Discurso durante a 16ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a participação da sociedade brasileira no combate ao flagelo da fome.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Reflexão sobre a participação da sociedade brasileira no combate ao flagelo da fome.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2003 - Página 3492
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, CRITICA, PLANEJAMENTO, IMPOSIÇÃO, OBSTACULO, EXECUÇÃO, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, FOME.
  • DEFESA, AUMENTO, DEBATE, MATERIA, ANALISE, IMPORTANCIA, APOIO, OPINIÃO PUBLICA, PROGRAMA, COMBATE, FOME, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, EMPREGO, GARANTIA, SUBSISTENCIA, CIDADÃO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO, SAUDE, POLITICA SOCIAL.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Josué de Castro, relembrado em nossos dias em função do programa Fome Zero e graças à sua extraordinária contribuição na área dos problemas causados pela desnutrição, falando como dirigente eventual da FAO em congresso promovido por essa instituição das Nações Unidas, em 1962, para impressionar os congressistas, fez uso de uma imagem exemplar ainda nos dias de hoje: "Enquanto a metade da humanidade não come, afirmou Josué de Castro, a outra metade não dorme, com medo da que não come". Relembro a afirmação desse eminente cientista brasileiro para externar algumas considerações sobre a realidade vivida pela sociedade brasileira e pelo governo no âmbito do esforço de implementação do Fome Zero. O programa Fome Zero, lançado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao tomar posse como Presidente da República, de acordo com os comentários da imprensa nacional, ainda não deslanchou. Vem enfrentando obstáculos de toda ordem, tanto sob o aspecto conceitual, quanto no que se refere à estratégia de execução, passando por outros problemas como a necessidade de estruturação das instâncias de decisão, a necessidade de estradas para interiorização dos alimentos, o entrave da burocracia para dar transparência total às ações dos inúmeros setores da economia nacional que já manifestaram a decisão de colaborar para assegurar efetividade e eficácia ao programa, ou até falta de energia nos pontos de cadastramento das famílias destinatárias, como aconteceu recentemente em Guaribas. Mais dificuldades ainda haverão de surgir, inclusive em face de certo ceticismo que, no meu julgamento, brota da pusilanimidade, ou do medo, quando nos defrontamos com desafios muito grandes.

Outras dificuldades haverão de surgir em virtude da própria concepção, intencionalidade eficácia do programa. Uma concepção que foge da emergencialidade, para instalar-se como processo de transformação de estruturas e culturas, para que se criem condições, como disse o Presidente Lula, ao instalar o Conselho de Segurança Alimentar, para que "as pessoas possam se sustentar sozinhas". Fala-se hoje em meio ambiente auto-sustentável. Em economia auto-sustentável. Como não trabalhar para que toda pessoa seja auto-sustentável, sem precisar de agredir roubando ou matando para poder comer? É melhor ensinar a pescar do que entregar o peixe já pronto. Mas ensinar a pescar, segundo o Presidente, "é melhorar as condições de vida da população. Ensinar a pescar é dar ao povo uma educação de qualidade. É saúde digna. É salário e renda. É fazer a reforma agrária. É incentivar a agricultura familiar. É estimular o cooperativismo, o microcrédito e a alfabetização. É preparar as pessoas para uma profissão e um emprego. É criar condições para que elas se sustentem sozinhas. Ensinar a pescar, enfim, é libertar milhões de brasileiros, definitivamente, da humilhação das cestas básicas". Eis aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores um programa de longo prazo, duradouro, processual, destinado ao êxito por fugir da contingencialidade, da ação impetrada apenas para descarga de pressões ou da consciência, um programa que visa à mudança de mentalidades, em benefício de uma solidariedade que se indigna. Contra a fome é preciso indignação, porque a fome, na medida em que exclui pessoas deixando-as na precariedade de seus meios e colocando-as à mercê de todos, atravanca o progresso de qualquer país ou coletividade.

Em 1940, no 1º Congresso Nacional de Escritores em São Paulo, Dante Costa assim contextualizou o binômio Alimentação e Progresso: "O desenvolvimento de um país, em seus múltiplos termos, econômico, cultural, social e financeiro, etc., está na dependência direta da capacidade de trabalho útil que possam desempenhar seus filhos. A valorização do homem está na base do progresso comunitário e essa valorização possui dois termos dominantes: saúde e educação.

Primeiro a saúde porque propicia a possibilidade de viver em termos positivos, isto é, como um valor de ação. Segundo, a educação que é a possibilidade de dar aos termos positivos da vida uma aplicação adequada, e à ação um valor de arma de aperfeiçoamento moral, intelectual e material, para o indivíduo e a comunidade". A educação é arma de esclarecimento, de socialização e de preparo para a vida. A fome tolhe o desenvolvimento salutar da pessoa. Fome e falta de educação encaminham para a morte, seja do indivíduo, seja da sociedade porque gestam a revolta e esta, por sua vez, é abertura para a violência, muito mais em nosso tempo em que os valores criados pela tecnologia para o bem-estar de todos convocam constante e insistentemente para a posse egoísta e sem dimensões.

A transformação da cultura, por outro lado e no meu entendimento, deve compreender um redimensionamento do "ter". Não desprezo o ter, nego, porém, que o "ter" seja sacramento da predestinação. De que adianta a vertigem do capital, de que adiantam os altíssimos salários, se é necessário gastar cada vez mais para criar uma ilusória situação de paz no lar, alevantando muros, eletrificando limites, povoando de cães raivosos os terreiros, ou contratando caras empresas de proteção? É melhor colaborar para que todos tenham mais felicidade, mais sentido e prazer de viver, para que haja mais justiça que, na expressão do falecido Papa Paulo VI, "é o novo nome da paz".

Discutir estratégias é válido e necessário, para otimizar a aplicação dos parcos recursos disponíveis. Discutir conceito de pobreza é bizantinismo. A definição de pobre deu-a já um prelado inglês no século XIII, citado por Michel Mollat em Os Pobres na Idade Média. Para esse prelado, pobres são os que possuem um ventre e, além disso, nada para colocar dentro dele. Tenho certeza de que o engajamento de toda a sociedade brasileira vencerá o flagelo da fome e, em alguns anos, todos poderão dormir em paz sem medo dos que não comem, porque a fome será flagelo do passado.

Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2003 - Página 3492