Discurso durante a 56ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a crise na aviação civil nacional e a necessidade de modernizar as normas de regulamentação e fiscalização do setor. Transcrição de editorial do Jornal do Brasil sobre o endividamento da Varig. Solicitação do envio do pronunciamento de S.Exa. aos Ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e da Fazenda; bem como, aos órgãos correlatos da aviação e ao presidente da Varig.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Considerações sobre a crise na aviação civil nacional e a necessidade de modernizar as normas de regulamentação e fiscalização do setor. Transcrição de editorial do Jornal do Brasil sobre o endividamento da Varig. Solicitação do envio do pronunciamento de S.Exa. aos Ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e da Fazenda; bem como, aos órgãos correlatos da aviação e ao presidente da Varig.
Aparteantes
Amir Lando, Francisco Escórcio, José Fogaça, Lauro Campos, Lindberg Cury, Ney Suassuna, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2002 - Página 7561
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, AVIAÇÃO CIVIL, EXCESSO, CUSTO OPERACIONAL, AUMENTO, PREÇO, COMBUSTIVEL, DIFICULDADE, AQUISIÇÃO, PRODUTO IMPORTADO.
  • LEITURA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, EDITORIAL, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DIVULGAÇÃO, DADOS, CRISE, VIAÇÃO AEREA RIO GRANDENSE S/A (VARIG), DECLARAÇÃO, OZIRES SILVA, PRESIDENTE, AUXILIO, BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), CRITICA, EXCESSO, TRIBUTAÇÃO, INCAPACIDADE, CONCORRENCIA, EMPRESA ESTRANGEIRA.
  • NECESSIDADE, PROVIDENCIA, CONGRESSO NACIONAL, RECUPERAÇÃO, AVIAÇÃO CIVIL, ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, DEFESA, INTERESSE PARTICULAR.
  • REQUERIMENTO, REMESSA, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, DESTINAÇÃO, SERGIO AMARAL, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA E DO COMERCIO EXTERIOR (MDIC), MINISTERIO DA FAZENDA (MF), ORGÃOS, AVIAÇÃO CIVIL, ATENDIMENTO, SOLICITAÇÃO, OZIRES SILVA, PRESIDENTE, VIAÇÃO AEREA RIO GRANDENSE S/A (VARIG).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos sabemos da indignação havida com a demissão de membros da diretoria da Associação de Pilotos da Varig, a ponto de ser considerada uma retaliação da empresa a manifestações contrárias à redução de seu quadro de funcionários.

Sem querer retomar a discussão sobre o fato, a respeito do qual, aliás, a empresa apresentou uma versão diferenciada dos atingidos, gostaria, entretanto, de recuperar o debate a respeito da verdadeira motivação desse e de outros episódios análogos, que é a gigantesca crise que atinge a aviação aérea brasileira.

Não quero, com isso, minimizar a ocorrência das demissões nem negar-lhes o componente dramático na atual conjuntura empregatícia do País. Desejo, tão-somente, reconduzir a discussão para o seu foco principal, o que nos exigirá um esforço de reconstituição histórica dos fatores que concorreram para a instalação da maior crise já vista no setor.

O transporte aéreo, praticamente iniciado em 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial, cresceu de 5% a 6% ao ano, até o início da década de 90, quando a competição das telecomunicações fez, pela primeira vez, cair a demanda.

Tomando como referência o ano de 1960, época em que o transporte aéreo começou a operar com aviões a jato, muita coisa mudou. O preço de compra dos aviões foi multiplicado por mais de 1.200%. Adicionalmente, se selecionarmos...

Adicionalmente, se selecionarmos os custos típicos de uma empresa de transporte aéreo, como, por exemplo, os da infra-estrutura aeroportuária, de pessoal, dos seguros, das refeições de bordo, das peças de reposição e dos combustíveis, todos, sem exceção, tiveram seus preços majorados de maneira significativa.

Dentro do quadro mundial de crise, se ficarmos somente em nosso País, poderemos comprovar: os impostos no Brasil são mais altos do que os que afetam nossos concorrentes lá fora; os custos de operação da infra-estrutura em geral são bem mais altos do que os encontrados em países que ostentam as melhores empresas do setor; os combustíveis e lubrificantes custam o dobro do que pagam as operadoras norte-americanas; as compras financiadas dos aviões importados são mais custosas, e os prazos para pagamento são menores; os estoques de peças de reposição, devido às típicas dificuldades de importação, são mais altos. Tudo isso concorre para que nossas empresas operem em condições desvantajosas em relação aos concorrentes.

No plano internacional, a partir da década de 80, a sociedade produtiva e os governos passaram a se preocupar com as bases operativas das empresas exploradoras dos serviços aéreos. Novas regulamentações nacionais foram estabelecidas, e diferentes bases começaram a ser articuladas para as operações internacionais, visando a melhorar o nível de segurança. Métodos foram buscados para a redução das interferências exageradas dos governos, em prol de níveis mais altos de eficiência e de custos mais baixos. Conferências mundiais foram convocadas na busca de contextos mais simples, capazes de assegurar melhores ajustes nas complexas interfaces criadas pelos interesses gerais.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Ney Suassuna, gostaria de desenvolver um pouco mais a tese que me traz à tribuna antes de conceder o aparte a V. Exª e aos Senadores Francisco Escórcio e Amir Lando, que também demonstram a intenção de apartear-me.

Falava nos métodos e continuo: o Brasil, infelizmente, atrasou-se nesse processo de mudanças, e, somente no final de 2000, vimos o Governo reagir, remetendo ao Congresso Nacional um projeto de lei criando novas bases regulatórias e prevendo a criação de uma Agência Nacional de Aviação Civil independente, como órgão central de regulamentação e de fiscalização. O projeto, aliás, foi posteriormente retirado pelo Executivo e ainda não retornou.

A modernização do quadro regulatório é essencial para se determinar o tipo de serviço que convém à sociedade brasileira. Claramente, o público está interessado em serviços que ofereçam eficiência, abrangência, disponibilidade alta e custos progressivamente mais baixos, conquistando níveis de segurança crescentes, no contexto do tráfego aéreo, doméstico e internacional.

Entretanto, sendo uma atividade que depende de concessão do Poder Público, as soluções não podem simplesmente ser atribuídas aos empreendedores ou aos proprietários das empresas. Esses têm obrigações sólidas para com seus investidores e acionistas, mas as autoridades governamentais precisam compreender e agir, não deixando que a omissão comprometa um dos pilares da sustentação do desenvolvimento nacional.

Eminentes Colegas, observem que a diferença entre a crise brasileira e as dificuldades observadas em outros países fica por conta da maior ou menor capacidade de articulação de políticas e regras capazes de preservar, apesar das dificuldades empresariais, algum horizonte para o setor em seu conjunto.

O desenho de uma política setorial para a aviação civil não é tarefa fácil, mas é possível, como se observou nas decisões tomadas pelo governo norte-americano em favor da sustentação dos negócios do setor depois dos atentados em Nova Iorque.

O episódio terrorista também atingiu as empresas brasileiras, mas uma série de problemas específicos do Brasil agravou o quadro, como a elevada carga tributária, os altos custos de operação de infra-estrutura, o peso mais expressivo dos combustíveis e lubrificantes sobre as despesas da companhia e - o que é mais importante - a grande onerosidade nas compras financiadas de aeronaves ante os competidores norte-americanos e europeus.

Tenho aqui um editorial do Jornal do Brasil de ontem, em que, por uma dessas coincidências, fala-se sobre a crise da Varig. E os dados divulgados mostram que essa crise afeta principalmente a Varig, a mais tradicional companhia aérea brasileira, que chega aos 75 anos com o quarto prejuízo consecutivo e uma dívida de US$900 milhões. Desde 1997, quando lucrou R$27,8 milhões, a Varig não vê a cor azul em seu balanço. Em 1998, fechou o ano com perdas de R$25,3 milhões, subindo para um prejuízo de R$94,8 milhões em 1999 e de R$148,6 milhões em 2000.

Sr. Presidente, V. Exª, que é homem do Nordeste, observe que o patrimônio líquido da empresa está no vermelho desde 2000 e, no ano passado, fechou negativo em R$523,1 milhões. A receita líquida da companhia ficou praticamente estável em relação ao ano anterior, fechando o ano em R$5,2 bilhões, em comparação à receita de R$5,3 bilhões em 2000.

Vou fazer mais algumas considerações, Sr. Presidente, mas não posso deixar, de logo, de ouvir os eminentes Senadores que querem me apartear, para a minha alegria: os Senadores Ney Suassuna, Francisco Escórcio, Lindberg Cury e Romeu Tuma e o eminente mestre de todos nós, professor Lauro Campos, meu caro Senador. O Senador Amir Lando faz parte da classe dos juristas.

Senador Ney Suassuna, ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Sempre que ouço V. Exª, faço-o com muita alegria, pela clareza do raciocínio que sempre coloca à nossa disposição. Esse é um quadro realmente muito complexo. Quando Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, abrimos um debate muito profundo. Chamamos aqui todos os presidentes de companhias, todos os responsáveis pela Aeronáutica, pelos aeroportos; enfim, ouvimos todo o setor. No Brasil, o clima é extremamente hostil às empresas. Não há empresa que sobreviva neste País. Coloquem Cristo para conduzir uma empresa de aviação do porte da Varig no Brasil, e ela irá à falência. É impossível resolver esse problema, nem por milagre! Por que isso acontece? Por tudo o que V. Exª falou: petróleo, impostos e peças mais caros. Tudo é mais caro; tudo cria muitos problemas. Um País continental como o nosso não pode dar-se ao luxo de não ter suas linhas aéreas. E mais: o Brasil é o único país da América do Sul que ainda tem linhas aéreas próprias. Todos os outros já as venderam e se arrependeram. Estive no Senado argentino, e um Senador me disse: “Vendemos a nossa empresa e, agora, temos de ir para Madri, para de lá seguirmos para qualquer outro lugar. Acabou nossa liberdade de viajarmos para onde quisermos”. Esse é um risco. Nobre Senador Bernardo Cabral, não devemos pensar somente na área privada. Temos de pensar também na área militar. Temos 749 aeronaves militares, e apenas 70 delas estão voando.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - E sucateadas.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Estão precisando de peças e não geram dinheiro. Este é um País continental, onde a Aeronáutica e o avião são os primeiros a sofrer as conseqüências por qualquer problema. Então, não podemos abrir mão! V. Exª está debatendo um tema incrivelmente importante. Nos Estados Unidos, as Forças Armadas pagam 30% de todo avião comprado, porque, se precisarem usá-lo, já baratearam o custo para empresa, tendo primazia para usá-lo. Há fórmulas. Inúmeros países usaram fórmulas diferentes. Nós, aqui, temos cruzado os braços. Há um relatório inteiro aconselhando, mas medida alguma foi tomada. Enquanto isso, assistimos ao declínio dessas empresas. Até quando isso prosseguirá, não sei. Parabéns pelo tema escolhido! V. Exª está falando de algo muito importante em um país continental como o nosso. Parabéns!

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Obrigado, Senador Ney Suassuna. Depois responderei a todos os eminentes Senadores que me apartearem.

Ouço neste momento o Senador Francisco Escórcio, que tão bem representa o Maranhão e está me dando a alegria do aparte.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral. V. Exª é um mestre.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Obrigado.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Sendo mestre, temos de fazer elogios a V. Exª. Há pouco, conversávamos a respeito desses temas, tanto o trazido pelo Senador Ney Suassuna, como o de V. Exª. Eles se completam. V. Exª apresentou dados a respeito da Varig, mas não o fez quanto à Transbrasil.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Primeiramente, quis ter o prazer de ouvi-los, mas, daqui a dois minutos, falarei da Transbrasil.

O Sr. Francisco Escórcio (PMDB - MA) - Há também que se falar sobre a Vasp e a Gol. Para minha surpresa, há alguns dias, fiquei sabendo que a Gol, tão nova, já está no vermelho. Pergunto: a quem interessa isso? Eu sei a resposta: interessa ao capital estrangeiro. Como se trata de uma concessão do Governo brasileiro, se nossas companhias quebrarem, eles estarão prontos para obter ganhos. Parabéns pelo tema, que é de grande utilidade para a economia do Brasil, já que o transporte aéreo impulsiona a economia brasileira. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Obrigado, Senador Francisco Escórcio.

Concedo um aparte ao Senador Amir Lando.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Nobre Senador Bernardo Cabral, é sempre prazeroso ouvi-lo pelo estilo e arte, pela sabedoria e profundidade com que aborda os temas.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Muito obrigado.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Hoje, V. Exª aborda um tema aparentemente distante daquilo que deveria ser a preocupação do Congresso. Mas não é assim. Ao contrário: V. Exª trata de um tema muito atual, ao qual temos que prestar muita atenção, porque senão perderemos as nossas empresas aéreas e, conseqüentemente, o direito de ir e vir. Eu poderia, como foi salientado pelo Senador Ney Suassuna, citar a Argentina. Cito a Bolívia, que tinha o Lloyd Aéreo Boliviano, uma empresa longeva, uma das empresas de maior segurança de todo o mundo. Hoje é impossível tomar qualquer avião, como fazíamos a tempos atrás - inclusive, a tarifas mais baixas -, e voar para qualquer lugar do mundo. Hoje, praticamente, não há mais esse direito de ir e vir para aqueles cidadãos. Não podemos perder as nossas empresas. Acredito que isso não acontecerá, pois o mercado brasileiro é muito maior do que o de outros países latino-americanos. Não há dúvida de que V. Exª aborda um ponto importante. É até uma questão de soberania nacional.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - É exatamente isso.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Sobretudo, nós, da vastidão amazônica, temos que prestar atenção a esse assunto. A nossa dependência é absoluta. Imagine V. Exª se ficarmos apenas nas mãos de empresas estrangeiras! Elas vão olhar exclusivamente a rentabilidade das rotas. Possivelmente, ficaremos isolados. Vamos novamente tomar os gaiolas, como fizeram os nordestinos no século retrasado, e, possivelmente, as distâncias vão novamente aumentar entre a Capital da República e os nossos longínquos Estados amazônicos. Portanto, mais uma vez, V. Exª merece parabéns. Felizmente, alerta o Congresso, enquanto há tempo - isso é importante que se diga. É preciso, urgentemente, que o Governo formule uma política de recuperação da aviação civil. Se isso não acontecer, vamos perdê-la. Isso será um desastre para o País, para todos nós, para a nossa economia, porque os reflexos imediatos advirão e a nossa economia perderá muito. Sobretudo, as nossas regiões sofrerão com isso, pois, em grande parte, os alimentos são trasladados via aérea, principalmente aqueles mais perecíveis. Vamos perder qualidade de vida, mas perderá muito mais o Centro-Sul, perderão muito mais os Estados mais desenvolvidos. Portanto, parabenizo V.Exª e ouço, com atenção, o discurso que se segue.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Ouço o aparte do Senador Lauro Campos, meu mestre.

O Sr. Lauro Campos (PDT - DF) - Senador Bernardo Cabral, para mim é sempre uma satisfação ouvi-lo. Gostaria de tecer alguns comentários ligeiros porque são muitos aqueles que pretendem parabenizá-lo pelo tema escolhido e pela maneira segura pela qual o está tratando. V. Exª se referiu a certas especificidades da crise de nossa aviação, do nosso transporte aéreo, e as comparou àquelas relacionadas à problemática norte-americana. Gostaria apenas de frisar uma diferença que me parece essencial. Assistimos a alguns casos representativos no Brasil, como foi o da Vasp. Essa empresa foi praticamente doada. É uma empresa paulista, que foi doada a certos grupos privados, com todos os auxílios e benefícios - inclusive, houve uma tentativa de fornecimento de gasolina a preços abaixo dos de mercado. Mesmo assim, essa empresa, por exemplo, não está conseguindo sobreviver. Algumas crises são resolvidas por meio da doação: as empresas estatais são entregues a preço de banana. O capital investido, então, é muito pequeno. A lucratividade deveria ser muito alta, mas não acontece isso. Em artigo que publiquei em 1982, previ que haveria a privatização. Com a privatização, os capitais novos que entram e que compram barato o grande patrimônio que foi privatizado passam a ter uma rentabilidade, uma lucratividade maior. Mas existem outras crises que perturbam ainda aquelas empresas que foram beneficiadas com o processo de privatização. No Brasil, parece-me que um dos graves problemas é justamente esse que assola outras empresas privatizadas, como por exemplo, as do setor de eletricidade. Entre nós, há o problema de insuficiência de demanda também. Há uma crise que sempre ronda as empresas brasileiras: a insuficiência de demanda. O brasileiro é pobre. Calculo que 80% da população brasileira jamais viajou de avião. Desse modo, estamos impedidos de poder contribuir, como consumidores, para grandes e importantes setores da atividade nacional. Na aviação, acontece em parte isso, e, de tempos em tempos, o Governo socializa os prejuízos, porque não há como não fazê-lo diante de uma ameaça concreta e inarredável de falência. Para manter os aviões no ar, o Governo é obrigado, de tempos em tempos, a injetar recursos, sob pena de ver inviabilizada a sobrevivência das empresas de transporte aéreo do Brasil, por mais eficientes que elas sejam. V. Exª tratou muito bem do problema, e eu gostaria apenas de acrescentar esse pequeno grão de observações particulares a respeito do que diz V. Exª, que, com maestria, consegue desenvolver, aprofundar o tema. Continuo sendo esclarecido pelo discurso de V. Exª. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Obrigado a V. Exª, Senador Lauro Campos.

Ouço o Senador Lindberg Cury.

O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Senador Bernardo Cabral, como sei que seu tempo está quase no final e o Senador Romeu Tuma ainda quer aparteá-lo, gostaria de sugerir, baseado nas informações que foram colocadas anteriormente por todos e pela abrangência do seu discurso, que esse tema fosse motivo de uma discussão maior, quem sabe em uma audiência pública, com os representantes das companhias, a fim de que possamos tomar conhecimento do que vem ocorrendo. Como sabemos que esse é um fenômeno mundial e entendemos que o dólar complicou a vida das empresas, visto que elas compraram aeronaves com base em valores atrelados ao dólar, quando existia a paridade de um por um, e pagaram duas vezes e meia o valor original, gostaria de propor a V. Exª um debate sobre este assunto com um pouco mais de tempo.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Ouço o Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Caro irmão, Senador Bernardo Cabral, depois da participação dos Senadores em apartes ao inteligente discurso de V. Exª, que, com conhecimento de causa, pesquisa e busca as razões da decadência da nossa aviação comercial civil, eu nada teria a acrescentar. O Senador Lindberg Cury já falou do câmbio flutuante, que causa um prejuízo enorme, porque as companhias aéreas compram as suas peças e têm as suas despesas em dólar, mas vendem as passagens em real. Os impostos, por sua vez, são praticamente impagáveis pelas companhias. Estou dizendo isso porque houve uma audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos, com os diretores de todas as companhias aéreas. E se alguma providência não for tomada, das cinco ou seis companhias que existem atualmente, poderemos ter, daqui a algum tempo, apenas uma, se muito. Desculpe-me a projeção meio macabra, mas é a conseqüência do que vem acontecendo. V. Exª falou da Varig, cujo crescimento é histórico, por tudo aquilo que desenvolveu na aviação comercial brasileira desde a sua fundação. Hoje, no entanto, seu Presidente luta desesperadamente pela sobrevivência. Segundo notícias dos jornais de ontem, a TAM cancelou vários vôos internacionais, para evitar que o prejuízo atinja os vôos nacionais, o que poderia vir a impossibilitar o nosso deslocamento por todo o território nacional. Os vôos regionais praticamente foram extintos. No meu Estado, mais de 10 grandes Municípios têm pista para o pouso de qualquer tipo de avião, mas não há mais nenhuma companhia servindo essas cidades, de importância vital. A Transbrasil surgiu com o sacrifício de Omar Fontana - que, infelizmente, já não está mais vivo - e luta desesperadamente para tentar reequacionar a sua situação. Omar Fontana, como sócio de grandes empresas em Santa Catarina, sacrificou todo o seu patrimônio para investir na aviação. Depois de algumas décadas, chegou ao insucesso, pela política econômica que o Governo impõe. A Vasp também está lutando pela sua sobrevivência. Ainda há pouco eu falava ao Senador Ney Suassuna a respeito da aviação militar. Conversei com o comandante do Exército sobre um projeto de mobilização nacional de grande importância, da mesmo forma como foi feito nos Estados Unidos, após a ocorrência do 11 de setembro, para tentar minimizar o sofrimento com o impacto tanto psicológico quanto físico. Quando houve o incidente com a Polícia Militar da Bahia, a FAB levou cinco dias para conseguir levar a tropa para lá, pois está sem aviões à altura de transportar tropas e a aviação nacional está quase impossibilitada de ceder. Estou tentando mostrar a grande importância da manutenção das companhias aéreas, até porque é uma questão de risco de vida. Sei que eles têm uma manutenção séria, têm cortado vôos, diminuído o número de equipamentos, mas chega um determinado momento em que isso deixa de ser possível. E quem sofre é a população que usa o avião como meio de transporte. Também não nos podemos esquecer da grande importância dos Correios, que usam as companhias aéreas para fazer que a correspondência não mais atrase. Os Correios são um exemplo vivo da boa organização, pois usam as companhias aéreas para seu serviço de transporte de cartas e volumes. Parabéns, Senador Bernardo Cabral.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Sr. Presidente, peço apenas que V. Exª me conceda mais um minuto, porque sabe-se que, nos Parlamentos, quando o orador ocupa uma tribuna e o seu discurso é claudicante na forma ou não tem substância no conteúdo, os apartes o enriquecem. São os apartes que dão valor à temática do discurso abordado. Quando o orador recebe um ou dois apartes, já se sente devidamente recompensado por ocupar a tribuna e tomar o tempo dos colegas. Mas quando ouve seis apartes, a começar pelo do Senador Francisco Escórcio, passando pelo do Senador Amir Lando, pelo do Senador Lindberg Cury, pelo do Senador Romeu Tuma, e pelo dessa figura a quem tanto estimo, o Senador Lauro Campos, vejo que o pontapé inicial dado pelo Senador Ney Suassuna encontrou eco na Casa.

Assim, Sr. Presidente, é que gostaria de me reportar ao editorial do Jornal do Brasil que fala sobre o endividamento da Varig - e peço que seja transcrito na íntegra -, quando, a certa altura, diz:

Não se trata de retomar as malfadadas operações hospital com recursos públicos. As empresas demandam, sim, mecanismos de capitalização liderados pelo BNDES, exatamente com a preocupação de mudar o perfil de endividamento. Em entrevista ao Jornal do Brasil, o presidente da Varig, Ozires Silva, abordou o problema com clareza meridiana: “Talvez agora as empresas aéreas brasileiras precisem de ajuda, mas por outro período extremamente longo sofreram desvantagens em relação à competição externa, em termos de tributação e regulamentação”.

Ora, Sr. Presidente, eu dizia ainda há pouco - e retomo a parte final do meu discurso com esse registro do Presidente Ozires Silva, a quem conheço de perto, porque ambos já compusemos um Ministério neste País, portanto lhe afianço o que é um trabalho sério - que o Governo já anunciou sua posição de não- interferência oficial na gestão ou no alívio da situação financeira das empresas aéreas. De fato, é inadmissível despender recursos públicos para salvar empreendimentos privados sem que antes haja a definição de uma política de transporte aéreo voltada para os interesses gerais. Entretanto, não é admissível, também, a omissão diante da forte crise que se abate sobre uma das grandes conquistas da iniciativa brasileira, que criou companhias aéreas que operam em pé de igualdade com as empresas estrangeiras, muitas vezes superando-as no que se refere à qualidade dos serviços de bordo.

É nesse difícil contexto, Srªs e Srs. Senadores, que trabalha a indústria de transporte aéreo em nosso País. As empresas precisam reduzir seus custos para não desaparecerem, como a Transbrasil - e eu dizia ao Sr. Ney Suassuna que se esperasse um pouco S. Exª veria este meu depoimento -, engolfada pelo emaranhado da competição e dos regulamentos impeditivos.

Consciente dos riscos e de suas obrigações para com seus passageiros e para com seus 16 mil funcionários, a Varig iniciou um profundo esforço para reduzir seus custos. Trabalhou no preço das prestações dos seus aviões alugados, na melhoria da eficiência dos seus fornecedores, na implementação de métodos e processos de aumento de sua produtividade, na redução dos custos das vendas, na maior velocidade de colocar seus recebíveis no caixa, e assim por diante.

Como se vê, Srªs e Srs. Senadores, não podemos isolar o episódio da demissão dos pilotos do contexto geral das dificuldades da empresa e das medidas de superação que vem empreendendo, sob pena de cometermos um grave equívoco de julgamento.

Finalizando, há uma quantidade de problemas a serem discutidos para que o transporte aéreo brasileiro encontre seu caminho de recuperação, e o momento que vivemos é extremamente crítico, ameaçando até o próprio futuro das empresas. Não é a hora para “operações-padrão”, ou outras ações isoladas, que podem enfraquecer, ainda mais, um setor tão seriamente debilitado.

A nós, do Congresso Nacional, cabe, neste momento, um importante papel mediador. Precisamos interceder junto aos envolvidos para fazê-los compreender que a gravidade da situação requer a adoção de medidas amargas, mas absolutamente necessárias para a sobrevivência das empresas de transporte aéreo em nosso País.

Quero deixar bem clara a posição deste Senado: a presente postura não implica, nem de leve, a defesa de qualquer interesse privado, mas de um patrimônio da Nação brasileira, imprescindível ao seu desenvolvimento e garantia do seu futuro.

Por isso mesmo, Sr. Presidente, quero fazer um requerimento a V. Exª e tenho certeza de que V. Exª o deferirá, na forma regimental. Peço a V. Exª que determine a expedição deste discurso, com os apartes que o enriqueceram, ao Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral, ao Ministro da Fazenda, Pedro Malan, e aos órgãos correlatos da aviação, como o DAC...

O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - V. Exª me permite um aparte, Senador?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Se o Sr. Presidente permitir que eu feche com chave de ouro este pronunciamento, com muita honra ouvirei V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares) - O tempo do orador já está esgotado. Mas, tendo em vista que houve precedentes, V. Exª terá a palavra, Senador José Fogaça.

O Sr. José Fogaça (Bloco/PPS - RS) - Obrigado, Sr. Presidente, e obrigado, Senador Bernardo Cabral. Mesmo percebendo que V. Exª já estava encerrando o seu pronunciamento e tratando dos requerimentos finais à Mesa, quero fazer aquilo que considero um dever: registrar, mais um vez, o quanto nutro de admiração pela postura de V. Exª, que está demonstrando consciência de um grave problema de grande amplitude na economia brasileira. Dizer que o serviço de transporte aeroviário é um serviço “privilegiado”, ou de uma classe privilegiada, é interpretar de uma forma não absolutamente correta e não absolutamente precisa o papel que uma empresa de aviação opera no contexto de uma economia. O transporte aéreo, como qualquer outro meio de transporte - seja o rodoviário ou o aquaviário -, é uma atividade-meio da economia. É uma atividade que liga o consumo e a produção, que liga atividades que são complementares e necessárias entre si. Sem um meio de transporte moderno e rápido, como o transporte aéreo, o nosso País estaria, evidentemente, ainda no princípio do século passado - estaríamos operando a economia no contexto das primeiras décadas do século XX e, portanto, estaríamos um século atrasados em relação às outras economias mundiais. Embora o transporte aéreo seja utilizado por pessoas que ocupam uma posição privilegiada na sociedade, é graças a essa circulação de pessoas que é possível, também, fazer circular inteligência, circular investimentos, expandir a economia, expandir empregos, expandir oportunidades. Enfim, o transporte aéreo é uma atividade-meio imprescindível ao crescimento da economia. Portanto, mesmo o trabalhador mais humilde, no setor ou na área geográfica mais longínqua do País, estaria em condições muito piores se o Brasil fosse desprovido de transporte aéreo, principalmente o transporte aéreo comercial, que permite, como eu disse, a circulação de serviços de inteligência e de mercadorias, o que propicia um incremento extraordinário no funcionamento da economia. Portanto, faço este registro para dizer que V. Exª fala no sentido do bem público, do bem comum, do interesse maior da população brasileira, ao fazer o seu pronunciamento, e, por isso, cumprimento V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Obrigado, Senador José Fogaça. V. Exª sabe que a admiração que há entre mim e V. Exª é recíproca e, de minha parte, amplia-se cada dia mais, sem dúvida alguma.

Sr. Presidente, quero concluir o meu requerimento. V. Exª já anotou os nomes das autoridades a que pedi a V. Exª que envie o meu pronunciamento. Ao cabo e ao fim, quando esses expedientes forem devidamente dirigidos a essas autoridades, peço que V. Exª determine a extração de uma cópia e faça-a chegar ao conhecimento do nosso prezado amigo Ozires Silva, Presidente da Varig, que merece essa deferência.

É o requerimento, Sr. Presidente.

 

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            DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR BERNARDO CABRAL EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2002 - Página 7561