Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Retrospectiva da atuação parlamentar de S.Exa. como Deputado Federal na defesa permanente do salário mínimo. Considerações sobre as propostas de reforma da Previdência e Tributária.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA SALARIAL. PREVIDENCIA SOCIAL. REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Retrospectiva da atuação parlamentar de S.Exa. como Deputado Federal na defesa permanente do salário mínimo. Considerações sobre as propostas de reforma da Previdência e Tributária.
Publicação
Publicação no DSF de 25/02/2003 - Página 2116
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA SALARIAL. PREVIDENCIA SOCIAL. REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • AGRADECIMENTO, ELEITOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), CONFIANÇA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, APOIO, MOVIMENTO TRABALHISTA, MOVIMENTO ESTUDANTIL, ENTIDADE, ORGANIZAÇÃO, NEGRO, COMUNIDADE, APOSENTADO, IDOSO, PESSOA DEFICIENTE.
  • REITERAÇÃO, COMPROMISSO, CAMPANHA ELEITORAL, BALANÇO, VIDA PUBLICA, ORADOR, COMBATE, FOME, MISERIA, SALARIO MINIMO.
  • DEFESA, MELHORIA, POLITICA SALARIAL, POLITICA PREVIDENCIARIA, FUNCIONARIO PUBLICO, DETALHAMENTO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, APOSENTADORIA INTEGRAL, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, JUSTIFICAÇÃO, INCIDENCIA, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, FATURAMENTO, EMPRESA, GARANTIA, REAJUSTE, APOSENTADORIA, VINCULAÇÃO, SALARIO MINIMO, SUGESTÃO, INSERÇÃO, TRABALHADOR, ECONOMIA INFORMAL.
  • DEFESA, LIMITAÇÃO, SALARIO, SERVIÇO PUBLICO.
  • ANALISE, PRIORIDADE, REFORMA TRIBUTARIA, DESCENTRALIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, MUNICIPIOS.
  • DEFESA, REJEIÇÃO, PROJETO DE LEI, TRAMITAÇÃO, SENADO, ALTERAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT).
  • HOMENAGEM, NEGRO, HISTORIA, BRASIL, VITIMA, TRAIÇÃO, REVOLUÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, neste meu primeiro pronunciamento nesta Casa, quero deixar registrados meus agradecimentos ao povo gaúcho, que confiou, ao longo desses anos, muito em nossa proposta e reconheceu nossa atuação na vida pública.

Agradeço também às organizações dos movimentos sindical e estudantil, do movimento negro e comunitário, às entidades e associações de aposentados e pensionistas que sempre estiveram ao meu lado lutando pelos seus direitos. Agradeço a todos aqueles que, de forma direta ou indireta, estiveram envolvidos na campanha eleitoral que resultou em nossa eleição para o Senado da República com dois milhões cento e três mil votos.

Como faço desde o meu primeiro mandato parlamentar, reafirmo aqui os compromissos assumidos durante a campanha e posso garantir-lhes que vou me dedicar aos interesses do Rio Grande e do Brasil, sempre utilizando o diálogo e a cooperação para combater a fome, a miséria, a exclusão social e a baixa qualidade de vida da maior parte da população do nosso País.

Iniciei minha vida política como presidente de grêmios estudantis em Caxias do Sul, cidade onde nasci. Tornei-me sindicalista em Canoas e Presidente da Central Estadual dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul, além de Secretário-Geral e Vice-Presidente da CUT nacional. Em 1986, fui Constituinte - com orgulho confesso - ao lado de Ulysses Guimarães, Mário Covas, Florestan Fernandes, Luís Eduardo Magalhães, Amauri Müller e tantos outros que já não estão conosco, mas que, sem sombra de dúvida, marcaram a sua trajetória independentemente das questões ideológicas.

Trabalhei na elaboração da Carta Magna com o atual Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Nelson Jobim, também do meu Estado, com o ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso e também com o atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse período participei diretamente na elaboração da Carta Magna, principalmente dos capítulos da Ordem social e da Seguridade Social.

Durante 16 anos atuei como deputado federal e não me arrependo de nenhum gesto, de nenhuma palavra, de nenhum voto; ao contrário, se necessário faria tudo outra vez.

Sr. Presidente, estamos vivendo nova etapa da política brasileira. A vitória de Lula é a manifestação maior do povo no sentido de exercer sua força transformadora. O exercício de nosso mandato de Senador estará afinado com a construção de um Brasil em que reine a justiça social, o crescimento econômico e, sem sobra de dúvida, a democracia real.

Triste o homem que não tem sonhos, triste aquele que, acordar pela manhã, é incapaz de vislumbrar um mundo melhor. Triste aquele que é incapaz de pensar num futuro em que os homens se vejam como irmãos.

Devemos, pois, sonhar. Sonhar com o dia em que todos serão respeitados e vistos como iguais. Sonhar, sim, com o dia em que todas as crianças estarão na escola. Sonhar com o dia em que ninguém dormirá de estômago vazio.

Estou convencido de que foi por meio desses ideais de alguns sonhadores que a humanidade alcançou suas mais belas realizações.

Quero reafirmar o que disse e escrevi em certo momento: sonhar com um mundo melhor para todos é um direito, mas lutar para construir esse mundo é um dever daqueles que amam a liberdade e buscam a justiça. Sou sonhador, mas do tipo que luta para dar vida às esperanças do nosso povo.

Busquei ao longo dessa caminhada todas as formas de transformação do nosso País, para que a solidariedade estivesse sempre em primeiro lugar. Nem sempre consegui, é verdade, mas em nenhum momento esmoreci. Mesmo nas derrotas, via que a luta continuaria no dia seguinte e que a possibilidade de transformar o sonho em realidade não era uma ilusão, mas apenas a antecipação do futuro.

Busco não apenas a igualdade formal ou legal. Busco a igualdade que significa respeitar o próximo e ser, da mesma forma, respeitado. Busco, Sr. Presidente, a igualdade que significa acesso às mesmas oportunidades, independentemente de raça, religião, capacidade física, sexo ou idade. Igualdade significa, enfim, poder andar pelas ruas sem ter vergonha ou medo. Em nossa história, repleta de episódios em que o mais fraco foi tratado sem piedade, nunca estivemos tão perto de poder concretizar os sonhos de nossa gente. Nunca estivemos tão perto de olhar ao nosso redor e dizer com orgulho: o Brasil é um país em que vale a pena viver. Uma sociedade em que vale a pena viver é a que destina sua atenção para os que não tiveram as melhores oportunidades na vida, os melhores empregos, as melhores escolas; é a que olha com atenção para os que não têm boa moradia, saúde e vida confortável; enfim, é a que não tem medo de ajudar aquele que se encontra em dificuldade.

Sr. Presidente, na minha trajetória, as palavras justiça social e liberdade nunca foram vazias de significado. Procurei concretizar esses ideais por meio de ações que pudessem fazer do Brasil uma sociedade mais justa. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como Deputado Federal, apresentei centenas de projetos. Muitos se tornaram leis, outros estão em debate na Câmara e no Senado. Destaco aqui alguns a que darei especial atenção na atual conjuntura: luta em defesa do Mercosul, política de emprego, redução de taxas de juros, salário mínimo, serviço público, reforma da Previdência, reforma tributária, reforma da CLT e os estatutos que apresentei, que combatem a exclusão social, como o do idoso, o do deficiente físico e o da igualdade racial.

Tenho defendido, ao longo da minha vida, muitas causas, porém - e V. Exas sabem - há uma que se mostrou especialmente árdua: a defesa do salário mínimo. Para muitos, essa luta é demagógica; para outros, é ingrata. Alguns dizem: “É um Dom Quixote”. Talvez eles não saibam que o salário mínimo é o maior distribuidor de renda deste País e um instrumento fundamental na política geradora de novos empregos.

Vou além, Sr. Presidente, para explicar àqueles que dizem que a nossa moeda não é o dólar e Paim fala muito em 100 dólares. Reafirmo que o dólar é apenas uma referência internacional, mas não esqueçam que inúmeros contratos de tarifas públicas estão anexados a ele. Até o pão de cada dia, Sr. Presidente, por incrível que pareça, pois o aumento do preço dele depende do dólar, devido à importação do trigo. Não recebemos em dólar, com certeza, mas pagamos pela alta dele. Não há um só país no continente americano que pague um salário mínimo menor do que o correspondente a US$100,00.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, sei que no primeiro ano do Governo Lula esse valor não será atingido, pois deverá ficar entre R$240,00 e, no máximo, R$250,00, mediante um acordo realizado na peça orçamentária, com a participação de os todos Partidos, tanto do Governo anterior quando do Governo atual. É bom lembrarmos, Sr. Presidente, que a proposta original que veio ao Congresso ainda na LDO apontava para um salário mínimo de R$211,00.

Foi com muito esforço que chegamos ao patamar que deve ultrapassar os R$240,00. Mas faço uma advertência à Casa e à imprensa em geral - pela qual tenho o maior carinho - não coloquem não digam que o Senador Paulo Paim já não defende o salário mínimo de US$100,00. Afirmo, Sr. Presidente, que apresentei na primeira sessão do Senado um projeto de lei para que o salário mínimo, ainda no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, seja correspondente a pelo menos US$100,00. Vou além, Sr. Presidente, não pensem V. Exas que para mim o salário mínimo ideal é o de US$100,00, porque ainda é muito pouco. Falo em US$100,00, mas, ao mesmo tempo, poderia dizer que 100 milhões de brasileiros ficam na faixa da população que recebe de zero a um salário mínimo. Somos 175 milhões, e 100 milhões ficam nessa faixa. Não que recebam um salário mínimo, a maioria, no mínimo 55 milhões, recebe de zero a meio salário.

Digo mais, Sr. Presidente, temos a obrigação de ajudar a construir, neste País, o respeito ao art. 7º da Constituição. E esse, sim, seria o salário mínimo ideal. Claro que não espero que isso aconteça por toque de mágica. Mas temos de ter como meta a construção de um salário mínimo que atenda o que manda a Constituição.

Sr. Presidente, eu gostaria de falar rapidamente a respeito do servidor público. Neste País, virou moda fazer do servidor público o bandido da história. O servidor público não é o bandido da história. No caso da aposentadoria, por exemplo, poucos falam que o servidor público contribui sobre o total de seus vencimentos. Sou trabalhador da área privada, um metalúrgico, e nunca contribui - e mesmo que quisesse não seria permitido - sobre uma faixa maior do que dez salários mínimos. Hoje, na verdade, todos sabemos que esses dez transformaram-se em seis ou sete salários mínimos. Essa é a primeira consideração.

A segunda, Sr. Presidente, é bom lembrar que os servidores públicos estão com uma perda acumulada - é claro que não todos, mais em grande número - de quase 80%. Acredito que o Governo Lula irá dialogar com os servidores públicos para assegurar uma política salarial que anualmente reponha pelo menos parte das perdas acumuladas ao longo desse período.

Quero, Sr. Presidente, agora falar sobre a Previdência. E vou deixar muito clara a minha posição quanto ao assunto: defendo a reforma em uma ótica universal.

Sr. Presidente, não sou daqueles que dizem que toda vez que vamos tratar de reforma, o trabalhador, do lado de lá, já se assusta e pensa: Bom, vão mexer nos meus direitos!

Quero fazer uma reforma da Previdência que signifique justiça. E justiça, para mim, é dizer o seguinte: Eu quero o princípio da aposentadoria integral para todos! Para os trabalhadores da área pública e para os trabalhadores da área privada.

Sr. Presidente, vou dar um exemplo: um trabalhador da área privada que ganha hoje em torno de R$2 mil, se nós realizarmos essa reforma e deixarmos claro o princípio do cálculo atuarial, por que ele não pode se aposentar com R$2 mil, se está disposto a pagar um correspondente percentual junto à folha de salário que recebe? Não vejo, nesse momento, nenhum debate que tenha apontado nessa linha. Por que precisamos dizer que vamos fazer o corte de forma decrescente, ou seja, quem está ganhando mais, terá que passar a ganhar menos? Por que não vamos para a lógica de que a aposentadoria integral será assegurada a todos, desde que eles paguem para isso? Ora, se eu quero pagar, por que não posso me aposentar com salário integral? É claro, Sr. Presidente, que, sabemos disso, quem quiser se aposentar com salário maior, deverá pagar mais, porque ninguém faz milagre!

Sr. Presidente, pela minha proposta, todos pagarão sobre o total dos seus vencimentos. Todos! Da área pública e da área privada. Os empregadores pagarão - e venho defendendo esta tese de agora não é de agora, mas há mais de dez anos - sobre o total do faturamento e não sobre a folha de pagamento. Os empregadores passariam a não pagar sobre a folha de pagamento e pagariam sobre o total do faturamento.

E essa tem uma explicação rápida, Sr. Presidente. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, atuo muito no Vale dos Sinos. Lá, temos empresas de cinco mil trabalhadores. Uma empresa de cinco mil trabalhadores, no Vale dos Sinos, paga sobre a folha 100, por exemplo. Um banco, no mesmo Vale dos Sinos, que tem o dobro de lucro que esta empresa, paga sobre a folha 50. Não é correto. Quem mais lucra, menos paga; e quem mais emprega, que responde à questão pelo aspecto social, que é posto de trabalho, esse, então, pagará muito mais.

Por isso, Sr. Presidente, é chegada a hora de exonerarmos a folha, de diminuirmos os percentuais de tributo sobre a folha e de estipularmos somente sobre o faturamento. A gestão, Sr. Presidente, será quadripartite, ou seja, formada por trabalhadores, por empregadores, pelo Estado e por aposentados. O reajuste das aposentadorias não poderá ser em um percentual menor do que o que se concede ao salário mínimo.

Sr. Presidente, tenho certeza que os Senadores aqui presentes, toda a vez em que fazem uma palestra sobre Previdência, é comum se ver no plenário alguém dizer “mas, Senador, eu me aposentei com três salários mínimos e estou ganhando dois; me aposentei com cinco e estou ganhando três”; então, temos que construir esse equilíbrio, para que, efetivamente, o valor real das aposentadorias seja mantido.

Fui ao Conselho Nacional de Justiça, na semana passada, com uma delegação da Cobap, e demonstramos lá que, de 1996 para cá, eles estão com uma perda de mais de 18%, se considerarmos o IGPDI. O que fazem os governos, ao longo da história? Eles utilizam o índice para medir a inflação que mais interessa a eles nesse momento. Então, neste período em que eu estou na Casa eu vi serem utilizados o IGPDI, o IGP, o INPC, o IPC, enfim, a cada momento, o índice que significar um percentual menor para a inflação é jogado no salário mínimo, corresponde ao aposentado, e dizem que houve um aumento real.

No projeto que já encaminhei à Casa, proponho que o IGPDI, que deve girar em torno de 25%, seja o índice calculado para repor a inflação do período ao salário mínimo, inclusive dos aposentados e pensionistas. Todos os recursos da Previdência, Sr. Presidente, deverão ficar conforme reza a Constituição, na caixa da Previdência. Será mantido o princípio de dois por um. O trabalhador pagará uma parte sobre seus vencimentos e o empregador público, a sua parte, segundo o princípio de dois por um, de até dois por um. Há, por exemplo, uma Prefeitura do interior do Rio Grande, que me trouxe um exemplo muito claro: ela paga 1,5%, e o trabalhador, 1%; há, portanto, superávit de mais de dois milhões, garantindo, assim, a viabilidade do seu plano de benefícios.

            Tenho aqui uma proposta, Sr. Presidente aos 40 milhões de brasileiros que estão no mercado informal. Esses 40 milhões de brasileiros, hoje, não podem pagar a Previdência, porque se tiverem de fazê-lo, terão que pagá-la como autônomo, e terão de pagar as duas partes. Proponho que paguem somente uma parte, e a outra parte correspondente às outras duas partes venha desse grande fundo que seria construído com o faturamento das empresas. Quem não contribuir com a Previdência terá direito a um seguro social, mas quem tem de pagá-lo é a sociedade, e não a Previdência. Isso não é nenhuma inovação, pois existe em uma série de países. Neste fim de semana, vi um cálculo de um economista segundo o qual, se este método fosse empregado de imediato, a Previdência teria um superávit de R$3,5 bilhões.

Sr. Presidente, todos falam sobre o teto. Ninguém se entende! Há um debate interminável sobre o teto. Quero definir o teto aqui em dois campos de atuação: primeiro, no meu ponto de vista ninguém deveria ganhar, no Erário público, um salário maior do que o do Presidente da República. Em hipótese nenhuma! Se quiser ganhar mais, vá para a área privada, e ganha o que bem entender; mas no Erário público temos que ter um teto que signifique que ninguém poderia ganhar mais que o salário do Presidente da República. Sei que é um velho debate que a Casa vai enfrentar, que é construir um teto entre os três Poderes e que, até hoje, infelizmente, não conseguimos ainda construir essa proposta.

Mas aqui quero falar do teto da Previdência. Tenho dito o seguinte: vamos para os cálculos atuariais e, neste cálculo atuarial, construo o teto. Quer se aposentar com um salário maior? Pague, vai pagar; quer se aposentar com um salário de R$5 mil? Vai pagar via cálculos atuarias. Se eu adotar a lógica do cálculo atuarial, não tem como a Previdência ter prejuízo. Por isso, não me preocupei em fixar aqui esse ou aquele mínimo no teto.

Quero falar rapidamente também da reforma tributária. Entendo que essa é a reforma mãe. Entendo que para haver reforma da Previdência, reforma da CLT, teríamos que começar com a Reforma Tributária. Sem sombra de dúvida, hoje, no País, o sistema tributário acaba sendo injusto e irracional. Teríamos que, a partir da própria proposta já formatada na Câmara dos Deputados, avançar. É preciso ir além do discurso, Sr. Presidente. Sem sombra de dúvida, teríamos de dizer que os tributos não deveriam onerar tanto a produção, assegurando, a partir daí, uma lógica em que o produtor brasileiro pode concorrer em melhores condições no mercado de exportação.

É preciso distribuir mais recursos, sim. Eu noto que Estados e Municípios querem mais recursos. Pode haver essa lógica, desde que assumam mais responsabilidades. Não se pode simplesmente diminuir o que a União arrecada e, pelo outro lado, não passar responsabilidades para os Estados e os Municípios. Por que falo isso? Porque sou um simpatizante da força municipal, o chamado municipalismo. Quanto mais se descentralizar e se permitir que os recursos, lá no município, sejam implementados e fiscalizados, mais se ajuda, inclusive, no combate à corrupção.

Quanto à CLT, peço a rejeição do projeto que tramita no Senado, porque entendo que ele significa o fim do Estado democrático de direito. Uma Casa que faz leis não pode aprovar um projeto que diga que, acima da lei, está o negociado entre as partes. Desse modo, não há razão de ser da própria Casa.

Não tive, em nenhum momento, receio de defender a CLT e de me posicionar contra esse projeto. Para muitos, foi um gesto ousado aquele que fiz na tribuna da Câmara Federal, quando desloquei uma folha da Constituição e da CLT, mas a intenção era simbólica. Eu queria apenas mostrar que, se aprovássemos aqui no Congresso Nacional aquele projeto, estaríamos mutilando o espírito e o coração da Carta Magna.

Para demonstrar que quero debater a CLT, de forma pontuada e muito tranqüila, tive a liberdade de encaminhar à Casa uma proposta de criação de comissão mista para acelerar o debate, para que a CLT fosse ali discutida e alterada em tudo aquilo que fosse necessário.

Sr. Presidente, também encaminhei à Casa o Estatuto da Igualdade Racial, já aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados, na comissão correspondente, e será apreciado no plenário daquela Casa. Esse projeto trata também da política de quotas. Ao contrário do que alguns dizem, aprofundarei esse debate sobre as quotas em outra oportunidade e mostrarei que elas não são privilégio. As quotas vêm com o objetivo de diminuir os privilégios daqueles que até hoje foram os grandes beneficiados pelo atual sistema do País. Somos uma sociedade pluralista, mas precisamos afirmar nossa diversidade de modo fraterno e sem preconceitos.

Quero reafirmar, Sr. Presidente, que nunca em minha vida esqueci que sou negro e representante do povo. Foi o povo quem me trouxe ao Senado. Jamais vou esquecer disso. Permanecerei na luta contra o racismo e as desigualdades raciais e sociais.

Apresentei outro projeto na Câmara, o Estatuto do Idoso, com 123 artigos. Quero fazer aqui uma homenagem ao Deputado Silas Brasileiro, que foi o Relator da matéria. Viajamos todo o País, e esse projeto, aprovado por unanimidade na Comissão Especial, há de ser votado, espero eu, ainda neste mês, lá no plenário da Câmara para, depois, vir para o Senado.

Sei que existem outras iniciativas, o que considero salutar, de Senadores e Deputados na mesma linha. Mas já que esse projeto está pronto, deveria ser aprovado rapidamente no plenário da Câmara para que esta Casa possa se debruçar sobre ele e operar em tudo aquilo que entender necessário. Esse nosso projeto já é referência na França e na Espanha.

Outra matéria que apresentamos na Câmara dos Deputados e, também, aqui no Senado, que ainda não estava pronto para vir ao plenário, pois estava na comissão, foi o Estatuto da Pessoa Portadora de Deficiência. Caso seja aprovado, esse Estatuto beneficiará 24 milhões de pessoas neste País que, por incrível que pareça, conforme o Censo de 2000, publicado em 2002, têm algum tipo de deficiência.

Sr. Presidente, falamos muito em crescimento econômico, mas é preciso que ele seja acompanhado de justiça social. Essa justiça, de que tanto falo, implica investimentos na Educação, na Saúde, na Segurança, na implementação da redução da jornada de trabalho, que eu defendo seja de quarenta horas semanais, reforma agrária, fortalecimento do Mercosul e - repito - a diminuição da taxa de juros e distribuição de renda de forma justa. Só assim, poderemos afirmar que estamos combatendo a recessão e gerando novos postos de trabalho.

Vim para o Senado com a crença de que não há uma ruptura entre a minha atividade parlamentar anterior e a que ora se inicia.

No Senado, buscarei colaborar com o projeto de dar vida às grandes esperanças do povo brasileiro. Acredito no Brasil, acredito na grandeza de sua gente e acredito no poder da democracia, que esta Casa representa como ninguém.

Srªs e Srs Senadores, procuro pautar a minha vida pública, fazendo o debate no campo das idéias. Atuo de forma propositiva, respeitando sempre o resultado que for assegurado pela maioria. Jamais participei ou participarei de ataques pessoais a esse ou àquele parlamentar. Esta via despolitiza a discussão e depõe contra a própria Instituição.

Quero deixar aqui, neste momento, o meu respeito à Oposição. Pobre daquele país que, em seu parlamento, não tenha uma oposição firme, dura, fiscalizadora e comprometida, naturalmente, com a Nação, como é o caso da Oposição ao Governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Pondero, porém, não queiram que o atual Governo faça em dois meses o que a elite deste País não fez durante cinco séculos!

Creio que podemos, conforme as palavras do Presidente Lula em seu discurso de posse, dizer que chegou a hora de transformar o Brasil naquela nação que sempre sonhamos: uma nação soberana, digna, consciente da própria importância no cenário internacional e, ao mesmo tempo, capaz de abrigar, acolher e tratar com justiça todos os seus filhos.

O Presidente Lula, com o Projeto Fome Zero, mostra o caminho e dá o exemplo. A construção de um mundo novo é possível. Podemos reescrever a história e sermos sujeitos dessa nova era política.

Para finalizar, Sr. Presidente, hoje não falarei, como fiz inúmeras vezes na Câmara dos Deputados, de Nelson Mandela, de Zumbi dos Palmares ou mesmo de Martin Luther King, ou Santos Dias. Quero falar de um pedaço da história dos meus antepassados que não foi contada pelos livros: quero falar, neste encerramento, da Noite de Porongos. Quero falar e homenagear os bravos lanceiros negros, que, durante a Revolução Farroupilha, pelearam durante uma década em nome da liberdade, igualdade e humanidade.

Na noite de 14 de novembro de 1844, os lanceiros negros receberam ordens em nome da paz para entregar suas armas e, nessa mesma noite, foram massacrados. Os 120 lanceiros negros foram brutalmente assassinados.

Sr. Presidente, a pergunta que não quer calar: por que os livros não registram nas escolas quem mandou assassinar os 120 lanceiros negros que foram heróis na Revolução dos Farrapos? Por que os livros não citam os nomes dos 120 lanceiros negros? Explico: para a elite não interessa. Vale a máxima “povo que não tem memória não tem futuro”. Temos memória, então temos futuro.

Srªs. e Srs. Senadores, por que eles foram assassinados? Foram mortos porque, com o fim da guerra, eles seriam libertos. Foram mortos porque estava na promessa, no acordo, que não haveria mais escravos. Os lanceiros negros foram traídos para não permitir que a chama da liberdade acendesse as lamparinas das senzalas. Seria o fim da escravidão no Brasil.

Sr. Presidente, um dos meus defeitos é ser fã dos poetas. Meto-me a escrever, mas não sou poeta. Ontem à noite, escrevi algo para os lanceiros negros. Com este poema, ou com este arremedo de poema, vou concluir.

Negros Lanceiros

Noite de Porongos

Noite da traição.

Lanceiros, sei a noite em que morreram - 14 de novembro de 1844.

Não sei, lanceiros, o dia em que nasceram.

Não sei os seus nomes.

Só sei que em tempo de guerra vocês foram assassinados em nome da paz.

Somos todos lanceiros.

Queremos justiça.

Somos amantes da paz e da vida.

Lanceiros, guerreiros,

Baluarte da liberdade.

Lutaram e morreram sonhando com ela.

Negro, lanceiro,

Mesmo quando tombaram,

Dizia

Sou um lanceiro,

Sou negro, sou livre.

Jamais serei escravo.”

Terminavam dizendo:

“Liberdade, liberdade, liberdade,”...

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/02/2003 - Página 2116