Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Satisfação com a decisão do Iraque em permitir que a Comissão Especial da ONU vistorie se existe arma de destruição em massa naquele país. Leitura de carta sua enviada ao Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva alertando o novo governo sobre a necessidade de implantação de políticas complementares de combate à fome.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA SOCIAL.:
  • Satisfação com a decisão do Iraque em permitir que a Comissão Especial da ONU vistorie se existe arma de destruição em massa naquele país. Leitura de carta sua enviada ao Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva alertando o novo governo sobre a necessidade de implantação de políticas complementares de combate à fome.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2002 - Página 21695
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, DECISÃO, SADDAM HUSSEIN, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, AUTORIZAÇÃO, COMISSÃO ESPECIAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), VISTORIA, POSSIBILIDADE, PRODUÇÃO, ARMA, ENGENHARIA QUIMICA, ARMA NUCLEAR, PAIS.
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, ORADOR, DESTINAÇÃO, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ADVERTENCIA, NECESSIDADE, IMPLANTAÇÃO, POLITICA, COMPLEMENTAÇÃO, COMBATE, FOME, MISERIA, PAIS.
  • INFORMAÇÃO, PRESENÇA, PLENARIO, SENADO, MAURICIO BORGES LEMOS, SECRETARIO DE ESTADO, PLANEJAMENTO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), COOPERAÇÃO, GRUPO, PREPARAÇÃO, SUCESSÃO, GOVERNO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Edison Lobão, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, quero registrar a importância da decisão do Presidente do Iraque, Saddam Hussein, de acatar a resolução da ONU, mesmo tendo o seu parlamento recomendado a não aceitação, permitindo que, de pronto, a partir de segunda-feira, possam os inspetores da comissão especial da Organização iniciar as averiguações sobre a produção ou não de armas de destruição em massa, químicas ou nucleares, em todo e qualquer lugar do Iraque -fábricas, instalações as mais diversas e, inclusive, nos palácios do governo.

Antes, o governo iraquiano havia criado dificuldades em relação à inspeção em determinados lugares. Como havia indícios de produção de algum tipo de arma química ou de destruição em massa, o Conselho de Segurança da ONU, os órgãos de inteligência do governo inglês, norte-americano e francês avaliaram que seria importante dar esse passo.

As declarações feitas, ao longo dos últimos meses, pelo Presidente George Bush pareciam indicar que se iria iniciar um ataque por ação unilateral ou, talvez, com o apoio de um de seus principais aliados, o governo do Reino Unido, de Tony Blair. De alguma maneira, acabou resultando em um caminho de bom senso. Para isso, foram importantes as opiniões dos governos da França, Alemanha, China e Rússia, como também as grandes manifestações realizadas nesse último final de semana em Florença, Londres, Frankfurt e tantas capitais européias. Inclusive em São Paulo houve uma grande manifestação pela paz. As manifestações populares em todas as grandes cidades do mundo para que se evite a morte de seres humanos como meio de resolver os problemas, também estão sendo fundamentais. Quero, portanto, assinalar que está sendo muito importante o desenrolar dos acontecimentos nos últimos dias, com a aceitação pelo governo iraquiano da resolução da ONU. Foi importante, para tanto, a colaboração e a iniciativa muito forte do Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, assim como do Secretário Colin Powel, do Governo George Bush, que teve também uma iniciativa de diálogo com os diversos governos, que me parece foi muito proveitosa. Colin Powel, de alguma maneira, ouviu os argumentos mais sensatos daqueles que avaliavam que tudo deveria ser feito antes que se decidisse por uma iniciativa bélica. E é importante registrar que, por todo o mundo, há sinais de que houve uma aceitação muito positiva dessa decisão. Espero que caminhemos na melhor direção possível.

Sr. Presidente, gostaria, agora, de passar à análise de um tema importante que vem sendo definido como prioritário para o Governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva: o combate à fome e à miséria. Trata-se de algo que precisamos saudar, a maneira como o Governo Lula resolveu que o combate à fome e à miséria no Brasil constitui seu objetivo fundamental.

Fiz algumas sugestões, num ofício enviado no dia 04 de novembro último ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao Coordenador da equipe de transição, Antonio Palocci, e ao Prof. José Graziano da Silva, responsável pela elaboração de um programa de segurança alimentar e de combate à fome e à miséria na equipe de transição.

Eu gostaria aqui, Sr. Presidente, em primeiro lugar, de ler um comunicado que eu e o Prof. José Graziano da Silva, juntamente com Maya Takagi e Walter Belik, firmamos no último dia 04, para, em seguida, fazer alguns comentários:

Em encontro realizado com membros da equipe de transição com coordenadores executivos do Projeto Fome Zero e o Senador Eduardo Suplicy, realizado em 04 de novembro de 2002, o Senador Suplicy entregou uma carta dirigida ao Presidente eleito, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, ao Sr. José Graziano da Silva e ao coordenador da equipe de transição, Sr. Antonio Palocci, no qual traz uma série de reflexões e sugestões sobre as vantagens e desvantagens da instituição dos cartões de alimentação e a importância da melhor coordenação de esforços por parte dos governos da União, dos estados e dos municípios visando à garantia de uma renda necessária, seja através do cartão de alimentação ou de formas de renda mínima e bolsa-escola. Em função das considerações apresentadas na carta e da reunião realizada, chegou-se às seguintes conclusões:

1. O tema do combate à fome é fundamental hoje no Brasil. A declaração do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, no primeiro dia após os resultados das eleições, foi emblemática no sentido de trazer para o centro do debate o combate à fome e o resgate social em favor dos excluídos e dos discriminados. Segundo suas palavras, “a maioria da sociedade brasileira votou pela adoção de outro modelo econômico e social, capaz de assegurar a retomada do crescimento e do desenvolvimento econômico com geração de emprego e distribuição de renda”.

2. O problema da fome está associado à falta de poder aquisitivo e não à falta de produção de alimentos. Segundo estimativas da FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, o Brasil tem uma disponibilidade per capita de alimentos equivalente a 2.960Kcal/dia, bastante acima do mínimo recomendado, de 1.900Kcal. Há, no entanto, uma grande parcela de subnutridos com um consumo médio de 1.650Kcal/pessoa/dia, de tal forma que estamos classificados pela FAO na categoria 3 (de 1 a 5 para proporções crescentes de subnutridos) juntamente com países como a Nigéria, Paraguai e Colômbia.

3. O combate à fome exige um conjunto de políticas públicas articuladas entre si, entre as quais devemos destacar as políticas de distribuição de renda, de riqueza e de promoção da cidadania. Merecem destaque, no caso brasileiro, as políticas estruturais de geração de emprego e renda, a reforma agrária, o incentivo à agricultura familiar e as políticas de Bolsa-Escola e Renda Mínima.

4. No entanto, conforme explicitado no livro “Combate à Fome e à Pobreza Rural”, organizado pela equipe do Projeto Fome Zero e editado pelo Instituto Cidadania, o combate à fome não é sinônimo de combate à pobreza. “Não é possível eliminar a forme esperando que a renda cresça e seja mais bem distribuída”. São necessárias políticas específicas para fornecer os meios básicos para sobrevivência das famílias sem condições econômicas, ao mesmo tempo em que criem mecanismos dinâmicos em outras áreas da economia, como a produção e a distribuição de alimentos, servindo também como mecanismos educativos para a libertação da dependência dessas políticas específicas.

5. Por isso, o combate à fome exige políticas complementares específicas, como as do cartão de alimentação, a formação de estoques de alimentos de segurança, o combate à desnutrição materno-infantil, a educação alimentar e a ampliação da alimentação escolar.

Conforme entrevista realizada pelo Senador Eduardo Suplicy - que consta em seu livro: “Renda de Cidadania - a Saída é pela Porta” (editado pela Cortez Editora e Fundação Perseu Abramo), com James Tobin, um dos idealizadores da política de Renda Mínima - como o imposto de renda negativo (ou o renda básica) envolve um volume muito grande de recursos para ser aplicado de pronto em uma situação de emergência, um sistema baseado nos cartões de alimentos pode ser um passo inicial no caminho da Renda Básica ou de Cidadania.

            Esse é o ponto sobre o qual farei algumas reflexões em seguida.

6. O fortalecimento das políticas locais - para áreas metropolitanas e rurais, além do incentivo ao desenvolvimento das pequenas e médias cidades - é outro aspecto essencial do programa que apresentamos para o país.

7. O conjunto dessas políticas, coordenado por uma instância de governo ligada diretamente à Presidência da República, permitirá implantar uma política de segurança alimentar no País, visando garantir o direito fundamental à alimentação de qualidade.

8. Uma política de segurança alimentar, devidamente articulada nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) e com a participação da sociedade civil, será o embrião do novo modelo de desenvolvimento econômico e social que o governo Lula pretende para o País. As experiências bem-sucedidas atualmente existentes, sejam por parte de órgãos públicos, sejam por parte da sociedade civil organizada, serão aproveitadas e ampliadas dentro do possível pelo nosso governo.

9. A implantação de um programa piloto de segurança alimentar atingirá prioritariamente os municípios e regiões do País em situação de risco, como os atingidos pela seca e as regiões com bolsões de pobreza.

10. Nas próximas semanas, a equipe de transição deverá levantar todas as informações necessárias e, ao mesmo tempo, participará de debates com todos aqueles que tenham acumulado experiências relevantes no combate à fome e à miséria com o intuito de detalhar a implantação do projeto Fome Zero. Essas ações incluem a participação em seminários e discussões públicas que as diversas instituições estarão organizando para que possamos chegar às formas efetivas de combate à fome e à miséria no Brasil.

            Sr. Presidente, assinalo que o IBGE, desde ontem, está realizando um simpósio de grande importância sobre a maneira de superarmos o problema da fome e da miséria no Brasil. Está participando o professor inglês Peter Townsend, da Universidade de Londres, que faz sua primeira visita ao Brasil. Segundo as palavras dele, devemos estabelecer práticas universais, pois não acredita que ricos que passassem por períodos difíceis gostariam de receber cupons de alimento. Isso foi dito por Peter Townsend em sua palestra ontem. S. Sª dá aula de políticas sociais internacionais na London School of Economics e é considerado um dos mais importantes especialistas nessa área.

Quero ressaltar que, segundo informa a imprensa hoje, o Professor Peter Townsend terá a possibilidade de dialogar com os responsáveis pelo Projeto Fome Zero em São Paulo.

Eu gostaria de assinalar que está presente, na tribuna de honra do Senado, o Secretário de Planejamento de Belo Horizonte, Maurício Borges Lemos, que, inclusive, está cooperando com a equipe de transição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A respeito desse assunto, Sr. Presidente, eu gostaria de informar que no último domingo estive na cidade de Tiradentes, no bairro Castro Alves. Visitei a favela em que mora o Sr. Francisco Aparecido Vicente, nascido em Ribeirão Preto, em 1963, com sua esposa, Maria José Pedrosa da Silva, nascida no Rio de Janeiro em 1966, portanto, com 36 anos, e que participaram do programa do horário eleitoral pelo PT, quando o Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, fazia campanha, portanto, há cerca de um mês. Na ocasião, foi apresentada a história do Sr. Francisco, que tem como principal atividade econômica a coleta de materiais recicláveis. Ele próprio - sem a ajuda de qualquer animal - puxa a sua carrocinha na favela Castro Alves.

Ele mora em uma rua não asfaltada, onde, quando chove, há muita lama e muita poeira, nos dias de calor. A família vive em um casebre muito simples com suas cinco crianças. Em verdade, quando foi feita a reportagem, ele tinha apenas quatro filhos. Hoje, tem cinco, tendo a última, Débora Pedrosa Vicente, um mês de idade, pois nasceu em 20 de setembro passado. Ele tem o Johnny, nascido em 2001; Sirley, em 1998; o Adriano, em 1994 e o Francisco Aparecido Vicente Júnior, nascido em 2000. São, portanto, cinco crianças tendo a mais velha, o Adriano, oito anos de idade.

Consegue obter o Sr. Francisco Aparecido Vicente cerca de R$5,00 por mês na sua atividade de catador de papel, papelão, materiais plásticos e de alumínio, vendendo o material que pega nas ruas. Não conseguiu, nos últimos 2, 3 anos, qualquer emprego regular. Por isso essa foi a sua atividade econômica.

Ora, eu resolvi visitá-lo, bem como os moradores de sua rua, uma vez que ele está inscrito no Programa de Garantia de Renda Mínima Associado à Educação, que a Prefeitura Municipal de São Paulo instituiu nesse distrito, que é um dos mais carentes do Município de São Paulo.

Tive a oportunidade de dialogar com ele e também com outras famílias para saber se preferiam receber um cupom de alimentação no lugar da transferência de renda na forma monetária. A opinião praticamente unânime de todos os moradores, inclusive do Sr. Francisco Aparecido Vicente, é a de que será sempre melhor receber a transferência de renda, como um direito à cidadania, na forma monetária, porque lhes permite a maior liberdade de escolha.

Eu tive também a oportunidade, na última segunda-feira à noite, de ir à escola Maria Montessori, na cidade Líder, no Bairro de Itaquera, onde se reuniram, aproximadamente, duzentas mães beneficiárias do Programa de Renda Mínima, do Município de São Paulo, há aproximadamente um ano.

Ali, presente inclusive a coordenadora do Programa de Renda Mínima Associada à Educação, Srª Ana Fonseca, tivemos a oportunidade de estabelecer um diálogo sobre as vantagens e as desvantagens do pagamento da renda mínima em cupons de alimentação, seja integralmente ou parcialmente, e as do pagamento em forma monetária. Depois de profunda discussão, as mães ali presentes, aproximadamente duzentas, chegaram à conclusão de que o pagamento será mais adequado se for feito em forma monetária.

Ainda hoje, farei uma comunicação ao Presidente Lula e ao coordenador do governo de transição, Antônio Palocci, bem como ao meu caro amigo José Graziano da Silva, para transmitir-lhes essas informações que se juntam às observações de especialistas, como as do Professor Peter Townsend, que hoje está visitando o Brasil, trazendo uma opinião que consideramos relevante. Saudamos o Presidente Luís Inácio Lula da Silva por estar iniciando uma nova era no Brasil, dando prioridade total ao combate à fome e à miséria. Tenho certeza de que esse objetivo será alcançado.

O Presidente do IBGE, Sérgio Besserman, destacou o estabelecimento de uma linha oficial de pobreza no Brasil. O Senado Federal já aprovou, por unanimidade, projeto de lei de minha autoria que institui essa linha de pobreza. Ressalto ainda que esse projeto se encontra na Câmara dos Deputados, aguardando parecer do Deputado Armando Monteiro. Então, sugeri que S. Exª entrasse em contato direto com o Presidente do IBGE e os responsáveis por este seminário, que se realiza no Rio de Janeiro, a fim de ter mais elementos para o seu parecer.

Sr. Presidente, aguardo com grande expectativa o parecer que o Senador Francelino Pereira, aqui presente, está concluindo a respeito do projeto de lei que institui uma renda básica de cidadania. A sua contribuição será muito importante, querido Senador Francelino Pereira. Avalio que V. Exª, que tem uma experiência extraordinária como homem público neste País, tendo sido Governador do Estado de Minas, Deputado em tantas ocasiões e Senador, meu colega, sempre contribuindo com proposições e idéias, certamente estará dando uma contribuição fundamental para os destinos de nosso País.

Quero colaborar o máximo que puder para que o Senador Francelino Pereira possa apresentar ao Senado Federal uma contribuição de grande relevância.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2002 - Página 21695