Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Cobrança do governo federal de política destinada ao atendimento dos idosos e inclusão da especialidade de geriatria nos concursos públicos da área da saúde.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Cobrança do governo federal de política destinada ao atendimento dos idosos e inclusão da especialidade de geriatria nos concursos públicos da área da saúde.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2003 - Página 4541
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, AUMENTO, NUMERO, IDOSO, PAIS, NECESSIDADE, POLITICA, GOVERNO FEDERAL, ATENDIMENTO, MELHORIA, SITUAÇÃO SOCIAL, GARANTIA, CIDADANIA, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, INCLUSÃO, ESPECIALIDADE, GERIATRIA, CONCURSO PUBLICO, AREA, SAUDE, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, RESPEITO, ATENDIMENTO, IDOSO.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu ainda me sinto um pouco tolhida aqui nesta Tribuna, com microfones bem diferentes daqueles com que tenho o hábito de lidar. Estou acostumada a descer até as platéias, conversar com as pessoas, trocar, mesmo na minha condição de oradora, idéias e adquirir conteúdo para os meus discursos. Como normalmente sinto bem de perto os olhares das pessoas com quem falo, eu tenho tido uma certa dificuldade de lidar ainda com esse método aqui do Senado que parece me prender. Talvez algum dia, antes do fim do meu mandato, poderei pegar o microfone sem fio e, com a permissão do Sr. Presidente, fazer um discurso à minha moda.

Enquanto isso, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de falar de um problema que nos tem afligido muito, a nós sociedade como um todo.

Recentemente, a televisão brasileira exibiu, em rede nacional, cenas gravadas por uma câmara oculta que mostravam uma senhora idosa sendo rotineiramente espancada por sua acompanhante. Era tal a fúria da agressora que resultou na morte da vítima.

O que mais me impressionou nesse episódio doloroso foi a apatia da idosa, que não tentava qualquer reação de defesa, como se estivesse conformada com a agressão e acreditasse ser inútil qualquer apelo. Era a imagem da mais completa solidão e total desamparo.

Infelizmente, Srªs e Srs. Senadores, esse fato brutal não pode ser atribuído a uma manifestação isolada de crueldade. Aqueles que também tiveram notícias pela televisão certamente não esqueceram as imagens de abandono e miséria que mostravam o cotidiano dos idosos internados na Clínica Santa Genoveva, no Rio de Janeiro, há poucos anos.

No primeiro caso, a violência de uma profissional sem o mínimo preparo para a função que exercia; no segundo caso, o idoso transformado em mercadoria por empresários inescrupulosos voltados apenas para o lucro e totalmente esquecidos dos deveres e compromissos assumidos com a guarda das pessoas idosas.

Essas cenas ficam na lembrança, porque se tornaram públicas. Mas o que dizer de milhões de idosos anônimos que vivem na solidão e na miséria, que vivem na rua como mendigos, ou daqueles que estão sós e na pobreza, enfrentando filas para obter algum tratamento ou medicação que, muito freqüentemente, não lhes chega na hora da doença e da dor?

A violência crescente em todos os setores de nossa sociedade também faz dos idosos vítimas preferenciais muito especialmente no trânsito. Segundo pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 19% dos acidentes de trânsito acontecem nas calçadas, e as vítimas são, em grande parte, os idosos, com fraturas e ferimentos provocados por quedas, muitas delas fatais.

Ouvimos dizer, desde pequenos, pelos nossos pais, pelas pessoas que nos cercam, que temos que ter muito cuidado com as pessoas idosas de nossa família. Somos conduzidos de tal forma a ajudá-las a descer um degrau, a chegar a um local, porque sabemos que, se houver uma fratura, se o idoso cair, ele será encaminhado para o hospital e, certamente daí, terá conseqüências que, na maioria dos casos, vai levá-lo à morte.

Nas últimas décadas, os brasileiros tiveram aumentada a sua expectativa de vida. Mas o percentual de idosos aumentou não apenas porque os brasileiros estão vivendo mais, mas também porque, por questões econômicas e culturais, a nossa taxa de natalidade diminuiu, e assim a faixa dos idosos assume um peso maior na constituição da nossa população. Hoje, as pessoas com sessenta anos ou mais já beiram os 9% do total da população brasileira.

Há alguns anos, numa crônica publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, a brilhante escritora Raquel de Queiroz adiantou-se aos estudiosos sociais e mostrou que, no Nordeste brasileiro, os idosos aposentados pelo Funrural são, muitas vezes, a única fonte de renda das suas famílias.

Em 2001, segundo o IBGE, 29,7% das famílias do campo e 18,8% das cidades viviam abaixo da linha de pobreza. Mas essa proporção subiria para 49% e 33,8%, se essas famílias não pudessem contar com o auxílio da renda das pessoas com mais de sessenta anos.

A população de idosos é crescente e ainda, segundo o censo de 2000, concentra-se cada vez mais nas áreas urbanas e é composta majoritariamente por mulheres.

No Brasil de hoje, os idosos assumem importância e responsabilidades, seja pela melhoria na cobertura da seguridade, com pensões e aposentadorias, seja pelo aumento da longevidade, que permite a muitos trabalharem, ou, ainda, pela crise dos jovens, devido ao desemprego, à gravidez precoce ou à separação de casais.

No Censo de 2000, foi considerada como responsável pelo domicílio aquela pessoa indicada, pelos próprios moradores como referência da família. Segundo esse conceito, há, no Brasil, 8 milhões e 96 mil idosos responsáveis por domicílios familiares.

Em relação a isso, eu gostaria de dar um depoimento pessoal. Nesta minha longa caminhada como agente político e social, encontrei famílias inteiras pelas quais o idoso era o responsável, de que era o provedor. Muitas vezes sustentavam a família com uma pequena aposentadoria e, muitas das vezes, mulheres idosas continuavam trabalhando, lavando roupa para fora, prestando serviços domésticos, cuidando de cinco ou seis netos, crianças deixadas com as avós por contingências sociais ou porque suas famílias foram destroçadas e os pais partiram para outro relacionamento. Esse fato, considero a grande instituição social com que conta o Brasil hoje em relação à matéria que acabo de citar.

A indústria, o comércio e a publicidade já reconhecem o idoso como faixa significativa do mercado consumidor. Basta observar as campanhas publicitárias de bancos, eletrodomésticos, turismo... É cada vez mais freqüente a presença de idosos nas grandes campanhas publicitárias destes ou de outros produtos. Os idosos são escalados para representar papéis importantes, seja na vida de suas famílias e comunidades, na publicidade e na ficção brasileiras. E isto me faz lembrar do saudoso compositor João do Vale, que fala da sua infância pobre, sem escola, e de tudo que conseguiu na vida através da música. Mas os versos do poeta pedem vida melhor também para seus conterrâneos “que não puderam estudar, nem saber fazer baião”.

Penso, Srªs e Srs. Senadores, naqueles velhinhos brasileiros excluídos do mercado consumidor, que não contam com a segurança de uma aposentadoria, ainda que precária, naqueles que não têm família por si, os que dormem nas ruas, que morrem nas filas, nos chamados “velhinhos de rua”.

Até há pouco tempo, o quadro social mostrava crianças em sinaleiros vendendo balas, pirulitos, chocolates, lustrando o pára-brisa de carros em troca, muitas vezes, de míseros trocados. Pois hoje, em nossa realidade, além dessas crianças, além dos chamados meninos-de-rua, temos encontrado um sem-número de pessoas idosas também nos sinaleiros, vendendo balas, chocolates, pirulitos, em troca de míseros centavos, que lhe darão a oportunidade, muitas vezes, de comprar um pão ou um leite que lhes é negado, apesar de tudo com que contribuíram pela vida afora.

Srªs e Srs. Senadores, temos que pensar que o sagrado hoje também se chama cidadania. Essa palavra está nos corações e mentes de milhões de brasileiros. Para nós, brasileiros, essa palavra, hoje, traz em si o chamado ao pagamento urgente da nossa enorme dívida social. Chego a dizer, atrevidamente até, que a nossa dívida social é muito maior que a nossa dívida externa, e o pagamento da nossa dívida social tem que ser pela inclusão dos excluídos dos direitos de cidadania. Será através da inclusão de milhares de idosos carentes e abandonados que lhes reconheceremos a cidadania: um lugar para morar, alimentação, medicamentos, lazer e - a maior de todas as bem-aventuranças para o idoso - alguém que o queira escutar.

Sobre isso, tenho algo a dizer, referindo-me também à minha experiência própria, como agente social, como agente política. No primeiro cadastramento que fiz para levar pessoas para um conjunto habitacional, construído, à época, em ritmo de mutirão, pelo então Governador Íris Rezende, que, num só dia, construiu mil casas, deparei-me com um quadro estarrecedor. Ao chegar para levar as pessoas que estavam debaixo de ponte ou morando em barracos feitos de plástico, e até de papelão - encontrei até uma Vila Papel, porque ela era feita, literalmente, de papelão -, encontrei o quadro mais estarrecedor que já vi na minha vida: aquelas pessoas abrigavam, de favor, idosos, que moravam, na pior condição, nos fundos dessas casas, se é que poderíamos chamar de casas, porque nem tenho coragem de chamá-las assim. E ali, naquele momento, movida por um sentimento de misericórdia, de amor e de responsabilidade, surgiu, não da minha cabeça - confesso a V. Exªs -, mas muito mais do meu coração, o projeto chamado Vila Vida, cujo embrião provém da Vila Mutirão, que construí, com pré-moldados, em 15 dias, e que está lá até hoje, abrigando idosos. A partir do Vila Mutirão, construímos em Goiás, o Vila Vida, que é, hoje, referência nacional, que suscitou o interesse do governo de Cuba, que, inclusive, mandou para cá um grupo para conhecer o projeto e levou daqui uma palestrante, que, na época, dirigia a Vila Vida, para explicar aos cubanos que há possibilidades, há como se fazer, há como se construir. É necessário que haja uma decisão política, voltada para esse segmento tão importante da nossa sociedade.

Sabemos, Srªs e Srs. Senadores, que, por mais e melhor que se gaste o dinheiro público, tudo que for feito será pouco diante da amplitude da miséria e que, por mais rapidamente que se faça, será sempre muito devagar.

Do ano 2000 até abril de 2002, foram gastos quase R$3 bilhões no atendimento aos idosos. Para 2003, o Fundo Nacional de Assistência Social disporá de R$3,8 bilhões de recursos oriundos da Cofins. A verba servirá para o pagamento dos benefícios da Lei Orgânica de Assistência Social aos idosos deficientes. Outros R$1,5 bilhão serão utilizados para programas de atenção à saúde do idoso.

Esses recursos, como tantos outros da área social, estão desfocados, fragmentados, desperdiçados, segundo análise de técnicos e responsáveis por políticas públicas, inclusive pelo Ministro da Previdência, em recente visita a esta Casa. Naquela ocasião, o Ministro Berzoini falou também dos segmentos da sociedade que têm mais condições de exercer pressão sobre os legisladores. Esses segmentos, disse o Ministro, conseguem alcançar suas reivindicações. E faço uma pergunta a V. Exªs., meus colegas Senadores e Senadoras: como podem velhos pobres e abandonados em todo esse Brasil, como podem esses frágeis seres humanos se organizar politicamente? A nossa presença aqui significa que, se eles não podem, temos que nos organizar por eles, para que sejam contemplados por políticas públicas que devem ser votadas aqui neste Parlamento, para que eles tenham o mínimo de abrigo, o mínimo de reconhecimento pelo muito que fizeram à Nação.

Estou convicta de que só a conscientização da sociedade será capaz de promover a inclusão social dos nossos velhos necessitados. E isso, felizmente, já está começando. O escritor Manoel Carlos, autor de telenovelas, vem sensivelmente abordando conflitos familiares enfrentados pelos idosos. Nós aqui não costumamos assistir a novelas; assistimos um capítulo daqui, outro dali e acabamos, muitas vezes, não entendendo perfeitamente o conteúdo; mas a grande maioria do povo brasileiro tem conhecimento das novelas. E Manoel Carlos tem abordado o assunto nas personagens do casal de octogenários Leopoldo e Flora, da novela Mulheres Apaixonadas. A luta dos idosos pelos seus direitos é uma luta semelhante à das mulheres pela sua independência e autonomia, dentro e fora do espaço doméstico.

A CNBB dedica a Campanha da Fraternidade deste ano aos idosos. É preciso que nós também façamos a nossa parte, transformando esta Casa num fórum capaz de enfrentar o problema e, junto com os outros Poderes da República e a sociedade, encontrar soluções para o desamparo de nossos idosos carentes.

Cabe ao Executivo a definição urgente de uma política de saúde para os idosos que vá além das campanhas de vacinação contra a gripe. É necessário valorizar e estimular a Geriatria. É preciso incluir essa especialização nos concursos públicos da área de saúde. E, mais do que o atendimento à saúde: nossos idosos carentes precisam ser acolhidos em sua necessidade de moradia, alimentação, lazer, afeto. Neste momento, em que o Brasil reconhece e enfrenta seus graves problemas de desigualdades sociais, cabe a nós, Parlamentares, dar sustentação e ampliar o conteúdo das vozes isoladas que clamam por tratamento cidadão aos nossos idosos. Cabe-nos participar da conscientização de nossa sociedade para a urgência do atendimento aos nossos idosos pobres e abandonados.

No momento em que nós, brasileiros, conseguirmos reconhecer em cada idoso um cidadão na plenitude dos seus direitos, teremos alcançado novo patamar civilizatório, porque o respeito e o cuidado com o idoso demonstram o grau de desenvolvimento das sociedades.

O respeito com o idoso tem a força da seiva da vida, que afirma a imortalidade da espécie humana, apesar da trágica condição de mortal de cada um de nós. Neste momento grave, em que os horrores da guerra levam o sofrimento a milhões de pessoas, dentro e fora do Iraque, eu me solidarizo com os idosos que sofrem por seus filhos e netos, ou que sofrem na carne a fúria da guerra. Na condição de pacifista por natureza e também por convicção política, quero dizer “não” a essa e a todas as guerras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2003 - Página 4541