais recentes indicadores do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica e do Federal Reserve Board, o banco Central dos Estados Unidos.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última década, nossa indústria do aço embarcou em um processo amplo, profundo e socialmente doloroso de modernização, racionalização e reestruturação. Das 34 empresas do ramo naquela época, hoje só existem 12. Nada menos que 60% dos empregos foram eliminados, enquanto a produtividade média por trabalhador simplesmente triplicou.

Em agudo contraste, a siderurgia americana é um setor ineficiente, obsoleto, produz a um custo médio 30% superior ao brasileiro e, por isso mesmo, vem sendo sacudida por falências em série, que levaram mais de 30 usinas a fecharem suas portas desde meados dos anos 90.

São plenamente compreensíveis as queixas de empresários do setor manifestadas pelo Instituto Brasileiro de Siderurgia. Esses industriais temem que o mercado brasileiro também seja alvo de concorrência desleal provocado pelo desvio de comércio que há pouco referi. A presidente do IBS e principal executiva da CSN, Maria Silvia Bastos Marques, reivindicou que o governo elevasse a tarifa média de 12% para 30% sobre as importações brasileiras de aço e, ao mesmo tempo, denunciasse formalmente as salvaguardas americanas à Organização Mundial do Comércio, seguindo o exemplo da União Européia, que, além das recentes barreiras às importações de aço, já requereu cobertura da OMC para aplicar represálias, no valor de 2,5 bilhões de euros contra os setores têxtil, automobilístico, de armas, frutas e de papel dos Estados Unidos.

Até aqui, o chanceler Lafer; o Ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio, Sérgio Amaral; e o secretário-Executivo da Câmara de Comércio Exterior, Roberto Giannetti da Fonseca, têm procurado demonstrar equilíbrio entre o reconhecimento da legitimidade dessas pressões domésticas, de um lado, e a prudência que deve pautar o comportamento internacional de uma potência média como o Brasil, de outro.

Assim, as Secretarias de Comércio Exterior (Secex) e da Receita Federal receberam ordens de analisar com redobrado rigor cada pedido de autorização para importação de produtos siderúrgicos e proceder a uma minuciosa vistoria da documentação e das mercadorias que chegam aos nossos portos. Contudo, o ministro Amaral considera prematuro elevar as tarifas de importações, repercutindo a preocupação da equipe econômica de que a proteção poderia ser interpretada pelo setor como um sinal verde para a majoração de seus preços no mercado interno, com conseqüências indesejáveis para o controle da inflação.

O Itamaraty, por sua vez, sem deixar de manter em aberto a opção de recorrer à OMC, prefere, por ora, intensificar gestões bilaterais com o Departamento de Estado e o representante comercial dos Estados Unidos, Roberto Zoellicks, a fim de obter a ampliação da cota brasileira até um número mais próximo dos 3,5 milhões de toneladas, reivindicado originalmente pelo IBS, e também impedir a incidência cumulativa de diferentes gravames protecionistas sobre o mesmo aço brasileiro vendido aos americanos (taxas antidumping, direitos compensatórios de pretensos subsídios e as salvaguardas especiais recém-aplicadas). A materialização desse cenário resultaria na consagração da estratégia da CSN que, há poucos meses, comprou a usina siderúrgica Heartland, em Terre Haute, estado de Indiana, justamente para beneficiar os aços planos comprados à matriz brasileira e assim contornar as restrições à entrada nos Estados Unidos de produtos siderúrgicos com maior valor agregado.

Aliás, a Gazeta Mercantil da última quinta-feira (28/03) dá conta de um novo passo da Companhia Siderúrgica Nacional rumo ao domínio da cadeia produtiva em pleno território americano. A empresa de Volta Redonda estaria negociando com a concordatária Bethlehem Steel Corporation a cessão de uma usina nas vizinhanças de Baltimore, Maryland, cujo laminador de tiras a quente pode acrescentar um elo entre a laminação de placas importadas do Brasil e industrializadas pela Heartland. Vale destacar que, com a injeção de capital brasileiro, a Bethlehem, esmagada pelos elevados custos do fundo de pensão interno, ganha a oportunidade de impedir que sua concordata não se transforme em falência.

Mas, Sr. Presidente, voltando à opção negociadora do governo brasileiro, eu, pessoalmente, gostaria de apostar no sucesso dessa abordagem civilizada e não-confrontacionista que corresponde à própria essência da diplomacia.

Receio, todavia, que o rastilho de pólvora protecionista já se tenha alastrado de tal maneira em setores politicamente sensíveis da comunidade americana de negócios que essas atitudes de apaziguamento resultem em efeitos contrários aos interesses do Brasil.

O Wall Street Journal de quarta-feira passada publicou matéria sugestivamente intitulada “Proteção ao aço é tiro pela culatra para Bush”. De acordo com a reportagem, a manobra do presidente americano de autorizar salvaguardas para o aço, numa barganha destinada a garantir preciosos votos congressuais de estados industriais como o Ohio, a Pensilvânia e a Virgínia Ocidental à aprovação do amplo mandato de negociação agora conhecido como Trade Promotion Authority (TPA, novo nome do fast-track, ou “via rápida”), até o momento só serviu para inflamar os apetites de outros ramos também candidatos a proteção especial. Os madeireiros, por exemplo, já se associaram ao “clube” e arrancaram do governo americano pesadas tarifas às importações de madeira do Canadá, hoje na casa dos 6 bilhões de dólares. Os novos sócios desse clube protecionista logo se sentem à vontade na companhia de membros veteranos, dentre os quais sobressaem os magnatas do agribusiness. O ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, calcula que o Brasil deixa de faturar entre 800 milhões e 1 bilhão de dólares em exportações de soja por causa dos subsídios dos Estados Unidos aos seus produtores.

Nos últimos 10 anos, essa ajuda de Washington passou de 109 milhões para 3,8 bilhões de dólares. O conjunto do mundo desenvolvido - Estados Unidos, Canadá, Europa Ocidental e Japão - gasta 1 bilhão de dólares por dia em subsídios agrícolas, solapando os esforços dos países pobres e de renda média para vencerem o subdesenvolvimento. A situação pode piorar com a aprovação, pelo Capitólio, do projeto da nova Lei Agrícola americana, que prevê um aumento de 73,5 bilhões de dólares para os subsídios nos próximos 10 anos. Enquanto isso, o projeto TPA, que no seu primeiro turno de tramitação na Câmara de Representantes foi aprovado com um único voto de vantagem, prepara-se para ser discutido este mês no Senado americano, e o temor dos parceiros comerciais da América é o de que os lobbies protecionistas consigam engordar ainda mais a lista de “produtos sensíveis”, cuja liberalização só poderá ser autorizada mediante consultas obrigatórias do Executivo ao Capitólio. Estudo recém-divulgado pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) estima que o Brasil poderá deixar de ganhar 14,7 bilhões de dólares nos próximos quatro anos em razão das barreiras tarifárias e, sobretudo, não-tarifárias dos Estados Unidos.

O pior de tudo, Sras. e Srs. Senadores, é que o protecionismo do vizinho acaba oferecendo o pretexto perfeito para os inimigos do livre comércio em toda parte. As lições da história do século passado devem ser meditadas com atenção pelos governantes do mundo e pela opinião pública que ainda nutre alguma esperança de influenciá-los positivamente.

Em 1930, justamente a América foi o epicentro de um surto de mercantilismo agressivo que aprofundou e prolongou a depressão iniciada no ano anterior e acabou arrastando o sistema mundial para a tragédia da Segunda Guerra.

Com a intenção à primeira vista louvável de proteger a combalida economia doméstica da concorrência externa, o Capitólio aprovou e o presidente Herbert Hoover sancionou a tristemente famosa Lei Smoot-Hawley elevando a tarifa média em 50%, o que justificou reações recíprocas dos parceiros dos Estados Unidos, até a virtual estagnação do comércio internacional.

Nos dias atuais, é impossível prever todas as conseqüências econômicas e políticas de um colapso dessa “mãe de todas as negociações” que é a rodada de Doha patrocinada pela OMC, assim como de um irremediável retrocesso nos entendimentos para uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca) ou de uma zona comercial inter-regional Mercosul/União Européia, acarretados, todos eles, pela insistência dos países ricos em dificultar o acesso a seus mercados entre si e para o mundo em desenvolvimento, enquanto apelam para a derrubada das barreiras comerciais destes últimos, manipulando uma retórica liberal que é desmoralizada na prática por gestos fortemente protecionistas.

O enigma se nos afigura tanto mais angustiante quanto verificamos, uma vez assentadas as nuvens de poeira dos ataques terroristas de 11 de setembro e da devastadora resposta militar americana ao regime afegão dos fundamentalistas talibãs, parceiros e anfitriões de Osama Bin Laden, que essas experiências aparentemente fortaleceram os setores da administração Bush adeptos de um unilateralismo agressivo no trato de quaisquer questões internacionais que envolvam o interesse dos Estados Unidos. Essa corrente alcança sua expressão mais conspícua nas figuras da sovietóloga e assessora-chefe de Segurança Nacional, Condoleezza Rice e do vice-presidente Dick Chenney, secretário de Defesa no governo George W. Bush, pai. Daí atitudes como a perigosa missão do Tesouro americano, maior acionista do FMI, diante da avassaladora crise argentina; ou o abandono do Tratado de Mísseis Antibalísticos que garantiu a estabilidade estratégica com a antiga União Soviética durante a última etapa da Guerra Fria; ou ainda a retirada dos Estados Unidos das negociações do Protocolo de Kyoto para redução global das emissões de gases poluentes na atmosfera.

O tema suscita preocupações que extrapolam o debate comercial para incluir uma nova e delicada questão diplomática no contencioso Washington/Brasília, qual seja o movimento orquestrado pelo governo americano para destituir o embaixador brasileiro José Maurício Bustani da direção-geral da Organização para a Proscrição de Armas Químicas (OPAQ) no intuito de remover maiores objeções multilaterais ao que parece um iminente ataque militar aos arsenais secretos do ditador iraquiano Saddam Hussein, que, ao lado do regime stalinista da Coréia do Norte e da teocracia xiita dos aiatolás iranianos, integra o primeiro time dos inimigos da América, singularizados por Bush na expressão “eixo do mal”.

Muito embora o caso Bustani não tivesse sido explicitamente incluído na pauta de debates do Senado com o ministro das Relações Exteriores, precisa ser esclarecido.

Este assunto, juntamente com as restrições ao aço, o ingresso na ALCA e a questão palestina fazem parte da agenda a ser discutida com o Itamaraty nos próximos meses, porque preocupam sobremodo o Congresso e toda a sociedade brasileira.

Era o que tinha a comunicar, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Modelo1 5/8/249:20



Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/2002 - Página 4105