Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 438, de 2001, que prevê a expropriação das terras onde se verificar a ocorrência de prática de trabalho escravo.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. LEGISLAÇÃO FISCAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Apelo pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 438, de 2001, que prevê a expropriação das terras onde se verificar a ocorrência de prática de trabalho escravo.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2002 - Página 10727
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. LEGISLAÇÃO FISCAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DENUNCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), TRABALHOS FORÇADOS, ESTADO DO PARA (PA), AUSENCIA, ATIVIDADE, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO.
  • SOLICITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, AGILIZAÇÃO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, PUNIÇÃO, PROPRIETARIO, TERRAS, TRABALHOS FORÇADOS, PERDA, GLEBA.
  • SOLICITAÇÃO, AUTORIDADE FEDERAL, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, PUNIÇÃO, TRABALHOS FORÇADOS.
  • CRITICA, LEGISLATIVO, SUBORDINAÇÃO, INTERESSE, EXECUTIVO, APROVAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, PRORROGAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), FINANCIAMENTO, CAPITAL ESPECULATIVO, PREJUIZO, POLITICA SOCIAL.
  • COMENTARIO, MOTIVO, CRIAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), GARANTIA, RECURSOS, SAUDE, OCORRENCIA, DESVIO, OBJETIVO, JUSTIFICAÇÃO, SUPERAVIT, CONTABILIDADE, UNIÃO FEDERAL.
  • ANALISE, IRREGULARIDADE, APRECIAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, PRORROGAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), DESOBEDIENCIA, RELATORIO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, DESCUMPRIMENTO, PRAZO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COBRANÇA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ADIAMENTO, VOTAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REESTRUTURAÇÃO, CARREIRA, AUDITOR, TESOURO NACIONAL, PREVIDENCIA SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as denúncias sobre a prática de trabalho escravo no Brasil têm se intensificado nos últimos meses. Organizações não-governamentais, como a Comissão Pastoral da Terra - CPT, por perceberem a lentidão dos órgãos governamentais no combate ao trabalho forçado, encaminharam denúncia à Organização das Nações Unidas. Infelizmente, tem sido comum o governo brasileiro prestar a devida atenção aos nossos problemas, somente quando as denúncias vêm de organismos internacionais.

Trata-se, Sr. Presidente, de uma denúncia grave, que não pode ser relevada nem, por comodidade, cair no esquecimento. As informações mais recentes dão conta de que 1.267 trabalhadores exerceram trabalhos não remunerados, somente na região Sul do Pará, no ano passado. Essas pessoas, ainda de acordo com as denúncias, estariam distribuídas por 24 fazendas no território paraense. Vale ressaltar que os casos que estamos aqui citando, referem-se a denúncias comprovadas. O número de trabalhadores submetidos à condição de trabalho escravo, sem dúvida é muito maior, já que as condições para denunciar e apurar a veracidade de tais práticas, são precárias e envolvem grande riscos.

Além de denunciarem o regime de escravidão, as ONGs lembram a omissão governamental no que concerne ao assassinato de trabalhadores rurais por parte das milícias armadas, contratadas por grandes fazendeiros e latifundiários. A Pastoral da Terra, independentemente da denúncia levada à ONU, confirma o assassinato no Pará, de 706 trabalhadores rurais nos últimos 30 anos. Chamo a atenção dos nobres Colegas para o fato de que esse levantamento se refere unicamente ao Pará e que pode estar defasado, dadas as dificuldades de apuração de ocorrências dessa natureza.

É preciso que as autoridades, ao reconhecerem a existência do trabalho escravo no Brasil, adotem ações definitivas, inflexíveis, para erradicar essa degradação, essa mancha que envergonha os brasileiros, que é a existência de trabalho escravo em pleno século XXI, numa sociedade pretensamente democrática e civilizada.

Não se trata, sequer, de restabelecer condições dignas de trabalho para melhorar nossa imagem no Exterior e promover as exportações. Trata-se, Sr. Presidente, de livrar esses brasileiros, irmãos nossos, de uma condição de vida aviltante e sem perspectivas, que se caracteriza pela jornada desumana de trabalho, pelas condições de risco em que as tarefas são executadas e pela impossibilidade de o trabalhador saldar suas dívidas para com o patrão e ganhar a liberdade.

O Estado do Pará, que represento nesta Casa, é palco, como se sabe, de numerosos, infindáveis conflitos de terra. Assim, as denúncias de trabalho escravo, de exploração de mão-de-obra infantil, de violência no campo, são temas recorrentes em minha atividade parlamentar. Resta observar que esses conflitos, envolvendo interesses fundiários, se manifestam de forma intensa em diversos segmentos produtivos e em várias unidades federativas: nas usinas de cana-de-açúcar de quase todo o Nordeste; nas carvoarias mineiras, onde 8 mil homens, mulheres e crianças trabalham em regime de escravidão, de acordo com a Pastoral da Terra; nas fazendas de sisal da Bahia e da Paraíba, onde crianças e adultos são freqüentemente mutilados pelas máquinas de beneficiamento; nos canaviais de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Pernambuco, entre outros; nas madeireiras, nos seringais e nos garimpos do Acre, do Amazonas e novamente do Pará, dentre outros.

Seria incorreto dizer que nada está sendo feito para coibir a prática do trabalho forçado. Tem ocorrido, nos tempos mais recentes, uma atuação conjunta que envolve o Ministério do Trabalho, através do Grupo para Erradicação do Trabalho Forçado - Gertraf e o Ministério Público do Trabalho, com atuação de Procuradores organizados à nível Nacional e com participação também da Polícia Federal. É essa atuação - meritória muito mais pelo esforço dos agentes envolvidos do que pela estrutura disponibilizada para a ação fiscalizadora - que tem permitido a elucidação de alguns casos amplamente divulgados pela imprensa.

Ocorre, Sr. Presidente, que falta a estrutura para a rápida ação dos fiscais, que depende de viaturas apropriadas e até helicópteros, para flagrar os fazendeiros e administradores de fazendas na prática ilegal do trabalho forçado. Muitas vezes, o espaço de tempo entre a denúncia e a efetiva fiscalização dos auditores do trabalho devidamente acompanhados de agentes da Polícia Federal, permite que o denunciado oculte as provas, evitando o flagrante e a conseqüente punição pelo ilícito. Neste caso o denunciante fica exposto a todo tipo de sorte.

Além disso, os instrumentos para a punição ainda são muito incipientes e insuficientes para coibir a prática de trabalho escravo, o que torna comum a reincidência.

Conhecedor da fragilidade dos órgãos governamentais no combate à exploração do trabalho escravo, e conhecedor, igualmente, da situação de impunidade que estimula essa prática, apresentei, em 1999, uma Proposta de Emenda à Constituição prevendo a pena de perdimento das glebas onde se constatar a exploração de trabalho escravo. O texto prevê, também, a reversão da propriedade ao assentamento dos colonos que nela trabalham.

Com a aprovação deste Egrégio Plenário, a PEC foi encaminhada à Câmara dos Deputados, onde tramita agora, na Comissão de Constituição, Justiça e de Redação, sob o nº 438, de 2001.

Diante de novas denúncias relatando a grande incidência do trabalho escravo em nosso País, faço um apelo ao Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, Deputado Ney Lopes e aos demais parlamentares daquela Casa, para que aprovem, o mais rápido possível, a Proposta de Emenda Constitucional de nº 438, de 2001, que tem recebido o apoio dos vários segmentos que atuam no combate ao trabalho escravo e que, entre outras medidas, prevê a expropriação das terras onde se verificar a ocorrência dessa irregularidade.

Apelo também às autoridades competentes de todas as esferas governamentais, para que, paralelamente à tramitação da PEC, possibilitem as condições materiais necessárias para que sejam intensificadas as ações de fiscalização e punição a essa prática, que é motivo de vergonha para todos os brasileiros.

Desejo ainda, Sr. Presidente, tratar de um outro assunto.

Nesta semana, mais uma vez o governo fez valer a sua força no Congresso Nacional, por um lado, para aprovar a Emenda Constitucional que prorroga a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF, em primeiro turno no Senado Federal; de outro lado, conseguiu evitar a votação de uma Medida Provisória que trata da reestruturação da carreira de auditores do Tesouro Nacional, da Previdência Social e do Trabalho, fazendo com que não fosse atingido o número necessário de parlamentares na Sessão conjunta do Congresso.

É lamentável, Sr. Presidente, que o Poder Legislativo continue se portando de forma subserviente ao Executivo, aprovando somente as matérias que interessam ao Governo, passando por cima dos interesses do povo e da Nação brasileira, atropelando o nosso Regimento Interno e até mesmo a Constituição do País.

O que se viu aqui, na última terça feira, na Sessão do Senado que aprovou, em primeiro turno, a Proposta de Emenda Constitucional que prorroga a CPMF, é motivo de vergonha para esta Casa.

A cobrança da CPMF, no mérito, já é uma aberração e fere o interesse da Nação Brasileira. A previsão de arrecadação para o ano 2002 com a CPMF, alcança a cifra superior a R$ 18 bilhões, sendo certo que, infelizmente, grande parcela do produto desta arrecadação servirá para fazer o superávit primário das contas da União e financiar o capital especulativo, em detrimento das ações sociais por parte do Estado, como tem ocorrido nos anos recentes.

Vale aqui lembrar que a CPMF foi criada para ser provisória e tornou-se permanente, sob a justificativa de ser essencial para garantir os recursos da área da Saúde. Contudo, a bem da verdade, no que diz respeito ao financiamento da Saúde, o que tem ocorrido é a retirada de recursos orçamentários ordinários e substituídos pelos da CPMF, ou seja, o governo aplicou um grande calote na boa-fé popular.

Alguns dados que irei apresentar agora, comprovam isso. Desde 1996, o Ministério da Saúde passou a contar com a CPMF como fonte de recursos. Uma vez que o volume de arrecadação da CPMF tem aumentado sempre, o que deveríamos esperar? Obviamente, um aumento correspondente das despesas do Ministério com a Saúde. Entretanto, ao avaliar os gastos per capita daquele Ministério, retomando os dados desde 1993, vemos uma irregularidade muito grande. Em 1993, os gastos per capita eram de R$ 102,00; em 1995 (o ano anterior à aprovação da CPMF), estes subiram para R$ 143,89; em 1996, voltaram a baixar para R$ 123,19; alcançaram o patamar de R$ 145,92 em 1997; mas - vejam só - voltaram a baixar para R$ 131,18 em 1999, em plena vigência da CPMF. Essa constatação foi feita por técnicos do IPEA, ao analisar o desempenho do financiamento do setor Saúde. Não vou nem entrar no mérito de outra constatação: a de que, em 1993, as despesas com saúde representavam 2,11% do PIB, mas baixaram para 1,94% em 1998.

Segundo observam os técnicos do IPEA, embora a CPMF tenha sido alocada integralmente para o Ministério da Saúde, naquele primeiro momento, esta não proporcionou uma elevação dos recursos, pelo menos na dimensão esperada, em decorrência da redução da participação de outras fontes. Se tivessem sido mantidos os montantes que as outras fontes aportavam em 1996 - R$ 19,3 bilhões - e a estes acrescentados os recursos da CPMF, o Ministério da Saúde teria apresentado um nível de dispêndio total de R$ 25,8 bilhões em 1997; R$ 27,2 bilhões em 1998; e R$ 24,3 bilhões em 1999, valores muito superiores aos efetivamente despendidos.

Tudo isso demonstra o quanto a CPMF tem servido muito mais para justificar o superávit primário do governo do que para melhorar o desempenho de programas sociais, como o da Saúde, para o qual a Contribuição foi criada.

Por já saber que seria difícil derrotar a prorrogação da CPMF aqui no Senado, apresentei na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania uma emenda prevendo que parcela dessa tributação fosse destinada aos Estados, Distrito Federal e Municípios, para o financiamento de programas de inclusão social, já que, nos últimos anos, estas unidades federativas amargaram enormes perdas de receitas, fruto da política econômica do Governo Federal, tais como a exoneração do ICMS dos produtos “in natura” e semi-elaborados, além do famigerado Fundo de Estabilização Econômica (FEF), apenas para citar dois exemplos. Isso, na contramão da Constituição de 88, que delegou aos estados e municípios inúmeras atribuições na área Social.

Mas veja, Sr. Presidente, o rolo compressor do governo começou na própria Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Naquela oportunidade a proposta de prorrogação da cobrança da CPMF passou sem emendas, contrariando todo o debate e até mesmo o relatório apresentado pelo Senador Bernardo Cabral.

No Plenário desta Casa, por imposição do governo, as arbitrariedades cometidas foram ainda mais graves. Além de confirmar o texto que veio da Câmara que contempla a isenção da CPMF nas Bolsas de Valores, o que favorece sobretudo aos especuladores, fez, dentre outras modificações, aprovar um destaque que retira a obrigatoriedade ao cumprimento do prazo de 90 dias para entrar em vigor a cobrança da Contribuição, violando um direito do cidadão e ainda numa clara violação à nossa Constituição. E ao que tudo indica, o governo pretende que as mudanças que estão sendo aprovadas no Senado não retornem à Câmara, como é previsto na Constituição e no Regimento Interno da Casa.

Não é a primeira vez que esse tipo de situação ocorre no Congresso, mas não podemos aceitar como normal e deixar de registrar o nosso protesto e a nossa desaprovação. O governo tem feito o que quer no Legislativo e isso precisa mudar, trata-se de uma violência à democracia. A população brasileira, que está acompanhando os trabalhos desta Casa na TV e no rádio, deve estar atenta e levar em consideração esses fatos, nas próximas eleições.

Na sessão de quarta-feira do Congresso Nacional o governo outra vez fez o que quis, dando nova demonstração de sua força e ao mesmo tempo de desrespeito ao Legislativo e ao povo brasileiro. Por vontade expressa da maioria dos líderes, foi incluído na pauta do Congresso a apreciação da Medida Provisória nº 2.175-29, que trata da reestruturação da carreira de auditores do Tesouro Nacional, da Previdência Social e Fiscal do Trabalho. Essa Medida visa adequar a estrutura da carreira dessas categorias ao Plano Diretor da Reforma do Estado feita por esse mesmo governo. Mas como o texto que seria apreciado, dentre outras alterações, retirava um parágrafo que, na forma original, excluía das vantagens remuneratórias os aposentados e pensionistas, não era interesse do governo a apreciação dessa MP e sim a continuidade de seus efeitos sem mudanças.

Por essa imposição do Executivo, os parlamentares governistas fizeram corpo mole e protelaram ao máximo seus pronunciamentos, para que a sessão atingisse o número necessário para votação da matéria e, desse modo, facilitar o seu adiamento. Foi um desrespeito às entidades e aos servidores públicos que migraram do Brasil inteiro para acompanhar a votação da Medida Provisória que diz respeito às suas carreiras profissionais.

            Não quero me alongar, Sr. Presidente, apenas quis aqui evidenciar esses dois fatos: a forma como está sendo aprovado a prorrogação da CPMF e as artimanhas utilizadas pelo governo para protelar ao máximo apreciação da Medida Provisória que reestrutura a carreira dos auditores. É bom que a população brasileira esteja acompanhando tudo isso e faça ela mesmo o julgamento.

Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2002 - Página 10727