Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à política de tributação à pessoa física.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS.:
  • Críticas à política de tributação à pessoa física.
Publicação
Publicação no DSF de 12/04/2002 - Página 4298
Assunto
Outros > TRIBUTOS.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, EMPOBRECIMENTO, CLASSE MEDIA, PREJUIZO, MERCADO INTERNO, ESPECIFICAÇÃO, AUSENCIA, CORREÇÃO, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA, ALEGAÇÕES, PERDA, RECEITA, DENUNCIA, FAVORECIMENTO, MINORIA, CLASSE SOCIAL, RIQUEZAS, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, GAZETA MERCANTIL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, SIDNEY STAHL, ADVOGADO.

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O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde Aristóteles, o pensamento político e social confere papel de relevo às chamadas classes médias, considerando-as fator de estabilidade e prosperidade coletiva.

Nos países de capitalismo avançado, a profecia de Marx e Engels acerca de um inevitável desfecho revolucionário para a polarização burguesia/proletariado não se materializou graças à vigorosa expansão da influência socioeconômica, política e cultural dos estratos intermediários ligados às atividades gerenciais, de ensino-pesquisa e de serviços nos setores privado e público.

O próprio New Deal, projeto corajoso e inovador do presidente Franklin Delano Roosevelt para resgatar a economia dos Estados Unidos das garras da Grande Depressão, privilegiou políticas públicas que fortaleceram a classe média, estenderam seus padrões de consumo a amplas parcelas do operariado e assim engendraram o alto grau de coesão social exibido pela democracia americana, alguns anos mais tarde, no seu confronto vitorioso com as ditaduras do Eixo.

À luz do acúmulo de sabedoria histórica e de tantas experiências internacionais, só posso considerar absurda e, em última instância, suicida a obstinação do governo e de sua equipe econômica em empobrecer, enfraquecer e espezinhar a sofrida classe média brasileira.

Todo ano é a mesma coisa, Sr. Presidente: os servidores públicos, os assalariados do setor privado, os micro e pequenos empresários, os profissionais liberais, ao todo 12 milhões de contribuintes, ficam sem direito à correção da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, porque a União afirma não ter alternativa de arrecadação e ameaça transferir o ônus dessa perda de receita (hoje calculada em 5,33 bilhões de reais) para a população mais carente, mediante o corte de uma série de programas sociais.

Agora, sob a pressão do desespero de uma base parlamentar atormentada com as incertezas do quadro sucessório nas eleições do próximo ano, o governo já admite, muito a contragosto, conceder uma correção, mas insiste em condicioná-la à alteração das alíquotas como expediente para minimizar a alegada queda de receita.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em artigo apropriadamente intitulado de “Robin Hood às avessas”, na Gazeta Mercantil do último dia 7, o advogado Sidney Stahl denuncia a incoerência e a insinceridade do argumento governamental.

Segundo o articulista, embora o leão da Receita Federal seja capaz de tirar de sete e meio por cento da população - na verdade, o universo dos que declaram o IR - uma parcela de recursos a que o Erário não faz jus, as autoridades econômicas demonstram a docilidade de um gatinho quando se trata de privilegiar minorias endinheiradas.

Não quero, em absoluto, desprezar o raciocínio governamental de que uma quebradeira generalizada das instituições financeiras mergulharia a economia em um caos de devastadoras proporções, porém reconheço que o articulista tem razão em dois aspectos cruciais a saber: de um lado, “a maior parte do dinheiro foi gasta para cobrir inconsistências oriundas de fraude e, certamente, não será reembolsada aos cofres públicos. De outro, dada a ampla divulgação prévia das medidas do Plano Real, ao contrário do que ocorrera com os pacotes econômicos da ditadura militar e da Nova República, “muitos bancos tomaram as providências necessárias a um ajuste adequado”, o que, de si, enfraqueceria a probabilidade do cenário de colapso financeiro amplo, geral e irrestrito. Em outras palavras, parcela significativa daqueles 100 bilhões de reais foi entregue de mão beijada a quem não merecia, pelo mesmo governo que agora diz não poder prescindir de 5 bilhões e meio de reais, arrancados do bolso dos contribuintes de classe média.

Segundo exemplo. Em comparação com o segmento dos pequenos e médios produtores rurais, uma parcela desproporcional de grandes proprietários beneficiou-se da recente decisão do governo de transferir para o Tesouro uma dívida de 10,7 bilhões de reais (cerca de um terço dos 29,6 bilhões que já haviam sido securitizados em 1995), tendo os ruralistas ganhado 25 anos para saldá-la. Os restantes 18,9 bilhões serão cobrados a juros fixos de três por cento ao ano, um subsídio que o Tesouro só poderá bancar mediante prejuízo de 250 milhões de reais, somente este ano. As vantagens aos ruralistas não param por aí, pois quitações antecipadas lhes darão direito a um generoso desconto de 25 a 35 por cento do total dos débitos.

Que contraste com o duro tratamento dispensado à classe média! Se ao menos os 5 bilhões e meio decorrentes da não-correção da tabela bastassem para resolver, de uma vez por todas, os problemas financeiros da agropecuária nacional...

O terceiro exemplo do Dr. Stahl focaliza as 10 mil empresas (de um universo de 200 mil) que são responsáveis por 80 por cento da dívida total de 70 bilhões de reais amargada pela Previdência Social. Os 9,2 bilhões de arrecadação extra proporcionada pelo congelamento da tabela do IR desde 1996, sequer chegariam perto de cobrir mais esse rombo. Tampouco seriam suficientes os 14,5 bilhões de reais projetados pelo Sindicato dos Auditores da Receita Federal (Unafisco) no caso de não haver correção em 2002.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, sem conexões políticas nos círculos decisórios, sem lobby no Congresso Nacional, a classe média é presa fácil da fúria arrecadatória do governo. Um governo que dá prioridade tão absoluta às metas de superávit primário com o FMI e aos compromissos com os banqueiros que não tem tempo, nem energia, para preocupar-se em prestar serviços públicos condizentes com a imensa massa de recursos extraída da sociedade, na forma de dezenas de impostos diretos e indiretos, taxas e contribuições diversas.

Assim, o esgotamento dos limites políticos e sociais da legitimidade tributária do Estado vai-se confundindo com o colapso do poder aquisitivo de uma classe média já sem forças para movimentar as engrenagens vitais do consumo e da poupança e garantir o crescimento sustentado da economia, papel decisivo que as camadas intermediárias desempenham nos países desenvolvidos, caracterizados por robustos mercados internos.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, agarrados às suas máquinas de calcular, pais e mães de família pelo Brasil afora angustiam-se com as contas que não fecham. É pouca receita para tanta despesa: salários e tabela de IR congelados versus a fatura do cartão de crédito, os juros do cheque especial, a conta do supermercado, o aumento das mensalidades dos planos de saúde, a majoração das anuidades escolares, o aluguel, a prestação da casa própria, o conserto do carro, o posto de gasolina, o presente de Natal do caçula, o curso de inglês do mais velho, a viagem de férias mais uma vez adiada e assim por diante.

Não tenho dúvida de que, em 2002, essas frustrações e sentimentos de injustiça desaguarão fatalmente em outro tipo de cálculo: o cálculo político para definir a candidatura e a plataforma eleitoral que ofereçam à classe média brasileira a oportunidade de trilhar novos caminhos, longe da insensibilidade, das agruras e dos sacrifícios impostos há vários anos pela política econômica do atual governo.

Era o que tinha a comunicar, Sr. Presidente. Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/04/2002 - Página 4298