Discurso durante a 13ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações ao artigo do escritor Paulo Coelho, publicado no último domingo, pelo jornal Folha de S.Paulo, intitulado "Obrigado Presidente Bush".

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Considerações ao artigo do escritor Paulo Coelho, publicado no último domingo, pelo jornal Folha de S.Paulo, intitulado "Obrigado Presidente Bush".
Aparteantes
Arthur Virgílio, Eduardo Siqueira Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2003 - Página 3005
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, PAULO COELHO, ESCRITOR, QUESTIONAMENTO, CONDUTA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), INCITAMENTO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, CONTRIBUIÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, NECESSIDADE, DEFESA, BUSCA, PAZ, MUNDO.
  • IMPORTANCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, PUBLICAÇÃO, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, JIMMY CARTER, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CRITICA, CONDUTA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, DESRESPEITO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), INCITAMENTO, GUERRA, ORIENTE MEDIO.
  • MANIFESTAÇÃO, CONVICÇÃO, ORADOR, IMPORTANCIA, MOBILIZAÇÃO, MUNDO, INFLUENCIA, SADDAM HUSSEIN, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, PROMOÇÃO, DEMOCRACIA, GARANTIA, PAZ, POPULAÇÃO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Heráclito Fortes, Srªs. e Srs. Senadores, os povos do mundo estão extremamente preocupados com a proximidade da eclosão de uma guerra ainda nesta semana.

As ações do Presidente George W. Bush, também as palavras e ações do Primeiro-Ministro Tony Blair estão a causar preocupações de extraordinária natureza. Parece, Sr. Presidente, Senador Heráclito Fortes, que o bom-senso, o equilíbrio, a responsabilidade do líder da nação de maior poderio econômico e bélico, que tantas lições deu ao mundo de liberdade e democracia, estão a suscitar dúvidas mundo afora.

Sr. Presidente, o escritor Paulo Coelho, hoje com extraordinário número de leitores, considerado o escritor brasileiro mais traduzido, mais lido em todo o mundo, teve a sensibilidade de captar o sentimento de muitos brasileiros e certamente de muitos cidadãos do mundo ao publicar, na Folha de S.Paulo de sábado, artigo denominado: Obrigado, presidente Bush.

Dada a importância do artigo, passo a lê-lo da tribuna do Senado. Eis o que diz o escritor Paulo Coelho:

Obrigado, grande líder George W. Bush.

Obrigado por mostrar a todos o perigo que Saddam Hussein representa. Talvez muitos de nós tivéssemos esquecido de que ele utilizou armas químicas contra seu povo, contra os curdos, contra os iranianos. Hussein é um ditador sanguinário, uma das mais claras expressões do mal hoje.

Entretanto essa não é a única razão pela qual eu estou lhe agradecendo. Nos dois primeiros meses de 2003, o sr. foi capaz de mostrar muitas coisas importantes ao mundo, e por isso merece a minha gratidão. Assim, recordando um poema que aprendi na minha infância, quero lhe dizer obrigado.

Obrigado por mostrar a todos que o povo turco e seu Parlamento não estão à venda, nem por US$ 26 bilhões.

Obrigado por revelar ao mundo o gigantesco abismo que existe entre a decisão dos governantes e os desejos do povo. Por deixar claro que tanto José María Aznar como Tony Blair não dão a mínima importância e não têm nenhum respeito pelos votos que receberam. Aznar é capaz de ignorar que 90% dos espanhóis estão contra a guerra, e Blair não se importa com a maior manifestação pública na Inglaterra nestes 30 anos mais recentes.

Obrigado porque sua perseverança forçou Blair a ir ao Parlamento com um dossiê falsificado, escrito por um estudante há dez anos, e apresentar isso como “provas contundentes recolhidas pelo serviço secreto britânico.”

Obrigado por fazer com que Colin Powell se expusesse ao ridículo, mostrando ao Conselho de Segurança da ONU algumas fotos que, uma semana depois, foram publicamente contestadas por Hans Blix, o inspetor responsável pelo desarmamento do Iraque.

Obrigado porque sua posição fez com que o ministro de Relações Exteriores da França, Sr. Dominique de Villepin, em seu discurso contra a guerra, tivesse a honra de ser aplaudido no plenário, honra que, pelo que eu saiba, só tinha acontecido uma vez na história da ONU, por ocasião de um discurso de Nelson Mandela.

Obrigado porque, graças aos seus esforços pela guerra, pela primeira vez as nações árabes, geralmente divididas, foram unânimes em condenar uma invasão, durante encontro no Cairo.

Obrigado porque, graças à sua retórica, afirmando que “a ONU tem uma chance de mostrar sua relevância”, mesmo países mais relutantes terminaram tomando posição contra um ataque.

Obrigado por sua política exterior ter feito o ministro das Relações Exteriores da Inglaterra, Jack Straw, declarar, em pleno século XXI que “uma guerra pode ter justificativas morais” e, ao declarar isso, perder toda a credibilidade.

Obrigado por tentar dividir uma Europa que luta pela sua unificação; isso foi um alerta que não será ignorado.

Obrigado por ter conseguido o que poucos conseguiram neste século: unir milhões de pessoas, em todos os continentes, lutando pela mesma idéia, embora essa idéia seja oposta à sua.

Obrigado por nos fazer de novo sentir que, mesmo que nossas palavras não sejam ouvidas, elas pelo menos são pronunciadas, e isso nos dará mais força no futuro.

Obrigado por nos ignorar, por marginalizar todos aqueles que tomaram uma atitude contra sua decisão, pois é dos excluídos o futuro da Terra.

Obrigado porque, sem o senhor, não teríamos conhecido nossa capacidade de mobilização. Talvez ela não sirva para nada no presente, mas será útil mais adiante.

Agora que os tambores da guerra parecem soar de maneira irreversível, quero fazer minhas as palavras de um antigo rei europeu a um invasor: “Que sua manhã seja linda, que o sol brilhe nas armaduras de seus soldados, porque durante a tarde eu o derrotarei.”

Obrigado por permitir a todos nós, um exército de anônimos que passeiam pelas ruas tentando parar um processo já em marcha, tomarmos conhecimento do que é a sensação de impotência, aprendermos a lidar com ela e a transformá-la.

Portanto, aproveite sua manhã e o que ela ainda pode trazer de glória.

Obrigado porque não nos escutastes e não nos levaste a sério. Pois saiba que nós o escutamos e não esqueceremos suas palavras.

Obrigado, grande líder George Walker Bush.

Muito obrigado.

Sr. Presidente, claramente Paulo Coelho, com uma capacidade de argumentação, de sátira, diz “obrigado” ao Presidente George W. Bush, porque suas ações e suas palavras, na verdade, têm contribuído para despertar a consciência do mundo e de todos os amantes da paz, e fazer com que pessoas em seu próprio país, os Estados Unidos, estejam hoje extremamente preocupadas com o deflagrar de uma guerra, que faz com que um dos mais distintos norte-americanos, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, ano passado, o ex-Presidente Jimmy Carter tenha publicado ontem um artigo de extrema clarividência no The New York Times, reproduzido hoje em O Estado de S.Paulo, e que merece também ser lido por nós, que estamos há dias alertando desta Tribuna que não pode haver o deflagrar de uma guerra sem que antes sejam tentadas todas as formas de entendimento que não envolvam a morte e a destruição de milhares de seres vivos inocentes, de crianças, ali no Iraque e não se sabe por onde mais.

Diz Jimmy Carter, de Atlanta: “Mudanças profundas vêm acontecendo na política externa americana, alterando radicalmente compromissos consistentes que, durante mais de dois séculos, fizeram com que nossa nação merecesse sua grandeza. Esses comprometimentos foram baseados em princípios religiosos básicos, respeito pelo direito internacional e em alianças que resultaram em decisões sábias de contenção mútua.

Nossa óbvia determinação em empreender uma guerra contra o Iraque, sem apoio internacional, é uma violação a essas premissas. Na qualidade de cristão e de um Presidente que foi gravemente perturbado por crises internacionais, tornei-me totalmente familiarizado com os princípios de uma guerra justa. E está claro que um ataque substancialmente unilateral ao Iraque não se encaixa nesses padrões. Essa é uma convicção quase universal de líderes religiosos com a mais notável exceção de uns poucos porta-vozes da Convenção Batista do Sul, que é intensamente influenciada pelo seu comprometimento com Israel, baseada na Teologia Escatológica ou dos Últimos Dias. Para uma guerra ser justa, precisa atender a vários critérios claramente definidos. A guerra só pode ser travada como último recurso, depois que todas as opções sem uso da violência tiverem sido esgotadas. No caso do Iraque, é óbvio que existem alternativas nítidas à guerra. Essas opções, anteriormente propostas por nossos próprios líderes e aprovadas pela ONU, foram delineadas, mais uma vez, pelo Conselho de Segurança da ONU na última sexta-feira. Agora, sem que nossa segurança nacional esteja sendo diretamente ameaçada e apesar da avassaladora oposição da maioria dos povos e dos governos do mundo, os Estados Unidos parecem determinados a levarem a cabo uma ação militar e diplomática quase sem precedentes na história das Nações civilizadas.

A primeira etapa do nosso amplamente divulgado plano é lançar três mil bombas e mísseis sobre uma população relativamente indefesa logo nas primeiras horas da invasão, com o propósito de prejudicar e desmoralizar tanto a população que eles decidam trocar seu detestável líder, o qual, muito provavelmente, estará escondido em lugar seguro durante o bombardeio.

As armas da guerra devem diferenciar combatentes e não-combatentes. Um bombardeio aéreo de grandes proporções, mesmo executado com grande precisão, inevitavelmente resulta em efeitos colaterais.

O General Tomy Franks, Comandante das Forças Armadas Americanas no Golfo Pérsico, manifestou sua preocupação com o fato de muitos alvos militares estarem próximos a hospitais, escolas, mesquitas e moradias particulares. A violência tem de ser proporcional ao malefício que sofremos. Apesar de outros graves crimes de Sadam Hussein, as tentativas dos Estados Unidos para ligar o Iraque aos ataques terroristas de 11 de setembro não convenceram.

Os atacantes têm de ter autorização legítima, sancionada pela sociedade que eles professam representar. A aprovação pela votação unânime no Conselho de Segurança para que sejam eliminadas as armas de destruição em massa do Iraque ainda pode ser cumprida, mas nossas metas anunciadas agora são promover a mudança de regime, estabelecer uma Pax Americana na região, talvez ocupando um país etnicamente dividido por uma década. Para esses objetivos, não temos autorização internacional.

Outros membros do Conselho de Segurança até agora têm resistido à enorme pressão econômica e à influência política exercida por Washington, e estamos diante da possibilidade de não conseguir o número de votos necessários ou, então, sofrermos o veto da Rússia, França e China.

Embora a Turquia ainda esteja induzida a nos ajudar em troca de uma enorme recompensa financeira e o futuro controle parcial dos curdos e do petróleo no norte do Iraque, seu Parlamento democrático ao menos somou sua voz às expressões de preocupação do mundo inteiro.

A paz estabelecida pela guerra tem de representar uma melhoria nítida em relação ao que existe.

Embora existam perspectivas de paz e democracia no Iraque, é bem possível que o resultado de uma invasão militar seja a desestabilização da região e que uma invasão incite os terroristas a pôr ainda mais em risco nossa segurança doméstica. E também, por desafiar a esmagadora oposição mundial, os Estados Unidos abalarão a condição da ONU como uma instituição viável para a paz mundial.

O que dizer do prestígio dos Estados Unidos no mundo - prossegue Jimmy Carter - se não em empreendermos uma guerra depois de tal grande distribuição de forças militares na região? A solidariedade e a amizade sinceras oferecidas aos Estados Unidos, após os atentados de 11 de setembro, mesmo vindas de regimes antes antagônicos, em grande parte se dissiparam. Políticas cada vez mais unilaterais e dominadoras levaram a confiança internacional no nosso país ao nível mais baixo de que se tem notícia.

A estatura americana certamente diminuirá se nos lançarmos numa guerra em flagrante desafio à ONU.

Mas, usar a presença e a ameaça de nosso poderio militar para obrigar o Iraque a cumprir as resoluções da ONU - tendo a guerra como uma última opção - isso melhorará nosso status como defensores da paz e da justiça.”

Senador Eduardo Siqueira Campos, veja, V. Exª, que o 39º Presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, está aqui lançando um brado de alerta para a consciência de todos os norte-americanos, em especial ao própria Presidente George Walker Bush. Esperamos que ele possa ser ouvido!

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me concede um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra, concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª é um homem engajado em causas humanitárias. É, sem dúvida alguma, um grande representante da paz, alguém que sempre levanta sua voz quando alguma injustiça se apresenta, seja no Timor Leste ou em qualquer outro canto. V. Exª aborda aqui nesta Casa sempre de forma emocionada, legítima e muito peculiar. Pretendi interrompê-lo apenas para lembrar, Senador Eduardo Suplicy, do papel importante que o Brasil tem na discussão dessa problemática, principalmente no que se refere à legitimidade em função de termos tido a grande atuação de Oswaldo Aranha, em 1949, quando da fundação da Organização das Nações Unidas, que ele chegou a presidir. O Líder Arthur Virgílio me lembrou que a comunidade de origem árabe e libanesa, no Estado de São Paulo, é maior do que os libaneses residentes na cidade de Beirute. Portanto, V. Exª está mais do que autorizado a tratar do assunto, como representante do Estado de São Paulo, um Senador que conhece bastante sua comunidade e também toda essa problemática internacional. A preocupação é de todos nós. Sem dúvida, em toda parte do mundo, estamos vendo nações se levantando, os povos, os estudantes, os segmentos organizados, a população como um todo se manifestando pela paz. Há esperança ainda. Eu apenas aduziria mais uma preocupação. Entendo que França, Rússia e Alemanha têm tido um papel de grande relevância. É a consciência antiguerra, a consciência em favor da paz. Mas eu gostaria de debater a preocupação com a atuação do Líder Saddam Hussein. É conhecida da todos a situação das minorias no Iraque - a minoria curda, a minoria xiita -, a questão dos direitos humanos, e o sofrimento imposto pela ditadura implacável de Saddam Hussein. O Brasil, por intermédio de nosso Presidente, assumiu uma posição importante ao se manifestar apropriadamente em favor da paz, assim como os Partidos que integram esta Casa e a Nação brasileira, mas o meu temor é que, dentro de toda essa discussão em favor da paz, o ditador Saddam Hussein acabe tendo justificados todos os seus atos criminosos praticados diariamente contra as minorias curdas, contra os xiitas, contra as mulheres e contra a liberdade de expressão no território iraquiano; temo os reflexos da sua presença em outros países no contexto e no agravamento da crise com Israel. A preocupação de todas as nações, inclusive da Nação brasileira, é que ele se esconda atrás dessa discussão e seja aclamado. Definitivamente, isso não pode nos afastar do intuito de perseguir a paz, mas deveríamos discutir não só a destruição dos mísseis, o desarmamento, mas também a observação dos direitos humanos dentro do Iraque. Não podemos esquecer dessa discussão nesta hora, em nome das minorias que V. Exª sempre representou tão bem. V. Exª hoje está com o seu Partido à frente do Governo brasileiro. Penso que é o momento para nós, Membros do PSDB, expressarmos a nossa solidariedade e o nosso total apoio à posição brasileira em favor da paz, manifestada pelo nosso Presidente da República, mas também é o momento de inserir nesse contexto esta preocupação de que o Brasil tenha legitimidade por sua destacada ação. Preocupamo-nos com a ONU. O que será da ONU se desautorizado o seu Conselho de Segurança; se os Estados Unidos cumprirem a promessa de agir mesmo sem a autorização do Conselho de Segurança? O que restará da ONU, que está sediada em território norte-americano e que precisa dos Estados Unidos como uma nação mais importante, se dela discordar nesse momento grave? Portanto, Senador Eduardo Suplicy, o discurso de V. Exª é muito importante, a leitura que V. Exª faz é a justiça e é importante destacar esse importante artigo de Paulo Coelho. Parabenizo V. Exª e espero que não fique apenas neste plenário a conseqüência de um pronunciamento tão importante em favor da paz neste momento de grande preocupação que a Nação brasileira vive, assim como a comunidade internacional. Parabéns.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço V. Exª, Senador Eduardo Siqueira Campos.

Eu gostaria de refletir que tenho a convicção de que toda essa mobilização extraordinária que se dá no mundo poderá ser canalizada para persuadir o Presidente Saddam Hussein a democratizar seu país. Estimulando, inclusive, o povo do Iraque a pacificamente arrancar a democracia, promover a democracia, fortalecendo suas instituições, como nós mesmos fomos capazes de fazer no Brasil, o povo saindo às ruas, pedindo diretas já, e assim por diante. O povo brasileiro dá exemplos nessa direção. Por meios pacíficos, nós conseguimos. Não foi com violência que conseguimos reconquistar instituições democráticas, no Brasil. Se os Estados Unidos hoje desejam derrubar Saddam Hussein por considerá-lo um ditador, é preciso recordar que foram os Estados Unidos que fortaleceram Saddam Hussein porque queriam que ele, fortalecido, combatesse o aiatolá Khomeini, no Irã. Assim, houve ocasiões em que os governos americanos promoveram golpes militares: na Venezuela, na Guatemala, no Chile e no próprio Brasil, em 1964, ajudando-nos e apoiando-nos em um golpe militar, contribuindo para que tivéssemos longos anos sem efetiva democracia.

Podemos tentar persuadir o governo iraquiano de que suas instituições devem ser modificadas, que devem utilizar meios pacíficos e jamais ameaçarem sejam os curdos, sejam outros povos em qualquer lugar, que não seja ali um refúgio para terroristas estarem novamente atacando os Estados Unidos. E fomos solidários aos norte-americanos, atacados em 11 de setembro, há dois anos. Quero dizer que acreditamos que é possível, sim, agir por meios que não sejam os da violência.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª faz um belo discurso e eu o parabenizo por isso. O aparte do Senador Eduardo Siqueira Campos foi oportuno, veio carregado de bom-senso, de sensatez. E a tentativa de síntese que eu apresentaria seria de fato se dar mais tempo aos inspetores da ONU para que, com pressão internacional máxima, se possa influenciar os destinos, hoje tão infelizes, do povo iraquiano. Deploro Saddam Hussein, eu o tenho na conta de um ditador corrupto, absolutamente inadequado para os tempos em que vivemos. Evidentemente, a contrapartida à ditadura dele não pode ser o unilateralismo que nos levaria à barbárie, que nos levaria à destruição da ordem jurídica internacional vigente. Tenho reparos a fazer à ação da ONU, mas prefiro alguma ONU a nenhuma ONU; tenho reparos a fazer a todo aquele arcabouço que herdamos de Bretton Woods, mas prefiro algum Bretton Woods a nenhum Bretton Woods. Portanto, creio que assiste razão a países como a França, a China, a Rússia, a Alemanha, quando se referem à Unidade do Brasil. E aqui não estamos discutindo mais quem é oposição internamente ao Brasil, isso ficou bem claro na reunião com o Ministro Celso Amorim; estamos todos numa posição só, que é a de prestigiar o Presidente Lula nesse momento em que ele precisa muita força da Nação brasileira para falar e maximizar a possibilidade de o Brasil influenciar as decisões que serão tomadas. Estamos todos querendo paz e, ao mesmo tempo, pedindo tranqüilidade, porque não temos como deixar deteriorar nossas relações com os Estados Unidos, até por razões econômicas; e olhamos a economia com realismo. V. Exª e eu o fazemos. Sabe-se muito bem que o justo é se andar por aí. Mas a idéia seria se manter - os países que estão pressionando nessa direção estão certos - pressão máxima para que as concessões sejam arrancadas de alguém que não faria nenhuma concessão se não houvesse pressão internacional sobre ele. Até mesmo esse cerco militar pode ter ajudado para que ele cedesse à ONU. O que se pede, em nome do bom-senso, lembrando a leitura do livro de Barbara Tuchman, A marcha da insensatez - de Tróia ao Vietnã, quando dirigentes, séculos após séculos, cometeram equívocos, embarcando em viagens insensatas, Napoleão invadindo a Rússia no inverno; Hitler, muito tempo depois, invadindo a Rússia no inverno e cometendo o mesmo equívoco, com armas mais pesadas, e não faltaram conselheiros nem a um, nem a outro. O que se pede ao Presidente Bush e ao Primeiro-Ministro Tony Blair é que não enveredem por um caminho que pode ser sem volta, porque acenderá ainda mais forte o rancor entre a Coréia do Norte e os países que hoje compõem a aliança Estados Unidos e Inglaterra. Temos muito medo do que possa ocorrer com o recrudescimento das manifestações terroristas, refletidas na economia americana e na inglesa a partir da diminuição do fluxo de turistas para aqueles países. Tenho muita preocupação com a ONU e, sobretudo, absoluta certeza de que o pior serviço que poderia ser prestado por algum estadista - não sei se mereceria este nome até o final - neste momento seria dividir o mundo entre aqueles defensores ou representantes da civilização judaico-cristã e aqueles outros defensores da civilização e da religião muçulmana. Seria terrível, seria o mesmo que plantarmos o ódio e colhermos as piores tempestades tendo em vista a negação da paz, o desrespeito aos direitos humanos. Portanto, finalizo este aparte, reforçando o sentimento de admiração que, há muitos anos, tenho por V. Exª e parabenizando-o novamente pela oportunidade do seu discurso. Digo que o resultado mais óbvio seria vermos aprofundada a crise econômica mundial, com reflexos brutais sobre os países de economia emergente, como é o caso do Brasil, com reflexos sem dúvida alguma graves até para os países do chamado Primeiro Mundo, a começar pelos Estados Unidos, que, após manobra monetária ou cambial, não conseguem sair da crise e ativar para valer a sua economia. Haverá também reflexos graves sobre o Japão que há mais de 10 anos hiberna, de maneira lamentável, já que é uma economia fundamental para gerar efeitos multiplicadores positivos sobre a nossa economia. O Japão hiberna sem conseguir sair da sua difícil situação: em um ano o crescimento é negativo; no outro ano, é tão ínfimo o crescimento positivo que nos dá a entender que, estatisticamente, está estagnado socialmente e daqui a pouco estará sofrendo conseqüências terríveis. Esse é o apelo que faço, sabendo da modéstia da nossa voz e do peso restrito do nosso País na comunidade internacional. O papel de cada bem-te-vi, na hora de apagar o incêndio da floresta, é cumprir com o seu dever. Assim faço um apelo ao Presidente Bush e ao Presidente do Conselho de Ministros, Primeiro-Ministro Tony Blair, no sentido de que reflitam sobre esse problema, para que não tomem uma decisão insensata, qual seja, vencer militarmente uma guerra que poderá render-lhes muitas derrotas em outros campos, quando há o reforço à idéia da paz, o respeito à ONU e a pressão sem cessar sobre o ditador sanguinário do Iraque. Não seria esse o caminho para obter mais liberdade para o Iraque e, ao mesmo tempo, mais segurança para americanos e ingleses, bem como mais perspectivas de bonança econômica para o mundo, profundamente agastado, sofrido com tantas crises, umas atrás das outras. V. Exª trouxe, para uma tarde que parecia insossa no Senado, um tema importante, a partir do artigo de Paulo Coelho, artigo profundamente oportuno, acrescentando-lhe muitos dados como profundo conhecedor de política internacional que V. Exª é. Aqui venho, com a modéstia do meu aparte, dizer que devemos todos juntar nossos esforços e lutar pela paz, até mesmo se porventura ela for arranhada. Luta-se pela paz até quando a guerra já começou. Tudo o que se pode fazer de humano e de justo agora é lutar para que a guerra não comece, porque imagino que essa guerra renderá a alguns a vitória do General Pirro e a outros uma derrota com conseqüências inimagináveis sobre a população civil. A vitória do General Pirro não é boa para os vencedores, e a derrota não é boa para quem perde. Rezo, portanto, para que o mundo encontre o caminho da paz por meio do diálogo no seu seio mais legítimo, que é perfeitamente compreensível, ou seja, o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Muito obrigado a V. Exª e parabéns pelo discurso.

O SR. PRESIDENTE (Heráclito Fortes) - Senador Suplicy, a Mesa, de maneira constrangida, lembra a V. Exª que o seu tempo já foi extrapolado há 11 minutos e seus colegas Senadores que irão sucedê-lo já reclamam o direito de uso da tribuna.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Gostaria apenas de agradecer o aparte do Senador Arthur Virgílio e dizer a S. Exª que suas palavras, assim como as do Senador Siqueira Campos e as de todos nós, têm peso sim. Como Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, fui procurado pela Embaixadora dos Estados Unidos, Donna Hrinak, que devo encontrar nesta semana, e também pelo Embaixador do Reino Unido. Encaminharei a S. Exªs todos os pronunciamentos e inclusive os feitos por ocasião da presença do Ministro Celso Amorim. V. Exª e vários outros Senadores expressaram, naquela ocasião, o desejo de que sejam realizados todos os esforços para que haja paz.

Concordo com V. Exª e o Senador Siqueira Campos a respeito do esforço positivo que o Presidente Jacques Chirac, também o Presidente da China, assim como o Primeiro Ministro da Rússia e o Primeiro Ministro Gerhard Schroeder, da Alemanha, estão fazendo. É louvável a iniciativa do Presidente Jacques Chirac de ir à ONU para dizer não à atitude dos Estados Unidos de promoverem a guerra, o que levou o paraibano repentista João Dantas a dizer num poema:

Jacques Chirac sabendo

Os males que a guerra traz

Conclama bravo e loquaz

Que só a paz enobrece

Jacques Chirac merece

Ser Prêmio Nobel da Paz.

Está aí o que disse o repentista da Paraíba.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2003 - Página 3005