Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO ARQUITETO OSCAR NIEMEYER, PELO TRANSCURSO DOS 95 ANOS DO SEU NASCIMENTO, QUE SERÃO COMPLETADOS EM 15 DE DEZEMBRO DE 2002.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO ARQUITETO OSCAR NIEMEYER, PELO TRANSCURSO DOS 95 ANOS DO SEU NASCIMENTO, QUE SERÃO COMPLETADOS EM 15 DE DEZEMBRO DE 2002.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2002 - Página 25397
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, ARQUITETURA, BRASIL, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, CONSTRUÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).
  • LEITURA, DISCURSO, PEDRO SIMON, SENADOR, HOMENAGEM, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, JUSTIFICAÇÃO, AUSENCIA, CONGRESSISTA, PLENARIO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Senador Edison Lobão, Srªs e Srs. Senadores, no próximo dia 15 de dezembro um grande brasileiro completa 95 anos de vida. O simples fato de alcançar idade tão avançada já é em si um feito notável e digno de comemoração. Alcançar essa idade com plena lucidez, trabalhando como um Hércules e com a saúde perfeita é uma dádiva reservada a poucos, muito poucos. Para felicidade nossa, um desses raros, longevos e produtivos seres é também um dos maiores artistas de nossa época, dono de uma obra respeitada e admirada mundialmente, criador de formas e espaços líricos, elegantes e sensuais, que não nos cansamos de admirar. Refiro-me, como já o fizeram os Senadores Lúcio Alcântara, Francelino Pereira e os que os apartearam, ao maior arquiteto brasileiro, esse patrimônio nacional chamado Oscar Niemeyer.

Devo revisitar a biografia de Niemeyer? Devo enumerar as obras memoráveis que projetou ao redor do mundo? Há tantos livros sobre ele, mais de trinta, em oito línguas diferentes. Ele próprio já falou e escreveu bastante sobre si. Oscar não se encaixa definitivamente na categoria do gênio incompreendido. O arquiteto do século XX foi muito bem compreendido, estudado, biografado e homenageado tanto no Brasil quanto no exterior. A minha intenção é destacar certas qualidades de Oscar Niemeyer que julgo exemplares. Quero relacionar alguns traços de sua personalidade nos quais deveríamos nos inspirar, pois, se o fizéssemos, certamente nos tornaríamos brasileiros mais sábios e mais felizes.

Em primeiro lugar, gostaria de salientar a qualidade de Oscar que, a meu ver, permeia e sintetiza todas as demais: sua simplicidade. Em Niemeyer não há espaço para a vaidade, para o apego ao dinheiro, para a ganância. Ele costuma dizer que, se fosse rico, morreria de vergonha. Extrai enorme prazer das coisas simples da vida, que valoriza como ninguém: um bom livro, uma bela música, um par de ovos cozidos antes do almoço, as formas das nuvens no céu.

O segundo predicado que registro em Niemeyer é o profundo amor pelo trabalho. A arquitetura corre em seu sangue, mas nunca na forma de um saber acabado, consumado, estanque: sempre há algo novo para aprender, algo novo para criar. De que outra forma explicar a súbita vontade, aos 93 anos, de aprender a tocar violão? De que outra forma explicar a decisão de trabalhar de graça, em início de carreira, no escritório de Lúcio Costa, tendo já uma filha para sustentar? Quem visita um de seus projetos mais recentes, o NovoMuseu, em Curitiba, pergunta-se: quem é o ousado, inventivo e, certamente, jovem arquiteto que projetou essa obra-prima? Está sempre presente, neste garoto de 95 anos que é Niemeyer, o impulso de criar, inventar, produzir beleza. Pergunto-me se não estaria aí o segredo de sua espantosa longevidade. O próprio Oscar já declarou: “Ainda bem que trabalho não falta, pois é ele que me mantém bem vivo.”

Em terceiro lugar, está o amor de Niemeyer pelo Brasil. Oscar é um dos brasileiros mais conhecidos no exterior. Projetou mais de 180 prédios fora do Brasil, em países como Estados Unidos, França, Rússia, Israel, Argélia, Alemanha e Arábia Saudita. Não obstante, sua identificação com a terra natal é profunda. Ama o Brasil, suas belezas naturais, sua gente, e revolta-se com a injustiça, a impunidade, a corrupção e a violência que observa em nossa sociedade.

Finalmente, ressalto o otimismo de Oscar Niemeyer. É inspiradora a confiança que tem no futuro, a certeza de que fazer o bem nos levará, obrigatoriamente, a um mundo melhor, mais justo, mais humano. Ao contrário do que pode parecer, a arquitetura não é tudo para Niemeyer: gosta de dizer que o importante mesmo é viver a vida, ter amigos, cuidar da família e, acima de tudo, lutar por um mundo mais justo.

Esse mundo mais justo, Oscar, é plenamente alcançável. Basta que nos espelhemos em sua integridade, seu amor pela vida e sua fé no futuro. Daqui, deste plenário e desta cidade que você mesmo projetou, desejo-lhe, do fundo do coração: Feliz aniversário!

Em verdade, nós, Senadores, estamos dentre as pessoas felizes que podem apreciar e admirar uma de suas mais importantes e belas obras: o Congresso Nacional brasileiro, a Praça dos Três Poderes, desenhada por Lúcio Costa, com os edifícios desenhados por você, Oscar Niemeyer, mas, sobretudo, este Senado, que é uma verdadeira obra-prima. Muitos já disseram que o Senado é o céu. Quase o é. Possa ser ele sempre fonte de inspiração para os que aqui trabalhamos, para que possamos trabalhar sempre com o amor que você, Oscar Niemeyer, dedica ao Brasil e à causa da justiça.

Neste início do século XXI, com o advento do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com a forma democrática que o Presidente Fernando Henrique Cardoso está dando à transição, podemos já vislumbrar a construção de um Brasil justo e civilizado que caracterizará os sonhos de tantos homens e mulheres, seus companheiros, seus camaradas de partido, de ideais e de luta.

Sr. Presidente, o Senador Pedro Simon, precisou, por uma emergência, ir ao Rio Grande do Sul. No entanto, S. Exª havia preparado um pronunciamento e pediu que eu o registrasse.

Portanto, eu pediria a gentileza de poder pronunciar aqui, se tempo houver, porque o meu discurso foi breve, as palavras que Pedro Simon diria. Obviamente não conseguirei transmitir o seu discurso com a beleza, os gestos e voz de S. Exª.

Sr. Presidente, aqui estão as palavras que o Senador Pedro Simon diria:

Aqui estamos reunidos, hoje, para homenagear o maior arquiteto brasileiro vivo, Oscar Niemeyer, que é também um dos maiores - senão o maior - do mundo.

Trabalhando ainda hoje, aos 95 anos, ele é exemplo de uma vida plenamente laboriosa, mas impressionante também na sua dimensão humana, na sua generosidade, na sua solidariedade para com os mais fracos, no seu amor por este País e pelo seu povo.

Quando me preparava para elaborar este pronunciamento, deparei-me com As Curvas do Tempo, o livro de memórias de Oscar Niemeyer.

A leitura desta obra - que é das mais agradáveis - deu-me a exata dimensão do cidadão que estamos homenageando hoje, esse brasileiro que é considerado, por estudiosos do mundo todo, um verdadeiro gênio da arquitetura moderna.

Não vou neste breve discurso concentrar-me na biografia do nosso Oscar Niemeyer, por demais conhecida de todos, e que, de certo modo, é o relato da construção sucessiva de obras-prima arquitetônicas espalhadas pelo Brasil e pelo mundo.

Quero, aqui, prender-me mais aos aspectos humanos desse grande arquiteto brasileiro, aspectos que fazem a grandeza do seu livro de memórias. Vou aqui, simplesmente, repetir frases de Niemeyer. Elas são mais significativas do que quaisquer palavras que eu viesse a escrever.

Começo no trecho em que Oscar Niemeyer fala do momento em que se inicia na profissão, trabalhando como aprendiz. Diz ele:

     “Resisti, não queria, como a maioria dos meus colegas, essa arquitetura comercial que vemos por aí. E, apesar de minhas dificuldades financeiras, preferi trabalhar, gratuitamente, no escritório de Lúcio Costa e Carlos Leão, onde esperava encontrar as respostas para minhas dúvidas de estudante de arquitetura”.

Sobre JK e seu sonho de construir Brasília, Oscar Niemeyer escreve:

     “Passaram-se os tempos, JK é eleito deputado e, pouco depois, presidente da República, e logo me procura. Vem a minha casa da Rua Canoas e, voltando juntos para a cidade, me confia, entusiasmado: ‘Vou construir a nova capital deste País e você vai me ajudar’. Explicando-me com a mesma euforia de 20 anos atrás o que pretendia fazer: ‘Oscar, desta vez vamos construir a capital do Brasil. Uma capital moderna. A mais bela capital deste mundo’.”

Mais adiante, o arquiteto conta a sua contratação, por Israel Pinheiro, para trabalhar como o principal arquiteto nas obras de Brasília:

     “Nessa ocasião ele falou do meu contrato. Receberia um salário normal de funcionário público, mas acrescentou: Posso dar-lhe uma comissão. Respondi logo: Nada de comissão. Era uma palavra que sempre detestamos... E foi pelo emprego da palavra comissão que elaborei todos os projetos de Brasília por apenas 40 mil cruzeiros mensais”.

E, em seguida, descreve o entusiasmo da equipe que trabalhou na construção da nova Capital:

     “Em pouco tempo formamos um grupo coeso e amigo. Morávamos todos juntos no correr de casas populares já construídas. O conforto era pouco: uma sala, dois quartos, banheiro e cozinha. Meu quarto era pequeno: um catre, um pequeno armário provisório e um banco como mesa de cabeceira. O resto era terra vazia, desprotegida, coberta de poeira nos tempos de inverno e de água e lama nos meses de verão. É claro que esses pequenos desconfortos se diluíam diante do trabalho que tanto nos ocupava. Mas ficava aquela sensação de fim do mundo, a lembrar a família e os amigos distantes, sem estradas e sem telefone.”

Páginas adiante, Oscar Niemeyer aborda o movimento militar de 1964:

     “Eu estava na Europa quando ocorreu o golpe de Estado. O meu escritório e a revista Módulo foram invadidos e vasculhados pelas forças policiais. E, quando voltei ao Brasil, no final de 1964, levaram-me no dia seguinte a um quartel do Exército, onde confirmei que escrevera, numa revista soviética, que apoiava Cuba e todos os povos subdesenvolvidos da América, Ásia e África. Dois dias depois, era entrevistado pela revista Manchete. Pedi ao repórter: Pergunte quem são meus melhores amigos. E respondi: Luís Carlos Prestes, Juscelino Kubitschek, Darcy Ribeiro e Marcos Jaymovitch, acrescentando: Cito-os porque, além de meus amigos, estão na adversidade e neste momento é que a amizade deve estar presente e se manifestar. Revoltava-me o silêncio conivente que pesava sobre eles”.

Eu queria destacar, neste pronunciamento [diz Pedro Simon], um trecho fundamental para que se entenda a posição de Oscar Niemeyer diante da vida, a sua visão fraterna e solidária do ser humano:

     “Duas coisas guardo com satisfação. Uma é esse desinteresse pelo dinheiro, que mantive por toda a vida; a outra, minha vontade de ajudar as pessoas, ser-lhes útil, dividir.

     Tendo trabalhado muito, é natural que pensem ser eu um homem rico. Como negá-lo, se os jornais anunciam os meus trabalhos?

     Como contestá-lo, se andei pelo Velho Mundo e tanto realizei?

     É claro que tive fases boas e ruins. Épocas de fartura e de sacrifício. As primeiras, principalmente, quando voltei da Europa, lá pelos anos 70.

     Mas tudo acabou logo, tão depressa, que até me surpreendi.

     Ninguém imagina quantas vezes trabalho graciosamente, como fico longos períodos colaborando sem nada receber; como divido com meus amigos os projetos que elaboro, convidando-os para participar comigo.

     Nunca me preocupei especialmente com o problema do dinheiro, adaptando-me tranqüilamente às incertezas e imprevistos da vida.

     Com que satisfação comprei o apartamento de Luís Carlos Prestes! Lembro que naquela época minha conta no banco estava curta e apressei o Acácio, seu secretário: Providencie a escritura rapidamente, que o dinheiro pode acabar.

     Um ato natural de pura amizade. Admirava o velho Prestes, era meu amigo, e isso bastava. Poucas vezes me senti tão bem comigo mesmo.”

Por fim, transcrevo a parte em que o maior arquiteto brasileiro explica a sua forte convicção socialista, que o levou a ser um dos membros mais destacados do Partido Comunista Brasileiro:

     “Minha posição diante da vida foi de invariável revolta. Ligado ao pensamento de Sartre, sempre a senti injusta e irrecusável tragédia.

     Jovem ainda, com apenas 15 anos, já me angustiava pensando no destino dos homens, condenados, sem defesa, a completo desamparo. E a idéia de desaparecer me aterrorizava.

     Como todo mundo, procurava esquecer tais pensamentos e usufruir os prazeres deste passeio tão curto e cheio de alegrias que, sem consulta, o destino nos oferece.

     Extasiava-me diante da natureza fantástica que nos cerca e, abraçado aos amigos, punha de lado o que nas horas de solidão tanto me afligia.

     E me vesti de falso otimismo, integrado nessa alegria contagiante que a juventude oferece.

     E me fiz conhecer como figura alegre e espontânea, voltada para a boemia, quando, no fundo, guardava uma imensa tristeza ao pensar na vida e nos homens.

     Nos momentos de solidão, indagava-me aflito sobre esse universo misterioso que nos cerca e lembrava o velho Gauguin a escrever, num dos seus quadros, muitos anos atrás: ‘De onde viemos, o que somos, para onde vamos?’

     Do mundo, da relação entre os homens, revolta-me a injustiça imensa que existe, os separa e desmerece. E me fiz comunista, e contra a miséria me manifestei a vida inteira.

     Às vezes, sentia que em alguns pontos discordava dos meus bons camaradas. Não acreditava, por exemplo, na idéia de que devemos ser otimistas, que não cabe contestar o drama do ser humano, que o importante não é a morte, mas a perpetuação da espécie.

     E resistia a esse argumento, pensando que os momentos de angústia que me invadiam, nossos filhos os teriam também.

     E reagi lembrando Gramsci a escrever na sua prisão, na Itália: ‘O otimismo é, muitas vezes, o desejo de não fazer nada e tudo aceitar’.

     No existencialismo de Sartre e no progresso da ciência, apoiava-me, convicto de que tudo é precário, uma verdade que deve prevalecer.

     Alguns diziam que seria o niilismo o fim das fantasias, das grandes conquistas, que dão ao homem algumas esperanças.

     E reagia, insistindo em Sartre, que, ao mesmo tempo em que declarava toda a existência ser um fracasso, defendia Cuba, todos os povos oprimidos, dizendo aos amigos gostar de ter dinheiro no bolso para dar esmolas.

     Acreditava, como ainda acredito, na doutrina de Marx e antevia, otimista, o mundo melhor que desejamos.”

Sr. Presidente, Pedro Simon assim conclui:

Por aqui encerro este breve pronunciamento. Sei que ele pouco ou quase nada acrescentará à grandeza deste homem sobre cuja vida e obra tantos livros foram escritos por autores dos mais diversos países. No entanto, esta é a minha homenagem. A singela homenagem de um profundo admirador do grande artista e do notável cidadão brasileiro chamado Oscar Niemeyer.

Gostaria de lembrar um episódio do qual participei. Quando se iniciou a gestão da Prefeita Luiza Erundina em São Paulo, Oscar Niemeyer me procurou, lembrando que o seu projeto do Parque Ibirapuera, de 1954, por ocasião do quarto centenário, quando era Prefeito Jânio Quadros, estava incompleto. Ele havia projetado um teatro para aquele local, e gostaria que isso fosse considerado. Mas havia um movimento que procurava preservar as poucas áreas verdes, e alguns reputaram o projeto inadequado. Então, considerando que na Praça da Paz sempre se estão realizando concertos - ainda nesta semana, haverá o dos baianos Caetano, Gil, Betânia e Gal -, que ali se reúnem milhares de pessoas, Oscar Niemeyer pensou em fazer uma concha acústica semi-aberta, algo bonito e especial. Fez o desenho e levou-o ao gabinete da Prefeita Luiza Erundina. Estava presente a Secretária de Cultura Marilena Chauí - com a qual acabo de falar, para relembrar o projeto e relatá-lo adequadamente. Alguns até pensaram que a concha acústica poderia ser feita no meio do lago que ali está, o que Oscar Niemeyer julgou possível. Quero, portanto, sugerir à Prefeita Marta Suplicy que considere a idéia de concluir aquela obra de Oscar Niemeyer, de uma maneira em que possa preservar o Parque Ibirapuera, mas também construir o teatro, que significa o congraçamento da população de São Paulo, que sempre está indo lá para ver os mais queridos artistas brasileiros e, às vezes, até internacionais, como Ray Charles, que, certa vez, reuniu 150 mil pessoas.

Então, a nossa homenagem, Sr. Presidente, a esse grande arquiteto brasileiro, que tanto deu exemplos de amor ao nosso Brasil e à causa da justiça.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2002 - Página 25397