Discurso durante a 37ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise comparativa da postura do Governador do Distrito Federal, Sr. Joaquim Roriz e o Presidente dos EUA, Sr. George W. Bush, atribuindo ao Sr. Roriz o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e o cometimento de irregularidades na campanha eleitoral que culminou com a sua reeleição.

Autor
Eurípedes Camargo (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Eurípedes Pedro Camargo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Análise comparativa da postura do Governador do Distrito Federal, Sr. Joaquim Roriz e o Presidente dos EUA, Sr. George W. Bush, atribuindo ao Sr. Roriz o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e o cometimento de irregularidades na campanha eleitoral que culminou com a sua reeleição.
Aparteantes
Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/2003 - Página 7686
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ANALISE, CONDUTA, JOAQUIM RORIZ, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), ACUSADO, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, CRIME ELEITORAL, COMPARAÇÃO, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), INCITAMENTO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante a história, alguns líderes se destacaram pela coragem; outros, pela causa que defendiam. Humanistas, democratas e libertários como Gandhi e Martin Luther King são exemplos para todo o mundo. Mas a mesma história que exalta esses bons exemplos reserva espaço para outro tipo de líderes. Genocidas, corruptos e demagogos, que asseguram o poder utilizando o medo, aproveitando-se da pobreza e do sofrimento dos povos. A história recente do Brasil e do mundo reserva espaço para dois deles, entre outros: George Bush, com o massacre contra o povo iraquiano, e Joaquim Roriz, com a manutenção da miséria e a corrupção inconseqüente.

Recentemente, o mundo presenciou a ação, em lugares diferentes, de dois representantes do típico administrador público, cujos interesses defendidos são de grupos e nunca da coletividade. Por um lado, o então Governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, que, conforme denúncias amplamente veiculadas pela imprensa, usou a máquina pública e desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal, visando a sua satisfação pessoal de continuar no poder. Cinco meses depois, o Presidente dos Estados Unidos, George Bush, desrespeita as regras e resoluções da ONU e inicia uma guerra covarde em prol de seus quereres e de sua manutenção no poder.

Parecem atos isolados e dessemelhantes, mas ambos estão calcados em um desrespeito atroz à democracia e aos direitos humanos. Ora, estamos falando da sociedade brasileira e da sociedade americana e, portanto, de constituições supostamente democráticas, em que o povo é a essência, e os governantes deveriam estar em função dessa maioria.

É verdade que incongruências deste tipo não são novidade na história da sociedade moderna. É importante lembrarmos que Mussolini se gabava das “coroas de papel” da soberania popular e que Hitler, um dos maiores representantes da tirania que a sociedade já conheceu, falava em democracia, embora afirmasse que a maioria era estúpida e covarde.

            Assim, presenciamos, mais uma vez, ditadores tiranos que, sucumbidos pela embriaguez do poder, esquecem-se de que deveriam estar com o povo e não contra aqueles que merecem respeito, honestidade e humanidade. O que mais impressiona é o motivo que os levou a tais atos: no Distrito Federal, Joaquim Roriz perderia a eleição se essa fosse realizada de forma honesta, já que a população brasiliense não compactuava com os métodos antiéticos do Governador. Nos Estados Unidos, a eleição de Bush não foi menos questionada, pois, durante cinco dias, a população americana ficou sem saber quem seria seu governante. “Escolhido” Bush (sim, foi uma escolha parcial), sua aprovação dependia de seu discurso de “salvador do planeta” dos males terroristas. Um discurso bem parecido com o da Guerra Fria, iniciada com o fim da Segunda Guerra Mundial, entre, principalmente, Estados Unidos (que se diziam salvadores do mundo contra o “perigo vermelho”) e União Soviética. Curiosamente, a ONU surgiu, nessa mesma época, com o objetivo de estabelecer um novo sistema de relações internacionais. A Organização das Nações Unidas, portanto, foi criada para possibilitar um convívio pacífico entre os países, a partir de regras que deveriam ser seguidas por todos. Da mesma forma, no Brasil há regras a serem seguidas pelos envolvidos no processo eleitoral, para que o processo seja justo e democrático. Porém, nem Bush nem Roriz entenderam que todo campo social precisa de regras para existir e que, quando alguém não cumpre essas regras, deve ser punido para evitar o colapso do sistema.

O Governador do Distrito Federal está sendo acusado por diversos crimes, envolvendo sua administração e sua eleição. Esses crimes deixam transparente o desrespeito pelo cidadão brasiliense, que confiou em um processo eleitoral justo e democrático. Quando Roriz cometeu os crimes eleitorais das últimas eleições, banalizou um processo construído com o suor e a esperança de muitos que acreditavam na honestidade daqueles que viriam a se envolver nessa empreitada.

Não é preciso citar aqui as irregularidades cometidas pelo Governador, uma vez que elas ocupam diariamente as páginas da imprensa, que, felizmente, resiste a um Governador que ignora a liberdade de expressão, artifício primordial para o exercício da profissão de jornalista.

Todos devem se lembrar de que, no dia 23 de outubro de 2002, o Correio Braziliense recebeu a visita do oficial de Justiça Ricardo Yoshida e do advogado da Coligação Frente Brasília Solidária (articulação de Roriz), Adolfo Marques da Costa, que tinha como objetivo censurar toda a reportagem que transcrevesse trechos de uma gravação realizada com autorização judicial e que relacionasse o Governador Roriz com os irmãos Passos.

E eis aqui mais uma semelhança entre George Bush e Joaquim Roriz: o mundo ficou estarrecido quando a rede de televisão americana NBC (apoiada pela National Geographic) informou, no dia 31 de março do corrente ano, que teria demitido o repórter Peter Arnett, ganhador do prêmio Pulitzer, devido às suas declarações à tevê iraquiana de que o plano de guerra dos Estados Unidos contra Saddam Hussein havia fracassado. Além de ser esse mais um atentado do Governo Bush (dessa vez, diretamente voltado para a imprensa), é uma afronta à sociedade atual, que vem sendo conhecida como sociedade da informação.

Se temos, por um lado, esses atos sórdidos e egoístas de Bush e Roriz, presenciamos, por outro lado, uma mobilização altruísta jamais vista por parte da sociedade que os cerca. Por mais que esses governantes se iludam que podem manipular e enganar o povo, eles estão tendo que lidar com uma sociedade sensível e sedenta de justiça e paz.

E se queremos construir um mundo melhor para nós e para nossos filhos, é o exemplo altruísta da sociedade que deve nos motivar e que devemos seguir, e não o modelo egoísta daqueles que não conseguem olhar além do seu umbigo. Sabemos todos que a construção da cidadania depende, primeiramente, da participação política de toda a população.

Por isso, neste domingo, Brasília vai dar exemplo para o mundo, num movimento que mostra que o sentimento de mudança, despertado durante a campanha do PT durante as últimas eleições, continua latente na alma do povo de Brasília, num movimento que mostra o compromisso histórico de nosso povo na luta pela democracia e pela paz.

Acredito plenamente na Justiça brasileira. Tenho certeza de que ela não será cega diante de tantas evidências e referendará o desejo do povo de acabar com o câncer da corrupção em nossa cidade. O mundo condenou Bush e Brasília já condenou Roriz.

Pelo respeito aos direitos humanos e à democracia. Não à guerra, não à corrupção!

Muito obrigado a todos.

Eu gostaria de aproveitar para mencionar, após ler os jornais de hoje, que Bush, não contente com a guerra no Iraque, ameaça outro País: hoje a Síria. Qual será o próximo? Ele parece fazer uma ameaça em série, em cadeia. É preciso que estejamos atentos a esse processo.

Antecedeu meu pronunciamento uma discussão, ensejada por outro Parlamentar, sobre Cuba. Nós também entendemos que deve haver democracia e devemos radicalizá-la em sua extensão. Mas não podemos deixar que ataques a outros povos, continuamente ameaçados pelo poderio econômico e militar, imponha-se no mundo sem respeitar os mecanismos que a sociedade construiu. Isso para que os organismos internacionais possam ser os mediadores e condutores desse processo.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Eurípedes Camargo, V. Exª me concede um aparte?

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Concedo o aparte ao Senador Roberto Saturnino.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Eu agradeço a V. Exª pela concessão do aparte e o cumprimento pelo pronunciamento e pela distinção, muito apropriada, que faz entre o caso de Cuba - que, afinal, pode ser criticado, mas é um problema interno da nação cubana - e a agressão internacional que a potência mundial, que o império do mundo quer fazer “em série”, como disse V. Exª. Já não basta o Iraque? Agora, ele se volta contra a Síria. E amanhã será contra que país? Isso nos preocupa a todos, a qualquer cidadão do mundo, de qualquer outro país, porque isso sempre constitui uma ameaça, e é importante enfrentá-la de uma forma eficaz, ressaltando e insistindo que somente um organismo multilateral como a Organização das Nações Unidas pode tratar com legitimidade esses problemas. Quero cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento que faz.

O SR. EURÍPEDES CAMARGO (Bloco/PT - DF) - Agradeço o aparte de V. Exª. Suas palavras, que enriquecem o debate, expressam com propriedade a preocupação de V. Exª e somam-se as manifestações do Senado Federal como um todo, o qual tem manifestado, em todos os momentos, o repúdio a esse tipo de política que agride não somente os democratas, mas a humanidade como um todo.

Nós precisamos nos colocar nos termos devidos, declarando que esse tipo de iniciativa é um abuso contra a humanidade.

Eu agradeço o aparte de V. Exª e dou por encerrado o meu pronunciamento.

Obrigado Sr. Presidente e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/2003 - Página 7686