Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a respeito do estudo formulado pela Consultoria Legislativa do Senado, intitulado "Diagnóstico qualitativo e propostas para o regime previdenciário dos servidores públicos".

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Comentários a respeito do estudo formulado pela Consultoria Legislativa do Senado, intitulado "Diagnóstico qualitativo e propostas para o regime previdenciário dos servidores públicos".
Publicação
Publicação no DSF de 20/02/2003 - Página 1684
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, PRIORIDADE, GOVERNO FEDERAL, URGENCIA, EXECUÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, SERVIDOR PUBLICO ESTADUAL, SERVIDOR PUBLICO MUNICIPAL, CONTENÇÃO, DEFICIT, ECONOMIA NACIONAL.
  • REFERENCIA, ESTUDO, AUTORIA, CONSULTORIA, SENADO, CONTRIBUIÇÃO, ESCLARECIMENTOS, ALTERAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, COMENTARIO, OCORRENCIA, DIFICULDADE, POLITICA, ADMINISTRAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ELABORAÇÃO, LEGISLAÇÃO PREVIDENCIARIA.
  • CRITICA, ACELERAÇÃO, EXECUÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, NECESSIDADE, ATENÇÃO, EMPENHO, GARANTIA, JUSTIÇA SOCIAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegeu solenemente a reforma da Previdência Social como sua prioridade mais urgente. Neste contexto, o grande foco de discussão centraliza-se na mudança do regime previdenciário dos servidores públicos federais, estaduais e municipais, cujo déficit projetado para 2003 alcança 63 bilhões de reais.

Apesar da ruidosa publicidade em torno do novo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, pomposamente instalado na última semana, tenho a convicção de que o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, conscientes da legitimidade que só o voto popular dá, reafirmarão sua independência atuando como o genuíno fórum da crítica, da formulação e da decisão nesta e nas demais reformas - a tributária, a trabalhista, a financeira e a político-institucional - constantes da agenda de grandes desafios da atualidade nacional. Deixemos, caros colegas, os Srs. Conselheiros entregues à faina espinhosa de conciliar os interesse corporativos de seus pares sindicalistas e representantes da classe empresarial e arregacemos nossas mangas, aqui e agora, para discutir e encaminhar soluções justas e viáveis para a questão da previdência pública.

Desejoso de contribuir para a superação de incompreensões e o aclaramento de perspectivas, essenciais ao sucesso do nosso trabalho, proponho, na tarde de hoje, uma reflexão conjunta acerca de um sucinto e estimulante estudo formulado pela Consultoria Legislativa desta Casa intitulado Diagnóstico Qualitativo e Propostas para o Regime Previdenciário dos Servidores Públicos. O texto parte da premissa de que “o principal problema do regime previdenciário dos servidores públicos e dos militares é que ele, simplesmente, não é previdenciário”. De fato, Sr. presidente, conquanto as mudanças patrocinadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, no bojo da Emenda Constitucional nº 20, de 15 dezembro de 1998, embutissem a justificativa da implantação de critérios de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, esse regime continua sendo, essencialmente, unilateral e administrativo e não contributivo e previdenciário.

Trocando em miúdos: “o valor dos proventos do servidor público não é definido pelo quanto ele contribuiu ou por quanto tempo, mas por uma ação unilateral do Estado, que o fixa por meio de lei”, ao sabor das restrições financeiras da administração pública ou da variável capacidade de barganha e negociação política de distintos segmentos do funcionalismo. É isso que explica a seguinte disparidade de situações. De um lado, um administrador, regido pelo Plano de Classificação de Cargos da Lei número 5.645/70, aposentou-se, em janeiro de 1995, depois de 20 anos de serviço público, com proventos no valor de 1.468 reais e sete anos mais tarde está recebendo 1.567 reais. (Ressalte-se que, no período em questão, a inflação medida pelo IPCA foi de 76,26%, o que equivale a dizer que o nosso administrador hipotético recebe, em janeiro de 2002, apenas uma parcela do que ganhava ao se aposentar).

De outro lado, um analista de finanças e controle, aposentou-se, depois de 20 anos de serviço público, com proventos de 3.960 reais, antes da vigência da Medida Provisória nº 2.048-26, de 29 de junho de 2000. Pois muito bem; essa MP elevou seus proventos em 92,49%, para 7.623 reais.

Nem o administrador perdeu nem o analista ganhou em função do que contribuíram ou deixaram de contribuir ao longo da sua vida funcional. Simplesmente, o primeiro foi vítima; e o segundo, beneficiário da política de remuneração do Estado.

Outra particularidade que foge totalmente aos parâmetros técnicos do cálculo atuarial, baseado nos fatores de longo prazo do crescimento demográfico e da longevidade, consubstancia-se na drástica redução dos quadros de pessoal público e na paralela decisão da administração de não repor a mão-de-obra que se aposenta. Foi o que ocorreu com a União, que tinha 750 mil servidores civis, em 188, e hoje tem apenas 450 mil, o que aumenta o peso das despesas com inativos e pensionistas, sem que isto se deva a um déficit atuarial.

“Mesmo a contribuição dos servidores públicos”, salienta o estudo, “não passa de um recurso contábil, uma vez que quem paga ao servidor e recebe a sua contribuição é o mesmo ente.”

Para reforçar a tese do caráter não-previdenciário, mas administrativo, do sistema público, recorde-se que a “MP nº 3.131, de 28 de dezembro de 2000, aumentou a alíquota de contribuição previdenciária dos militares de um para 7,5% da respectiva remuneração”, com efeitos “facilmente detectáveis”. A mesma Medida Provisória concedeu reajustes aos militares, e, o resultado prático de se elevar sua contribuição foi um dispêndio extra de mais de 4 bilhões de reais, pois as despesas com os inativos e pensionistas das Forças Armadas, que em 2000 não atingiam 9 bilhões, foram catapultadas para 13 bilhões de reais no ano passado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nem mesmo a recente criação de fundos estaduais como o RioPrevidência, o Paraná Previdência e o Funprev da Bahia, a exemplo, aliás, de congêneres mais antigos, como o Ipsemg, de Minas, e o IP, do Rio Grande do Sul, alterou esse caráter político-administrativo e não-atuarial. Limitaram-se a reagrupar ativos para pagamento dos benefícios, separando as contas previdenciárias dos tesouros públicos, mas a instituição ou dissolução desses fundos continua sendo prerrogativa dos governos estaduais. E, como adverte o estudo da Consultoria Legislativa, o mais importante é que nenhuma dessas alterações desobriga o erário da responsabilidade de pagar a aposentadoria ou pensão no valor correspondente à remuneração dos servidor em atividade.

Em suma, se o sistema não é verdadeiramente previdenciário, seu déficit tampouco pode ser considerado previdenciário. Trata-se de um “item da despesa pública”, e os parâmetros aplicados à sua reforma precisam levar isso em conta.

Mas quais seriam as alternativas dessa reforma? Quais os custos e benefícios (econômicos e políticos) da alteração total ou parcial do regime, lembrando que a proposta original do governo petista, anunciada pelo ministro da Previdência Ricardo Berzoini antes mesmo da posse de Lula, consiste na criação de um sistema único que estende aos servidores públicos o teto de aposentadoria do INSS, hoje no valor de 1.562 reais.

Se a escolha recair sobre a transformação do regime de aposentadoria e pensões em um regime efetivamente previdenciário, a primeiríssima ressalva, notória, é no sentido de que não se poderá ferir o direito adquirido dos já aposentados.

Para viabilizar a proposta, desde que se decida restringi-la aos futuros servidores civis, bastará utilizar o marco da Emenda Constitucional nº 20/98 e aprovar o já famoso Projeto de Lei Complementar número 9, ora na Câmara dos Deputados aguardando apreciação em Plenário. O projeto disciplina a criação de um regime complementar baseado na capitalização das contribuições para aqueles servidores que queiram - e sobretudo possam ... - se aposentar com benefícios superiores ao teto único.

Vale acrescentar que a referida emenda já acarretou significativas mudanças no panorama previdenciário do setor público civil, estabelecendo idade mínima na regra geral e na transição, exigindo tempo de serviço público e no cargo para aposentadoria, extinguindo a aposentadoria proporcional e a especial dos professores. Se a isso forem acrescidos mecanismos como um redutor razoável no valor dos proventos (de modo a estimular a permanência do funcionário no serviço ativo com o adiamento da decisão de se aposentar), bem como uma paulatina ampliação dos limites de idade para aposentadoria (na regra geral e na transição), acompanhada de uma limitação das pensões em relação aos proventos, verificar-se-á um impacto prático mais acelerado no processo de redução do montante das despesas previdenciárias.

Noto, parenteticamente, que o recurso de se instituir a contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas, considerada pelos nossos consultores legislativos como tecnicamente possível, se me afigura politicamente inviável (pelo menos à luz do histórico recente de embates entre o Executivo e o Legislativo).

Outra observação importante é que a inclusão dos militares no novo regime requererá modificação constitucional. A não inclusão, por sua vez, reduzirá substancialmente o impacto sobre as contas públicas da União, pois os custos da previdência militar vêm crescendo em termos reais, em contraste com o das aposentadorias e pensões civis.

De qualquer modo, se a opção for mais ambiciosa englobando os atuais servidores, far-se-á indispensável uma regra de transição capaz de levar em conta os chamados direitos em processo de aquisição, que mantenha sob a responsabilidade dos tesouros públicos a parcela da aposentadoria correspondente ao tempo de serviço sob as regras anteriormente vigentes.

Cada alternativa, como disse há pouco, carrega vantagens e desvantagens específicas. Quanto mais imediata e “total” for a mudança, em outras palavras, quanto mais rápida a unificação do sistema, na opção inicial do Partido dos Trabalhadores, mais pronta e plenamente se alcançará o equilíbrio atuarial do sistema. No entanto, seus custos financeiros e políticos são muito elevados, e dificilmente os entes federados (leia-se: governadores dos maiores estados) brindarão ao coquetel composto de queda da arrecadação de contribuições dos servidores estatuários e aumento da contribuição do patrão estatal. Afinal, o governo terá de abrir mão da receita da contribuição dos funcionários, ao mesmo tempo que será obrigado a recolher 22% da folha de pagamento, como fazem as empresas privadas, capitalizar novos fundos de previdência complementar e ainda continuar pagando os mesmos salários para seus aposentados.

O professor Kaizô Beltrão, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, uma das maiores autoridades no assunto, calcula que a União reduzirá receitas com contribuições de 3,6 bilhões para 1,8 bilhão de reais; os estados, de 3,7 bilhões para 2,4 bilhões; e as prefeituras, de 500 milhões para 400 milhões de reais. Já a capitalização dos novos fundos de aposentadoria e pensões do funcionalismo, segundo o professor, requererá injeções de 1,8 bilhão de reais da União, 1,1 bilhão dos estados e 100 milhões de reais dos municípios. Ora, é certo que a mera perspectiva dessas novas despesas levará os governadores a reivindicar um alívio em seus compromissos financeiros com a União, com profundos abalos na arquitetura do ajuste fiscal negociado entre o País e o Fundo Monetário Internacional.

Tudo indica, portanto, que o gradualismo despontará como a alternativa politicamente mais viável, embora dê bem menos consistência atuarial ao regime. Uma recente declaração do ministro Berzoini mostra uma inflexão no pensamento original do governo petista. À jornalista Suely Caldas, de O Estado de S. Paulo, disse o ministro: “É claro que a unificação é o regime ideal, mas é inviável neste momento. Vamos ser realistas e fazer a reforma possível.”

A reforma possível e desejada pelos governadores Aécio Neves e Geraldo Alckimin, entre outros, é aquela que evita a elevação de gastos com previdência. Em poucas palavras, isso compreende a adoção do fator previdenciário, que estimula o servidor a permanecer na ativa pelo maior tempo possível em troca de uma aposentadoria maior no futuro. Inclui, também, a alteração de regras relativas à idade de aposentadoria. Hoje, para se aposentar com o salário do último cargo exercido, o servidor precisa comprovar 10 anos no serviço público e cinco anos no cargo. Esses prazos poderão ser duplicados, passando para 20 e 10 anos, respectivamente.

O tripé da fórmula gradualista se completa com o aumento da idade mínima - de 53 para 60 anos, no caso dos homens, e de 48 para 55 anos, para as mulheres, o que, aliás, já se aplica para quem ingressou no serviço público a partir de 1999, sob a égide da Emenda Constitucional número 20, além de ser a regra para os trabalhadores da iniciativa privada.

Por fim, o horizonte ideal do regime único seria postergado para daqui a 35 anos, valendo tão-somente para quem ingressar no serviço público depois da reforma.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero concluir lembrando que o Brasil não tem tempo para reinventar a roda, tolerando que o governo espere até que sua lua-de-mel, em plenilúnio, com a sociedade, se transforme em quarto minguante. Todos aqui sabem, tanto quanto eu, que material para reflexão e análise não nos falta, a julgar pelo grande número de proposições legislativas e o acúmulo de discussões produzidas pelo parlamento brasileiro acerca da reforma previdenciária e das demais reformas, desde o início da era FHC, conforme procurei indicar neste pronunciamento.

O que está faltando é determinação para decidir conforme a sábia máxima de John Kenneth Galbraith, segundo quem fazer política pública, muitas vezes, é escolher “entre o desagradável e o desastroso...”

Tenhamos sempre em mente que a sociedade brasileira está com um de seus olhos cravado no governo Lula e o outro no Congresso Nacional.

Atiremo-nos, pois, ao trabalho e, dentro de nossas humanas limitações, esforcemo-nos para dar ao País uma reforma previdenciária pública composta das maiores doses possíveis de responsabilidade fiscal, respeito ao servidor público e justiça social.

Vamos, pois, enfrentar o desafio, imperioso e inadiável, de fazer uma reforma previdenciária capaz de compatibilizar responsabilidade fiscal com respeito ao servidor público e justiça social.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/02/2003 - Página 1684