Discurso durante a 34ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Debate sobre o papel das agências reguladoras, apontando a intenção do PFL em não apoiar qualquer iniciativa que vise a tolher a sua autonomia. Apoio ao Projeto de Lei do Senado 38, de 2003, de autoria do Senador Arthur Virgílio, que cria o controle externo das agências reguladoras a ser exercido pelo Congresso Nacional.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Debate sobre o papel das agências reguladoras, apontando a intenção do PFL em não apoiar qualquer iniciativa que vise a tolher a sua autonomia. Apoio ao Projeto de Lei do Senado 38, de 2003, de autoria do Senador Arthur Virgílio, que cria o controle externo das agências reguladoras a ser exercido pelo Congresso Nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2003 - Página 6488
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), PUBLICAÇÃO, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, COMPETENCIA, AUTONOMIA, AGENCIA NACIONAL, ORGÃO REGULADOR, EXECUÇÃO, FISCALIZAÇÃO, SERVIÇOS PUBLICOS, REGISTRO, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL, ELABORAÇÃO, POLITICA, SETOR.
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, TELMA DE SOUZA, DEPUTADO FEDERAL, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CONCESSÃO, PODER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXONERAÇÃO, DIRIGENTE, ORGÃO FISCALIZADOR, AGENCIA NACIONAL.
  • DEFESA, ESTABILIDADE, CARGO DE DIREÇÃO, MANUTENÇÃO, AUTONOMIA, AGENCIA NACIONAL.
  • APOIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ARTHUR VIRGILIO, SENADOR, CRIAÇÃO, CONTROLE EXTERNO, RESPONSABILIDADE, CONGRESSO NACIONAL, OBJETIVO, ANALISE, ATUAÇÃO, ORGÃO REGULADOR.
  • ESCLARECIMENTOS, DIFERENÇA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, POLITICA, SERVIÇOS PUBLICOS, AGENCIA NACIONAL, IMPLEMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, EFICIENCIA, SERVIÇO, DEFESA, AUMENTO, DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, MELHORIA, AUTONOMIA FINANCEIRA, ORGÃO FISCALIZADOR.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, DEFESA, AUTONOMIA, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, ORGÃO REGULADOR, SERVIÇOS PUBLICOS.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte o discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, três temas vêm recebendo uma atenção especial do Governo nestes cem primeiros dias de mandato do Presidente Lula: o Programa Fome Zero, a estabilidade econômica e o papel das agências reguladoras. Pela importância que foi dada a este último, elevando-o ao mesmo patamar do combate à fome e da defesa da estabilidade, resolvi trazer a este plenário o debate sobre o papel das agências reguladoras.

Falo dessa matéria com a experiência de mais de um ano como Ministro de Minas e Energia no segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, período em que convivi com as duas agências do setor energético, a Aneel, reguladora do setor elétrico, e a ANP, que trata dos assuntos relativos a petróleo e gás. Também agora, como Presidente da Comissão de Infra-Estrutura do Senado, estaremos tratando das questões referentes às agências da área de comunicações, transporte e mineração, quando estas vierem a existir.

As agências, Sr. Presidente, é bom que todos nós recordemos, foram criadas para regulamentar e fiscalizar a prestação de serviços públicos concedidos a terceiros. Convém registrar que essa delegação é amparada por dispositivo constitucional, criado pelo Constituinte de 1988, em face da incapacidade do Estado de ser, ao mesmo tempo, investidor em infra-estrutura e provedor do bem-estar social.

Parece importante, neste ponto, para melhor compreensão da matéria, discutir um pouco, do ponto de vista conceitual, o papel desse novo ente do cenário nacional, as agências reguladoras, que já são muitas. Existem, hoje, quase dez agências no Brasil. Socorro-me dos ensinamentos do Professor Doutor Floriano de Azevedo Marques Neto, do Departamento de Direito Público e do Estado da Universidade de São Paulo, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, de 14 de novembro passado.

Diz o Professor:

Uma das principais decorrências do princípio republicano está em assegurar que a máquina do Estado não seja de absoluta disposição do governante. A noção de carreiras públicas bem como a estabilidade e inamovibilidade inerentes às funções de Estado são inegáveis conquistas republicanas. Trata-se de instituições democráticas tão relevantes quanto à alternância de poder. Sua justificativa está em permitir que, a par da saudável mudança de linhas e orientações políticas, remanesça no aparato estatal um núcleo burocrático estável, neutro e capaz de dar continuidade às funções estatais.

Embora sejam novidade entre nós, as agências reguladoras independentes não são mais do que instrumentos de efetivação deste princípio republicano. São poderosos instrumentos de agilização e fortalecimento da capacidade regulatória estatal. Antes de reduzir a capacidade de intervenção estatal, servem para reforçá-la. Ao invés de reduzir os poderes do governante eleito para imprimir a orientação e os rumos das políticas setoriais, incrementam-nos, pois lhe fornecem instrumentos, informação e capacidade técnica para formular, implementar e monitorar tais premissas políticas. É a independência das agências que lhes dá legitimidade para exercer suas competências legais sobre um setor regulado, de modo a facilitar a concretização das metas e objetivos de governo. É a neutralidade do regulador que assegura a estabilidade e a confiabilidade para a sociedade e para os regulados (operadores e usuários). (...)

Regular não pode se confundir com governar. Governar é indicar rumos e perseguir objetivos. Regular é equilibrar os meios, interesses, necessidades e possibilidades num dado segmento da vida econômica e social, de modo a nele imprimir, a cada momento, as marcas de uma política pública democraticamente construída.

Assim, com base no que aponta o Professor Floriano Marques, para que as agências cumpram adequadamente suas funções, duas condições básicas devem estar presentes. A primeira diz respeito à delimitação clara das suas fronteiras de atuação com relação ao Governo e ao mercado. A segunda, e não menos importante, é a existência de mecanismos de autonomia para evitar que as agências sofram interferências políticas conjunturais, o que gera um quadro institucional desfavorável ao interesse público e ao aporte do capital privado, fundamental para o desenvolvimento da infra-estrutura do País.

No que diz respeito à autonomia, há vários mecanismos importantes a ressaltar. Entre eles, Sr. Presidente, destaco os mandatos fixos dos diretores, não coincidentes com o do Presidente da República, e a existência de recursos orçamentários e financeiros próprios, que permitem às agências não depender do Tesouro Nacional.

Quero, aliás, neste ponto, fazer parênteses para sublinhar o papel desta Casa no funcionamento das agências, não apenas pela aprovação das leis que as criaram, mas, principalmente, pela competência que tem o Senado Federal na aprovação dos nomes indicados pelo Presidente da República para dirigir esses órgãos, mediante argüição pública na Comissão de Infra-Estrutura, da qual sou o atual Presidente.

O mandato dos dirigentes, fixado em lei, como já disse, é essencial para o funcionamento das agências. Esse mecanismo permite que essas instituições sejam geridas sem a influência de interesses políticos conjunturais, pois são setores de infra-estrutura que requerem estabilidade de regras.

Ao examinar esse aspecto administrativo das agências, não posso deixar de mencionar o PL nº 413, de 2003, de autoria da nobre representante do Partido dos Trabalhadores, pelo Estado de São Paulo, Deputada Telma de Souza, que busca restringir a autonomia das Agências Reguladoras com a redução do mandato de seus conselheiros e diretores, e, o que é mais grave, extinguindo a estabilidade desses administradores por meio de dispositivo que possibilita ao Presidente da República “a qualquer época” exonerá-los sob a vaga motivação da “não observância das políticas determinadas pelo Ministério ou órgão superior”. A aprovação desse dispositivo subverteria toda a concepção das agências, levando-as à condição análoga àquela das antigas autarquias que fiscalizavam os serviços públicos, em sua maioria exercidos pelo próprio Estado antes da Constituição de 1988. É exatamente a estabilidade que confere aos diretores a autonomia e independência necessárias para atuar em um ambiente onde existem tanto agentes públicos quanto privados.

Espero que esse projeto não seja uma sinalização da política que o atual Governo pretende adotar em relação ao setor. Prefiro ficar com a frase da Srª Ministra das Minas e Energia, Dilma Roussef, que, hoje pela manhã, frente à Comissão de Infra-Estrutura, do Senado Federal, foi enfática ao afirmar que as “agências reguladoras são imprescindíveis”.

Tramita também no Congresso - neste caso, no Senado Federal - o PLS nº 38, de autoria do Líder Arthur Virgílio, que cria o controle externo das agências reguladoras, a ser exercido pelo Congresso Nacional, medida, a meu ver, necessária e natural, visto que a esta Casa são submetidas as indicações do Presidente da República para ocupar as diretorias das agências. Estabelecer um paralelo entre as duas proposições é inevitável: a primeira é, visivelmente, um retrocesso, enquanto o projeto do Senador Arthur Virgílio é um aperfeiçoamento.

Ainda sobre a autonomia, o funcionamento das agências mostra que, se há êxitos, há também problemas a serem equacionados. Se, por um lado, os mandatos dos dirigentes estão sendo respeitados, mudando a cultura de que, a cada Ministro, corresponda novo dirigente, o mesmo não se pode dizer da autonomia orçamentária e financeira, que as agências nunca puderam exercer, pois desde o início do funcionamento dessas instituições seus orçamentos vêm sendo sistematicamente contingenciados.

Neste ano, em particular, o corte orçamentário e financeiro promovido pelo Governo bateu todos os recordes, atingindo cerca de 70%, o que está provocando a paralisação dos serviços essenciais prestados pelas agências, como a fiscalização dos serviços de energia elétrica pela Aneel, e a fiscalização da qualidade dos combustíveis pela ANP, o que é gravíssimo!

No caso da Aneel, essa repercussão é ainda mais grave para o consumidor, pois ele paga na tarifa de energia elétrica a taxa que sustenta financeiramente a Agência. São recursos com destinação específica, contingenciados indevidamente pelo Governo. Isso ocorria no governo anterior e ocorre neste também. Além disso, esses recursos ficam parados, sem uso, aplicados em conta da própria Agência, pois, como têm finalidade específica, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que moralizou as finanças públicas deste País, veda a sua aplicação em outros usos.

No que se refere à delimitação das fronteiras entre as agências, o governo e o mercado, a experiência desses cinco anos e o entendimento da legislação que criou as agências serviram para deixar claros os seus limites de atuação. Quanto à legislação, fica evidente que cabe ao Governo, em articulação com o Congresso Nacional, formular as políticas setoriais. Não cabe às agências, mas ao Governo. Às agências incumbe a função de executá-las ou implementá-las. A título de exemplo - isso acontece em todas as agências -, cito o art. 2º da lei de criação da Aneel, que diz: “A Aneel tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão e distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal”. Então, não cabe à Aneel fazer política, nem dar diretrizes para o setor. Do mesmo modo, a lei de criação da ANP, no seu art. 8º, inciso I, dispõe como uma das competências da Agência “implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo e gás natural” - está muito claro que não cabe nem à ANEEL nem à ANP realizar política; apenas implementar aquilo que o Governo definir -, cujos princípios e diretrizes estão definidos na própria lei, que cria, também, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) - por coincidência, foi a mesma lei -, para propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas específicas para o desenvolvimento do setor energético brasileiro.

Ainda nesse campo, está bem definida a responsabilidade sobre as tarifas, outro assunto que tem sido objeto de críticas do Presidente da República e principalmente do Ministro das Comunicações, Miro Teixeira, em relação à questão da atuação da Anatel. No caso da Aneel, ela cumpre o que está nos contratos de concessão, que materializam a política tarifária vigente, formulada ainda antes da sua própria criação; quer dizer, quando foram criadas essas agências, muitos desses contratos já estavam assinados. A Agência não tem o poder de alterar esses contratos, pois, se assim fosse, estaria, erradamente, formulando política energética. Logo, se o Governo não está satisfeito com os aumentos das tarifas, tem que propor ao Congresso uma nova política e renegociar os contratos. Assim, qualquer mudança tem que passar forçosamente pela via negocial. No caso dos combustíveis, a ANP não é afetada por essa discussão, pois o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, acertadamente, liberou o preço dos combustíveis e deixou de controlar os preços praticados pela Petrobras e pelas demais empresas - 99% Petrobras.

Não há dúvida, Sr. Presidente, quanto ao fato de que as agências reguladoras ajudam a modernizar o Poder Público, como bem destacou editorial de O Globo do dia 9 de março passado. Se há falhas, elas clamam por correção e não pela desativação de todo o modelo. Como se vê, a importância que o Governo está dando às agências reguladoras levou vários segmentos da sociedade a se manifestarem pela mídia, tendo ela própria entrado na discussão. São editoriais dos principais jornais do País e opiniões de articulistas e diversos especialistas da academia, do mercado e de entidades de defesa do consumidor. Pela importância dessas opiniões, faço entregar a esta Mesa, para registro nos Anais desta Casa, uma coletânea do que foi publicado até aqui.

Se o Governo quer discutir as agências para aprimorar o seu funcionamento, o nosso Partido estará aberto a essa discussão. Mas, se por trás do interesse do Governo está a criação de mecanismos de intervenção nesses órgãos, como a mudança do mandato de seus dirigentes, dificultando o exercício de seus papéis definidos em lei, terá uma forte oposição do PFL e, acredito, dos demais partidos de oposição, quiçá mesmo de partidos da própria base governista. Se o Governo quer que as agências funcionem adequadamente, preservando-lhes a autonomia, que mande logo para o Congresso Nacional uma nova proposta visando à estruturação de seus quadros de pessoal permanente, pois a política que existia foi inviabilizada por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PT e pelo PDT, ainda hoje não julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Em razão disso, até hoje, Sr. Presidente, as agências funcionam com quadros de servidores temporários, o que traz sérios transtornos para a gestão administrativa e técnica desses órgãos.

Encerro meu discurso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, chamando a atenção para o fato de que o poder é daquele que formula políticas e não de quem as executa. É preciso também ficar claro que poder não se confunde com intervenção, num ambiente democrático. Assim, espero que o Governo exercite suas prerrogativas, encaminhando propostas ao Congresso Nacional visando aprimorar e não destruir ou intervir naquilo que foi concebido para atender ao interesse público, o que, aliás, o trabalho das diversas agências reguladoras já demonstrou. Nosso partido saberá discernir o objetivo dessas propostas e oferecer suas contribuições para a consolidação e o aperfeiçoamento de nossas instituições.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOSÉ JORGE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2003 - Página 6488