Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apresentação de projeto de lei que cria condições para implantar centros de convivência e casas lares para idosos.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE EMPREGO. POLITICA SOCIAL. POLITICA HABITACIONAL.:
  • Apresentação de projeto de lei que cria condições para implantar centros de convivência e casas lares para idosos.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2003 - Página 9118
Assunto
Outros > POLITICA DE EMPREGO. POLITICA SOCIAL. POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), CRESCIMENTO, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, BRASIL, REDUÇÃO, EMPREGO, INDUSTRIA, APREENSÃO, DESEMPREGO, NECESSIDADE, DEBATE, POLITICA INDUSTRIAL, PRIORIDADE, ABSORÇÃO, MÃO DE OBRA.
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, IDOSO, BAIXA RENDA, MISERIA, ABANDONO.
  • REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), RESPONSABILIDADE, IDOSO, ARRIMO, FAMILIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, IMPLANTAÇÃO, CENTRO SOCIAL, VELHICE, UTILIZAÇÃO, FINANCIAMENTO, PROGRAMA, HABITAÇÃO POPULAR, CRIAÇÃO, INSTRUMENTO, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA NACIONAL, IDOSO.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje neste plenário tivemos oportunidade, pelo menos a meu juízo, de assistir a três temas muito importantes: um que o Senador Marcelo Crivella trouxe a nossa consideração com imagens muito fortes; outro, quando o Senador Almeida Lima se expressou de maneira contundente, demonstrando com números a situação econômica por que passa o País e sua preocupação em relação à votação das reformas; e, agora, finalmente, o Senador Ney Suassuna tirou de mim uma angústia que vinha sentindo desde que, numa madrugada, vi a declaração de José Saramago em um noticiário na televisão. Naquele momento, fiquei muito tocada. Ainda mais tocada fiquei ao saber de pessoas que foram executadas em Cuba. Direitos humanos aqui, na China, em Cuba, em Cabul, no Iraque, em qualquer lugar do mundo são direitos humanos, e não podemos, em momento nenhum, ser coniventes, dessa ou daquela forma, com o que está acontecendo.

Mas não vim aqui hoje para falar sobre os direitos humanos, porém o meu pronunciamento também diz respeito aos direitos humanos.

Sr. Presidente, estava trabalhando minha fala de hoje quando, ao entrar no site do IBGE, encontrei números que me deixaram bastante preocupada.

Agora, ao dividir a minha angústia com os Membros deste Plenário, confio que, de alguma forma, podemos colaborar para mudar esses números, porque são números que expressam o sofrimento de milhões de trabalhadores brasileiros.

A primeira é uma notícia boa: no último mês de fevereiro a nossa produção industrial teve um crescimento médio nacional de 4,1% em relação a fevereiro do ano passado. É verdade que, nos Estados da Bahia, Pernambuco, Santa Catarina e Minas Gerais, a produção teve uma ligeira queda, que não chegou a alcançar os 3%. Mas em sete das doze regiões pesquisadas pelo IBGE a indústria produziu muito mais, com um aumento de 13,5% no Ceará, de 9% no Paraná, além de crescer também nos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.

O que me chocou foi verificar que, enquanto a produção industrial crescia, o número de empregos na indústria caiu. A queda foi pequena, é verdade: apenas 0,2%. Mas quando penso que este 0,2% na prática quer dizer alguns milhares de trabalhadores desempregados, quando substituo a neutralidade do número pelo sofrimento das pessoas que perderam seu emprego, o que sinto é uma grande angústia.

Caro Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, nós, os brasileiros, temos ouvido e repetido que é preciso aumentar a produção para gerar mais empregos. E estamos vendo que a produção industrial aumenta, mas não se criam novos empregos. E a renda do trabalhador continua a cair.

Quero compartilhar minha preocupação com todos e cada um dos nobres Pares: se os resultados da nossa atual política industrial não são satisfatórios, será que isso não está querendo dizer que é preciso uma nova política?

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª me concede um aparte?

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Concedo-o a V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nem sempre os indícios são cem por cento seguros na determinação de um fenômeno que vem a surgir, mas é por meio deles que detectamos as doenças, conseguimos mudar e verificar as tendências sociais. Hoje, nesta Casa, vimos um exemplo que me impressionou: foi crescendo a votação de oposição e, de repente, um técnico, que nada tinha a ver com o assunto, quase foi reprovado porque deu 34 a 34. Foi preciso que, por meio de pedidos, os Líderes assumissem o papel de pacificadores. Isso mostra o nível de insatisfação. O mesmo ocorre em relação à geração de empregos. O que está ocorrendo que não se desamarra? Estamos tendo mais exportação, deveria ter crescido mais. Mas houve pouco tempo. E o que tem ocorrido à nossa agricultura, que aumenta em volume, mas os postos de trabalho têm diminuído? O que tem acontecido a nossa política industrial e ao êxodo interno do País? Tudo isso são indícios que temos de analisar e V. Exª faz muito bem quando levanta essa problemática neste plenário, porque aqui temos de olhar o País como um todo. Não se pode deixar uma perna crescer mais do que a outra, porque isso levará a um aleijão. Da mesma forma, não se pode deixar a cabeça crescer em detrimento do tronco ou dos membros. Deve haver equilíbrio. Temos de detectar o problema urgentemente e tomar a medicação correta. Parabéns pelo tema que V. Exª levanta, porque sem trabalho não há dignidade. E essa é a preocupação de todos nós: trabalho e dignidade para a população.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço a V. Exª pelo aparte que abrilhanta o meu pronunciamento.

Talvez, Srªs e Srs. Senadores, seja necessário reorientar os investimentos de dinheiro público e estimular também o desenvolvimento de indústrias capazes de absorver maior quantidade de mão-de-obra. Não tenho comigo nenhuma resposta pronta para esta questão. Mas sei o quanto é triste frustrar as expectativas dos milhões de brasileiros que optaram pela esperança.

Não podemos permitir que o desânimo possa abater aqueles que tiveram a coragem de escolher a mudança, porque, no Brasil, há muito o que fazer. E tanto quanto dinheiro para investir, estamos precisando também de criatividade para inventar novas frentes de trabalho e produção.

Na história dos povos, e na história de cada um de nós, há momentos em que a vida mostra a sua face terrível. Nesses momentos, a indignação precisa vencer a impotência, para que se façam mudanças.

Foi isso que aconteceu comigo, na condição de primeira-dama, mulher de Iris Rezende, então Governador do Estado de Goiás.

Lembro-me perfeitamente quando, ao fazer o cadastramento das casas populares construídas pelo então Governador Iris Rezende em ritmo de mutirão, deparei-me com um quadro que - digo a V. Exªs - não quero esquecer, porque sei que se repete a cada dia neste nosso grande Brasil: vi uma grande quantidade de pessoas morando em casas, sub-casas ou sub-moradias, e encontrei, ainda por cima, Sr. Presidente, idosos que moravam de favor no fundo dessas casas.

Por mais triste que seja, não quero esquecer a visão daqueles idosos maltrapilhos, sujos, famintos, acomodados como podiam entre restos de tralha jogada no lixo. A cada dia que passa, aquela visão terrível renova o meu empenho de trabalhar para que os brasileiros idosos tenham uma vida digna, saudável, alegre. E que consigam ser produtivos pelo maior tempo de suas vidas.

Todo dia, ao ligarmos a televisão, quase invariavelmente, por estarmos dentro de uma campanha, a Campanha da Fraternidade, promovida pela Igreja Católica, encontramos matérias que dizem respeito a idosos que se recuperam pelo lazer, pela ginástica, pela natação, pela dança... Mas ressalto que existem muitos velhinhos pedindo nas ruas, nas esquinas, nos sinaleiros, quadro que até há pouco tempo não existia no País. Até há pouco, Sr. Presidente, falávamos de meninos de rua. Hoje, para mim, o quadro mais triste é o dos nossos velhinhos de rua.

Mas, assim como existem aqueles que estão no total abandono, também há um grande número de idosos trabalhando para pagar o aluguel da casa onde vivem, com filhos e netos, em grande número dos casos, como arrimos de família.

É o que nos mostra o IBGE. Dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios mostram que já são mais de oito milhões os brasileiros com mais de 60 anos responsáveis pelo domicílio onde vivem. Não faz mais de duas semanas que a imprensa tornou pública a prisão de uma senhora de 73 anos - pasmem - porque não pagara a pensão de alimentos do neto. A pobre mulher custou a entender o crime do qual era acusada. Um benfeitor pagou a dívida, libertando-a do cárcere. O mais cruel é que já não é a primeira vez que isso acontece com mulheres idosas, responsabilizadas pela Justiça porque seus filhos, muitas vezes desempregados, deixaram de pagar a pensão de alimentos aos filhos e às ex-mulheres.

Em Goiás, já são mais de 145 mil os idosos responsáveis por suas famílias, incluindo tanto aposentados que ajudam a sustentar filhos e netos, quanto idosos sem nenhuma proteção previdenciária, que enfrentam um trabalho duro, na cidade ou na roça, para poder sustentar a si próprios e aos seus descendentes.

Segundo as estatísticas, mais da metade dos idosos responsáveis por seus domicílios moram com filhos e netos. Isso quer dizer que esses idosos, apesar de responsáveis, não são os “donos da casa”. Mesmo que arquem com as despesas, mesmo legalmente responsáveis, esses idosos, em grande parte, não têm um espaço para si próprios, não têm sequer uma porta para fechar, assegurando-lhes um mínimo de privacidade e liberdade.

Quando os netos são pequenos, a avó é de grande valia. Em grande número de casos, é a avó quem faz os serviços domésticos, quem cuida dos netos enquanto a mãe trabalha. Mas, quando os netos crescem, os avós muitas vezes são vistos como um estorvo dentro da família.

Diante da magnitude deste problema, fui buscar uma solução. Agora, entrego, para a análise e o debate de todos os Senadores e Senadoras desta Casa, uma proposta de projeto de lei que tem por finalidade criar condições para a implantação de centros de convivência para idosos, por meio dos financiamentos federais aos programas de moradia popular.

O Governo Federal não constrói, mas financia a construção de habitações populares. E, ao investir o dinheiro público, tem condições de influir na sua aplicação. Desta forma, pode recomendar a implantação de centros de convivência para idosos e construção de “casas-lares”, conforme determina a Política Nacional do Idoso, estabelecida pela Lei nº 8.842, de janeiro de 1994.

A lei que fixa a Política Nacional do Idoso, em seu art. 10, estabelece que cabe aos órgãos e entidades públicos favorecer a criação de incentivos e de alternativas de atendimento ao idoso, como centros de convivência, centros de cuidados diurnos, casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho, atendimentos domiciliares e outros.

Por seu turno, o Decreto de nº 1.948, de 1996, que regulamenta a lei instituidora da Política Nacional, consignou aos centros de convivência a função de assegurar a sociabilidade do idoso, pelo desenvolvimento de atividades culturais e de lazer, contribuindo para melhorar a sua auto-estima e aceitação na sociedade envolvente. O mesmo decreto atribui à casa-lar o papel de residência, em sistema participativo, cedido por instituições públicas ou privadas, destinada a idosos detentores de renda insuficiente para sua manutenção e sem família.

Foi a flagrante carência, no corpo desses dois importantíssimos instrumentos legais, de instrumentos concretos para a materialização de projetos de centros de convivência e casas-lares, dadas a escassez de recursos e as proibitivas condições de financiamento, que me animou a apresentar tal projeto de lei do Senado. E é justamente essa lacuna que empresta oportunidade e consistência ao projeto.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de falar de uma experiência vivida por nós, goianos, num projeto chamado Vila Vida, mas deixarei esse testemunho para outra oportunidade, seguindo o exemplo que vi hoje sendo apresentado no telão. Esse projeto foi criado na Vila Mutirão e vale a pena ser visto e não apenas relatado.

Para encerrar, ressalto a contradição existente entre o aumento da expectativa de vida no Brasil e a situação de tristeza, abandono e opressão em que vivem milhares de idosos brasileiros pobres. O Brasil, que se conscientiza e assume o dever de cuidar melhor das suas crianças, que são o nosso futuro, tem a obrigação de também oferecer tratamento digno aos idosos, que trabalharam para nos legar o País em que vivemos. Não há futuro sem passado, Srªs e Srs. Senadores, e envelhecer não deve ser um castigo, mas um direito humano, vivido em toda sua beleza e em toda sua plenitude.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2003 - Página 9118