Discurso durante a 125ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o receituário do FMI e críticas à missão que chega ao Brasil hoje.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Considerações sobre o receituário do FMI e críticas à missão que chega ao Brasil hoje.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/2002 - Página 21011
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, VISITA, BRASIL, COMISSÃO, REPRESENTANTE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), CRITICA, ATUAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, IMPOSIÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, NECESSIDADE, ACEITAÇÃO, PAIS, CRITERIOS, RECEBIMENTO, EMPRESTIMO EXTERNO, EFEITO, AUMENTO, DIVIDA EXTERNA, AMEAÇA, SOBERANIA, REDUÇÃO, PODER DECISORIO, GOVERNO.
  • REGISTRO, FALTA, VERDADE, DECLARAÇÃO, INTERESSE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), AUXILIO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, INTERPRETAÇÃO, SITUAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, PRIORIDADE, ATENDIMENTO, VONTADE, PAIS, PRIMEIRO MUNDO.
  • ANALISE, CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, COMPROMETIMENTO, ORÇAMENTO, PAGAMENTO, SERVIÇO DA DIVIDA, EXPECTATIVA, PROVIDENCIA, CANDIDATO ELEITO, ALTERAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de fato farei brevíssimas considerações sobre mais uma missão do FMI ao Brasil.

Nem falaria sobre isso hoje, porque estava querendo dedicar-me ao tema dos hospitais universitários, a que me reportarei amanhã.

Contudo, hoje pela manhã, uma senhora do interior de Alagoas conseguiu localizar-me, para falar sobre sua relação com um agiota. Contou que o agiota invadiu sua casa, tomou o televisor, obrigou-a a vender a geladeira. Evidentemente, por relação factível, lembrei-me da missão do FMI que chega hoje ao Brasil e tive a oportunidade de explicar-lhe o significado do Fundo Monetário Internacional.

Mais uma vez chega uma missão do Fundo Monetário Internacional ao País. Creio até que já me indignei mais com o moralismo farisaico deles. Hoje muitas personalidades, até mesmo consideradas moderadas, conservadoras, já fazem críticas preciosas ao chamado receituário do Fundo Monetário Internacional. Quem teve oportunidade de ver as entrevistas dadas por um economista considerado moderado e conservador, prêmio Nobel de economia, numa revista de economia também considerada conservadora, a revista Forbes, notou as críticas importantes ao chamado receituário do FMI. Até então, a indignação e as críticas pareciam discursos raivosos da Oposição radicalizada no Brasil e no mundo.

Hoje, apesar de a indignação e a crítica serem compartilhadas por muitos, é evidente que não deixo de sentir-me nauseada com todo o esquema bajulatório que se monta em torno dessas missões do Fundo Monetário Internacional. Por mais que a complexa subjetividade humana se predisponha a explicar isso e por mais que esses senhores se apresentem como se tocados pelos chamados temperos da civilidade humana e, portanto, pela moderação e pela prudência, existe algo que sempre nos leva à indignação: a pose desses senhores, sempre frios, calculistas, racionais, supostamente movidos por um grau científico em suas ações. Com certeza, quem vive a realidade do Brasil e do mundo consegue, com muito pouco, desmistificar o receituário, a pose e o moralismo farisaico do Fundo Monetário Internacional. Quem lê sobre a questão já sabe como se apresentam: são o alto comando, um comitê para a salvação do mundo. Várias revistas importantes e jornais já o caracterizaram dessa forma. Pertencem ao comitê o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, o Banco Central Americano e o Fundo Monetário Internacional. São os desbravadores de oceanos, fronteiras, abismos e florestas. É claro que, como desbravadores, com a omissão e a cumplicidade do Governo federal, desrespeitam a ordem jurídica do País.

Reza a Constituição de nosso País - e não um estatuto ou cantilena trotskista, leninista ou marxista -, o instrumento mais importante para caracterizar a ordem jurídica vigente, em seu art. 1º, inciso I, da soberania nacional. O art. 170 da Constituição, no capítulo Da Ordem Econômica e Financeira, tem como tema, também em seu inciso I, a soberania nacional, portanto, um requisito irrenunciável para a relação dos agentes públicos com os organismos internacionais.

Infelizmente, nossa Constituição vem sendo rasgada ao longo da história do País em nome da chamadas determinações do Fundo Monetário Internacional, ora determinando providências, ora concedendo empréstimos. Imagino que o povo brasileiro já saiba o que de fato são essas operações de crédito. Mas, como eles mentem muito e dissimulam os dados, às vezes as pessoas, conquistadas pela mídia, mentes e corações, acreditam que o dinheiro que vai entrar no País servirá para investir em políticas públicas e econômicas, em desenvolvimento social, em dinamização da economia local, em geração de emprego e renda.

Mas, é bom que o povo brasileiro saiba - e imagino que o saiba - que essa concessão de empréstimos, essas operações de crédito nada mais são que dólar em caixa, dinheiro esse que não pode ser convertido em moeda corrente - portanto, não pode ser convertido em real -, para viabilizar os interesses dos chamados credores do Estado brasileiro, aqueles que conhecemos o seu significado: essa nuvem financeira de capital volátil que paira sobre o planeta Terra, aqueles que não se submetem ao risco do Capitalismo, aqueles que - como dizemos no interior - ganham dinheiro “sem dar um prego numa broa”, sem fazer absolutamente nada, sem se submeter aos riscos do chamado mercado e do chamado Capitalismo. E vão determinando providências.

As providências que eles dizem determinar - já o verificou quem teve a oportunidade de estudar os acordos com o Fundo Monetário Internacional em várias nações - fazem parte da mesma cantilena enfadonha: remoção dos obstáculos para consolidar um desenvolvimento capitalista contínuo e sem sustos; uma acumulação leve e flexível, sem grande mobilização do capital em plantas rígidas. Para isso, é fundamental o fim do intervencionismo estatal.

No Brasil, houve as privatizações, inclusive eivadas de crimes contra a Administração Pública. O Código Penal diz que se trata de crimes contra a Administração Pública: intermediação de interesse privado, exploração de prestígio e tráfico de influência - tudo o que foi denunciado como parte do processo de privatização.

Quanto à flexibilização da legislação trabalhista e previdenciária, todos já sabemos o significado. Liberdade refere-se à livre mobilidade de capitais e mercadorias. Eles não têm ousadia de falar sobre força de trabalho. Quem teve oportunidade de condenar o Muro de Berlim, espero que esteja condenando igualmente, com mais vigor ainda, o muro gigantesco de concreto invadindo o oceano na travessia México-Estados Unidos, que trata a força de trabalho da América Latina que tenta entrar na terra da liberdade com choque elétrico, com fuzil e com metralhadora. Basta ver o número de mortes de sul-americanos que tentaram, em nome da livre mobilidade da força de trabalho, entrar na terra da liberdade. A livre mobilidade de mercadorias é um assunto já bastante conhecido. Transações comerciais livres, investimentos de multinacionais, liberdade alfandegária, abolição de tarifas, evidentemente, tudo isso é dever de casa para nós, porque sabemos o que efetivamente foi feito para preservar os interesses comerciais das grandes nações: gigantescas barreiras protecionistas para proteger os seus parques produtivos e seus postos de trabalho.

Isso, evidentemente, sem falar da Alca, porque não dá para admitir que o País se submeta ao debate a respeito da Alca depois que o Senado americano considerou poucos os 204 produtos estabelecidos pelos Srs. Deputados - e isso corretamente, porque cabe ao Senado americano, como caberia ao nosso, a defesa legítima dos interesses do seu país, para transformá-lo em uma nação - e estabeleceu uma simples listagem de 340 produtos, cuja legislação não pode ser alterada, incluindo os que, de longe, são os interesses econômicos brasileiros: aço, produtos têxteis e agrícolas, açúcar, álcool e calçados, todos fora de qualquer debate sobre liberdade alfandegária, abolição das tarifas ou livre mobilidade das mercadorias.

Mais do que isso, sem sequer discutir as relações estabelecidas, o nível de competitividade, dos investimentos em tecnologia desde a micro e a pequena empresa americana até as grandes estruturas e o grande setor produtivo americano e de outros países.

Livre mobilidade de capitais - aqui entra, de forma muito preciosa, o debate do Fundo Monetário Internacional - eliminação dos obstáculos criados pelas barreiras nacionais aos recursos estrangeiros. Isso ficou conhecido - e não dito por mim, mas caracterizado pelo famoso jornalista americano John Thomas Friedman - como rebanho eletrônico, e todos sabem o que é: fundos mútuos, bancos comerciais, seguradoras e outras instituições que administram profissionalmente os chamados recursos financeiros. É aquela experiência em que um administrador de uma carteira de títulos ou um banqueiro comercial destrói uma nação inteira simplesmente apertando o teclado de um computador do outro lado do mundo.

É neste mundo em que aparecem as já conhecidas frases: “temos que acalmar o mercado”; “afastar o pesadelo, o pânico”; “evitar contaminação, rumores alarmistas, humor do mercado”. E para apaziguar esses setores, o chamado rebanho eletrônico, o Fundo Monetário Internacional se apresenta como um vaqueiro valente, na titulação. Mas é absolutamente incapaz, como tem demonstrado ao longo da história recente do Brasil e do mundo, de controlar os tais rebanhos eletrônicos. Ou seja, o Fundo Monetário Internacional, juntamente com os chamados salvadores do mundo, tais como o Tesouro americano, fizeram esforços gigantescos para viabilizar a estrutura de mobilidade de capitais, apenando e desestruturando parques produtivos, destruindo milhões de postos de trabalho e nações inteiras com uma cantilena enfadonha e um receituário econômico decadente e incapaz.

Claro que, do ponto de vista do parasitismo a que ele se propõe, certamente dá uma certa sobrevida aos países parasitários, para que tenham a oportunidade de continuarem vivos nessa estrutura do capital. 

Vimos o que ocorreu no Brasil. Até agora, só aconteceu o básico; ainda não vivemos o que ocorreu com o Leste Asiático, com a Argentina. Para eles, o básico implica privatização com corrupção, flexibilização, imposição de superávit primário, que sabemos exatamente o que significa, e que não é poupança.

Lamentavelmente, apenas fazemos pose de que mexemos no orçamento, haja vista que o País compromete 63% do PIB para pagar juros do serviço da dívida. Na verdade, fazemos garimpagem orçamentária.

Brigamos pelo orçamento impositivo, mas impositivo já é. Prova disso é que, dos 317 temas que compõem o Orçamento, 44 tiveram execução zero e de 115, execução só de 5%, pois toda a estrutura do País é simplesmente viabilizada para juros do serviço da dívida ou para viabilizar o chamado superávit primário, que não é poupança, mas feito com contingenciamento de gastos sociais e um vigoroso e terrível aumento da incidência tributária no setor produtivo nacional, cujo resultado já conhecemos: é aquela fórmula que nos irrita repetir, porque todo mundo sabe e, efetivamente, ações não são tomadas para enfrentá-la. Cortam-se gastos públicos, acarretando, conseqüentemente, contração da demanda efetiva, queda das vendas no varejo, inchaço insuportável dos estoques, corte na produção, demissões, aumento do desemprego, redução das rendas familiares e, portanto, dos gastos do consumo e mais desemprego!

É exatamente por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, não apenas nós do Partido dos Trabalhadores, mas certamente a gigantesca maioria do povo brasileiro, desde o primeiro turno do processo eleitoral, votou por mudanças, pois 76% dos candidatos, mesmo não sendo de Esquerda, que se apresentavam como candidatura de oposição ao Governo Fernando Henrique tiveram um percentual estupendo.

Tenho certeza de que toda a esperança depositada no companheiro Lula na Presidência da República deverá significar mudanças estruturais profundas, até porque sei que nem Lula, nem o PT vai querer repetir na vida aquele velho trechinho de um poema de Patativa do Asseré, segundo o qual: “Somente o rico na terra tem o seu nome na História. Quando o pobre vence a guerra, o rico alcança a vitória.”

É por isso que espero realmente que, a partir do próximo ano, possamos, ao menos, cumprir o que manda a ordem jurídica vigente, o Texto constitucional, e que, portanto, a soberania nacional seja maior do que a agiotagem, a nuvem financeira de capital volátil que manda no planeta Terra, e do que esses parasitas da humanidade que se articulam em torno de uma sigla chamada Fundo Monetário Internacional.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/2002 - Página 21011