Discurso durante a 44ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEBATE SOBRE A EXPOSIÇÃO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, SR. MARCIO THOMAZ BASTOS.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • DEBATE SOBRE A EXPOSIÇÃO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, SR. MARCIO THOMAZ BASTOS.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2003 - Página 8540
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • DEFESA, PREVENÇÃO, VIOLENCIA, ADOÇÃO, ESCOLA PUBLICA, TEMPO INTEGRAL, APOIO, PROJETO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), EXPECTATIVA, ANTECIPAÇÃO, PRAZO, IMPLANTAÇÃO.
  • DEFESA, UNIFICAÇÃO, POLICIA MILITAR, POLICIA CIVIL, OBJETIVO, EFICACIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, CRIME.
  • DEFESA, REESTRUTURAÇÃO, INQUERITO POLICIAL, AGILIZAÇÃO, PROCESSO JUDICIAL, REFORMA JUDICIARIA, ESPECIFICAÇÃO, ADOÇÃO, EFEITO VINCULANTE, REDUÇÃO, INSTANCIA, MAIORIA, CAUSA JUDICIAL, IMPLEMENTAÇÃO, CONTROLE EXTERNO, JUDICIARIO, MINISTERIO PUBLICO, COMBATE, CORRUPÇÃO.
  • DISCORDANCIA, PROPOSTA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), REFORMULAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, LIBERDADE, PRESO, DEFESA, UTILIZAÇÃO, TRABALHO, PENITENCIARIA, RECUPERAÇÃO, DETENTO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL -- GO. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Ministro, acredito que V. Exª está no bom caminho. O Brasil necessita efetivamente realizar mudanças profundas na área de segurança pública, uma mudança que chamo de reforma da tranqüilidade. Assim como necessitamos também da reforma da Previdência, da reforma tributária, precisamos dessa reforma da tranqüilidade. Todos nós merecemos, o povo brasileiro merece.

Em alguns pontos, discordo e até acrescento algumas sugestões a V. Exª. Não são pontos fundamentais, mas acredito que a reforma da tranqüilidade ou da segurança pública no Brasil passa necessariamente pela prevenção da criminalidade, pela organização das polícias, pela reforma do Judiciário -- que V. Exª bem abordou --, pela punição severa dos crimes graves e pela recuperação do delinqüente.

Acredito que a melhor forma de prevenção seria a adoção da escola em tempo integral. Hoje, há uma situação bastante delicada no Brasil. O Ministro da Educação, em visita ao Senado, falou, entre outros projetos, sobre a escola integral. S. Exª disse claramente que essa é uma das medidas que pretende adotar e implantar no Brasil até o ano de 2010. Comprometi-me com S. Exª a fazer um estudo para ver se conseguimos antecipar a implantação desse projeto. É muito simples compreender o porquê da necessidade da escola integral. Hoje, a família já não é mais como a de antigamente. O menor vai para a escola, mas o seu pai trabalha, sua mãe também trabalha -- hoje mulher ocupa, e bem, o mercado de trabalho -- e, após o meio-dia, fica praticamente nas ruas.

O tráfico de drogas é a maior indústria do mundo, que arregimenta hoje, para quem diz que ganha menos, algo em torno de 400 bilhões de dólares. Uma indústria como a Coca-Cola, por exemplo, lucra 17 bilhões de dólares e, se chegarmos a qualquer boteco procurando uma coca-cola, encontraremos. Se a outra indústria lucra 400 milhões de dólares, então, haverá traficante perto de praticamente todo mundo. É por isso que tanto a Polícia, como o Poder Judiciário, o Ministério Público e todos os segmentos sociais já apresentam, inclusive, casos de corrupção em suas estruturas.

Então, a adoção da escola integral é extremamente importante. Vamos deixar a criança às sete horas da manhã na escola e vamos buscá-la às cinco horas da tarde. E lá ela vai praticar esporte, fazer tarefas, alimentar-se e aprender profissões. E, no final do dia, a criança não estará completamente abandonada, como ocorre hoje, apesar dos programas criados pelo Governo Federal, programas louváveis como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, que teve inspiração da nossa Senadora Lúcia Vânia, um trabalho muito importante. Poderíamos açambarcar todas as crianças. E, no final do dia, entregaríamos as crianças aos seus pais. Tiraríamos a criança da tentação dos traficantes e a colocaríamos sob a vigilância dos professores.

Discordo de V. Exª apenas em um aspecto: considero importante que tenhamos um sistema nacional de segurança pública, sim. Precisamos trabalhar a polícia científica, como bem disse o Senador Sérgio Cabral; precisamos trabalhar a informatização; o sistema de inteligência, que tem que ser único. Hoje, um delegado de polícia -- não de Estados diferentes -- não sabe o que o outro delegado da mesma cidade está fazendo. O trabalho policial é absolutamente desorganizado. Mas entendo que a integração das polícias não vai funcionar. Se não houver a unificação das polícias, não vamos conseguir fazer com que o trabalho de investigação, de prevenção e repressão da criminalidade se torne um trabalho mais efetivo. Hoje, as polícias têm cargas horárias diferenciadas, trabalhos diferenciados, uma interfere no trabalho da outra. A Polícia Militar acaba fazendo o trabalho de investigação por intermédio da P2 e a Polícia Civil acaba fazendo o trabalho de prevenção. Muitas vezes vemos policiais vestindo colete com a inscrição “Polícia Civil”, sendo que o seu trabalho é de investigação. Fica parecendo aquela piada de português: o cidadão com um crachá no peito informando que é do serviço secreto português - com todo o respeito que temos, é apenas um chiste. Mas a Polícia Civil acaba fazendo este trabalho também de prevenção.

Temos que ter uma Polícia unificada, mesmo porque, para o cidadão comum, fica difícil saber qual é a atribuição da Polícia Civil e qual é a atribuição da Polícia Militar. Às vezes, ele bate no quartel e lhe dizem: não é aqui não, é na delegacia. Ou ele vai à delegacia e dizem: não é aqui, é na Polícia Militar. Temos um sistema de “empurrômetro” muito grande.

Penso que V. Exª poderia, ao contrário do Governo anterior, trabalhar no sistema não da integração, mas da unificação das polícias. Já trabalhamos no Estado de Goiás, com êxito, com o sistema de integração, assim como em outras partes do Brasil. Mas é possível dar um passo adiante.

Sr. Ministro, penso que temos que trabalhar também na reestruturação do inquérito policial no Brasil. O inquérito policial é um instrumento que, hoje, não serve praticamente como prova alguma. V. Exª que é advogado - e um dos brilhantes advogados deste País - sabe bem disso. Os tribunais quase sempre descartam o inquérito policial, porque há acusação de que está viciado, de que houve prática de corrupção, de que houve prática de tortura.

Proponho a V. Exª que possamos trazer o Ministério Público para trabalhar no inquérito policial, não como condutor do inquérito policial. Sou promotor de Justiça, mas o promotor de justiça não sabe investigar. Aliás, devemos trabalhar também para que os delegados sejam excluídos da carreira jurídica no Brasil, porque o papel do delegado é investigar, conhecer o suficiente da lei, trabalhar para que não haja violação a direitos humanos, para que ele também seja efetivamente um agente de investigação.

De forma que, se o promotor de justiça viesse trabalhar no inquérito policial, poderíamos, primeiro, dar-lhe algumas tarefas do magistrado - e proponho promotor e advogado, de modo que tenhamos aí o contraditório -, como, por exemplo, decretar prisão temporária, que é uma prisão para investigação, bem como os trabalhos de incidência, de perícia, ainda a busca e apreensão, suprimida da autoridade policial.

Para se ter uma idéia da importância disso - e V. Exª sabe -, pensemos num exemplo popular para entendimento: se houvesse uma casa em frente ao Congresso Nacional e alguém chegasse aqui com a informação de que uma pessoa havia acabado de entrar lá com um caminhão de maconha, qual seria o procedimento que teria alguém do povo? Procurar a autoridade policial. Se fosse um policial militar, ele teria que se encaminhar ao delegado para pedir busca e apreensão. O delegado tem que pedir uma autorização ao Juiz de Direito para entrar na casa. O Juiz de Direito tem que pedir um parecer do promotor. Este devolve ao juiz, que dá um parecer. Volta para a autoridade policial, que volta para outra, para cumprir a diligência. Isso demora três meses. Daqui a três meses, sabemos muito bem que o caminhão de maconha já foi todo fumado. Este é um exemplo popular que mostra que precisamos ter no Brasil um instrumento que agilize também a busca e apreensão.

Penso que, se trouxéssemos para cá o contraditório, o juiz poderia receber o inquérito com esse contraditório para julgamento em cerca de três, quatro ou cinco meses, ao invés de três, quatro ou cinco anos, como temos hoje. O juiz poderia receber apenas para julgamento. Mas, como é juiz, poderia, inclusive, repetir todas as diligências que entendesse necessário. Estaríamos agilizando, dando amplo direito de defesa, e modernizando o sistema brasileiro, além de tirar o promotor de justiça do seu gabinete.

Creio que precisamos, também, ter um Juizado Especial nas delegacias de polícia, para julgar esses crimes menores, de pequeno potencial ofensivo, cujas penas possam ser aplicadas rapidamente. Poderíamos ter juízes e promotores, se houvesse a reformulação, fazendo com que esse tipo de delito fosse julgado inclusive no mesmo dia, ou até na mesma semana. Hoje esse sistema é burocratizado, e, muitas vezes, esses crimes acabam sendo julgados em três, quatro, cinco meses.

Quero discordar do índice apresentado por V. Exª quanto à aplicação de penas alternativas no Brasil, que se daria em apenas de 7% dos processos criminais. Creio que V. Exª não computou o julgamento pelos Juizados Especiais, nem a suspensão condicional do processo, para penas de até quatro anos, e ainda os regimes iniciados em semiliberdade ou em liberdade, que também são formas alternativas de cumprimento.

No entanto, considero importante trabalhar sistematicamente as penas alternativas. Agora, para os crimes graves, penas severas, penas duras. Como V. Exª, penso que não precisamos da reformulação para aumentar em muito as penas, a não ser pontualmente, mas, quanto ao cumprimento das penas, temos que efetivamente trabalhar.

Acredito, ainda, que precisamos de uma reforma do Poder Judiciário que possibilite agilizá-lo, uma reforma do pensamento, que não pode ser também uma reforma da imposição de cotas. Vejo, por exemplo, a discussão de que o Supremo Tribunal Federal tem que ter um negro. Ora, o Supremo Tribunal Federal pode ter, inclusive, onze negros! Qual o problema? O que não podemos é querer estabelecer ali cotas para mulheres, para negros, para homens, mesmo porque amanhã alguém pode cismar de querer lá um palestino, ou um judeu, ou um careca. Qual é o sentido disso? Temos que ter um Supremo Tribunal Federal enxuto e que possibilite julgar as grandes causas, não um Supremo Tribunal Federal escola de samba, que tem que homenagear uma raça ou uma conduta de quem quer que seja.

O Supremo Tribunal Federal também tem que ser voltado ao julgamento das grandes causas. Temos que ter o efeito vinculante. Já vi um Ministro do Supremo fazer uma palestra afirmando que chegou a julgar uma causa de propriedade de cachorros de madames do Rio de Janeiro. Ora, o Supremo Tribunal Federal julgando propriedade de lulus! Não é essa a finalidade desse tribunal. O Supremo Tribunal Federal tem, efetivamente, que julgar as grandes causas desta Nação e creio que a adoção do efeito vinculante é importante, como também a valorização do julgamento do Juiz de Primeiro Grau. Penso que poderíamos circunscrever em 80%, concordo com V. Exª nisso, nos julgamentos dos Juizes de Primeiro Grau; os recursos seriam destinados apenas a causas importantes, e não teríamos esse sistema protelatório que temos hoje. Diversos recursos para diversas possibilidades. Uma decisão de um juiz desmoralizando a decisão do outro juiz.

Temos que ter também um sistema judiciário no Brasil, um sistema em que o Supremo seja o julgador das grandes causas, mas que possibilite que a justiça seja efetivamente realizada e acabe com a indústria de liminares neste País.

Também defendo o controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público, assim como as polícias têm que ter o Ministério Público como Corregedor. Temos que ter uma flexibilização das leis que possibilitem colocar para fora os agentes corruptos de todos os Poderes. Hoje uma das grandes causas da violência é a corrupção policial. Sabemos disso, mas temos que tratar do assunto de forma responsável e não fazermos acusações levianas sobre esse ou aquele poder.

Defendo, pois, que tem de haver uma reforma, um controle externo do Poder Judiciário e um controle externo do Ministério Público, mas esses têm que ter uma composição de magistrados, promotores, advogados e membros da sociedade civil, não pode ser um controle feito somente por juízes e promotores, porque senão teríamos a vitória, sim, do corporativismo ao invés de termos um controle social efetivo e benéfico.

Penso que temos que trabalhar na reforma do sistema penitenciário. Sou contra o que V. Exª defende sobre a extinção do exame criminológico. V. Exª chegou a dizer que colocaríamos de imediato presos não perigosos na rua. É temerário afirmarmos que um preso é ou não perigoso em decorrência de ele ter tido um bom comportamento carcerário. O preso é perigoso ou não em decorrência de uma série de fatores, que inclusive a criminologia, que é uma ciência, tem que avaliar. Se hoje temos uma equipe multiprofissional, composta por psiquiatras, psicólogos e sociólogos. Essa avaliação é necessária, porque, se uma pessoa é perigosa, apesar de um bom comportamento carcerário, não pode ser colocada em liberdade, mesmo tendo adquirido o interstício necessário para a progressão do regime ou para o livramento condicional. Nesse aspecto, entendo que é muito importante para os presos perigosos a avaliação pelo exame criminológico. Muitos alegam a deficiência do exame, mas isso não é motivo para eliminá-lo. Temos de aprimorá-lo. Hoje, se o preso tem direito a uma audiência de 15 minutos com um psiquiatra, ele tem que ter direito à avaliação de duas, três, cinco horas ou dois dias. Então, não podemos eliminar um sistema efetivamente benéfico para a sociedade e não podemos criar uma indústria de liberação de presos que podem ser bastante perigosos, apesar do seu comportamento carcerário satisfatório.

(O Sr. Presidente José Sarney faz soar a campainha.)

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Também entendo que temos de trabalhar na recuperação do delinqüente, mas o principal fator de recuperação é o trabalho, que deve ser obrigatório. O sistema hoje prevê que o preso progride a cada três dias trabalhado. A cada três dias não trabalhado, ele pode ter também o aumento de um dia de pena. Vejam bem: não se trata de trabalho forçado. Trabalho forçado é outra coisa. Ninguém deve ser forçado a trabalhar, mas obrigado a trabalhar e em profissões que façam com que o preso, ao sair da cadeia, tenha condições efetivas de continuar trabalhando. De que adianta ficar costurando bolas dentro das penitenciárias ou fazendo artesanato com pauzinhos de picolé? Então, precisamos de penitenciárias industriais, principalmente porque hoje o crime está centralizado nos grandes centros urbanos e, para uma pequena minoria, o trabalho agropastoril.

Agradeço a V. Exª pela oportunidade e ao Sr. Presidente pela tolerância. Fico muito feliz que V. Exª esteja aqui para este debate, que espero seja o melhor possível, como tem sido até agora.

Obrigado, Sr. Ministro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2003 - Página 8540