Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Realização, no Estado do Espírito Santo, do Congresso da União dos Vereadores do Brasil. Defesa do empenho da diplomacia brasileira contra os registros de plantas típicas da Amazônia como propriedade de multinacionais.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Realização, no Estado do Espírito Santo, do Congresso da União dos Vereadores do Brasil. Defesa do empenho da diplomacia brasileira contra os registros de plantas típicas da Amazônia como propriedade de multinacionais.
Aparteantes
Arthur Virgílio.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/2003 - Página 10426
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, CONGRESSO BRASILEIRO, VEREADOR, MUNICIPIO, VITORIA, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES).
  • DENUNCIA, ATUAÇÃO, EMPRESA MULTINACIONAL, SEDE, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, REGISTRO, NOME, FRUTA, REGIÃO AMAZONICA, MARCA, IMPEDIMENTO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO NACIONAL, MERCADO EXTERNO, EMPRESA NACIONAL.
  • NECESSIDADE, ATUAÇÃO, GOVERNO, PROTEÇÃO, BIODIVERSIDADE, PATRIMONIO, GENETICA, RECURSOS FLORESTAIS.
  • CRITICA, NORMAS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), REGULAMENTAÇÃO, REGISTRO, RECURSOS, BIOLOGIA, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DEFESA, APLICAÇÃO, CONVENÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92).
  • NECESSIDADE, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, ESCLARECIMENTOS, UNIÃO EUROPEIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), JAPÃO, IMPOSSIBILIDADE, REGISTRO, MARCA, NOME, FRUTA, PRODUTO FLORESTAL, PREVENÇÃO, PROBLEMA.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, ORIGEM, SENADO, CONTROLE, ACESSO, RECURSOS, BIODIVERSIDADE.
  • EXPECTATIVA, REFORÇO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZONIA (INPA), INCENTIVO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DESENVOLVIMENTO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, PROTEÇÃO, UTILIZAÇÃO, BIODIVERSIDADE.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria, antes de iniciar o meu pronunciamento, de fazer uma referência a um congresso que está sendo realizado em Vitória, no Espírito Santo, o Congresso da União dos Vereadores do Brasil. Eu já fui Vereador, assim como o Senador João Ribeiro foi também Vereador no Estado de Goiás, Estado da nossa Presidente, Senadora Iris de Araújo.

Sabemos da importância do Vereador na comunidade, por ser ele quem recebe as primeiras reivindicações da nossa população, desde os pequenos aos maiores Municípios do nosso País. O cidadão brasileiro não mora no País nem no Estado, mas, sim, no Município, na comunidade. Procuro sempre atender aos telefonemas dos nossos Vereadores do Estado de Rondônia, alguns dos quais sei que participaram, no dia de ontem, e estão participando, hoje e amanhã, do Congresso de Vereadores em Vitória. Parabenizo-os e solidarizo-me com os Vereadores de todo o Brasil.

O que vou contar a V. Exªs bem poderia fazer parte do anedotário das práticas comerciais mais escusas já registradas. Infelizmente, é fato tão absurdo quanto verdadeiro e traz conseqüências terríveis para os interesses brasileiros.

A Organização Não-Governamental Amazonlink, ao buscar mediar o comércio de cupuaçu com uma empresa alemã, acabou por descobrir que a multinacional japonesa Asahi Foods havia registrado o nome “cupuaçu” como marca própria em todos os países da União Européia, além de fazê-lo também nos Estados Unidos e no Japão.

Isso significa dizer, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, nesses países, a comercialização de qualquer produto que contenha o nome da fruta, quando efetuado por outra empresa, está proibida.

O pior, Srªs e Srs. Senadores, é que essa situação grotesca não se resume ao cupuaçu. Frutas típicas da Região Amazônica, tais como a andiroba, a copaíba e o açaí encontram-se registrados no exterior como se marcas fossem. Como se não bastassem os medicamentos e produtos de alta tecnologia que temos que importar de outros lugares, os países mais desenvolvidos registram nossas frutas e os produtos típicos da Região Amazônica como se fossem marcas, impedindo o povo sofrido daquela Região de vender qualquer produto que leve a marca dessas frutas da Amazônia.

Esses absurdos, somados, denunciam não só a ganância desmesurada de algumas multinacionais que buscam o lucro a qualquer preço, mas também a necessidade premente de o Governo e a sociedade brasileira agirem na defesa de nossos interesses mais legítimos.

As riquezas da Amazônia têm um imenso potencial ainda desconhecido de nossa sociedade. Em face da cobiça que não conhece limites éticos, é lícito afirmar que os passos do Governo brasileiro ainda são excessivamente tímidos no que tange à proteção de nosso patrimônio genético e de nossa inigualável diversidade.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - V. Exª me concede um aparte, Senador?

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Com muito prazer, concedo um aparte ao Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - V. Exª, Senador Valdir Raupp, que conheço desde os tempos de Governador de Rondônia, é, na verdade, alguém que, mesmo sem ter nascido na região, se mostra um amazônida efetivo, ainda mais por ser por opção. Hoje faz um pronunciamento que não me surpreende pelo conhecimento de causa, pelo alerta, pela lucidez, pelo compromisso com a região. Ainda há pouco, num debate muito feliz que pude aqui travar com essa excelente figura de Parlamentar, o Senador Pedro Simon, estávamos a conjeturar que precisamente a Amazônia, que é uma região de interesse planetário, sem dúvida, não pode deixar de despertar um fundo interesse nacional. Nenhum brasileiro pode se dizer completamente brasileiro se não tiver preocupação muito relevante com o destino da nossa região, que é estratégica para nós e sabemos disso, e também para o resto do Brasil, que precisa tomar conhecimento disso. E o discurso de V. Exª é de enorme oportunidade. Parabéns! É bom sabermos que há um Senador com tamanha capacidade de vigilância sobre essa região tão importante para o País e que desperta tanto interesse, às vezes bons, às vezes maus no mundo inteiro.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Muito obrigado, Senador Arthur Virgílio, o seu aparte com certeza enriqueceu o meu pronunciamento. V. Exª, que vem do maior Estado da nossa Federação, e, não tenho certeza, mas creio que do mundo também, o Amazonas, que apresenta a maior biodiversidade do Planeta, é um profundo conhecedor do que estou falando.

Reconhecemos que no plano internacional ainda falta um regime unificado que trate das questões de biossegurança relacionadas às marcas e patentes. Existem, em linhas gerais, dois paradigmas que, se não necessariamente se incompatibilizam entre si, ao menos têm sido utilizados, muitas vezes, para chancelar condutas significativamente distintas, quando não contraditórias.

Sob a tutela da Organização Mundial do Comércio -- OMC, a questão é regulada pelo Tratado sobre Direito de Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio Internacional -- Trips, de 1995, que especifica que recursos biológicos devem estar sujeitos a direitos privados de propriedade intelectual.

Tal entendimento é, a nosso juízo, de miopia gravíssima, daquelas que só uma drástica intervenção cirúrgica seria capaz de sanar. Isso porque a visão meramente privatística do fenômeno da proteção dos recursos biológicos, bem ao sabor das nações mais poderosas, ignora noção que se tornou elementar na pauta de debates internacionais: a necessidade de se buscar o desenvolvimento sustentável. Em tal equívoco, não incorre a Convenção de Diversidade Biológica -- CDB, assinada por ocasião da conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como ECO-92.

Nesse instrumento jurídico, há a nítida preocupação de se buscar a aprovação e a participação das comunidades locais no trato das questões que envolvam recursos biológicos. Existe nele a clara intenção de se obter o desenvolvimento justo e eqüitativo entre Estados, por meio da cooperação e da preservação das comunidades que desenvolveram e mantiveram determinado conhecimento ao longo do tempo.

Grosso modo, a Convenção sobre Diversidade Biológica antepõe o interesse público e o bem comum à propriedade e aos interesses privados. O raciocínio é inverso no caso do acordo Trips. Dessa forma, o desafio parece ser o de conciliar a produção de novos conhecimentos científicos com a maneira sustentável de fazê-lo. Nesse ponto, o Governo brasileiro pode desempenhar papel muito mais relevante do que tem desempenhado até o presente momento.

Voltemos ao caso do registro do cupuaçu como marca. Tal procedimento é incabível perante toda e qualquer legislação que vise proteger direitos sobre marcas e patentes. É vedado registrar nome que é utilizado para descrição de um produto. Seria o mesmo que registrar o nome “banana” como marca. Isso é ilegal e ofende o bom-senso mais comezinho.

Como os sistemas de patentes ainda são nacionais, conforme vimos, não há um sistema internacional unificado de propriedade intelectual. O Brasil não pode obrigar o Japão ou a União Européia e nem mesmo os Estados Unidos a desconsiderar as marcas e patentes ali registradas. Nesse ponto, prevalece ainda a clássica noção da soberania dos Estados, noção esta que se vem transmutando em função da crescente interdependência entre os países.

Entretanto, o Brasil tem o direito - e o dever - de não reconhecer tais anomalias e tampouco pagar royalties sobre o produto em seu território, até porque a Lei nº 9.279/94, que trata da propriedade industrial, afirma não ser registrável como marca sinal de caráter genérico, comum ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir.

Dizemos mais, Srª Presidente: encorajamos fortemente a diplomacia brasileira a empreender gestões junto aos escritórios de marcas e patentes do Japão, da União Européia e dos Estados Unidos, no sentido de esclarecê-los sobre a impossibilidade de se registrar copaíba, cupuaçu ou açaí como marca, pois falta-lhes capacidade distintiva. É preciso informá-los de que não se registra o nome “banana” ou “maçã” como marca, porque esses são nomes que designam o produto. Essas funções elucidadoras podem muito bem ser desempenhadas tanto pelas embaixadas, representantes do Estado, quanto pelos consulados, representantes dos interesses comerciais do Brasil.

Por que não firmamos convênios com escritórios de marcas e patentes internacionais para disponibilizar-lhes listagem com nomes de produtos tipicamente brasileiros que fazem parte da cultura indígena ou, ainda, que tenham potencial exportador? Se se empreendessem esforços no sentido de se consolidar uma relação de nomes de produtos brasileiros, sujeita a revisões periódicas, constrangimentos tais como evidenciados no “caso cupuaçu” seriam facilmente evitados. A falta de unidade internacional deve ser compensada pela vontade política.

Outra iniciativa bastante exeqüível por parte do Governo brasileiro é a de incentivar instituições como o Grupo de Trabalhos Amazônicos. Essa instituição congrega centenas de associações de produtores rurais e Organizações Não- Governamentais cujo objetivo principal é unir esforços no sentido de gerar renda e emprego à população regional. Por outras palavras, busca-se o desenvolvimento sustentável da nossa Região Amazônica.

Se no plano externo pudemos verificar que o Brasil e as nações detentoras de pródigos recursos genéticos ainda têm muito com o que contribuir para o aperfeiçoamento do sistema internacional, tal necessidade não é muito diferente no plano interno.

O Projeto de Lei do Senado nº 306/95, de autoria da Senadora e hoje Ministro Marina Silva, cujo substitutivo, do ilustre Senador Osmar Dias, foi aprovado e remetido à Câmara dos Deputados, por exemplo, não se transformou em lei ainda e não se sabe por qual motivo. Esse projeto, ao dispor sobre os instrumentos de controle do acesso aos recursos genéticos do País e seus produtos derivados, atenta para a repartição justa e eqüitativa dos benefícios advindos do acesso a novos produtos e tecnologias, bem no espírito de utilização sustentável da diversidade biológica propugnado pela Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU.

É premente que tal projeto se transforme em lei, pois o tratamento da matéria por medida provisória é absolutamente insuficiente e ineficaz ao não impor sanções penais no caso de descumprimento dos dispositivos legais.

Contudo, a aprovação do projeto de lei por si só não terá o condão de proteger nosso inestimável patrimônio genético. É necessário investir no aparelhamento tecnológico e nos recursos humanos de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para que este possa cumprir de forma eficaz seu mister. O fenômeno da biopirataria é sutil e emprega recursos tecnológicos cada vez mais avançados no intuito de despistar a fiscalização brasileira. Cabe ao Governo também viabilizar o apoio logístico da Infraero para cobrir a vastíssima região amazônica.

Outro órgão-chave para o Brasil é o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Se não nos concientizarmos de que dinheiro ali empregado é investimento em nosso potencial, continuaremos a seguir caminhos já trilhados por outros. Somente o conhecimento a respeito de nossa biodiversidade, aliado ao trabalho sério de pesquisadores e cientistas, pode barrar a ação dos biopiratas. A Amazônia, uma das expressões mais eloqüentes de nossa riqueza, é área estratégica, e como tal deve ser tratada. Exemplos de mobilização da sociedade civil não estão faltando.

Fazemos um apelo, então, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para que à cidadania demonstrada pelo povo do meu Estado, Rondônia, e da Região Norte venham somar-se as ações concretas do Governo. Juntos, Governo e povo, construiremos uma sociedade fundada nos sólidos pilares do desenvolvimento sustentável e da justiça social.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/2003 - Página 10426