Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Louvor aos artigos de Alain Touraine e Boaventura de Souza Santos, publicados no jornal Folha de S.Paulo, do último dia 4 deste mês, analisando possíveis resultados das eleições do Brasil e sua capacidade em liderar uma oposição ao neoliberalismo internacional.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Louvor aos artigos de Alain Touraine e Boaventura de Souza Santos, publicados no jornal Folha de S.Paulo, do último dia 4 deste mês, analisando possíveis resultados das eleições do Brasil e sua capacidade em liderar uma oposição ao neoliberalismo internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2002 - Página 18350
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • ELOGIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, ALAIN TOURAINE, BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS, SOCIOLOGO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, PORTUGAL, ANALISE, RESULTADO, ELEIÇÕES, BRASIL, POSSIBILIDADE, VITORIA, OPOSIÇÃO, IMPORTANCIA, TRANSFORMAÇÃO, PAIS.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, nesta tarde, fazer algumas considerações sobre dois artigos excelentes, oportuníssimos, publicados no dia 4 de outubro último, na Folha de S.Paulo, no mesmo dia, a respeito do significado dessas eleições presidenciais do Brasil para o mundo: significado internacional das eleições que se processam agora, em nosso País, no segundo turno.

São dois artigos de dois sociólogos da maior respeitabilidade, que conquistaram um conceito insuperável entre os seus pares no mundo inteiro. Trata-se de Alain Touraine, o sociólogo francês, e Boaventura de Souza Santos, grande sociólogo português, que exatamente destacam a grandeza da expectativa mundial em relação aos resultados da eleição para Presidente do Brasil, tendo em vista que uma parte crescente do mundo se torna crítica a essa onda de neoliberalismo que avassalou quase todas as nações do mundo, e que se encontra hoje com uma reação em sentido inverso, querendo, exatamente, superar esse modelo, esse sistema, que provoca uma diferenciação cada vez mais profunda, uma desigualdade cada vez maior entre os países ricos e os países pobres e, dentro de cada país, entre a sua parte rica e a sua parte pobre.

Assim é, Sr. Presidente, que Alain Touraine, em seu artigo chamado A volta da Esperança diz algo desse tipo:

A grande onda do liberalismo planetário começa a quebrar. Aqueles que ontem eram os heróis do mundo financeiro, hoje aparecem como criminosos; a recuperação da economia mundial é incerta e a cruzada empreendida pelo Presidente Bush atrai poucos voluntários. Mas os mais importantes sinais de mudança de estação só podem vir dos votos populares de resistência contra a ideologia ainda dominante.

Muito mais importante - prossegue Alain Touraine - é o voto que o Brasil pode dar dentro de alguns dias e que já deu ao garantir a Lula uma vantagem grande sobre seus concorrentes.

Adiante, diz o grande sociólogo francês:

A maioria dos países do continente sul-americano não está em condições de lutar contra a pobreza, mas o Brasil tem condições de fazer uma escolha que será compreendida no mundo inteiro e que convencerá outros países a tomarem decisões indispensáveis para lutar contra a desigualdade social que constitui um entrave ao desenvolvimento.

Depois, ele diz:

O Brasil pode fazer uma escolha que fará dele o líder - vejam bem, Srªs e Srs. Senadores - do grande movimento mundial de rejeição de uma hegemonia norte-americana que já deixou de ser aceitável para grande parte do mundo.

Hegemonia norte-americana no sentido político e econômico e hegemonia do mercado financeiro, no sentido especulativo da palavra.

Evidentemente, estou selecionando trechos do artigo de Alain Touraine, que prossegue dizendo:

O mundo está em silêncio há mais de dez anos e ninguém espera que o Brasil invente uma nova linguagem, mas o mundo começa a ter esperança de que o Brasil rompa esse silêncio opressor que abafa a voz do mundo há mais de dez anos. O Brasil pode, pelo contrário, falar a língua da esperança, ao mesmo tempo em que fala a língua da responsabilidade. Ele, Brasil, precisa de palavras claramente pronunciadas e de projetos elaborados que permitam a todos os cidadãos passar por um novo aprendizado de esperança.

Assim termina Alain Touraine:

O que está em jogo nesta eleição vai muito além do futuro político do Brasil. Trata-se, sobretudo, de escolher entre o silêncio dos sem-esperança e a palavra daqueles que têm consciência da urgência das transformações que precisam ser empreendidas.

Sr. Presidente, é uma voz respeitadíssima, uma voz de grande densidade, exatamente pela respeitabilidade, pelo saber que possui e que traz consigo e que está falando aos brasileiros e advertindo-os para a importância, para o grande e profundo significado que têm as próximas eleições para o ressurgimento de uma esperança capaz de dar às nações do mundo um reencontro com seus destinos nacionais e com os destinos de seus povos, enfrentando a grande pressão, a grande especulação do mercado financeiro internacional.

Trata-se da escolha entre mercado e nação. É como se o mundo estivesse esperando do Brasil esse grito de basta de mercado. É preciso restaurar a Nação, o significado da Nação e os interesses profundos e legítimos da Nação brasileira e das nações que, como o Brasil, estão sendo oprimidas por este mercado especulativo e que até agora estiveram em silêncio, sem força para dizer aquilo que o mundo espera que o Brasil diga.

Sr. Presidente, citei algumas passagens do artigo de Alain Touraine. Citarei agora alguns trechos do artigo de Boaventura de Souza Santos, grande sociólogo, cientista político, filósofo português, que começa dizendo o seguinte:

Espero que os meus patrícios portugueses não se ofendam se eu confessar que neste período eleitoral gostaria de ser brasileiro para poder votar.

E ele vai dizer:

Para poder votar em Lula para Presidente e para poder votar em Tarso Genro para Governador do Rio Grande do Sul.

Avalia Boaventura que o significado dos resultados das próximas eleições não deve ser avaliado pelo seu impacto apenas no país, mas sobretudo pelo seu impacto no mundo, e o que acontece hoje no Brasil é importante para o resto do mundo.

Adiante diz Boaventura Santos que é importante a consolidação de práticas políticas éticas, transparentes, participativas e redistributivas, e nenhum partido tem tantas credenciais nesse domínio como o PT.

A segunda razão para votar em Lula diz respeito ao momento da globalização neoliberal. Não são os críticos esquerdistas que põem hoje em causa o sistema financeiro internacional, são as vozes particularmente autorizadas dos que o conhecem por dentro e têm acesso à informação que mais ninguém tem.

O jornalista está se referindo a críticas feitas por dirigentes e altos funcionários tanto do Fundo Monetário quanto do Banco Mundial.

Continua Boaventura:

A irracionalidade e a injustiça do sistema são hoje do domínio público e o consenso que se está a gerar a seu respeito não pode deixar de levar a transformações em curto prazo. Quem está em melhores condições para governar os países nos tempos que se avizinham? Não, certamente, quem se formou na obediência cega à ortodoxia, porque esse vai correr o risco de ser recorrentemente mais papista que o papa e não vai ser capaz de explorar as novas capacidades de manobra que se vão abrir.

Evidentemente, Boaventura Santos está dizendo que um dos candidatos não terá condições senão de ser mais papista que o papa nos compromissos que seu grupo político adquiriu ao praticar por tanto tempo a política neoliberal e ao levar o País a esta situação de subserviência e de vulnerabilidade em relação aos interesses do grande capital internacional, sendo preciso dar o poder a quem tem condições de enfrentar esse desafio, que é o candidato em quem ele gostaria de votar se fosse brasileiro, ou seja, a Luiz Inácio Lula da Silva.

Diz Boaventura de Sousa Santos:

(...) Lula é o melhor sucessor de FHC, único capaz de ultrapassar o impasse a que a ortodoxia chegou, resgatando o que ela não foi capaz de destruir.

Srªs e Srs. Senadores, a solução ortodoxa não tem futuro no Brasil. Nos termos que as faculdades de economia ensinam, não há condições de resgatar, como ele diz, o que é preciso ser resgatado no Brasil e em outras nações.

É necessário que algo aconteça no mundo e não será o caminho da ortodoxia capaz de reverter esta situação com base em uma decisão que será tomada no Brasil, que, pela sua dimensão, pela sua estrutura econômica, pelas qualidades do seu povo e pelo que ele representa no cenário mundial, pode liderar este processo de renovação do modelo econômico mundial.

Conforme diz no começo do artigo, o segundo desejo de Boaventura de Sousa Santos é ser gaúcho para votar em Tarso Genro e uma das razões “tem a ver com o fato de ser Porto Alegre e o Rio Grande do Sul serem hoje o símbolo da viabilidade de uma globalização alternativa, que combine os objetivos do desenvolvimento e da eficiência com os objetivos da eqüidade e da democracia”.

Diz ele:

Porto Alegre é a cidade global das alternativas e o prestígio internacional que daí lhe advém traduz-se em vantagens sociais e econômicas que podem ser colhidas até por aqueles que, confinados a vistas curtas, rejeitam a idéia de que possa haver outra globalização para além do neoliberal.

Aqui, Boaventura Santos está-se referindo ao fato de que o mundo que rejeita o neoliberalismo e quer se emancipar desse processo especulativo e sufocante, este mundo que cresce a cada ano e a cada mês escolheu Porto Alegre para sediar os encontros do Fórum Social Mundial. E escolheu Porto Alegre criteriosamente, porque, discutindo em profundidade, chegou à conclusão de que, dentre os países capazes de dar o grito de independência em relação a este processo especulativo, o Brasil é aquele que mais promete e que mais apresenta condições de realizar este feito mundial.

E, no Brasil, Porto Alegre é exatamente a cidade que vem sendo administrada dentro de critérios e práticas políticas que representam esta renovação, que representam esta alternativa ao mesmo tempo profundamente democrática, emancipadora e criadora de justiça social e de desenvolvimento econômico, cultural e social.

Sr. Presidente, não vou ler por inteiro os artigos, porque o tempo não me permite, mas chamo a atenção para os que me ouvem para que leiam esses dois artigos publicados na Folha de S. Paulo do dia 4 último, de Alain Touraine e de Boaventura de Sousa Santos. Eles apontam para o Brasil como sendo a sede da esperança do mundo de hoje, de todos os países que querem se libertar deste modelo asfixiante. Eles mostram que o Brasil pode mudar, e pode mudar com a eleição de Lula. Isso está absolutamente claro e explícito em ambos os artigos. E só pode mudar com a eleição de Lula, uma vez que o candidato governista, o candidato que sai do Governo, com toda a boa vontade que tenha e com todo o pensamento construtivo que tenha, não será capaz de se libertar dos constrangimentos e dos compromissos já criados por anos e anos da prática de subserviência e de submissão ao mercado financeiro internacional.

Mas, com a vitória de Lula, o Brasil pode mudar. E o Brasil, mudando, pode mudar o mundo. É isso que eles estão alertando e por isso estão profundamente interessados nas eleições presidenciais brasileiras, a ponto de dizer Boaventura de Sousa Santos que, neste momento, gostaria de ser brasileiro e poder contribuir com o seu voto para esta mudança. O Brasil pode mudar. E, mudando, pode mudar o mundo. É importante que os brasileiros tomem consciência disso no momento final das eleições, tanto presidenciais quanto à eleição no Estado do Rio Grande do Sul. O povo brasileiro está cansado da pressão e da submissão ao mercado. Já deu seu grito no primeiro turno, e vai repetir o grito. Chega de mercado. Vamos à Nação. Vamos restaurar a Nação brasileira com todos os seus interesses legítimos, que são os interesses do povo, com uma política a seu favor, a favor do bem-estar e do progresso não apenas econômico, mas social e cultural.

É claro que o mercado quer derrotar o Lula. As demonstrações estão aí na elevação artificial do dólar. É claro que a cotação do dólar nada tem a ver com a realidade da economia brasileira. Trata-se de um movimento especulativo para ganhar dinheiro, obviamente, como sempre ocorre em todo movimento especulativo, mas também para derrotar Luiz Inácio Lula da Silva, para assustar a população brasileira, como se isso fosse o prenúncio de uma catástrofe que ocorreria com a vitória de Lula, quando, ao contrário, o povo está compreendendo e não se deixou intimidar pelas manobras do mercado. O povo está compreendendo que a catástrofe seria com a derrota de Lula, porque seria a perpetuação desta submissão ao mercado, desse domínio do mercado sobre a nossa economia e sobre os interesses do povo brasileiro. O mercado não vai derrotar o Lula porque a consciência do povo brasileiro já compreendeu que essas manobras têm esse sentido porque, para o mercado, é importante manter esta fonte de rendimento, de riqueza, que eles construíram no Brasil, com a subserviência das nossas autoridades econômico-financeiras.

Sr. Presidente, vim à tribuna porque considero importante ressaltar a densidade e o impacto desses dois artigos que fazem essas duas figuras internacionalmente respeitadíssimas sobre o significado das eleições brasileiras e a importância da vitória exatamente daquele candidato que tem condições de fazer mudar o Brasil, e, assim, mudar o mundo.

Espero que tenha colaborado para a divulgação maior desse pensamento e que o resultado venha a favorecer aquilo que esses dois grandes pensadores mundiais estão preconizando e prevendo para o Brasil e para o mundo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2002 - Página 18350