Discurso durante a 28ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Experiência de S.Exa. em programas de assistência social no Estado de Goiás. Comentários sobre audiência com o Ministro Extraordinário da Segurança Alimentar e do Combate à Fome, José Graziano. Propostas ao aperfeiçoamento do Programa Fome Zero.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Experiência de S.Exa. em programas de assistência social no Estado de Goiás. Comentários sobre audiência com o Ministro Extraordinário da Segurança Alimentar e do Combate à Fome, José Graziano. Propostas ao aperfeiçoamento do Programa Fome Zero.
Aparteantes
Almeida Lima.
Publicação
Publicação no DSF de 29/03/2003 - Página 5197
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ANTERIORIDADE, ATUAÇÃO, ORADOR, POLITICA SOCIAL, ESTADO DE GOIAS (GO), ESCLARECIMENTOS, RELEVANCIA, PROGRAMA, ASSISTENCIA SOCIAL, GOVERNO ESTADUAL, BENEFICIO, POPULAÇÃO CARENTE.
  • REFERENCIA, AUDIENCIA, JOSE GRAZIANO DA SILVA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E COMBATE A FOME, ESCLARECIMENTOS, PROGRAMA ASSISTENCIAL, GOVERNO FEDERAL, MANIFESTAÇÃO, APOIO, PROJETO, IMPORTANCIA, ERRADICAÇÃO, MISERIA, POBREZA, BRASIL.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, ESTABELECIMENTO, CRITERIOS, EMERGENCIA, EXECUÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, FOME, DEFESA, PRESTAÇÃO DE CONTAS, BENEFICIARIO, PROJETO, ESFORÇO, GOVERNO FEDERAL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO, PROFISSÃO, CONCESSÃO, AUTONOMIA, CIDADÃO, INSERÇÃO, MERCADO DE TRABALHO.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta Casa, tenho procurado participar de todos os momentos, de todos os debates, observando, como uma aluna aplicada, a atuação de cada um dos Srs. Senadores. Tenho percebido cabeças brilhantes - algumas tão brilhantes, que entendem de todos os assuntos; outras, especialistas, voltadas para determinadas áreas.

Hoje, como Senadora, apresento-me, neste púlpito, com um olhar um pouco diferente da grande maioria aqui presente. Talvez, neste momento, esteja a assistente social, uma mulher que, desde sua juventude, caminhou, muito de perto, com o povo pobre de seu Estado, antes mesmo da divisão em dois: Estado de Goiás e Estado do Tocantins, que V. Exª tão bem representa, Sr. Presidente. Percorri o Estado de V. Exª, assim como o meu, sentindo o pulsar do coração daquele povo e acredito mesmo que a divisão administrativa foi benéfica, porque criou oportunidade de novos recursos para cada um.

Mas, hoje, esta assistente social quer reportar-se ao encontro dos Srs. Senadores com o Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano da Silva, na última quarta-feira, momento em que S. Exª se colocou diante de nós para esclarecer pontos de um programa que sabemos ser a menina-dos-olhos do Presidente da República, assim como da Nação, que não permite mais que essa desigualdade tão grande existente no País seja levada adiante, principalmente no que diz respeito à fome do ser humano.

Quando o Ministro humildemente pediu desculpas por um escorregão ou por palavras mal colocadas, eu já o havia desculpado, porque entendera que, em hipótese nenhuma, S. Exª tivera a intenção de dizê-las. E mais: diante do problema que vivemos, da fome que precisa ser erradicada neste País, o que significa a mudança de palavras que sabemos não ter sido intencional? Temos que discutir, muito mais do que o escorregão do Ministro, se esse programa realmente está sendo apresentado como deve.

Coloco-me não como crítica, apesar de ter entendido muito bem a posição do Senador Romero Jucá. Até brinquei com S. Exª, dizendo que ele fizera o papel de advogado do diabo. S. Exª justificou que não havia sido essa sua intenção. E sei que não foi, porque a crítica é salutar e aperfeiçoa, principalmente por se tratar de um programa que está sendo implementado agora.

Ouvi, também, de maneira muito atenta, a intervenção do Senador Jefferson Péres, que questionou se a exigência de comprovação dos gastos pelos possíveis beneficiados não feriria a dignidade deles. Respondo “não” ao Senador, a todos os que ouviram, assistiram pela televisão ou leram nos jornais. Acredito, firmemente, que, por mais nobre e necessária que seja a ação, não se justifica que se aplique dinheiro público sem prestar contas a quem pagou impostos. Quem tem fome já está com sua dignidade muito ferida. Se excluirmos a distribuição de alimentos do preceito básico de que dinheiro público deve ser utilizado com transparência, estaremos criando uma posição de subcidadania para os beneficiados pelo Fome Zero. Além disso, estaremos estimulando a sonegação. E sonegação de impostos é diminuição da receita do Governo, com todas as implicações que isso acarreta.

Vou mais longe, pensando no questionamento sobre os limites entre a fome e a subnutrição, um questionamento que me parece demasiadamente técnico, porque deve ser insignificante o número de desnutridos que têm acesso a uma boa alimentação. De uma certa forma, eles também são famintos, têm fome.

Concordo, aplaudo e apóio todas as medidas e investimentos necessários à imediata implantação do Programa Fome Zero. Em relação a este programa, só tenho uma preocupação: que seja, efetivamente, um programa emergencial. E será necessário um esforço do mesmo tamanho, envolvendo Governo, empresariado, organizações não-governamentais de todos os tipos e origens, para realizarmos um gigantesco e eficiente programa de capacitação profissional, porque esta é a única garantia que temos de não criar uma relação de dependência crônica dos brasileiros mais necessitados em relação ao Governo ou quem seja que lhes garanta a alimentação.

Neste momento histórico da vida dos brasileiros, o mais alto cargo da República foi confiado pelos eleitores a um homem de origem operária, um trabalhador que, por esforço próprio e contingências históricas, conquistou uma formação e uma qualificação capazes de colocá-lo acima e além dos limites que estão ao alcance das pessoas de sua origem social. A eleição de Lula é a prova mais concreta de que a qualificação profissional tem, muitas vezes, um efeito libertador.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - V. Exª me concede um aparte?

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senadora Íris de Araújo, primeiramente, quero parabenizá-la por, nesta sexta-feira, ocupar a tribuna desta Casa para tratar de assunto da mais alta importância. Em segundo lugar, corroboro as palavras de V. Exª, quando disse que a divisão do Estado de Goiás deveria ter acontecido há mais tempo, diante da prosperidade e da condução hoje verificadas no vizinho Estado do Tocantins, fruto daquela divisão. Sempre serei a favor da modificação, da divisão territorial brasileira, da divisão da nossa geografia, no sentido de que venha a ser ampliado cada vez mais o número de Estados na nossa Federação. Nesta semana, na discussão de uma proposta de emenda à Constituição que visava a ampliar, de três para cinco, o número de Conselheiros dos Tribunais de Contas nos Estados a serem criados, votei de forma contrária, exatamente para que aqueles que não defendem a criação de novos Estados não utilizem o aumento das despesas como argumento contrário a essa medida, que considero estratégica para o País, sobretudo pela necessidade de ocupação que temos do nosso território, para salvaguardar as nossas riquezas e os nossos interesses. Portanto, solidarizo-me com V. Exª nessa parte de seu pronunciamento. No entanto, se me permitir mais dois minutos, quero discordar não das palavras de V. Exª e muito menos do Programa Fome Zero - entendo-o como necessário. Não tive oportunidade de fazer uso da palavra naquela sessão de discussão, que foi interrompida - uma outra foi designada, na qual me pronunciarei. Mas, neste aparte que V. Exª me concede, eu gostaria de fazer algumas observações, sobretudo em relação ao que disse o Ministro: que iniciou o Programa andando. S. Exª o disse como se estivesse, na expressão de meu querido povo de Sergipe, “pegando o trem andando”, “pongando o trem andando”, como se estivesse trocando de roupa caminhando. Permito-me discordar. Inclusive, o Senador Romero Jucá falou em seis meses, e o Ministro disse que teve somente três meses, o que é um equívoco. Não foram três meses e nem seis meses, mas sim vinte e três anos. O Governo que aí se encontra é o do Partido dos Trabalhadores, e a política de Governo implementada é uma decorrência do programa partidário de quem estava, há 23 anos, na oposição, preparando-se para ser Governo. Vinte e três anos é tempo mais do que suficiente para conhecer o País, os seus problemas, e propor os encaminhamentos necessários. Sou favorável ao Programa. Sou contrário exatamente à sua lentidão e atropelos. Aliás, S. Exª apresentou um documento em que apontava um balanço dos sessenta dias de Governo. É lamentável, porque, no primeiro item, fala-se sobre o que se propõe fazer. Ora o que se propõe fazer não é balanço do que foi feito. Quanto aos outros itens, estes não passam de conselhos, de fundos e de protocolos com o IBGE, até para estabelecer a definição do que vem a ser pobreza no País. Um outro item trata da criação de um site para que a comunidade possa se comunicar. Outro item refere-se à busca da parceria com a iniciativa privada, com a sociedade brasileira, que já vem participando desse processo, ao longo dos anos, com muita eficiência. Na verdade, falou-se apenas naquele vale. E concluo, Senadora Íris de Araújo, dizendo que são muitos os vales existentes neste País: vale-alimentação, vale-gás. Enfim, são inúmeros os vales. Na verdade, o povo brasileiro está precisando é de um outro vale - e me resguardarei para dizer isso na presença do Sr. Ministro. O que o povo brasileiro precisa da classe dirigente deste País, e não é apenas da classe política, é um outro vale que ainda não foi oferecido. Mas me congratulo com V. Exª. O assunto é candente. Naquele dia, não tive oportunidade da falar - fiquei entalado pela falta de tempo -, mas, com certeza, retomaremos esse debate. Espero que o Ministro não cometa mais atropelos, e aquele que cometeu - para mim, algo passado - serviu bastante como ensinamento, sobretudo porque este País, a Nação brasileira não comporta apartheid. Isso ficou devidamente esclarecido e entendido. Daí eu afirmar que essa questão é coisa do passado; dela não tratarei mais. Mas, evidentemente, congratulo-me e me somo com V. Exª na preocupação que tem de retomar essa questão, que é da mais alta importância para o povo brasileiro.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço o aparte de V. Exª, que, concordando ou não com as abordagens aqui feitas, enriquece o meu pronunciamento.

Meu propósito, neste momento, ao fazer este discurso, diz respeito exatamente àquilo que entendo deva acontecer agora. Não podemos apenas criticar; temos de apresentar soluções. Acredito que um programa como esse, que mobiliza a sociedade como um todo e mobiliza o País, temos a obrigação de criticar, sim - críticas saudáveis que facilitem determinadas mudanças de rumo dentro do programa. No decorrer do meu pronunciamento, ilustre Senador Almeida Lima, V. Exª vai perceber que o meu propósito é apresentar alguma proposta.

Insisto nesse aspecto, porque a experiência já mostrou que não basta alimentar quem está com fome. É preciso estimular nessas pessoas o desejo de independência, de autonomia, de plenos direitos de cidadania, ou estaremos criando uma multidão de apáticos, facilmente manipuláveis. Quando falo em experiência, falo de minha militância política, construída nas bases. Falo também do combate à fome como programa de governo, o Programa de Apoio às Famílias, no Estado de Goiás, implantado pelo então Governador Maguito Vilela, do PMDB.

Na época, o programa de distribuição de alimentos foi alvo de críticas, entendido como simples assistencialismo, o que se provou injusto. Aquele programa cadastrou inicialmente 147 mil famílias. E, no final da administração, mais de 62 mil famílias haviam se descadastrado por iniciativa própria.

É isto que estou defendendo, Srªs e Srs. Senadores: que, ao lado de todas essas medidas emergenciais de combate à fome, se estabeleçam também critérios de incentivo a essas famílias que recebem cestas ou cartões. Cabe uma discussão muito grande em torno disso, pois as idéias são as mais diversas. É necessário estimulá-las, principalmente pelos meios de comunicação; essas pessoas precisam se sentir capazes de, em determinado momento, dizer: “Obrigado, não preciso mais desse cartão; obrigado, não quero mais essa cesta; obrigado, consegui um emprego; obrigado, tornei-me realmente um verdadeiro cidadão”. Essa é a nossa proposta. Se já não precisam mais de ajuda, por terem conquistado a capacidade de garantir suas necessidades, outras poderão precisar, e o programa deve acompanhá-las.

O Unicef avaliou o programa de Goiás como altamente positivo no combate à fome. Mas, para que se alcançassem esses resultados, foi necessário um trabalho árduo de apoio, até mesmo para que as pessoas beneficiadas conseguissem organizar sua documentação. Foi necessário que se exigissem contrapartidas das famílias beneficiadas, tais como a apresentação do boletim e comprovação de freqüência das crianças em idade escolar. E, além disso, a prova de atualização das vacinas. Mais ainda, a freqüência aos cursos mais diversos, desde planejamento familiar, higiene, bom aproveitamento dos alimentos, capacitação profissional.

Aqui, faço uma pequena sugestão, que pode parecer até muito simples, mas foi algo que fiz em Goiás, e gostaria de repartir com V. Exªs essa experiência: criamos um programa de hortas comunitárias. Na época, o Estado não era dividido, e conseguimos levar essa iniciativa até o norte do Estado. Pedimos emprestados a empresários, pessoas ou ao próprio governo do Estado, locais de grande visibilidade dentro das cidades - pedi que se fizesse isso nas maiores cidades -, para a instalação de grandes hortas, que viraram outdoors reais, que estavam ali. Isso chamava a atenção de todos que passavam, principalmente das pessoas mais pobres, que iam imediatamente pedir um pé de alface ou um pouco de cenoura. A determinação era que não fossem doados, mas que fossem vendidos bem baratinhos, a preços simbólicos. A partir da presença da pessoa ali, eram doadas mudas e sementes, estimulando essa pessoa a fazer uma pequena horta em seu quintal, como complemento alimentar.

O programa poderia também acrescentar a todas essas medidas um pensamento ou uma mudança de mentalidade que seria altamente benéfica para todos nós, que aprendemos com nossos pais que, por exemplo, é possível fazer um chá com um pezinho de cheiro verde, para não termos de ir à farmácia mais próxima correndo.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Acompanhei de perto o Programa de Apoio às Famílias e testemunhei, por exemplo, os esforços junto ao Sine para dar preferência de emprego de baixa qualificação às pessoas daquelas famílias, para garantir que não sofressem concorrência com profissionais mais bem qualificados, que, por falta de emprego, aceitassem postos de trabalho de menor exigência, em vez de lutar na faixa para a qual foram preparados. Mesmo assim, de uma oferta de seiscentos empregos feita por uma grande indústria, o governo só conseguiu colocar duzentos e vinte trabalhadores, pois os demais candidatos foram excluídos por falta de qualificação.

Testemunhei também o choro convulso de uma mulher, única responsável pela sua família, que não podia aceitar um posto de trabalho por lhe faltar quem pudesse cuidar dos seus filhos pequenos.

Creches! Milhares de creches para os filhos de mães trabalhadoras por todo o Brasil. E, para não fugir de minha preocupação constante com os idosos - sei que esta preocupação também é sua, Sr. Presidente -, por que não garantir, nessas creches, emprego para mulheres idosas? Elas poderiam agir como consultoras, orientadoras. Isso poderia evitar os maus-tratos que se infligem muitas vezes às crianças por operadoras que não têm sentimento, nem experiência para lidar com elas. A idade ensina a todos nós o exercício da paciência. Paciência e carinho de que andam muito necessitadas as nossas crianças, em grande parte pertencentes a famílias desestruturadas e com graves problemas afetivos.

Mas, voltando ao início dessa fala em que me referia à apresentação do Programa Fome Zero pelo Ministro Graziano, quero reiterar que minha posição é de irrestrito apoio, porque, pergunto aos senhores, que alternativa melhor temos neste momento do que acudir aos que vivem em situação de flagelo? E, se não conseguirmos isso agora, quando toda a Nação apóia, confia e tem suas esperanças renovadas nas propostas do nosso Presidente, que outro cenário melhor poderemos construir para erradicar, de uma vez por todas, a fome que mantém aprisionados milhões de brasileiros?

Termino, então, com uma advertência: caro Sr. Presidente, caras Senadoras e Senadores, é preciso dar mais do que alimentos. É preciso libertar esses brasileiros da grande prisão da falta de capacitação profissional. Só é verdadeiramente cidadão aquele que é capaz de exigir todos os seus direitos e cumprir com todos os seus deveres, seja no espaço doméstico, seja no espaço da vida pública.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/03/2003 - Página 5197