Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apresentação oportuna de proposta de emenda à Constituição que visa à reforma do estado brasileiro, revendo as bases que sustentam o federalismo e possibilitando a descentralização das competências e a criação de outras instâncias de poder.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Apresentação oportuna de proposta de emenda à Constituição que visa à reforma do estado brasileiro, revendo as bases que sustentam o federalismo e possibilitando a descentralização das competências e a criação de outras instâncias de poder.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2003 - Página 3939
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • EXPECTATIVA, APRESENTAÇÃO, SENADO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, REFORMULAÇÃO, ESTADO, DEFESA, DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, UNIÃO FEDERAL, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, JURISDIÇÃO, PODER PUBLICO, AMBITO REGIONAL, ESTADOS, MUNICIPIOS.
  • LEITURA, TEXTO, AUTORIA, ORADOR, COMPARAÇÃO, POLITICA, FEDERAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), BRASIL, CRITICA, EXCESSO, INTERVENÇÃO, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS.
  • CONTESTAÇÃO, PRERROGATIVA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DETERMINAÇÃO, AUTONOMIA ADMINISTRATIVA, ESTADOS, MUNICIPIOS, DEFESA, COMPETENCIA, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, CAMARA MUNICIPAL, ESCOLHA, ORGANIZAÇÃO, POLITICA, ESCLARECIMENTOS, CONCESSÃO, AUTORIDADE, AMBITO REGIONAL, FACILITAÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de acordo com o compromisso que assumi diante das Srªs e dos Srs. Senadores no primeiro pronunciamento que fiz aqui da tribuna desta Casa, apresentarei, nos próximos trinta dias, uma proposta de emenda à Constituição que visa, de forma profunda e duradoura - espero -, à reforma do Estado brasileiro.

Trata-se, sem dúvida alguma, de uma grande empreitada que, por certo, embora já venha trabalhando nesse tema há algum tempo, carece de um aprofundamento que leve em conta não apenas o Direito Comparado, sobretudo no que diz respeito à Teoria Geral do Federalismo, mas também os diversos pronunciamentos que têm sido feitos ao longo da nossa História, no Parlamento e em outras instâncias de poder, a exemplo do Poder Judiciário, mais de perto o Supremo Tribunal Federal, sobre a estrutura federativa do País.

Volto a esse tema até mesmo como forma preparatória para a apresentação dessa PEC a que me referi, sobretudo com o objetivo de abrir o debate com V. Exªs e, logo depois, com toda a sociedade brasileira. O nosso interesse é exatamente oferecer essa contribuição, sem descuidar do dia-a-dia do processo legislativo, que rege a tramitação nesta Casa e no Congresso, do qual todos temos que participar, sem deixar de levar em conta a estrutura político-jurídica de que o Brasil necessita para melhor atingir os seus objetivos, principalmente o de melhor atender o povo brasileiro.

Volto à tribuna para trazer esse tema, como faço a cada semana, na ocasião em que registro a Marcha a Brasília, realizada pelos Prefeitos na semana passada, para clamar por mais autonomia e por condições jurídicas e - por que não dizer - econômico-financeiras para melhor atender as suas municipalidades.

Dentro desse tema, farei a leitura de um outro artigo, que tive a oportunidade de escrever quando do retorno de uma viagem de 35 dias aos Estados Unidos da América, realizada logo após a minha saída da Prefeitura de Aracaju. Fiz essa viagem na companhia de dois outros ex-Prefeitos: o atual Governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, e o atual Governador do Espírito Santo, ex-Prefeito de Vitória e ex-Senador, Dr. Paulo Hartung. Esse artigo data exatamente de 18 de maio de 1997, numa demonstração de que se trata de um tema candente, um tema permanente, para o qual esta Casa e o Congresso Nacional precisam se voltar. É convicção própria que chegaremos ao desenvolvimento que almejamos para o nosso País, assim como os Estados Unidos da América chegaram, pela adoção de um modelo federativo que contemple a descentralização das competências, a criação de outras instâncias de poder e a descentralização das funções desses mesmos poderes.

O artigo a que me refiro tem como título “Poder Local”, e diz:

Afirmamos em outro artigo que a Federação Americana não se trata de uma simples ficção jurídica, mas, essencialmente, de um regime de governo que está presente e visível nas relações entre os vários níveis de governo (União, Estados, Condados e Municípios) e na vida de cada cidadão americano.

A federação é democrática, descentralizada como toda federação deve ser, e propulsora do desenvolvimento daquele país. Ela se caracteriza muito bem pela virtude de deixar que os governos dos Estados membros e os governos locais se autogovernem e encontrem a solução para os seus problemas a partir de decisões político-administrativas tomadas diretamente pelos governantes desses níveis e, sobretudo, de forma direta pelo próprio povo, senhor todo-soberano do seu destino, através das consultas populares e eleições que são permanentes naquele país.

O governo da união não anula os governos locais, pois não toma para si atribuições e competências que não lhe são próprias. Por esta razão, passa a administrar as questões de Estado, soberania e unidade nacional com mais eficiência e rapidez. Em outras palavras, Estados e Municípios não são inviabilizados ou atrapalhados pelo governo federal, nem os cidadãos nas suas relações com o Estado (entidade política), ou mesmo entre si, ficam à mercê de decisões que nunca são tomadas, ou sob a égide de legislações antiquadas e obsoletas que não servem mais aos seus interesses.

De nada valem estas observações colhidas na viagem que fiz àquele país - além do ensinamento que recebi na escola de Direito e na escola da vivência política como Deputado Estadual em duas Legislaturas, advogado militante por mais de 20 anos e Prefeito de Aracaju, Capital de Sergipe - se não estabelecermos um paralelo com o Estado brasileiro. Embora, pela simples exposição dessa realidade, percebe-se a necessidade urgente de uma profunda reforma do Estado em nosso País, a fim de nos constituirmos em um Estado moderno, ágil e, sobretudo, eficiente, com os governos e o próprio povo utilizando-se de instrumentos poderosos e capazes de promoverem a transformação da fisionomia de subdesenvolvimento que agride nosso povo.

É preciso compreender que não podemos ter um Congresso Nacional, que passa dez anos elaborando e emendando uma Constituição Federal e, mesmo assim não o faz, sendo atropelado por eleições casuísticas, crises de Estado, escândalos de corrupções, e um Presidente com poderes legislativos, emitindo diariamente, em média, duas a três Medidas Provisórias sobre assuntos que num regime verdadeiramente FEDERATIVO não seriam sequer da sua alçada, quando muito dos Estados, mas que, na verdade, devem ser dos governos locais. E assim o faz pela omissão de um Congresso que não consegue desobstruir a sua pauta de deliberações e oferecer ao Governo e à sociedade os instrumentos legais que precisamos.

Estados e municípios americanos, além da ampla autonomia administrativa que possuem, têm o direito de se organizarem politicamente da forma que lhes convém. Se em um município, por exemplo, o povo desejar a figura de um Prefeito administrando a cidade, assim definem, caso contrário, escolhem um Prefeito com poderes limitados e o Conselho Municipal (Câmara de Vereadores) escolhe um Manager City (Gerente da Cidade) com a função de administrador, assim acontecendo com a justiça local, a polícia, o xerife, os tributos, enfim, o povo é livre para definir como deseja ser governado, quanto ele deve pagar de tributos ou como deve ser a educação dos filhos, sem normas de caráter nacional estabelecendo amarras e contrariando especificidades, além de castrar a inteligência e criatividade locais.

É possível transformarmos o nosso País, afinal, não estamos condenados a passar o resto de nossas vidas e a das futuras gerações com a marca do subdesenvolvimento, apenas pelo conformismo ou imobilismo daqueles que pensam que a nossa origem, enquanto Nação e Estado nos condenem a ser imutáveis.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, esse é um artigo que escrevi em 19 de maio de 1997, mostrando nossas convicções político-jurídicas da necessidade de instrumentalizarmos o Estado brasileiro para poder contemplar os interesses dos Governos locais que, por sua vez, estarão contemplando os interesses da população carente, mas na proximidade dele para cobranças necessárias.

Disse e repito que não queremos Estados e Municípios autônomos apenas como diz a letra da nossa Constituição Federal, quando diz que o Estado e o Município são autônomos, porque o Estado tem a competência para instituir sua própria Constituição Estadual e o Município tem a competência para instituir sua lei maior, que é a Lei Orgânica do Município. Não. Estamos vendo hoje na Constituição Federal que, enquanto ele diz que compete aos Estados e aos Municípios elaborarem suas leis maiores, na verdade, estabelece uma série de princípios que, de fato, não são de caráter nacional, mas de caráter federativo. São princípios que estabelecem a maneira como o Estado deve ser organizado administrativamente; estabelecem como o Município deve ser organizado administrativamente.

E se eles possuem autonomia, a capacidade de se auto-administrar e autodeterminar, dizer como deve ser a sua organização administrativa, seria atribuição do Poder constituinte local ou o poder derivado, por meio da Assembléia Legislativa ou das Câmaras Municipais de Vereadores, e não da Constituição Federal estabelecer como se organiza a máquina federal e, ao mesmo tempo, estabelecer princípios que devem ser adotados pelos Estados e pelos Municípios brasileiros, retirando-lhes toda a autonomia, a liberdade de se autogovernar; de se auto-organizar; de estabelecer a maneira como devem e desejam resolver os seus problemas.

Disse e repito: vivemos em um País com dimensões continentais, em que, a partir de Brasília, o Congresso Nacional não tem a capacidade humana de editar uma lei que diga respeito aos interesses locais para estabelecer relações entre pessoas de natureza local; um instrumento legislativo que venha a atender a Estados e Municípios do norte e do sul do País, com características completamente diferentes. É preciso que Estados e Municípios tenham competência para poder estabelecer as suas normas.

O concurso público, na Constituição Federal, não deve ser uma norma de caráter federal, mas tão-somente nacional. Legislação sobre licitação pública, cada Estado precisa ter exatamente a sua, pois ao Governo da União compete legislar sobre licitação pública quando disser respeito ao gasto do dinheiro previsto no Orçamento da União.

O Estado de Sergipe, que tem os seus recursos, assim como os Estados do Amazonas e da Bahia, pelo seu orçamento, devem dispor e estabelecer uma legislação sobre licitações públicas a partir do próprio Estado, ou seja, a maneira como ele deve gastar os seus recursos pela sua autonomia e não como decorrência de uma ingerência do Governo da União.

Por outro lado, apenas a título de exemplo que possa ilustrar melhor o nosso pronunciamento, saindo até do campo acadêmico para o mais prático, a fim de que haja uma compreensão melhor, sobretudo do povo brasileiro diante da oportunidade que nós temos de falar para todo País pela emissora do Senado, de rádio e de televisão, mostrar que é preciso que a reforma tributária contemple a Federação - Estados, Municípios e o próprio Distrito Federal. Quando o Governo da União elaborar o orçamento, deve destinar recursos para os grandes projetos nacionais.

Disse e repito: não é possível que Municípios distantes do Planalto Central dependam, para a construção de um posto de saúde ou de uma escola primária, de repasse de dinheiro do Orçamento da União, pois sabemos que, quando isso acontece, o dinheiro se torna mais caro, principalmente em decorrência da corrupção que o Congresso Nacional já levantou e consta dos relatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito.

Não se trata, portanto, de uma novidade, mas da necessidade que o Governo da União possui de criar estruturas de fiscalização nos Estados. Para isso, é preciso a extensão do Tribunal de Contas da União ao Estados, para estabelecer a fiscalização, por exemplo, da construção de uma escola lá no pequenino Município do nosso Senador Augusto Botelho, no Estado de Roraima.

Hoje é impossível que isso aconteça. Na semana passado, em um aparte ao Senador Marcelo Crivella, tive a oportunidade de trazer um exemplo que comumente chamo de a teoria do mel e da garrafa, pois o que existe hoje é exatamente esta organização tributária: os recursos saem dos Municípios e dos Estados e vão para a União e, mediante o orçamento, são devolvidos aos Estados e Municípios. Sabemos que nesse vaivém pelas diversas instâncias, a corrupção corrói, destrói os recursos que, na verdade, deveriam chegar até a base para o atendimento da população.

Se colocarmos aqui dez garrafas vazias e uma cheia de mel e se fizermos a transferência desse mel da primeira garrafa para a segunda e da segunda para a terceira e da terceira para a quarta, quando chegarmos à décima, não existirá mais mel. É assim que acontece com o dinheiro do Orçamento da União. Não trago aqui nenhuma novidade, porque este Congresso está cansado de saber disso, pois consta dos relatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito. É preciso, pois, promovermos a reforma no modelo federativo, adotado hoje pelo País porque tenho certeza, Senador Gilberto Mestrinho, representante do querido Estado do Amazonas, que, quando assim acontecer, teremos condições de mostrar à população brasileira que um País rico, como rica é a Amazônia onde V. Exª mora, não pode conviver com a pobreza e a miséria de grande parcela de brasileiros. Temos um país rico cuja população é pacífica por natureza. Temos uma única cultura, uma única língua, sem guetos, sem conflitos internos. Somos um povo não dado a guerras. Por sermos um país rico, não podemos conceber que vivam nesse estado de miséria exatamente aqueles que são excluídos e que são milhões e milhões em nosso País.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, mais uma vez - não sei se de forma repetitiva ou até mesma enfadonha, se de forma acadêmica ou prática -, volto à tribuna para abordar esse tema, mas tenham certeza, usando uma expressão da imprensa gráfica, de que a PEC se encontra no prelo. Ela está sendo elaborada, está sendo forjada. Terei a preocupação de ouvir V. Exªs. e de colocar a PEC à discussão nacional. Não teremos o menor receio de ir ao debate fora do Congresso Nacional, porque entendo tratar-se de um tema da mais alta importância para a nação brasileira. A vida aqui no Congresso Nacional dá vários exemplos de milhares de propostas que tramitam nesta Casa há mais de dez anos, e a população brasileira não tem a felicidade de vê-las editadas para atender aos seus interesses, aos seus anseios nas relações que diariamente são estabelecidas.

Ouço diariamente falar da criminalidade e de problemas gravíssimos que atualmente enfrentam, sobretudo, o sul e o sudeste do Brasil. É preciso que a população que nos vê e nos ouve neste instante saiba que não se age apenas com medidas emergenciais. Quando acontece um crime de clamor nacional, pensa-se logo em convocar as Forças Armadas, pensa-se na pena capital, pensa-se na mudança da lei de execuções penais, pensa-se também na mudança do Código Penal. Na verdade, é necessário discutir amplamente o tema a partir da vontade política dos Governos locais, a fim de que obtenham as condições necessárias para efetivar políticas de segurança pública que venham atender ao maior anseio do povo, que é a tranqüilidade.

Quero concluir meu pronunciamento, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, dizendo a V. Exªs. que, se vivemos num país de extensão territorial continental, precisamos urgentemente, embora conheça as posições contrárias, promover a descentralização das funções e da competência legislativa das diversas esferas de poder e também estabelecer nova geografia para o nosso território, nova divisão territorial.

Temos exemplos marcantes de divisão, como o Estado do Mato Grosso do Sul e o Estado do Tocantins. Não podemos admitir que um país de dimensão territorial idêntica à dos Estados Unidos da América, que possui hoje 50 Estados membros, possua apenas 26 Estados e o Distrito Federal.

A Suíça, que é uma federação, apesar de ter um território idêntico ao do meu pequenino Estado de Sergipe, o menor da Federação, possui cerca de 26 cantões, número que corresponde ao dos Estados brasileiros em nossa organização. É preciso encontrarmos a fórmula, e a fórmula existe. O que não podemos é admitir aquela velha cantilena de dizer que a criação de Estados no Brasil representará despesas, déficits internos e que, portanto, não podemos assumir essa posição político-administrativa.

            É um grande equívoco, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, termos exatamente a situação em que se encontra. É preciso, por um lado, diminuir a presença do Estado na economia, como estabelece o modelo que aí se encontra, mas o que na verdade precisamos mesmo é diminuir o tamanho do Estado administrativo, do Estado que cria apenas instâncias de poder, que se amplia, que procura gastar os seus recursos nas atividades meio e não na atividade fim. Diminuir a estrutura do Estado brasileiro para possibilitar a sua redivisão territorial, é isso que defendemos, não apenas no que diz respeito à Constituição e às instâncias de poder, mas também ao território brasileiro. A partir daí, tenho e trago aqui as minhas convicções de que passaremos a ter um País desenvolvido, atendendo melhor a nossa população.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2003 - Página 3939