Discurso durante a 61ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crítica à escalada protecionista dos Estados Unidos.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Crítica à escalada protecionista dos Estados Unidos.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2002 - Página 8157
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, PROTECIONISMO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), IMPORTAÇÃO, AÇO, APRESENTAÇÃO, DADOS, PREJUIZO, INDUSTRIA SIDERURGICA, BRASIL.
  • APOIO, DISCURSO, CELSO LAFER, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), NECESSIDADE, BRASIL, RECLAMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), ATUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DESCUMPRIMENTO, NORMAS, COMERCIO EXTERIOR.
  • NECESSIDADE, BRASIL, UNIÃO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, DEFESA, DIREITOS, COMERCIO EXTERIOR, BENEFICIO, AUMENTO, EXPORTAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr.ª Presidente, antes de mais nada, eu gostaria de agradecer ao Senador Romero Jucá a gentileza da permuta.

Sr.ª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os tempos anunciam-se difíceis para o comércio internacional. A primeira década do novo século parece querer configurar-se como uma reversão dos avanços substanciais ocorridos na última década do ano passado, a de 90.

Na década de 90, o valor das trocas internacionais cresceu, com firmeza, ano a ano; muitas nações em desenvolvimento, e mesmo algumas européias, convenceram-se da importância do comércio como alavanca do desenvolvimento e abriram mais e mais seus mercados; e concluiu-se a complicada e demorada Rodada Uruguai, que disciplinou o comércio em várias áreas, comprometeu os países em relação a regras básicas para o intercâmbio de mercadorias e de serviços e substituiu o GATT pela mais abrangente OMC, a Organização Mundial do Comércio.

Agora, nos primeiros anos da nova década e do novo século, o comércio sofre um sério revés. E isso por obra e graça de uma série de fatores, mas principalmente da maior nação do mundo, a que possui a maior economia, a que mais importa e a que mais exporta, os Estados Unidos da América. Surpreendentemente, sob um governo republicano!

Digo surpreendentemente porque sempre foi lugar-comum que o Partido Republicano era mais orientado para o livre comércio, menos protecionista e menos dependente de laços políticos com os sindicatos de trabalhadores daquele país, que sempre foram uma força política importante a criar obstáculos para as importações.

O governo do Presidente George W. Bush veio jogar por terra o lugar-comum. Raramente se viu, na história dos Estados Unidos, um governo tão inequivocamente comprometido - e demonstra isso com pouco tempo no poder -, com a proteção de setores econômicos internos ineficientes e tão permeáveis às pressões políticas, nesse sentido, de sindicatos patronais e de trabalhadores.

Além do mais, o atual governo dos Estados Unidos tem aprofundado uma característica nefasta dos governos anteriores, que é o unilateralismo do comércio internacional, o comportamento de se submeter às regras do comércio internacional, acordadas nos foros pertinentes, apenas quando isso lhe convém.

Há, naquele país, toda uma legislação discricionária que regula o comércio com o exterior, com claros objetivos protecionistas, legislação que contraria frontalmente as regras da OMC.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se sabe, a mais nova vítima do protecionismo norte-americano foi o setor siderúrgico: nosso setor siderúrgico, o setor siderúrgico dos países parceiros comerciais dos Estados Unidos.

Estamos pagando pela eficiência. Temos um setor siderúrgico moderno, atuante e que consegue preços competitivos, bem melhores que os americanos. E o que acontece? Eles vetam as importações oriundas do setor siderúrgico brasileiro para os Estados Unidos.

A próxima vítima já está agendada. Será o setor agrícola, pois é iminente a aprovação do Farm Bill, que aumentará o já bilionário subsídio destinado pelo governo norte-americano a seus agricultores. Mas voltemos um pouquinho ao setor siderúrgico.

As medidas norte-americanas contra a importação de produtos siderúrgicos, anunciadas há poucos dias, são o fato mais novo dentro de uma série de políticas voltadas para a proteção do setor desde os anos 80. Na década de 80, havia os acordos de restrição voluntária.

Ao longo da década de 90 e entrando no novo século, foram os direitos antidumping e as medidas compensatórias, iniciativas respaldadas pela legislação discricionária dos norte-americanos, de que há pouco eu falava.

Desta vez, as medidas atingem 16 categorias de produtos siderúrgicos pelo prazo de três anos. Nada garante, é claro, que, passados esses três anos, novas medidas não sejam anunciadas. Os produtos acabados são taxados em 8% a 30%.

Os produtos semi-acabados, em especial as placas, que perfazem cerca de 75% das exportações brasileiras de siderúrgicos para os Estados Unidos, recebem quotas tarifárias.

A quota isenta de tarifa é de 4,9 milhões de toneladas métricas. A partir daí, incide tarifa altíssima de 30% em 2002, 24% em 2003 e 18% em 2004. Foram pré-alocadas quotas para Brasil, Rússia, Austrália, União Européia, Ucrânia e outros países.

Os países sócios do Nafta, que são o México e o Canadá, não foram afetados. A quota de semi-acabados para o Brasil ficou em 2,5 milhões de toneladas métricas. Em alguns segmentos, como produtos não-planos, as exportações brasileiras não serão afetadas, por conta do baixo volume que vendemos.

Sem entrar, Srs. Senadores, em todos os pormenores das medidas protecionistas norte-americanas, abordando apenas os efeitos nocivos para o Brasil, diria, grosso modo, que tais efeitos não são tão catastróficos como a princípio pareceram.

Em estimativa do próprio Instituto Brasileiro de Siderurgia, as perdas efetivas em termos de valor exportado pelo Brasil, tomando como base as exportações de anos anteriores, situam-se em US$92 milhões. Tal valor, em comparação com as exportações totais para os Estados Unidos, que foram de US$730 milhões em produtos siderúrgicos, fica em apenas 12%.

Segundo o mesmo Instituto, mais grave é que as medidas protecionistas criam obstáculos para o segmento de semi-acabados, cujas exportações para os Estados Unidos vinham em franca expansão depois da aquisição de usinas naquele país por empresas brasileiras. As perdas potenciais, de acordo com o Instituto, podem chegar - pasmem os senhores - a um bilhão de dólares no período de três anos.

Independentemente, porém, dos valores envolvidos nas perdas de exportação brasileira, o que ressalta é o aprofundamento do protecionismo norte-americano, além do desassombro do governo daquele país em prejudicar o comércio internacional e em se afastar dos compromissos internacionais que foram acordados sob a égide da OMC. Isso, sim, é grave, perigoso, merecendo uma resposta diplomática à altura, não somente por nós, como também pelos demais países afetados.

Há pouco tempo, o nosso Ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, esteve no plenário do Senado Federal para tratar desta questão. Com o brilhantismo e a objetividade que lhe são habituais, o Ministro discorreu sobre a evolução da indústria siderúrgica no Brasil, sobre as características estruturais da indústria nos Estados Unidos e sobre como está configurado hoje o mercado dos produtos siderúrgicos no mundo, abordando também a situação Nos principais países produtores de aço.

Se alguém tiver interesse em apreender, na leitura de poucas páginas, todos os dados mais relevantes em relação à indústria siderúrgica brasileira, norte-americana e mundial, sugiro que leia o discurso que o Ministro proferiu da tribuna deste plenário.

Depois da exposição do Ministro, inclusive dando satisfação ao Senado sobre as contramedidas até agora adotadas pelo Governo brasileiro, seria ocioso, neste momento, eu abordar novamente os meandros da questão. Não o farei.

Repito somente algumas informações que o Ministro prestou, como a de que, hoje, depois das privatizações e de intensos investimentos, a indústria siderúrgica brasileira é uma das mais competitivas do mundo, apresentando um dos menores custos de produção, e também a de que não existe respaldo jurídico, nas normas da OMC, para as medidas tomadas pelos Estados Unidos. Também falou aqui o Ministro que o Brasil não hesitará em recorrer à OMC contra as medidas norte-americanas, uma vez esgotados os prazos diplomáticos e prazos legais para que os Estados Unidos respondam favoravelmente às gestões diplomáticas brasileiras, no sentido da revisão de tais medidas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho confiança na competência e no discernimento do Ministro das Relações Exteriores para defender os nossos interesses comerciais. Sigamos os prazos de praxe para consultas e demandas diplomáticas e não recuemos de uma possível questão litigiosa com os Estados Unidos, no âmbito da OMC, como já fizemos outras vezes. Outras vezes, preferimos não discutir, não batalhar. Isso foi ruim. Temos de discutir, debater as questões palmo a palmo. Esse é o único caminho para um país que precisa exportar e que precisa defender os seus interesses.

Os Estados Unidos usam de dois pesos e de duas medidas quando tratam do comércio internacional. Na superfície, usam uma retórica bonita e empolada em que querem se erigir os grandes defensores do livre comércio no mundo. Não se sentem constrangidos, nem um pouco, em criticar nações, publicando extensos relatórios que dão conta de alegados abusos protecionistas por parte dos outros. No íntimo, quando a concorrência os pega de calças curtas, são ágeis em estabelecer barreiras protecionistas de toda ordem, para preservar os setores ineficientes da sua economia, que não se modernizaram. É o velho “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.”

Tal inconsistência, porém, se torna particularmente grave, vinda da maior potência econômica e política do planeta. É grave, porque, dado o peso dos Estados Unidos, essa política protecionista poderá vir a desencadear, como já está ocorrendo, uma escalada protecionista em todo o comércio mundial. Estamos tendo problemas com os sucos, com os têxteis, na área siderúrgica e agora temos problemas na área agrícola.

Sr. Presidente, sei que somos um País que não tem peso para enfrentar os Estados Unidos de peito aberto, mas é preciso que nos organizemos, principalmente em relação ao Mercosul, dizendo que isso traz dificuldades para a implantação da Alca, que eles tanto querem. Se eles não cumprem todas as regras da OMC, que eles querem que cumpramos, imaginem como será quando este continente inteiro tiver aberto as suas portas. Quem quer abrir as portas não pode fechar janelas.

Temos um aço barato, sim, porque pagamos o preço das revisões, das incorporações, das fusões, da modernização. Somos um país tropical que nos permite produzir alguns produtos de baixo valor. Não estamos fazendo protecionismo; deveríamos até praticá-lo em algumas áreas.

O Brasil não terá sucesso como potência emergente se não exportar. Temos que exportar, e muito. Deveríamos transformar o Porta-Avião Minas Gerais num shopping, para vender produtos nacionais pelo mundo afora. Devemos ser como os navegantes fenícios dos tempos antigos, vendendo muito, pois este País tem muita matéria-prima, capacidade, e muita mão-de-obra e pode ser - citando um exemplo do mundo moderno - a nova China.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, estive nos Estados Unidos. Encontrei muitos produtos que pareciam ser autênticos de outros países - como cruzes que pareciam mexicanas ou gregas e produtos semelhantes aos indianos - mas eram todos chineses. O que o japonês fez em tecnologia, os chineses estão fazendo no artesanato, mas também estão avançando em tecnologia.

O Brasil não pode perder tempo. Não podemos nos curvar à prepotência, mesmo que seja da maior potência do mundo. Devemos nos associar a outros países pequenos, pois unidos seremos tão grandes quanto os grandes. Assim poderemos reverter esse quadro.

Sr. Presidente, vim à tribuna fazer essa alerta, porque me revolta ver dois pesos e duas medidas serem usados contra nós.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2002 - Página 8157