Discurso durante a 68ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, pelo transcurso dos 50 anos de sua fundação.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, pelo transcurso dos 50 anos de sua fundação.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2002 - Página 8982
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ELOGIO, ASSISTENCIA RELIGIOSA, REALIZAÇÃO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, ASSISTENCIA SOCIAL, COMBATE, FOME, MISERIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Ramez Tebet; Dom Jayme Henrique Chemello, Presidente da CNBB; Dom Alfio Rapisarda, Núncio Apostólico no Brasil; Cardeal José Freire Falcão, Arcebispo de Brasília; Dom Marcelo Pinto Carvalheira, Vice-Presidente da CNBB; Dom Raymundo Damasceno, Secretário-Geral da CNBB; Srªs e Srs. Senadores; Srs. Deputados aqui presentes; senhores convidados; religiosos; minhas senhoras e meus senhores, é com honra que hoje tomo parte desta merecida celebração dos cinqüenta anos de fundação da CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Não por acaso, a consagrada expressão “a voz dos sem-voz” caiu-lhe tão bem, porque tão bem realizadas têm sido suas obras e suas intervenções ao longo da história brasileira. Nesse ambiente, sinto-me à vontade para não somente saudar a instituição, seus integrantes e, sobretudo, a Igreja Católica, mas também testemunhar seus incomensuráveis esforços junto à sociedade brasileira como um todo, na busca de uma evangelização plena e profunda.

Localizada num plano quase ecumênico de interação com a realidade do Brasil, a CNBB parece ocupar um espaço acima das religiões, reunindo em sua ação prática as aspirações mais universais de todos os credos, a saber, maior humanização da sociedade contemporânea. Isso se tem traduzido, historicamente, na implementação de sucessivas ações em favor da melhoria da qualidade de vida dos brasileiros, seja no âmbito social, seja no plano espiritual. Extraordinariamente bem-sucedida, a Campanha da Fraternidade, por exemplo, transformou-se, nos últimos anos, em símbolo perfeito dessa conjugação sociedade/espiritualidade, na medida em que, durante o período sagrado da quaresma, o povo brasileiro - católico ou não - é convidado a uma reflexão coletiva sobre problemas nacionais por meio da aplicação dos ensinamentos bíblicos, dos evangelhos, na nossa vida cotidiana.

Sensivelmente crítica à situação política, social e econômica do País, a CNBB destaca-se, até hoje, como pólo de resistência a favor dos oprimidos, dos injustiçados, em suma, dos excluídos dos sistemas de poder. Durante os anos dos governos militares, não deixou de prestar socorro aos perseguidos, abrigando-os no discurso e na prática religiosa, denunciando exageros e excrescências do regime de exceção. Em resumo, como bem ressaltou Dom Pedro Casaldáliga, “a CNBB nunca se fechou dentro de casa, sempre manifestou o Evangelho de forma prática, não só com palavras, mas também com ações e atitudes”.

Na lembrança de todos que viveram os anos sessenta, com certeza comparecem as figuras memoráveis de Dom Hélder Câmara, de Dom Paulo Evaristo Arns, de Dom Luciano Mendes de Almeida, de Dom Ivo Lorscheiter e de Dom Aloísio Lorscheider, cujo entendimento sensível sobre a ação pastoral sempre convergiu muito mais para uma postura política que meramente contemplativa. Evidentemente, isso afrontava a postura eclesiasticamente hegemônica que prevalecia à época. Por isso mesmo, a luta travada internamente nem sempre foi tranqüila. Numa corrente oposta estavam aqueles que entendiam que a ação pastoral deveria ser menos política e mais espiritual. Mesmo esses tiveram atuação marcante na defesa dos direitos humanos e dos presos políticos, na denúncia da tortura e na proteção aos injustamente perseguidos.

Aliás, no período anterior à deflagração do movimento militar de 1964, foi graças à perseverança de Dom Hélder Câmara que a CNBB saiu do estado vegetativo de projeto e transformou-se em uma organização de irrefutável valor humano. Na realidade, foram majoritariamente os padres vinculados ao movimento da Ação Católica Brasileira, fundado em 1935 por orientação do Papa Pio XI, que deram origem à criação da CNBB. Tratava-se de sacerdotes comprometidos com o objetivo de formar leigos para a transformação do mundo. Dom Hélder Câmara, que era Assistente-Geral da Ação Católica Brasileira, liderou o processo de criação da nova entidade, emprestando-lhe uma forma organizacional muito semelhante.

Pois bem, em outubro de 1952, no Palácio São Joaquim, no Rio de Janeiro, teve lugar a assembléia de fundação da CNBB, ocasião na qual Dom Hélder Câmara foi designado Secretário-Geral da entidade. Nessa condição, desempenhou função destacada no Concílio Vaticano II, nos anos sessenta, priorizando as articulações de bastidores. Embora não tenha pronunciado qualquer discurso, levantou discussões relevantes, como as que abordaram a questão da miséria no mundo e a necessidade da reforma interna da Igreja. Mais significativas ainda foram suas intervenções a favor das missas celebradas na língua de cada país, e não mais em latim, como acontecia até então. Para muitos da época, isso equivaleria a uma revolução de grandes proporções para a Igreja.

Como é sabido, o Concílio propiciou inovações de diversas ordens. A inédita realização de reuniões regulares de bispos acabou por imprimir uma marca coletiva nunca antes verificada, refletindo-se mais tarde nas posições, nas ações e na unidade da CNBB. Durante o período dos encontros, palestras diárias proferidas por teólogos de renome provocavam nos bispos uma reciclagem total no domínio da teologia. A Igreja Católica atravessou período de intensa modernização, acompanhando a transformação das mentalidades e da cultura no mundo pós-guerra. As críticas não foram poucas, e, tal qual um processo dialético, as inovações foram incorporadas paulatinamente sob a inspiração de um consenso generoso e divinamente emanado.

Coincidência ou não, o movimento militar de 64 eclodiu durante a realização do Concílio. A partir daí, a CNBB não teve como evitar sua vocação para o recolhimento dos aflitos, dos necessitados, recebendo denúncias de tortura por todo o País. Como bem declarou o jornalista Raimundo Caramuru de Barros, assessor da CNBB naquela turbulenta fase, havia três tipos de posições: os bispos mais conservadores não se incomodavam com os militares, mas tampouco toleravam perseguições; os bispos mais intelectualizados debruçavam-se sobre a questão dos direitos humanos; por fim, os mais avançados fiavam-se pela política, contestando abertamente o regime militar.

Pois bem, vinte anos após sua criação no Rio, foi aprovada a transferência da sede para Brasília, onde se instalou, por definitivo, em 1977, quando da comemoração do vigésimo quinto aniversário de fundação. Na nova capital, a CNBB ocupou-se com as perseguições cometidas pelo governo militar, mas, ao lado disso, reservou às Campanhas da Fraternidade maior poder de crítica social. Na mesma linha, nos anos oitenta, deu surgimento à organização das Comunidades Eclesiais de Base, mediante as quais se consagrou uma posição descentralizadora das ações pastorais, privilegiando uma aproximação mais acentuada com a população mais miserável e sofrida.

Sem sombra de dúvida, outra missão extremamente relevante da CNBB, para cujos fins se destinam intensas orações e ações, tem sido também a implementação das encíclicas papais, sobretudo comprometidas com o papel da evangelização e da espiritualidade. No meio delas, sobressai-se entre outras imperiosamente a encíclica denominada Evangelii nuntiandi, editada pelo Papa Paulo VI, em 1975, exortando todos os pastores e fiéis à missão apostólica. Apesar das críticas, fiel a esse compromisso, a CNBB não cede em nada. Bem a propósito, João, o Evangelista, no capítulo 10, versículo 16, reproduz o seguinte pensamento de Jesus: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco; a essas também me importa conduzir, e elas ouvirão a minha voz; e haverá um rebanho e um pastor”.

Ao lado dessa exemplar citação, ouçamos também o Salmo 111, versículos 1 e 2, sobre o qual a CNBB não se cansa de meditar: “De todo coração celebrarei as obras do Senhor, no Conselho dos justos e nas Assembléias. Grandes são as obras do Senhor, dignas de estudo dos que as amam”.

Em última instância, a CNBB opera, hoje, como uma voz profética para o Brasil e a América Latina, em luta perene contra a opressão da miséria, da fome, da falta de oportunidade. Ao lado das Conferências da Itália e dos Estados Unidos, constitui uma das três maiores conferências episcopais do mundo. Além disso, a CNBB - nunca é demais frisar - atua no país mais católico do mundo. Nessa condição, considera-se ainda vital seu papel de mediadora do consolo, do conforto, do ânimo e da esperança no espírito do povo brasileiro, anunciando as boas novas do Evangelho em todos os cantos do País.

De todo modo, quanto mais a sociedade se caracteriza pela democracia e pela liberdade, menos a CNBB se confundirá com uma instituição eminentemente política, ocupando seu próprio espaço. No esforço de contribuir para o desenvolvimento do Brasil, tornando-o um país mais justo e democrático, lembre-se que, sob a liderança da CNBB e da Igreja Católica, o Parlamento brasileiro aprovou, em 29 de setembro de 1999, o primeiro projeto de iniciativa popular, a Lei nº 9.940, contra a corrupção eleitoral, da qual tive a felicidade de ser Relator neste Senado. No fundo, seu principal objetivo sempre será o da evangelização, sem que isso signifique um afastamento omisso da vida pública e da dimensão política da vida social. Nessa linha, portanto, a opção preferencial pelos pobres, longe de ser um jargão esquecido na poeira do tempo retórico, transfigura-se em lema filosoficamente permanente da entidade.

Por fim, faço minhas as tocantes palavras de Dom Mauro Morelli, quanto afirma que “...sem a CNBB, a história recente do Brasil seria escrita de forma bem diversa. O ensaio de democracia de que gozamos foi em grande parte orquestrado pela coragem e teimosia da CNBB, unida aos movimentos sociais, oferecendo inspiração e até mesmo proteção e guarida a tantas mulheres e homens comprometidos com a liberdade e a justiça”.

Com isso, parabenizo a Igreja, a CNBB e seus integrantes, desejando-lhes muitas felicidades e a paz de Cristo.

Muito obrigado.

(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2002 - Página 8982