Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

COMPARECIMENTO AO CONGRESSO NACIONAL PARA, PESSOALMENTE, ENTREGAR A MENSAGEM QUE, NA FORMA DA CONSTITUIÇÃO NACIONAL, A CADA ANO DEVE SER ENVIADA A CASA.

Autor
LUIZ INACIO LULA DA SILVA
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • COMPARECIMENTO AO CONGRESSO NACIONAL PARA, PESSOALMENTE, ENTREGAR A MENSAGEM QUE, NA FORMA DA CONSTITUIÇÃO NACIONAL, A CADA ANO DEVE SER ENVIADA A CASA.
Publicação
Publicação no DCN de 18/02/2003 - Página 16
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • PRESENÇA, CONGRESSO NACIONAL, ENTREGA, MENSAGEM PRESIDENCIAL, OBJETIVO, MANIFESTAÇÃO, RECONHECIMENTO, LEGISLATIVO, VALORIZAÇÃO, DEMOCRACIA.
  • REITERAÇÃO, BUSCA, JUSTIÇA SOCIAL, SOLIDARIEDADE, PAZ, EXPECTATIVA, COMPROMISSO, INTEGRAÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, REFORMULAÇÃO, CRESCIMENTO, BRASIL.
  • AVALIAÇÃO, INICIO, GOVERNO, POLITICA SOCIO ECONOMICA, ESPECIFICAÇÃO, PROGRAMA, ERRADICAÇÃO, FOME, ELOGIO, APOIO, GOVERNADOR, PREFEITO, CONGRESSISTA, POPULAÇÃO, PRIORIDADE, INTERESSE NACIONAL.
  • ESCLARECIMENTOS, CORTE, ORÇAMENTO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, CONTENÇÃO, DIVIDA PUBLICA, CONTROLE, GASTOS PUBLICOS, EXPECTATIVA, NEGOCIAÇÃO, APROVAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, ESPECIFICAÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, ASSESSORAMENTO, DISCUSSÃO, CONSELHO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.
  • REITERAÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, COOPERAÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

O SR. PRESIDENTE DA REPÚBLICA (Luiz Inácio Lula da Silva) - Eu vou ler sentado, porque, na última vez em que aqui estive, houve uma briga entre a distância do discurso que eu lia e os meus óculos. Então, peço permissão aos senhores.

     Exmo. Sr. José Alencar, Vice-Presidente da República; Exmo. Sr. Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal; Exmo. Sr. Deputado João Paulo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados; Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio de Farias Mello, Presidente do Supremo Tribunal Federal; Exmo. Sr. José Dirceu, Ministro-Chefe da Casa Civil; Exmas. Sras. e Exmos. Srs. Ministros de Estado; Exmos. Srs. Líderes do Governo no Congresso Nacional -- Senado Federal e Câmara dos Deputados; Exmos. Srs. da Mesa do Congresso Nacional; Exmas. Sras. e Exmos. Srs. Parlamentares, Deputados e Senadores, decidi vir ao Congresso Nacional para apresentar pessoalmente a Mensagem da Presidência da República na sessão inaugural da nova Legislatura. Quero, desta forma direta, traduzir o meu reconhecimento à autoridade democrática e às altas atribuições do Parlamento Federal e saudar cada um dos Parlamentares que hoje iniciam os seus trabalhos.

     Somos representantes de Poderes distintos, mas igualmente legítimos e fundamentais para o bom funcionamento da democracia.

      Prestigiar esta Casa é dever de todo cidadão. Mas, no meu caso, é bem mais do que um dever -- é um tributo pessoal ao papel insubstituível do Parlamento na vida democrática.

      Todos nós, que experimentamos na carne as conseqüências do regime autoritário, sabemos a falta que faz e a importância que tem um Parlamento livre e atuante.

      Pela sua diversidade e pluralidade, o Parlamento é o fórum, por excelência, dos debates sobre os desafios imediatos e históricos do País e da construção negociada das soluções que permitam o nosso avanço no rumo da prosperidade e da justiça.

      Venho ao Congresso Nacional com o mais nobre dos sentimentos que aprendi em toda a minha trajetória de vida e de luta: o sentimento de que, não importa quantas pedras a gente tenha pelo caminho, é preciso sempre manter o olhar no futuro e na esperança; o sentimento de que é preciso acreditar no ser humano e na sua capacidade de realização, em qualquer circunstância, com o vento a favor ou com o vento contra; o sentimento de que a busca da justiça social, da solidariedade e da paz é fundamental para cada um de nós e para toda a humanidade.

      Como nordestino curtido na escola da vida, sou um homem acostumado a falar com franqueza e de coração aberto. Sou um homem que prefere a verdade, mesmo quando ela dói.

     Se não me tranco em palácio e se abraço as pessoas sempre que posso é porque o meu sentimento de esperança brota da certeza de que a vida só vale a pena se a relação entre os seres humanos estiver baseada na verdade. Acredito que a relação com o povo tem que ser sempre verdadeira e de confiança mútua.

     Fui eleito para mudar o Brasil, para fazer nosso País retomar o caminho do crescimento econômico, com geração de emprego, distribuição de renda e inclusão social. Mas tenho plena consciência de que só iremos mudar o Brasil, juntos, fazendo convergir democraticamente a vontade dos Poderes da República com a participação efetiva do conjunto da sociedade.

     Hoje, nesta Casa -- que também já foi minha --, quero estabelecer um compromisso muito sério com cada Deputada e Deputado, com cada Senadora e Senador, acima das distinções partidárias, ideológicas, de raça ou de religião. É necessário que o Legislativo e os demais Poderes da Nação, o Executivo e o Judiciário, assumam um compromisso sólido e fundamental com o povo brasileiro.

     O Brasil viveu, no ano passado, uma crise econômica de grande vulto, resultando num quadro de difícil reversão. Desde o início do meu Governo, há apenas 48 dias, estamos fazendo enorme esforço para conduzir o País por uma transição criteriosa e segura, compromisso que assumi na "Carta ao Povo Brasileiro", lançada em junho do ano passado e em meu Programa de Governo.

     Esse esforço vem dando frutos importantes desde o período da transição, com a queda do dólar e do Risco Brasil e, no mês de janeiro, com a reabertura das linhas de crédito internacionais, que haviam sido reduzidas praticamente a zero no final do ano passado.

      Também iniciamos, com o Programa Fome Zero e o conjunto dos programas sociais do Governo, um intenso trabalho para colocar no centro das preocupações do País a necessidade de reverter a lógica da exclusão social, que tanto nos envergonha.

      Esse trabalho, tanto na área econômica quanto na social, é uma precondição para que o Brasil reencontre o caminho da estabilidade. O desafio é fazer, desde já, o melhor que pudermos com os poucos recursos que temos.

      Mas teremos tempos difíceis pela frente. O mundo entrou em período de maiores incertezas. A situação internacional se agravou com o anúncio de uma nova guerra, o que já está produzindo conseqüências dolorosas para a economia mundial. O preço do petróleo ultrapassou a barreira dos 35 dólares por barril e há o temor generalizado de que ele sofra uma escalada altista.

      Essa nova instabilidade vem somar-se à difícil situação que herdamos. A cotação do dólar voltou a subir em relação ao real e o Risco Brasil parou de cair. São mais pedras que temos que remover do nosso caminho, e vamos removê-las com as políticas adequadas que temos adotado, com dedicação e com o aumento da nossa coesão social.

      Esta é a hora de cada brasileira e brasileira pensar menos em si mesmo e mais no País. (Palmas).

      Meu compromisso com esta Casa, com a Máxima Corte Brasileira e com todo nosso povo é o de, haja o que houver, exercitar a democracia em sua plenitude para enfrentar os principais problemas do Brasil.

      Nós acabamos de fazer uma das mais responsáveis e serenas alternâncias de Governo que o mundo viu na história dos países em desenvolvimento.

     Logo depois, quando levantamos a bandeira de que os países ricos não podem ficar indiferentes à fome e à pobreza, muitos sentiram que uma janela de oportunidade se abria para tentar superar os graves desequilíbrios sociais e regionais existentes no mundo. E o Brasil tem de aproveitar bem esse patrimônio que está conseguindo acumular.

     Louvável tem sido a conduta política das Governadoras e Governadores, Prefeitas e Prefeitos, de todos os partidos, que vêm colocando seus compromissos com a Nação acima de seus interesses particulares. Louvável é a conduta política de Deputadas e Deputados, Senadoras e Senadores, que, mesmo não tendo sido eleitos em aliança conosco, não têm medido esforços para trabalhar na defesa do País. De fato, acima das diferenças partidárias, estamos diante de um momento histórico em que é preciso razão, entendimento e unidade em torno dos interesses nacionais.

     Ainda que não houvesse ameaça de guerra, temos desafios de ordem econômica e social tão complexos, tão graves, que, por si só, exigiriam a união de todos nesta Casa e no País. Vivemos uma aguda crise social, educacional e de segurança pública, sobretudo nas grandes metrópoles brasileiras. Como podemos ficar indiferentes enquanto vemos parte preciosa da nossa juventude ser arrastada para o mundo do crime e da marginalidade social? Como podemos continuar indiferentes enquanto vemos, todos os dias, adolescentes matarem ou serem mortos pelo País afora? Como podemos permanecer indiferentes à sistemática destruição dos laços familiares em nossa sociedade, sobrecarregando principalmente as mães? Como podemos ser indiferentes aos mais de 40 milhões de brasileiras e brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza? Como ficar indiferentes, quando o mundo, que precisa de paz, se vê ameaçado pelo risco iminente de uma guerra?

     A sociedade brasileira, para nosso orgulho, não está indiferente; ao contrário, ela está mobilizadíssima! (Palmas.)

      O País atravessa um momento político muito especial. Poucas vezes na história encontramos tanta esperança, harmonia e disposição da população, de ricos e de pobres para ajudar a resolver nossos problemas fundamentais.

     Esse é um enorme capital político que generosamente o País nos oferece. Cabe a todos nós fazermos com que essa grande oportunidade histórica resulte nos melhores benefícios para o Brasil e para o nosso povo.

     Governo Federal, Governos Estaduais e Municipais, Parlamento, entidades da sociedade civil, voluntários de organizações não-governamentais, devemos todos empreender um grande mutirão para resgatar a dignidade e a auto-estima do povo brasileiro depois de séculos de exclusão social. Mas é fundamental agora que o País se proteja contra as incertezas. Para isso, nossa união é indispensável.

     A estabilidade da moeda nacional encontra-se ameaçada, as pessoas assistem inquietas à diminuição do poder de compra dos seus salários com a alta de muitos preços. O vírus da inflação voltou a ser, desde o final do ano passado, uma ameaça real para o organismo econômico brasileiro. O câmbio ainda permanece instável e distorce nosso sistema de preços internos.

      Conscientes dos compromissos que assumimos durante a campanha, vamos fazer o que precisa ser feito para recolocar a economia nacional no caminho da estabilidade e do desenvolvimento.

     Temos plena consciência da dureza do contingenciamento orçamentário feito na última semana. A determinação de fazer um superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto é indispensável para impedir que a dívida pública cresça, como aconteceu nos últimos anos. E quero hoje reafirmar que medidas como essa durarão o tempo necessário. Afinal, combater a inflação, reduzir a nossa dívida, gerar empregos e distribuir renda são objetivos permanentes do meu Governo. Para nós, a estabilidade econômica não é um fim em si; é precondição para o crescimento da economia em bases sustentadas. (Palmas.)

      A confiança em nossa capacidade de ter uma moeda estável e de cumprir os contratos firmados não pode e não vai ser questionada.

     Temos de garantir a sustentabilidade da dívida pública, fazendo com grande responsabilidade a transição para o novo modelo de menor endividamento do Governo e de maior crescimento econômico.

     As medidas duras tomadas pelo meu Governo vão exigir grande realismo e eficiência redobrada de todos os governantes em relação ao gasto público. Cada centavo de real tem de ser muito bem empregado. O Governo Federal, os Governos Estaduais e Municipais, todos os Poderes da República e empresas públicas precisam melhorar a gestão de seus recursos.

     Está na hora de buscarmos a máxima austeridade e eficiência em nossas decisões que envolvem os gastos públicos e também os procedimentos administrativos.

     A fonte das nossas dores de cabeça é que os Governos anteriores se endividaram, cada dia mais, em um círculo vicioso de contrair empréstimo novo para pagar dívida velha, e com juro alto para remunerar credores cada vez mais desconfiados.

     O meu Governo tem entre os seus principais compromissos o de realizar, juntamente com este Congresso e com a sociedade, reformas que promovam soluções estruturais e duradouras para o nosso País.

     Aqui e agora, gostaria de firmar um compromisso com esta Casa no sentido de que todos nós trabalharemos incansavelmente para aprovar as reformas que são indispensáveis ao País, em especial a previdenciária e a tributária. Precisamos ter o sentido de urgência que o momento histórico cobra de todos nós.

      A reforma tributária envolve um tema complexo, mas suas diretrizes gerais são conhecidas e podem ser os eixos do necessário consenso a ser construído na sociedade e no Parlamento. O Brasil precisa de uma reforma tributária que desonere o investimento produtivo e o trabalho, que simplifique os mecanismos de arrecadação e estimule o aumento da produtividade e da competitividade externa da nossa economia, melhorando a distribuição de renda. (Palmas.)

      Chamo a atenção para um dos pontos centrais dessa reforma que é o fortalecimento do pacto federativo. É preciso, com isso, reduzir os espaços para a tão problemática guerra fiscal, buscando uma convergência capaz de harmonizar as relações no interior da Federação. (Palmas.)

      Outra reforma que tem urgência e prioridade é a da Previdência. Temos que garantir um sistema justo e sustentado que assegure o pagamento das aposentadorias e pensões das atuais e das futuras gerações. Para isso, o custeio do sistema previdenciário precisa ser devidamente equacionado.

      Vou repetir o que disse a respeito poucos dias atrás: se o custeio do sistema não for devidamente equacionado, muito em breve não haverá dinheiro para pagar as pensões, os benefícios e as aposentadorias. Isso, certamente, não acontecerá no meu Governo. Mas, se o problema não for resolvido agora, fatalmente os jovens sofrerão amanhã as conseqüências.

     Tenho a certeza de que esta Legislatura fará do Congresso Nacional o palco dos grandes debates e decisões sobre as reformas tributária, previdenciária, política, trabalhista, agrária e do sistema financeiro, bem como das mudanças destinadas a baratear o crédito e a melhorar o desempenho econômico do nosso País.

     Vamos fazer isso, cumprindo o compromisso que assumi com a sociedade brasileira de elaborar propostas de forma negociada, por meio dos mais amplos canais de diálogo. Tenho certeza de que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social que instalamos na semana passada terá importante papel a cumprir neste processo. Esse Conselho -- faço questão de reafirmar aqui -- é um órgão de assessoramento do Presidente da República, a exemplo do que ocorre em várias das maiores democracias do mundo. Ele vai nos ajudar a construir uma agenda de discussões das reformas e de um novo pacto social no Brasil. Mas não vai, em hipótese alguma, substituir nem tampouco relativizar o poder do Congresso Nacional. (Palmas.)

     É com esse sentimento de mão estendida, de co-responsabilidade entre os Poderes e, acima de tudo, de entendimento nacional que eu trago minha Mensagem a esta Casa.

     Não existe o Brasil do Executivo, o Brasil do Legislativo ou o Brasil do Judiciário. O que existe é um só Brasil, de 175 milhões de seres humanos que têm urgência em conquistar sua cidadania. (Palmas.)

      As reformas estruturais não são uma necessidade deste ou daquele Poder, deste ou daquele setor econômico e social, não são do Governo nem da Oposição; são reformas reclamadas pelo conjunto da população, e que devem ser feitas para que o País volte a crescer, para que o País possa percorrer novamente a estrada larga do desenvolvimento econômico e social.

     A responsabilidade de fazer as mudanças que o Brasil necessita é de todos nós -- Executivo, Legislativo, Judiciário, e da própria sociedade.

      Sras. e Srs. Parlamentares do Congresso Nacional, na viagem que fiz ao exterior, reafirmei alguns compromissos do nosso País. Em primeiro lugar, o de defesa da paz e de uma ordem mais justa entre as nações ricas e pobres do planeta. (Palmas prolongadas.) Em segundo lugar, o de buscar a reconstrução do MERCOSUL e a união dos países do nosso Continente, para obtermos uma inserção soberana no mundo globalizado. (Palmas.)

      Em todo lugar aonde tenho ido ouço palavras de sincera admiração por nosso País. Tenho colhido elogios e manifestações de profundo respeito pela democracia brasileira.

      Sras. e Srs. Parlamentares, como se vê, os desafios e as expectativas que pesam sobre nós são enormes. Por isso, não vim aqui para pedir subserviência ou submissão. Venho aqui propor uma parceria para construirmos juntos o Brasil dos nossos sonhos.

     Muito obrigado! (Palmas prolongadas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 18/02/2003 - Página 16