Discurso durante a 50ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o sistema político brasileiro. Defesa da reforma política como forma de assegurar governabilidade. (Como Líder)

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA POLITICA.:
  • Considerações sobre o sistema político brasileiro. Defesa da reforma política como forma de assegurar governabilidade. (Como Líder)
Aparteantes
Almeida Lima, César Borges, José Sarney.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2003 - Página 9879
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA POLITICA.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, LEGISLATIVO, BRASIL, SAUDAÇÃO, IMPORTANCIA, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, HISTORIA, PAIS.
  • REITERAÇÃO, IMPORTANCIA, AGILIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, BRASIL, FAVORECIMENTO, APERFEIÇOAMENTO, DEMOCRACIA, GARANTIA, EFETIVAÇÃO, PROPOSTA, GOVERNO, CONTRIBUIÇÃO, ADAPTAÇÃO, SISTEMA DE GOVERNO.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, INCLUSÃO, REFORMA POLITICA, REVIGORAÇÃO, REPUBLICA FEDERATIVA, BRASIL.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo iniciar minhas palavras salientando o fato de vir à tribuna logo após o Presidente José Sarney, porque, de alguma forma, as inteligentes e lúcidas observações de S. Exª têm algo que ver com o tema do meu discurso.

O Presidente José Sarney lembrou estarmos celebrando 180 anos da existência do Poder Legislativo no Brasil neste ano da graça de 2003. Aproximamo-nos também das celebrações dos 200 anos de vida como Nação independente. São fatos muito importantes da nossa história, demonstrando, como destacou o Senador José Sarney, que o Brasil tem longa tradição de vida parlamentar, nem sempre reconhecida no Exterior e proclamada em nosso País.

A Rainha Vitória, ao receber Embaixador brasileiro que apresentava suas credenciais, mencionou existir no Brasil uma grande solidez institucional pois, embora ainda uma jovem nação, tinha uma Constituição vigente há décadas, que se caracterizava por garantir estabilidade à Nação brasileira.

A Constituição de 25 de março de 1823 conseguiu vigorar, embora outorgada, até a proclamação da República. A ela foi acrescentada uma única emenda, o Ato Adicional de 1834. Vale dizer que a Constituição de 1823, de alguma forma, serve-nos de bússola e quem sabe de roteiro. Era uma Constituição relativamente concisa, diferentemente da atual que é expositiva, analítica. Tinha, portanto, poucos dispositivos e estabelecia regras que demonstravam muita sabedoria. Uma delas separava o que era materialmente constitucional - que Afonso Arinos chamava de “organicamente constitucional” - do que era formalmente constitucional. A nossa primeira Constituição ajudou a moldar o País que construímos. Diria mais: durante todo o período em que Carta de 1823 vigorou, apesar das crises atravessadas pela Nação, ela conseguiu resistir a seus impactos e deixou lições ainda válidas do ponto de vista institucional.

O que me traz à tribuna na tarde de hoje é justamente uma questão institucional, a meu ver, ainda remanescente. O País avançou sob todos os aspectos. Posteriormente, com a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, que institucionalizou a República, continuamos avançando. Demos novo contorno à organização estatal brasileira, passando de Estado unitário a uma Federação. Adotamos o Presidencialismo como sistema de Governo. Consolidamos o sistema bicameral, com a transformação do Senado não mais em Corte vitalícia, mas em Casa eletiva. E consagramos outras instituições que ainda hoje regem o nosso País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar dos avanços que o País vem tendo ao longo de sua história, ainda nos resta muito a realizar. Gostaria de me referir especificamente ao campo das reformas políticas. Trago, portanto, à consideração desta Casa tema que se constitui de preocupação permanente desde o início da minha vida pública: a reforma política, sempre reclamada, constantemente anunciada, mas invariavelmente postergada.

Geralmente, o que tem ocupado a atenção de expressivas lideranças políticas e da mídia são apenas propostas ocasionais de alterações em pontos muito específicos, ora da legislação eleitoral, ora da legislação partidária. A meu ver, essa concepção, por seu caráter limitado, não se caracteriza como um processo de reformas, que, conforme se sabe, são formas essenciais de mudança. Como temos feito críticas a essa visão de certo modo imediatista, predominante em nossa evolução histórica, julgo-me no dever de expor meu pensamento sem pretensão quer de originalidade, quer de exclusividade. Minha posição decorre de certa experiência política e de conclusões que são menos pessoais do que de certos autores de que me valho na busca de soluções para esclarecer dúvidas.

Uma visão razoavelmente pacífica entre os que se dedicam ao estudo da política é a de que os mecanismos, os processos, as práticas e as instituições envolvidas na vida pública constituem sistemas que se influenciam mutuamente.

Como sistema - refiro-me especificamente ao sistema político - devemos entender não só a definição literal, conjunto de elementos, materiais ou idéias entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação, mas sobretudo a concepção de conjunto de elementos de tal modo coordenados que constituem um todo científico unitário ou, pelo menos, um corpo doutrinário.

Enfim, o todo não é constituído pela soma das partes, mas pela função especifica de cada elemento. Ao contrário da física, Sr. Presidente, cuja característica é o equilíbrio, no campo social a estabilidade dos sistemas, na minha opinião, pela complexidade, não é permanente. São sistemas entrópicos em que o agravamento dos desequilíbrios leva a desajustamentos e crises.

Essa peculiaridade obriga-nos a distinguir entre os diferentes sistemas que compõem o conjunto do universo político, os que influenciam e os que são influenciados - em outras palavras, quais são as variáveis condicionantes e quais são as variáveis condicionadas.

É evidente que o sistema eleitoral constitui-se variável condicionante do sistema partidário, e ambos, variáveis que condicionam o sistema de Governo. Com isso, pretendo dizer que, quando se fala em sistema político, se sabe que ele compõe basicamente de dois grandes subsistemas: o primeiro subsistema é o eleitoral; o outro, o subsistema partidário. Se o sistema eleitoral não é compatível com o sistema partidário, e vice-versa, o sistema político, como um todo, não funciona adequadamente.

Essa não é uma observação de caráter pessoal. Poderemos encontrá-la em Karl W. Deutsch. Todas as vezes em que se discute no Brasil reforma política, devemos começar partindo do pressuposto de que o sistema político é, portanto, um sistema que deve guardar compatibilidade e consistência para que funcione adequadamente. E mais, o sistema eleitoral, ao contrário do que muita gente pensa, é um sistema que condiciona o sistema partidário. Ou seja, se queremos ter um “estado partidário”, para usar expressão de Hans Kelsen, que funcione bem, precisamos de um sistema eleitoral adequado. Poderíamos também dizer de outra forma: se desejamos ter partidos estruturados, precisamos, naturalmente, ter um sistema eleitoral compatível. .

Essa parece ser a primeira grande questão de uma verdadeira reforma política.

Sabemos que, quando se faz uma opção por um sistema eleitoral majoritário, estamos reduzindo o espectro de partidos existentes.

Começo com o exemplo da Inglaterra, talvez o mais antigo sistema majoritário em vigor. Na Inglaterra, feita a opção pelo sistema majoritário, praticamente limitou aquele país a um estado bipartidário. O mesmo modelo foi adotado pelos Estados Unidos. O sistema eleitoral americano conduz basicamente a um bipartidarismo, em função da natureza das regras que se observam, sobretudo no plano federal, e que vêm do fim do Século XVIII, desde as disputas que separaram unionistas de federalistas, base do surgimento dos hoje partidos hegemônicos - democrata e republicano.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senador Marco Maciel, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Concederei, com muito prazer, o aparte a V. Exª, mas gostaria de avançar num ponto de vista.

Portanto, se optamos por um sistema eleitoral majoritário, certamente seremos induzidos a um reduzido número de partidos. Se, em contrapartida, optarmos por um sistema eleitoral proporcional, ensejamos o florescimento de muitas legendas.

Os sistemas eleitorais, majoritário ou proporcional, têm, ambos, as suas virtudes. Diz-se com muita propriedade - e Duverger especialmente - que os sistemas eleitorais têm em mira dois grandes objetivos, que são objetivos da própria natureza da representação: de um lado, assegurar a diversidade; do outro, a governabilidade. Se aumentamos a diversidade, aumentamos a pluralidade partidária, o que é muito bom para a representação, porque permite fazer com que haja um maior número de partidos e, conseqüentemente, o pluralismo democrático se dê com maior intensidade. Em contrapartida, sabemos que, como conseqüência, teremos uma reduzida governabilidade. Se, de outra parte, optamos por um sistema majoritário, sabemos que teremos um reduzido número de partidos, sacrificando em contrapartida a diversidade programática, ideológica ou doutrinária.

Aliás, uma vez, De Gasperi, grande estadista e pensador político, hoje reconhecido pela grande contribuição que deu à consolidação do Estado italiano do pós-guerra, disse com muita propriedade: “O democrata tem idéias e não necessariamente ideologias”. Com isso, entendemos hoje que os partidos devem possuir doutrinas ou programas e não necessariamente ideologia. Daí porque a nossa Lei Partidária não exige que as agremiações políticas tenham ideologia; ela exige, para que um partido obtenha o seu registro definitivo, que tenha um programa.

Ouço o Presidente José Sarney. Depois, ouvirei com muito prazer o Senador Almeida Lima.

O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - Senador Marco Maciel, é com grande satisfação que tenho a oportunidade de aparteá-lo. V. Exª continua no Parlamento aquela tradição a que me referi há pouco: da construção das grandes idéias para o País. V. Exª é um dos melhores homens públicos deste País.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Obrigado a V. Exª.

O Sr. José Sarney (PMDB - AP) - V. Exª é um dos homens que todos reconhecemos na sua integridade, no seu valor intelectual e nos serviços que tem prestado ao Brasil. Também concordo com V. Exª. A maior de todas as reformas que temos de tratar no presente refere-se à reforma política, porque ela estrutura. E como V. Exª mesmo se referiu, o sistema eleitoral condiciona o quadro partidário. Não adianta discutir fidelidade partidária e número de partidos se não modificarmos o sistema eleitoral. Com muita propriedade, V. Exª lembra Duverger, que diz, no seu livro clássico sobre o assunto, que nós, quando adotamos o voto proporcional, conseqüentemente, adotamos a pluralidade de partidos. Quando adotamos o voto majoritário, nós adotamos um sistema restritivo de partidos. Eles asseguram, no mundo moderno, a governabilidade - o voto majoritário. Já o voto proporcional é uma reminiscência do século XIX, quando os positivistas achavam que nos parlamentos se deviam ter presentes todas as idéias, todos os pontos de vista, todas as opiniões - coisa que não ocorre no mundo atual. Hoje temos de ter justamente partidos que assegurem a governabilidade. E o voto proporcional é um voto que cada vez mais assegura a proliferação de partidos, sem nenhuma vantagem para o sistema político. Temos de enfrentar essa grande reforma, e é V. Exª que justamente hoje está trazendo, mais uma vez, a este Parlamento o debate. Sem enfrentarmos, teremos de continuar nesse caos partidário em que vivemos e convivendo com instituições políticas que remontam ao século XIX. Hoje, para se ter legitimidade de opinião, não precisamos mais que as pessoas tenham representação no parlamento. Hoje existem, na sociedade civil organizada, instituições que agregam muito mais legitimidade para discutir algumas opiniões do que uma cadeira dentro do parlamento, que era preconizada no fim do século XIX pelos adeptos do voto proporcional. A democracia se estendeu num sistema de capilaridade em todo o tecido social, de modo que, aqui, hoje, podemos ver presidentes de grandes confederações, presidentes de associações incorporando legitimidade para debater o problema político. No entanto, o que queria realmente era ressaltar a fidelidade de V. Exª ao debate dessas idéias e o respeito que tem a Casa por V. Exª. Muito obrigado.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito obrigado, Presidente José Sarney, pelo generoso aparte de V. Exª.

Quero destacar, entre muitos pontos que V. Exª feriu em seu aparte, duas questões.

Primeiro, de fato, vivemos tempos novos nesses albores do século XXI, que marcam também o sexto século da nossa existência como Nação. Isso nos faz refletir, ao iniciarmos a primeira Legislatura do século XXI, sobre a importância das reformas políticas, indispensáveis ao aprimoramento democrático, inclusive para assegurarmos a desejada governabilidade.

As reformas políticas, além de melhorar o desempenho institucional, interessam à sociedade como um todo.

Em segundo lugar, eu gostaria de observar, como salientou V. Exª, que hoje a democracia assume novo contorno, já não se apóia basicamente no sistema da tripartição de poderes de Montesquieu.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. Fazendo soar a campainha) - Com licença, Senador Marco Maciel.

Consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por 10 minutos, para que o orador conclua a sua oração. (Pausa)

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por 10 minutos.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Aliás, V. Exª, em seu discurso, falou sobre a Constituição do Império, e era bom lembrar que na primeira Constituição havia o chamado Poder Moderador. Estávamos mais na linha de Benjamin Constant - não o brasileiro Benjamin Constant Botelho Magalhães, mas Benjamin Constant Rebecque, franco-suíço autor da Teoria do Poder Moderador.

Como dizia, a Constituição de 1891, estabelece a tripartição dos poderes de Montesquieu. E aí me permitam lembrar a observação de Robert Dahl, que em seus livros recorda que vivemos numa “poliarquia”.

V. Exª, Presidente José Sarney, salientou que o governo não se esgota mais na representação. É verdade. A força da mídia, a presença das organizações não-governamentais, o terceiro setor, a opinião pública, fazem com que o processo democrático conheça acentuada modificação. E, para isso, é necessário que nos apetrechemos a viver esse novo quadro.

Falo dos sistemas eleitoral e partidário por entender que eles constituem a base do sistema político. Mas isso não quer dizer que não devamos avançar também no aperfeiçoamento do sistema de governo que praticamos, o presidencialismo. Também convém inserir no elenco das reformas políticas o fortalecimento da Federação brasileira, e que se busque revigorar os valores republicanos.

Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda de Campos Sales, decepcionado com os rumos da jovem República, disse certa feita que era necessário “republicanizar” a República.

Uma reforma política, para ser a reforma que desejamos, tem de considerar não somente o sistema político stricto sensu, o subsistema eleitoral e o partidário, mas também, como conseqüência disso, o sistema de governo, e abranger a Federação.

Nascemos de um Estado unitário, o que significa dizer que a Federação nasceu vítima, talvez, de uma debilidade congênita. O Professor Charles Rousseau, da Universidade de Paris, desenvolveu a chamada “Lei Sociológica da Evolução do Estado Federal”, em que diz que a verdadeira Federação é aquela que nasce de um Estado confederado, de um Estado que tenha como marca principal uma autonomia dos diferentes entes que, depois, se reúnem em uma Federação.

No Brasil, percorremos caminho inverso, diferente, por exemplo, do trilhado pelos Estados Unidos e pela Alemanha. No Império, éramos um Estado unitário e nos convertemos em Federação, não somente por um querer da sociedade, mas por uma construção política, para a qual muito concorreu Rui Barbosa, transplantando o modelo da constituição americana para o nosso País.

Com a Constituição de 1891, nos convertemos não somente em República, mas em República Federativa e Presidencialista, conforme o modelo americano. E mais: até o nome do País era Estados Unidos do Brasil, haurindo da constituição americana os princípios diretores que marcavam não só o constitucionalismo dessa nova nação, que serviu de inspiração para o nosso continente, mas, igualmente para a velha Europa.

Ouço o Senador Almeida Lima.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Nobre Senador Marco Maciel, permita-me tentar contribuir para o debate que, de forma muita oportuna, V. Exª traz na tarde de hoje para esta Casa. Fiquei extremamente feliz com as citações finais do pronunciamento de V. Exª, quando procurou ampliar o sentido da reforma política que o Brasil necessita para a quadra em que vivemos. No início de seu pronunciamento, V. Exª ateve-se, de forma mais específica, à reforma político-eleitoral-partidária, mas, ao final, nesse instante, V. Exª, completando o pensamento integral do pronunciamento, V. Exª faz uma referência àquilo que chamo basicamente de reforma do Estado e que tem o sentido maior de reforma política, que é a reforma da Federação brasileira. Quero somar-me a V. Exª, aduzindo alguns pontos. Primeiro, temos necessidade de uma reforma política não apenas no plano da organização do Estado, do sistema federativo, mas também quanto à questão eleitoral-partidária, em dois planos: uma, no plano constitucional, a reforma da Federação e também a político-eleitoral-partidária, mas também a reforma quanto ao sistema legal infraconstitucional. No aspecto político-eleitoral-partidário, o Brasil possui uma verdadeira colcha de retalhos, um código eleitoral, não diria caduco, mas ultrapassado, com inúmeras de suas normas hoje sem mais aplicabilidade. Para tanto, apresentei, foi lido no dia de ontem - e peço a colaboração de V. Exª e dos demais Senadores para uma injunção legítima ao Presidente desta Casa, Senador José Sarney, no sentido de submeter à apreciação do Plenário - o requerimento que sugere a criação de uma comissão temporária com o objetivo de estudar e apresentar uma proposta de uma legislação do exercício da soberania popular, como prevista no art. 14 da Constituição Federal.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Concluirei, Sr. Presidente. Basicamente, trata-se da legislação infraconstitucional, que deve tratar de eleições gerais, de data de posse, de número de representantes no Parlamento, sistema partidário, sistemas eleitorais, pesquisas e a sua legitimidade, financiamento de campanha, inelegibilidade, disciplina partidária. Enfim, uma série de questões que vêm para legitimar o exercício da soberania popular, além da reforma do Estado, para que o nosso País tenha os instrumentos políticos necessários ao nosso desenvolvimento. É da mais alta importância o pronunciamento de V. Exª. Peço, inclusive, neste aparte, o apoio para a aprovação desse requerimento para a formação de uma comissão de Senadores para, no prazo de um ano, por meio de seminários e simpósios, estudarmos a questão com profundidade e como bem disse V. Exª: não para a sugestão de leis pontuais, circunstanciais, mas para a colaboração no sentido de oferecer esta Casa um verdadeiro código do exercício da soberania popular para legitimar o processo de escolha dos nossos dirigentes, que administrarão um Estado reformado com a ampliação da Federação e, sobretudo, sua descentralização. Era esse o meu aparte a V. Exª. Obrigado.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Senador Almeida Lima, agradeço as palavras de V. Exª, sobretudo no que diz respeito à necessidade de realizarmos as chamadas reformas políticas, que são reformas institucionais de grande alcance e fundamentais para o País.

Vejo com muita simpatia a proposta de V. Exª de constituirmos uma comissão para discutir com profundidade essa questão nesta Casa.

Ninguém questiona que no Brasil temos uma sociedade democrática. Isso é pacífico. No mundo todo há um reconhecimento generalizado. Somos o segundo maior colégio eleitoral do mundo ocidental e fazemos eleições totalmente informatizadas. Portanto, a verdade eleitoral é obtida com toda transparência, ninguém mais questiona o resultado dos pleitos. Há uma grande diversidade partidária, praticamente se assegura a todos a oportunidade do voto, facultativamente, a partir dos 16 anos e obrigatoriamente até os 70. Mais do que isso: permite-se o voto ao analfabeto. É bom que se reconheça a importância de erradicar a chaga do analfabetismo, mas não podemos deixar de dar ao analfabeto, que concorre para o desenvolvimento do nosso País, o primeiro direito da cidadania que é o voto.

Então, um país como o nosso que pratica uma democracia robusta, é um país que, conseqüentemente, está destinado a ter um grande papel no concerto das nações.

Antes de conceder o aparte que me solicita o Senador César Borges, aproveito para fazer alusão a um ilustre baiano, também ilustre homem público brasileiro, Otávio Mangabeira. Há quatro ou cinco décadas, ele disse que no Brasil a democracia é uma “planta tenra”.

Penso que essa afirmação hoje já não corresponde à realidade. Aquela planta tenra a que se referiu Mangabeira fincou raízes fundas na sociedade brasileira.

Então, parece-me ser pacífico aqui e alhures que o Brasil é hoje uma sociedade democrática. Mas, se isso é verdade, precisamos de outra parte dizer que se a democracia é a nossa opção de vida em sociedade ela é importante e necessária, todavia, não é suficiente para assegurar a governabilidade. A governabilidade é fundamental para que as demandas da sociedade, expressas pelo voto, sejam processadas pelo Governo.

Há muitas definições nesse sentido, mas vou me reportar a um pensador italiano, Gianfranco Pasquino, que, juntamente com Norberto Bobbio e Nicola Matteucci, é um dos principais autores do Dicionário de Política, talvez o mais completo dos que conheço.

Gianfranco Pasquino, falando sobre governabilidade, disse: “A governabilidade é a capacidade de tornar efetivas as decisões do governo”. Então, quando acabamos de realizar um pleito, percebemos que ainda estamos muito distantes dessa governabilidade, de fazer com que a vontade do eleitor se converta em ação de governo.

Concedo o aparte, com muito prazer, ao Senador César Borges.

O Sr. César Borges (PFL - BA) - Senador Marco Maciel, agradeço-lhe porque V. Exª me dá a oportunidade de, neste momento, reconhecer aqui publicamente a honra que tenho de estar nesta Casa juntamente com V. Exª, esse político que marcou de forma indelével a cena política nacional dos últimos anos, das últimas décadas, ocupando cargos importantes como Governador do seu Estado, como Presidente da Câmara dos Deputados, como Vice-Presidente da República. E tenho também a honra de ser seu colega, correligionário dentro do nosso Partido, o Partido da Frente Liberal. E apesar de V. Exª dizer que hoje a tendência é não partirmos para as ideologias e, sim, para as idéias, para os programas, não tenho dúvida de nomeá-lo como o grande ideólogo do nosso Partido. Digo a V. Exª que esse reconhecimento não é apenas da figura política, mas também da figura humana correta, ínclita, sempre equilibrada, sensata de V. Exª, que merece sempre o respeito de todo o mundo político brasileiro. E dizer que o seu discurso veio em um momento muito oportuno trazer uma preocupação que pode, às vezes, parecer secundada, porque se fala muito em reforma tributária e previdenciária e já começamos a falar da reforma trabalhista. Mas, sabemos que, essencialmente, temos um problema político. Ou seja, a reforma política deveria estar na ordem do dia. Já que o Poder Executivo está se preocupando com as reformas do dia-a-dia para viabilizar o Governo dos pontos de vista econômico, financeiro e até social, eu acredito que caiba a todos nós políticos que estamos no Parlamento, no Congresso Nacional, uma Casa essencialmente política, liderar esse processo. V. Exª, juntamente com o Senador José Sarney - que ilustraram esta tarde, ambos, com dois grandes discursos - poderão fazer esse trabalho, com todo esse conhecimento e, eu diria, com toda a intelectualidade que ambos têm, bem como trazer para o Senado Federal a liderança desse processo para que não fiquemos naquela situação de, a cada véspera de eleição, haver no sistema eleitoral uma mudança circunstancial, de oportunidade, que não resulte em nada, apenas em confusões de última hora, como se deu na eleição passada com relação àquela interpretação das alianças partidárias que tanto problema trouxe ao País. V. Exª traz essa preocupação, Senador Marco Maciel, e pode dar uma contribuição enorme, Líder que é nesta Casa, até dentro da proposta do Senador Almeida Lima, de se constituir uma comissão para que possamos aqui no Senado Federal lançar para o País uma nova reforma importante, a reforma política, com base na adequada definição do sistema eleitoral - ou seja, se é proporcional - que tem causado tantas injustiças, às vezes, até desautorizando o próprio eleitorado que, por exemplo, deu 90 mil votos no meu Estado ao Deputado Eujácio Simões, e ele não veio para o Parlamento; vieram outros Deputados que obtiveram um terço dessa votação. Estamos no momento de ter coragem de falar do sistema eleitoral majoritário que possa efetivamente representar a vontade popular. Portanto, Senador Marco Maciel, estaremos aqui juntos com V. Exª para que esse seja um momento rico para a Nação brasileira, de modo que a reforma política possa assumir a importância que merece hoje no cenário das discussões do nosso País. Muito obrigado, Senador. Parabéns pelo seu discurso!

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Senador César Borges, agradeço as referências e os encômios que V. Exª faz à minha vida pública, mas devo também dizer do meu apreço a V. Exª, ao excelente trabalho que desempenhou como Governador do seu Estado, a Bahia, e pela contribuição que V. Exª vem dando à vida pública brasileira, inclusive agora no Senado Federal.

V. Exª abordou aqui um assunto que considero muito oportuno e sobre o qual devemos fazer reflexão. De fato, existem outras reformas em andamento, mas a reforma política precisa ocupar seu espaço e, mais do que isso, as reformas ora em debate, como a previdenciária, a tributária e a eventualidade de uma reforma trabalhista, em nada conflitam com a reforma política. Diria até que elas tramitam em meridianos distintos, porque tratam de temas totalmente diferentes. Muitos dos itens das reformas políticas podem ser feitas sem necessidade de alterar-se a Constituição, através de lei ordinária ou complementar. Como as principais reformas em discussão no Congresso Nacional estão sob análise na Câmara dos Deputados, talvez fosse a oportunidade de transformamos o Senado em um grande fórum para as reformas políticas. O Senado tem toda a legitimidade para fazê-lo por ser a Casa dos Estados, a Casa da Federação. Aqui estão representados de forma equânime todos os Estados. Tanto o Estado mais populoso e o mais economicamente forte, São Paulo, o Estado do Senador Romeu Tuma, que preside esta sessão, quanto o Estado de Roraima, talvez o menos populoso, todos têm igual representação, têm uma paridade na sua representação o que dá oportunidade para que o debate se fira sob o ângulo não somente da representação popular, uma característica da composição da Câmara, mas também de estado federal que somos. 

Agradeço a contribuição que V. Exª traz ao debate desse tema. Eu gostaria de fazer algumas outras observações, mas o Presidente já me adverte de que extrapolei o tempo.

Realmente, o momento para se fazer a reforma política é o início de legislatura, porque mais distante do fato eleitoral. Se deixarmos para mais adiante, certamente ela poderá ser apodada de casuística, posto que realizada no instante em que o povo se apresta para votar. O ideal, portanto, seria examiná-la longe do calor das disputas eleitorais, com serenidade e isenção. Aliás, a reforma política deveria ter antecedido todas as demais. Infelizmente, isso não foi possível.

Recordo-me de experiência lamentavelmente frustrada na revisão constitucional. Acreditei que a revisão constitucional fosse a ocasião de realizá-las. Tínhamos todas as condições para isso. Infelizmente, a revisão constitucional não cumpriu os seus objetivos. Não quero discutir aqui as causas que a levaram ao insucesso, mas o fato é que perdemos uma grande oportunidade. 

Em 1994, eleito Presidente da República, ainda não empossado, o Presidente Fernando Henrique Cardoso falou-me sobre a necessidade de reformas políticas, porque sabia ser esse um tema de minha predileção. Chegamos a discutir uma estratégia a ser iniciada em 1995. Isso não foi possível porque, logo após a posse, iniciaram-se os ataques especulativos quanto ao Real. Esses ataques ficaram mais nítidos com a chamada crise mexicana e geraram impactos negativos sobre o Brasil. Tivemos que redirecionar nossas energias para a preservação do Real e da estabilidade econômica. Priorizamos as chamadas reformas econômicas e o ajuste fiscal, e as mudanças no campo político-institucional não ocorreram. Perdemos, mais uma vez, a oportunidade, nos idos de 94 e 95, de fazer tais reformas. Penso que não podemos adiá-las novamente.

Essas reformas têm influência enorme sobre o futuro do País. Ao lado da estabilidade democrática, dispõe o Brasil também de estabilidade econômica. Livramo-nos do “vírus” da inflação, das taxas altas de inflação, avançamos no campo do resgate da chamada “dívida social” e estamos nos inserindo no processo de globalização que vive o mundo, mediante mecanismos, de que o Mercosul é um bom exemplo.

Enfim, estamos participando desse processo de mundialização da economia, inclusive ampliando a extroversão da economia brasileira e avançando, internamente, no campo da integração social. Nada poderá, porém, substituir as reformas políticas, porque estas são fundamentais para assegurar ao País não somente a democracia, mas também a governabilidade, através de regras claras e precisas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, encerro meu pronunciamento, agradecendo a oportunidade que me foi dada de situar essa questão. Inspirado nas palavras há pouco do Presidente José Sarney e também nos apartes, indago se essa não seria a hora de darmos ao tema a prioridade que desejamos para que o País melhore o desempenho das instituições, sobretudo no momento em que inicia novo estágio da sua história republicana.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Meu caro Senador Marco Maciel, hoje tive a oportunidade de presidir a Mesa durante dois grandes discursos. Quando há na tribuna oradores como V. Exª, é constrangedor presidir os trabalhos, porque a pressão regimental nos faz adverti-los de que o tempo vai-se esgotando.

Acredito que os Senadores ficariam horas e horas ouvindo V. Exª e que a sociedade, que assiste à TV Senado, deve estar admirada com os discursos proferidos na tribuna.

Apesar de eu ter prorrogado o tempo da sessão, peço desculpas a V. Exª por ter acendido a luz e por tê-lo advertido em cumprimento ao Regimento. V. Exª também é pregador de que a ordem e a lei sejam sempre cumpridas, para que possamos transitar em paz e respeitar todos os membros desta Casa.

Cumprimento V. Exª pelo brilhantíssimo discurso.

Com certeza, Senador César Borges, haverá o segundo turno, porque S Exª não conseguiu expor todas as suas idéias. Espero que ocupe a tribuna em breve para manifestá-las. Assim, aprenderemos um pouco para, na hora de votar, saber como fazê-lo.

O SR. MARCO MACIEL (PFL-PE) - Sr. Presidente, eu é que lhe agradeço a generosidade do tempo e a paciência que V. Exª e o Plenário tiveram em aturar-me durante esses minutos. Quero também dizer que, de fato, terminei sem proferir o discurso que preparei para esta oportunidade. Optei por fazer algumas considerações baseadas em temas que o Presidente José Sarney suscitou. Esta é uma Casa de grandes especialistas nesse tema e portanto esse debate pode ser melhor tratado pelos ilustres membros desta Instituição. 

No discurso sobre o estado da União, perante o Congresso Norte-Americano, não sei se em 1999 ou 1998, não me lembro, o Presidente Clinton disse: “O século XXI será o século americano”. Uma frase talvez imodesta. Ao ouvi-lo, fiquei pensando se não poderia parafrasear o Presidente Clinton, sem parecer uma manifestação de ufanismo, afirmando que o século XXI terá a presença brasileira. O Brasil, estou certo, ocupará um papel destacado na comunidade internacional do Século XXI, mas para que isso aconteça - é bom reiterar - é fundamental que façamos as reformas porque elas terão enorme impacto sobre o funcionamento das instituições brasileiras, concorrendo, de igual forma para assegurar a todos pleno cidadania e a construção de uma Nação verdadeiramente justa.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2003 - Página 9879