Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Satisfação pela decisão do Superior Tribunal de Justiça que determina a readmissão ou pagamento de indenização a servidores públicos demitidos pelo ex-Governador de Rondônia no ano de 2000.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DE RONDONIA (RO), GOVERNO ESTADUAL. JUDICIARIO.:
  • Satisfação pela decisão do Superior Tribunal de Justiça que determina a readmissão ou pagamento de indenização a servidores públicos demitidos pelo ex-Governador de Rondônia no ano de 2000.
Aparteantes
Mão Santa, Valdir Raupp.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2003 - Página 4549
Assunto
Outros > ESTADO DE RONDONIA (RO), GOVERNO ESTADUAL. JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, IRREGULARIDADE, DEMISSÃO COLETIVA, SERVIDOR PUBLICO ESTADUAL, ESTADO DE RONDONIA (RO), DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REGIME JURIDICO, SERVIDOR, ESPECIFICAÇÃO, AUSENCIA, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO TRABALHISTA, DESPEDIDA INJUSTA.
  • CONGRATULAÇÕES, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), DECISÃO JUDICIAL, OFERECIMENTO, ESCOLHA, SERVIDOR PUBLICO ESTADUAL, ESTADO DE RONDONIA (RO), READMISSÃO, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO TRABALHISTA.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, peço vênia a esta Casa para abordar um tema que diz respeito ao Estado de Rondônia, especialmente aos servidores do Estado, em particular aos demitidos.

Sr. Presidente, em 17 de janeiro de 2000, o decreto do então governador soou como um tiro de canhão de longo alcance, de grosso calibre e de alto poder destrutivo. Dez mil servidores foram, de um só golpe, dizimados de seus cargos e funções e não tiveram um amparo senão no olho da rua, sem emprego, sem possibilidade de conquistar novos empregos. Os servidores demitidos perambularam em acampamentos, marchas, protestos, em todo tipo de manifestação em que perseguiam seus direitos sordidamente violentados. Até a decisão judicial, foi uma via crucis, foi uma peregrinação da miséria, da desgraça humana, da degradação, da perda da auto-estima, da dignidade, e por que não dizer dos danos causados, tanto economicamente quanto socialmente e, sobretudo, no plano psicológico. Servidores que ali estavam desde há muito, de 15, 16, 18 anos de trabalho, para o Governo não foram nada a pretexto de aplicação daquilo que se chamou Lei Camata, medida sempre saudada porque visa o saneamento da economia pública. Mas não há dúvida, Sr. Presidente, que faltou um pouco de comiseração, um pouco de piedade, de bom senso, de atenção ao direito e à Lei, que estabelecia critérios para a admissão dos servidores. Mas não. De um só golpe, frio, sórdido e brutal, mais de 10 mil pais e mães de famílias foram para o olho da rua, sem qualquer apelação.

Quero lembrar a esta Casa um pouco desse histórico porque ele tem exatamente o endereço da solidariedade que mais uma vez quero manifestar desta tribuna. Naquele momento, dias após a edição do decreto, estivemos em uma audiência com o então Governador José de Abreu Bianco, e ali estavam os presidentes do sindicato dos servidores da área da educação, Sintero, e da área da saúde, Sindsaúde, representado pelos presidentes, respectivamente, José Wilde e Anildo Prado, acompanhados pelo advogado Dr. Hélio Vieira da Costa, a quem fora entregue a defesa dessa causa tão dolorosa para nada menos que um terço dos servidores do meu Estado de Rondônia. Quero também destacar a tenacidade, a competência e, sobretudo, a persistência do patrono da causa, Dr. Hélio Vieira da Costa, que em momento algum se deixou abater pela força do poder, pelas pressões e sobretudo pela demora de uma peregrinação jurídica que se estendeu por mais de dois anos. Foi um momento em que demonstramos ao governador que se estavam descumprindo os critérios estabelecidos no art. 169, § 3º da Constituição em vigor. Foi também ressaltado que não se obedeciam os critérios estabelecidos na Lei nº 9.801, de 14 de julho de 1999. Nada. Desses quase dez mil, seis mil eram então estatutários. E esses, ao contrário dos celetistas, não receberam qualquer indenização, como ordenava a lei, como inclusive a Constituição alude, sem outro recurso além da miséria, do desespero, do temor, do terror, da deterioração do ser humano no mais amplo sentido.

Sr. Presidente, a angústia, a incerteza, a insegurança e tudo o mais que possa se imaginar levou esses servidores ao desespero, e muitos deles não resistiram a essas privações, não resistiram a uma demissão injusta, não puderam esperar a sentença reconciliadora. Morreram. Morreram de depressão, morreram de sofrimento, morreram porque não tinham mais esperança, porque o que sabiam era trabalhar. Pessoas de 50, 60 e acima de 60 anos aguardavam dias, meses pela aposentadoria. Alguns não puderam esperar. Alguns viram solapados os seus direitos mais elementares porque, como sempre defendi, o direito ao trabalho é mais sagrado do que o direito à vida por ele provido. É o direito ao trabalho, o direito a ganhar o pão de cada dia que provisiona a vida todos os dias até a morte.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Amir Lando, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Ouço, com muito prazer, o aparte de V. Exª, Senador Mão Santa.

            O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Amir Lando, a justiça é divina, vem de Deus. O Filho d’Ele andou no mundo e disse: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça.” E Ele nos mandou leis, que são coisas de Deus. Como disse Aristóteles: “Errare humanum est”. Os homens que fazem a justiça do Brasil erram. Poucos conhecem isso como eu. Fui prefeito na época e governador do Estado. Tenho outro entendimento. Não demiti ninguém: o rolo ainda está lá no Piauí. O Governador do Estado, do PT, a quem ajudei a reeleger, quis curvar-se a essa decisão. Eu declarei: Estou fora! Primeiro, entendo que quem fez isso tudo foi um homem brilhante como V. Exª, Senador Amir Lando, um jurista: Montesquieu. Ele fez essa beleza de democracia, com três Poderes iguais e harmônicos, mas viu que era complicado, passou 20 anos estudando e escreveu, em 21 volumes, L’Espirit des lois, O Espírito das Leis. Aí é que está. Fui chamado, no governo passado, quando o Presidente era Fernando Henrique Cardoso, para obedecer a essa medida. E eu disse: “Presidente, vamos supor que a senhora sua mãe fosse enfermeira lá de Uruçuí” - digo enfermeira porque minha profissão é a de médico - “e estivesse há 17 anos, como há gente com 15, 18 anos, fazendo partos. Sei o quanto trabalha uma enfermeira: aos domingos, dias santos, feriados, no carnaval, no Natal, de madrugada, quando há um aborto, um parto; essa enfermeira trabalha há 17 anos. Como eu, que estou chegando agora ao governo, posso colocá-la para fora?” Eu disse ainda: “Presidente, não existe o usucapião da terra? Em 5 anos, se está numa terra, o sujeito é o dono. Esse povo está há 14, 15, 17 anos no seu emprego e é mandado para fora!” Senador Amir Lando, o pior é que estão demitindo apenas os pequenos, os grandes não. No meu Estado, por exemplo, não apontaram nenhum funcionário do Tribunal de Justiça, nem do Poder Legislativo, nem do Ministério Público, e existem; apenas os do Executivo. Um quadro vale por dez. Essa é a mais bela luta de V. Exª, que é um dom quixote. Quero ser seu sancho pança nessa luta a favor dos indefesos. Quero terminar lembrando um poeta que canta o clamor do povo. Trata-se de um cantor cearense, do meu Nordeste, Fagner. Ele tem uma música linda que expressa isso, a qual diz, mais ou menos assim: “O menino guerreiro é de luta, mas ele tem um sonho. Se se castra esse sonho... E o seu sonho é o trabalho. Se ele não tem trabalho, ele mata, ele morre, ele rouba.” Isso é o que está acontecendo no Brasil. Primeiro, como se vai combater a fome tirando emprego das pessoas? Segundo, vão matar mesmo, como V. Exª disse, porque são profissionais. Os governos gastaram para aprimorar os conhecimentos dessas pessoas, investindo nelas, dando-lhes experiência. Milhares de enfermeiras não sabem mais, depois de 15, 18 anos, exercer outra profissão. Elas não terão, por exemplo, capacidade de comercializar, de montar uma indústria, de ser cabeleireira. A V. Exª, nossa solidariedade. Afirmo novamente: quero ser seu sancho pança nessa luta em que V. Exª se apresenta como dom quixote.

            O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Nem sempre posso concordar com V. Exª, sobretudo quando me reverencia com Montesquieu. Quem sou eu? Não sou digno, como disse João Batista, de desatar os cordões das suas sandálias, mas V. Exª tem toda a razão. Essa foi uma causa perdida, mas em razão da tenacidade, da luta dos servidores e, sobretudo, do seu patrono, vencemos. Nobre Senador Mão Santa, vencemos no Tribunal Superior de Justiça, com uma decisão proferida em 18 de outubro e 2001, com o voto sábio e salomônico do Ministro José Arnaldo. S. Exª se baseou em um entendimento que já havia sido firmado no Supremo Tribunal Federal: ninguém pode demitir um servidor como se ele não tivesse nenhum regime jurídico. Só há dois regimes: o celetista e o estatutário, o comum, como dizem. Não se pode, simplesmente, separar o servidor de uma relação de longa data, de muitos anos -- 10, 15 e até 18 anos --, e dizer-lhe que vá para casa sem indenização alguma porque não é estável à luz do art. 169, § 3º, da Constituição. Não quer dizer que o não estável não tenha direito a nada. Afinal de conta, é uma questão de eqüidade. Se o celetista, que é menos do que os estatutários, tem direito à indenização, os não estáveis teriam o mesmo direito.

A decisão do Supremo, na lavra do Ministro Ilmar Galvão, dizia: “Ou o Estado paga, ou voltam a trabalhar”. E essa foi a decisão sábia do Superior Tribunal de Justiça, sobretudo no voto, que quero destacar, do Ministro José Arnaldo.

Felizmente a Justiça se fez, e os servidores ganharam. Mas ainda aguardam soluções, porque sempre vêm medidas procrastinatórias, que levam esses servidores à amargura, ao sofrimento maior. Afinal, uma luz de esperança já se aponta, como muitas vezes o pirilampo aponta a madrugada. É esse alvorecer, é esse momento em que vamos dar a esse servidor um tratamento legal, justo, correto, porque a injustiça foi tamanha e tanta infelizmente. Aos mortos, o silêncio, o respeito, um preito - sobretudo às famílias enlutadas, as exéquias. Tenho a certeza de que do túmulo verão que, apesar de tudo, a Justiça tarda, mas não falha.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Ouço o nobre Senador Valdir Raupp.

O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Acompanho a luta de V. Exª, Senador Amir Lando, desde o início, quando esses servidores foram demitidos pelo Governo passado. É louvável o empenho de V. Exª, que acompanhou os advogados e os representantes dos sindicatos em todas as instâncias, nos Tribunais de Rondônia, nos Tribunais Federais e até no Supremo Tribunal Federal. É lamentável que um governo, num ato impensado, coloque na rua 10.400 pais e mães de família - muitos, como V. Exª acaba de dizer, prestes a se aposentar, faltando 90 dias, 120 dias para uma aposentadoria que lhe daria tranqüilidade na velhice. É mais lamentável ainda que tudo isso que está acontecendo agora na reintegração desse servidores, depois de tantas lutas e de tantas mortes. Como V. Exª acabou de dizer, mais de 100 desses servidores já se foram, sem a sua aposentadoria, sem garantir o futuro de sua família. O Governo mandou para a Assembléia projeto segundo o qual faria a contratação de servidores emergenciais, de professores, de médicos, mas a Assembléia negou, dizendo que, enquanto não fosse resolvida a questão dos demitidos, enquanto não houvesse a reintegração dos quase 5.000 estatutários que restam ser integrados, não iria analisar esse projeto. Então o Governador veio a Brasília com representantes dos sindicatos e advogados e conseguiu firmar um acordo para acelerar a volta desses servidores. Foi em função desse projeto de contratações emergenciais que se desencadeou a reintegração - que ainda não aconteceu, mas certamente acontecerá - desses servidores. Portanto, V. Exª está de parabéns pelo trabalho que empreendeu durante todo esse tempo - há quase três anos -, sempre ao lado desses servidores prejudicados pelo Governo passado. Ainda no meu Governo, fui pressionado, assim como o Senador Mão Santa, quando Governador do Piauí, e o atual Ministro Olívio Dutra, na época Governador do Rio Grande do Sul. Nós e muitos outros Governadores fomos pressionados pela equipe econômica do Governo anterior para que fizéssemos ajustes na receita e na despesa. Eu não fiz. Até assinei um protocolo de intenção, mas o primeiro ponto desse protocolo era o aumento da receita, era o aumento da arrecadação. E foi esse caminho que nós trilhamos, sempre na intenção de aumentar a receita para que não houvesse demissões. E assim passou o meu Governo. Mas o Governo posterior ao meu não teve a mesma sensibilidade de continuar buscando o aumento de arrecadação, o que aconteceu. Nós sabemos que isso é algo lento, mas acabou acontecendo. E hoje, se o Governo atual está conseguindo reintegrar e até contratar mais servidores emergenciais, é porque certamente há receita. E existe mesmo! Mais de 50 milhões foram acrescidos na receita mensal do nosso Estado, de três ou quatro anos para cá. Então, era necessário que o Governo passado tivesse um pouco mais de paciência; se houvesse esperado talvez seis meses, um ano, não precisaria ter cometido esse ato insano, impensado de colocar na rua 10.400 pais de família. Parabéns, Senador Amir Lando, pela sua luta travada em defesa desses servidores. Nós também nos somamos a essa luta de V. Exª. Muito obrigado.

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Em primeiro lugar, quero destacar que a sensibilidade de V. Exª não lhe permitiu perpetrar essa perversidade contra mais de dez mil servidores do nosso Estado, um terço do contingente de servidores ativos do Estado. E é exatamente essa sensibilidade que o verdadeiro administrador público tem, como bem acentuou o Senador Mão Santa, quando Governador.

Diante de uma pressão, é possível se estabelecer um equilíbrio com várias providências. E uma delas, como apontou V. Exª, Senador Valdir Raupp, era aumentar a arrecadação, como nós sugerimos ao Governador naquele encontro fatídico, cerca de dois ou três dias após a edição do decreto. E foi exatamente isso que faltou: a sensibilidade. Mas, depois da sensibilidade, é o respeito à lei. Ninguém pode demitir, desprezando todos os critérios legais, nem sequer a publicação dos balancetes dos últimos três meses, como ordena a lei; nem sequer os critérios estabelecidos: primeiro, os servidores com menos tempo de serviço; depois, os que ganham mais; depois, antes ainda, a redução de vinte por cento, no mínimo, dos cargos de confiança. Nada! Nada! Passou-se a régua. Um critério que se falou, impessoal, mas que é um critério desumano. Muitas famílias tiveram todos os seus membros dizimados do serviço público. Assim falo. Foi um extermínio brutal, sem precedentes, que não seguiu a lei, mas que, depois de tanta luta, os servidores obtiveram ganho de causa no Superior Tribunal de Justiça.

Quero destacar a ação do relator, o Ministro Edson Vidigal, que, analisando o caso à luz da lei, deu inclusive um voto, mandando reintegrá-los, pura e simplesmente. Mas, depois, por maioria de votos, venceu o voto do Ministro José Arnaldo, que, exatamente, se encaminhava ao menos por uma questão de justiça e de respeito. Ninguém pode demitir, e não pode ser o servidor público a dar o exemplo do calote. Ele é o primeiro que tem de respeitar a lei para servir de exemplo a todos os demais. É, exatamente, o Poder Público que tem de indenizar aquele que demite injustamente ou que demite, mesmo com a autorização legal, mas que tinha, no mínimo, que pagar os direitos trabalhistas.

É por isso que agora, quando se avizinha um acordo final entre os servidores que retornam - perdem, é verdade, a remuneração desses três anos em que viveram no olho da rua, na rua da amargura - à possibilidade de trabalhar, de continuar a viver, porque ninguém pode viver sem ganhar o pão de cada dia com dignidade. Muitos filhos e filhas se endereçaram na marginalidade de toda sorte. São as circunstâncias adversas que levaram parte da nossa gente ao desespero e, sobretudo, até à prática criminosa.

Mas há tempo de alvorecer. Passou-se a tempestade de uma noite impensada e de insânia, e hoje a lei volta a ser soberana para que a Justiça se realize, para a felicidade das famílias enlutadas e que estavam aguardando até hoje uma solução.

Parabéns ao Poder Judiciário, a quem quero aqui, mais uma vez, lavrar minha gratidão, o meus respeito e, sobretudo, a minha crença, porque onde não houver Justiça, não haverá sociedade, pois, no dizer de Aristóteles, a Justiça é a base da sociedade e, se perdermos essa referência, não haverá salvação, nem esperança.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2003 - Página 4549