Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação de projeto que altera o Estatuto da Advocacia, do qual foi o Relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. (Como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXERCICIO PROFISSIONAL. JUDICIARIO.:
  • Defesa da aprovação de projeto que altera o Estatuto da Advocacia, do qual foi o Relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. (Como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2003 - Página 10108
Assunto
Outros > EXERCICIO PROFISSIONAL. JUDICIARIO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, ETICA, EXERCICIO PROFISSIONAL, REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, RELATORIO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, ESTATUTO, ADVOCACIA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ESPECIFICAÇÃO, PROIBIÇÃO, ATUAÇÃO, ADVOGADO, TRIBUNAIS, MEMBROS, PARENTE, PARENTESCO POR AFINIDADE, APOIO, JUDICIARIO, JURISTA.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA, DENUNCIA, FAVORECIMENTO, ADVOGADO, PARENTE, TRIBUNAIS SUPERIORES, GRAVIDADE, VINCULAÇÃO, CRIME ORGANIZADO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: “Proponho ao povo civilizado não te chamar de malandro e sim de rapaz folgado.” (Noel Rosa)

Cláudio Abramo foi um dos maiores jornalistas deste País. Dono de texto brilhante, era intransigente na defesa da liberdade de expressão em um tempo em que a censura fazia a todos calar. Abramo foi um editor apaixonado pela notícia e um crítico severo da realidade do seu tempo. Mas a sua maior contribuição ao jornalismo brasileiro, certamente, foi a honradez do homem e do repórter. Cláudio Abramo entendia ser desnecessário um regimento de conduta especial à imprensa. Nas suas recomendações, o profissional da notícia devia seguir a ética do marceneiro: o que era defeso ao cidadão comum o era também ao jornalista.

A lição do Abramo é um bom conselho para toda e qualquer profissão, independentemente das normas estatuídas em seus códigos de ética. Mesmo assim, em desatenção às regras codificadas e ao compromisso íntimo da decência, alguns profissionais servem-se de tentações dolosas e ferem o equilíbrio social. Quando a situação se consuma em práticas reiteradas é hora do legislador assumir a responsabilidade de impor limitações a determinadas atividades a fim de garantir a credibilidade das instituições e proteger a sociedade.

Em atenção a esse dever, apresentei à Comissão de Constituição e Justiça do Senado relatório, que já foi aprovado, ao projeto de lei originário da Câmara dos Deputados que dispõe sobre a alteração do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. A matéria, de autoria do Deputado Federal Wilson Santos (PSDB-MT), acrescenta um inciso ao art. 30 da Lei nº 8.906/1994 que proíbe ao cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta, colateral ou afim, até o terceiro grau, de membro de Tribunal, atuar, como advogado, perante o respectivo órgão judiciário.

A finalidade do dispositivo é de reforçar os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Embora as leis processuais disciplinem o impedimento dos magistrados quando figurem na relação parentes, como partes ou advogados, a proibição expressa no relatório é da maior procedência e visa a restabelecer padrões éticos feridos por acontecimentos de domínio público inadmissíveis.

Embora, de acordo com o jornal O Estado de S.Paulo, quase todos os Ministros dos Tribunais Superiores, inclusive do Supremo Tribunal Federal, tenham parentes no comando dos principais escritórios de advocacia de Brasília, a gravidade do problema emergiu em novembro de 2000, quando o advogado Daniel Garcia, filho do então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Jacy Garcia Vieira, impetrou naquela Corte recurso contra a cobrança da Cofins - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - em favor de um grupo de empreiteiros. Em editorial, o jornal O Estado de S.Paulo revelou que Daniel Garcia, sabedor da posição contrária do pai ministro, montou estratégia na qual o magistrado se daria por impedido de atuar na lide e assim seria removido um julgador desfavorável.

O caso ganhou outra dimensão quando a Ministra do STJ, Eliana Calmon, propôs o aditamento da decisão do Tribunal e a aplicação da norma do Código de Processo Civil segundo a qual é do advogado e não do juiz o impedimento de atuar na ação depois que a mesma foi distribuída. A decisão da Ministra obteve o apoio do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Reginaldo de Castro, que reconheceu a gravidade do apelo à influência praticada por advogados parentes de membros dos Tribunais.

Pouco antes do editorial do Estadão, o jornal Valor Econômico publicou reportagem nominando os advogados que se valem das relações de parentesco com os Ministros dos Tribunais Superiores para obter “facilidades de fazer audiências informais e acelerar o julgamento dos seus processos”.

Sr. Presidente, no dia 27 de fevereiro deste ano, o jornal Folha de S. Paulo denunciou as relações perigosas entre o advogado Erick Vidigal, filho do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, e a quadrilha de João Arcanjo Ribeiro, chefe do crime organizado no Estado do Mato Grosso. Conforme apuração realizada pela Polícia Federal, o advogado supostamente teria negociado habeas corpus em favor do grupo narcotraficante, valendo-se de prestígio junto ao gabinete de seu pai. Caso se confirmem as investigações da Polícia Federal, qual explicação será dada à sociedade brasileira de que o filho de um Ministro patrocina, dentro da segunda maior Corte de Justiça do País, interesses de narcotraficantes?

            O Código de Ética e Disciplina da OAB prescreve o dever do advogado de “preservar, em sua conduta, a honra e a dignidade da profissão” e impõe ao mesmo a abstenção de “utilizar influência indevida em seu benefício ou do cliente”. De acordo com o Código, o profissional deve ter a “consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos”.

Os princípios éticos são claros, mas a sua simples codificação não tem o condão de reparar as condutas esquivas e restabelecer a lealdade processual nos casos específicos de tráfico de influência motivados pelas relações de parentesco. A OAB é uma instituição da maior credibilidade deste País, sempre foi basilar à ordem democrática brasileira, mas o seu próprio Presidente reconhece a dificuldade de punir a atuação fraudulenta dos advogados por falta de denúncia formal ao Conselho de Ética.

A aprovação do projeto de lei reforçará a honorabilidade da Justiça e da Advocacia. Em seu favor, pesa a opinião preponderante de membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil.

O ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Velloso, defende a tese da proibição de filhos de integrantes do Judiciário advogarem nos Tribunais em que seus pais praticam a atividade judicante. O Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, considera que a edição de lei nesse sentido “preservaria a lisura e o respeito do Judiciário”. Já o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Reginaldo de Castro, e o Conselho Federal da OAB emitiram posição favorável ao impedimento.

O projeto de lei encontra amparo entre os maiores operadores do Direito, visa afastar a atuação indevida e negativa de advogados que, parentes de integrantes dos Tribunais, não primam suas condutas pelo princípio constitucional da moralidade e gozam de privilégios escusos na defesa de suas causas.

Sr. Presidente, entendo que esta Casa, munida do dever de sempre perseguir o princípio da decência, há de aprovar, no momento azado, o presente projeto de lei, para que não pairem dúvidas sobre a honra do Poder Judiciário, para o bem da atividade advocatícia e a manutenção da estabilidade institucional.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2003 - Página 10108