Discurso durante a 62ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da atuação dos planos privados de saúde.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Análise da atuação dos planos privados de saúde.
Aparteantes
Fernando Ribeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2002 - Página 8261
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, LUCRO, EMPRESA DE SEGUROS, SAUDE, INEFICACIA, ASSISTENCIA MEDICA, AUMENTO, RECLAMAÇÃO, CONSUMIDOR.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, EMPRESA DE SEGUROS, SAUDE, SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, MENSALIDADE, CRITICA, REDUÇÃO, HONORARIOS, MEDICO, RESTRIÇÃO, EXAME MEDICO, DIAGNOSTICO, LUCRO.
  • NECESSIDADE, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR (ANS), MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), REGULAMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, EMPRESA DE SEGUROS, SAUDE, GARANTIA, DIREITOS, CONSUMIDOR.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Sras e Srs Senadores, os planos privados de saúde, que nos anos 60 e 70 eram um privilégio de empregados de multinacionais e estatais, foram avançando no Brasil como modismo. Ser portador de uma carteirinha de seguro privado de saúde era uma demonstração clara de status, como é hoje ter um carro importado.

No entanto, Sr. Presidente, para milhões de brasileiros, isso não é mais motivo de orgulho. O cenário é de absoluta tragédia. A medicina privada no Brasil - e nesse rol incluem-se os planos privados de saúde, as seguradoras, as cooperativas, as associações e tantas outras que têm como finalidade a prestação de assistência médica, seja qual for sua natureza jurídica - tem sido uma das atividades mais rentáveis, movimentando um capital de aproximadamente R$1,5 bilhão em nossa economia referente ao lucro líquido das empresas.

Esse empreendimento comercial atingiu tal patamar, distanciando-se significativamente do faturamento de outras áreas da economia, por alguns fatores determinantes.

O primeiro, sem dúvida, reside no fato de o atendimento à saúde ser indispensável. Ninguém pode cortar de seu orçamento uma despesa que pode significar a diferença entre a vida e a morte, a não ser que não tenha absoluta capacidade de mantê-lo, o que vem acontecendo de maneira crescente para boa parcela da população

Outro fator tem origem na postura do Estado frente à saúde, com uma regulamentação confusa dessa atividade privada e pelas deficiências da rede pública de saúde nas últimas décadas.

O último e mais grave fator é a própria ganância e falta de sensibilidade social de parte do empresariado desse segmento da economia, que está levando a saúde a ser mercantilizada.

Não obstante todo o desenvolvimento e concorrência do setor, as pessoas que optaram pela medicina privada continuam sem a assistência médica devida. Basta contrair catapora, por exemplo. Afinal, a maioria dos planos de saúde não cobre doenças contagiosas.

Tenho recebido relatos de usuários dos planos de saúde que mostram as distorções do atual sistema.

Uma senhora de Alagoas me disse que teve sua mensalidade aumentada de 300 para 600 reais porque completou 60 anos de idade. Embora permitido pelas regras em vigor, o reajuste está fora da realidade econômica do País. Tinha de ser escalonado, dividido, de acordo com as próprias faixas etárias.

Os órgãos de defesa do consumidor têm registrado, Srªs e Srs. Senadores, recorde de denúncias de aumentos abusivos. Em fevereiro deste ano, uma pesquisa do Instituto de Defesa do Consumidor de São Paulo apurou que as queixas registradas contra o setor chegaram a 22%, enquanto que as reclamações contra os bancos foram de 15% e contas telefônicas, 14%. Tudo porque não há uma política mais severa de regulação econômica do setor, envolvendo, inclusive, a limitação da margem de lucro permissível como ocorre com os outros setores, como o do transporte coletivo, por exemplo.

Daí minha preocupação, que não vem de agora, com os abusos praticados pelos planos de saúde. Em 1999, quando ocupava o Ministério da Justiça, negociei a inclusão no Conselho de Saúde Suplementar de um representante da área de defesa do consumidor, o então secretário de direito econômico do Ministério da Justiça, Dr. Ruy Coutinho.

Srªs e Srs. Senadores, a saúde é, sem dúvida, um bem indivisível e os serviços oferecidos por essas empresas ameaçam a sua integridade. O que se tem observado é que o fato de a saúde ser um bem protegido constitucionalmente nada significa para essas empresas que, levadas pela ânsia do lucro, vão às últimas conseqüências, atentando contra toda a ordem social e jurídica vigentes.

A falta de responsabilidade social de boa parte desse setor é evidente. A maioria se preocupa somente em investir em propagandas e em como realizar mais restrições contratuais, para que os lucros sejam potencializados mais e mais.

E as pessoas, mesmo sabendo de todos esses abusos, em busca de alguma segurança diante dos deficientes serviços oferecidos pelo Estado, migram também, mais e mais, para a rede privada.

Tem-se observado um aumento explosivo deste contingente: de 2 milhões, em 1975, para 36 milhões, em 1996, e cerca de 41 milhões de usuários, atualmente.

Vejam, Sras e Srs. Senadores:

Para a medicina privada atingir praticamente um terço da população, já se verifica qual não é a fragilidade do Sistema Público de Saúde!

Nem mesmo a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, no final de 1999, com a finalidade de fiscalizar o setor, foi capaz de impedir que as operadoras mantivessem seus lucros exorbitantes, explorando usuários e aviltando cada vez mais os profissionais de saúde.

É preciso reconhecer os avanços da Lei dos Planos de Saúde, mas em diversos aspectos, a nova legislação não elimina conflitos e práticas abusivas, sobretudo as impostas aos pacientes.

A última pesquisa disponível do DIEESE sobre o setor comprovou que a média de aumento dos preços dos Planos de Saúde entre 1996 e abril de 2000 foi muitas vezes superior ao aumento das consultas médicas, dos exames laboratoriais e das diárias hospitalares. Nesse período, Srs. Senadores, os planos aumentaram - pasmem - 93,04% as suas mensalidades, enquanto a inflação não chegou à metade desse patamar!

Agora, as empresas pressionam o Governo para obter um reajuste de 15% nas mensalidades. Um absurdo! Basta vermos que a inflação acumulada nos últimos 12 meses não passou de 7,75%, apurada pelo IPCA, e de 8,91%, pelo IGP-M. No ano passado, o reajuste permitido foi de 8,71%.

O setor da medicina privada movimenta 23 bilhões de reais por ano. O faturamento anual das empresas de medicina de grupo chega a 5,5 bilhões de reais.

Os gastos com a saúde correspondem a apenas 6,5% do PIB nacional, mas, por conta das desigualdades de renda e da necessidade de se sustentar um sistema público e outro privado pesam no bolso de qualquer um.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, descontadas as despesas com comida, as famílias brasileiras destinam em média 45,5% do seu orçamento, direta ou indiretamente, ao tratamento de doenças, um dos mais altos percentuais do mundo!

As operadoras de medicina privada viraram burocracias caras e odiadas. Médicos e hospitais reclamam que os reembolsos são insuficientes para pagar seus custos e as empresas, com suas estruturas pesadas, dizem que trabalham no talo.

O impacto da regulamentação, a crise econômica do País, a inflação do setor de saúde e as obrigações previdenciárias têm sido as desculpas mais comuns das operadoras para promover toda sorte de retaliações e abusos.

Dentre as denúncias mais freqüentes encaminhadas por entidades de classe, Senadora Maria do Carmo, como o Conselho Federal de Medicina, à Agência Nacional de Saúde Suplementar, para apuração e providências, estão: aumentos indevidos detectados pelos Procons; descredenciamento unilateral dos médicos; redução dos honorários médicos; oferta de pacotes de atendimento com valores pré-fixados com interferência na autonomia profissional e risco de deterioração da qualidade do atendimento: restrição de exames, diagnósticos e procedimentos terapêuticos; fixação de prazos mínimos entre consultas médicas e exigência de personalidade jurídica na relação de prestação de serviços entre médicos e operadoras.

Nossa missão, como representante do Parlamento, é pedir, o mais rapidamente possível, a abertura da “caixa preta” dos planos de saúde, de expor as planilhas de custos, os gastos com propagandas, marketing e corretagem, os lucros imorais! Também temos, Srªs e Srs. Senadores, a obrigação de apurar as denúncias dos usuários e dos profissionais de saúde contra as empresas seguradoras.

Temos de cobrar explicações desses megaempresários da saúde, preocupados apenas com questões econômicas. Para eles, o ser humano é acessório, o fundamental é a política dos grandes superávits e balanços com lucros de milhões.

Prejuízos com erros de gestão devem ser suportados pelos acionistas e gestores, nunca pelos clientes. Os usuários dessas empresas só contrataram esses serviços por entenderem que os seus gestores conseguiriam escala e fariam, sem dúvida, uma boa gestão.

Se todas as vezes que elas tiveram lucro seus clientes não tiveram decréscimo nas prestações, por que têm que mutualizar os seus prejuízos na carteira?

É importante que o Ministério ou a agência iniciem imediatamente um trabalho rigoroso de regulação e fiscalização, porque os novos e sempre preocupantes reajustes nos planos de saúde chegam ao consumidor já no primeiro semestre do ano e será um dano insuportável para muitos se os aumentos continuarem desregrados e abusivos.

Não se espera controles artificiais de preço, mas existem na lei, até no Código de Defesa do Consumidor, expressões como “proibição de variação unilateral de preço”, “elevação de preço sem justa causa”, “aumento arbitrário de lucros”, “preço abusivo”, que, a partir de um bom estudo e monitoramento sobre os custos do setor de saúde, poderiam ser mais bem traduzidas, a fim de equilibrar interesses de fornecedores e consumidores.

Podemos concluir que todos estão perdendo, mas o consumidor de baixa renda é a principal vítima. Os médicos também vêm tendo seus honorários reduzidos; diárias hospitalares estão congeladas, embora os hospitais de prestígio continuem apresentando bons lucros.

O sistema de concorrência acirrada e de briga entre “os vários elos da cadeia produtiva” está custando caro ao Brasil. Mas já se sabe que quem está pagando a conta é a população.

Era o que tinha a dizer por hoje. Agradeço a V. Exª a oportunidade de trazer a esta tribuna a discussão de um assunto que vem angustiando e angustiará muito mais a população brasileira.

O Sr. Fernando Ribeiro (PMDB - PA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Concedo o aparte ao nobre Senador Fernando Ribeiro.

O Sr. Fernando Ribeiro (PMDB - PA) - Fiz questão, Senador Renan Calheiros, de retornar do meu gabinete ao ouvir o início do discurso de V. Exª. Vim para congratular-me com o Líder do meu Partido, que aborda um tema que é preocupação comum de todo cidadão brasileiro que, vez por outra, se vê às voltas com problemas de saúde. Muito mais além dos problemas propriamente de saúde, estão as dificuldades em abrigar, no orçamento da família, o custeio de gastos com planos de saúde. V. Exª forneceu um dado até surpreendente para mim, de que hoje 40 milhões de brasileiros recorrem ao sistema particular. Isso, em última análise, demonstra a falta de credibilidade do setor da saúde pública. As pessoas recorrem a essa alternativa porque sabem que, de outra forma, ficarão entregues à própria sorte, sendo tratadas como indigentes. Como tive a oportunidade de dizer tratando de outro assunto nesta Casa hoje pela manhã, a rede pública continua absolutamente desprovida das condições mínimas para suprir a nossa população das carências mais elementares. Pode haver - e é até justo que haja - o atendimento para questões fora da rotina, como, por exemplo, o atendimento às vítimas do vírus HIV e de outras doenças. Mas, o corriqueiro, aquilo que mata crianças e pessoas desassistidas, como, por exemplo, um soro antiofídico em uma comunidade remota no interior da Amazônia, continua a não existir. O que é grave, pois lá, muito menos, as pessoas têm possibilidade de acesso a um plano de saúde, por incapacidade financeira de custeá-lo e por não haver, em determinadas localidades, nem mesmo a possibilidade de se estruturar o atendimento de um plano de saúde privado. Entretanto, V. Exª demonstra vigilância e sensibilidade no trato dessa questão, entendendo o problema e deixando claro que as pessoas, quando avançam na idade, têm os seus planos reajustados com mais rigor. Os idosos pagam verdadeiras fortunas com o custeio do plano de saúde, mais do que com o aluguel, com o suprimento de suas necessidades básicas. A sua atenção, com a possibilidade de mobilização que V. Exª tem nesta Casa, como Líder do maior Partido do Senado Federal, dá-nos otimismo. Se os órgãos competentes, como o Ministério da Saúde e o Ministério da Previdência Social que, com certeza, têm instâncias específicas para o acompanhamento e o trato dessas questões, estão negligenciando-as, a atenção de V. Exª reforça a nossa crença de que haja uma alternativa. Muito obrigado.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço V. Exª pelo aparte, que agrega argumentos, novas informações e que, sem dúvida, honra o meu pronunciamento.

Como disse, tenho absoluta convicção de que a discussão sobre a mercantilização da saúde no Brasil, sobre os planos e os seguros de saúde, será, sem dúvida, mais do que nunca, obrigatória neste Senado Federal. A pretensão descabida de aumentar as mensalidades em 15% não pode passar. Ela não passará, porque, se isso ocorrer, haverá somente um perdedor: a nossa população.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2002 - Página 8261